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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  n.193 Lisboa out. 2009

 

João Freire (org.), Associações profissionais em Portugal, Oeiras, Celta Editora, 2004, 336 páginas.

 

Marta Pedro Varanda

Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa

 

Foi com muito agrado que tivemos conhecimento da publicação deste estudo sobre o associativismo profissional, visto tratar-se de um tema insuficientemente estudado tanto em Portugal como a nível internacional.

Esta investigação sobre “associações profissionais” (APs) assume-se mais como sendo orientada pela problemática da sociologia das profissões do que pela sociologia das organizações, isto porque «o associativismo [...] oferece um campo interessante de problematização teórica e conceptual [...] das profissões» (p. 3). Parece-nos, no entanto, que o reforço da componente analítica da associação enquanto organização traria valor acrescentado, na medida em que esta condiciona ou possibilita as estratégias dos profissionais (um tema abordado por João Freire).

Os diferentes capítulos deste livro caracterizam-se por dois tipos de abordagem: uma em que os autores, numa primeira parte, desenvolvem um tema (saúde, formação, TICs…) para, posteriormente, o analisarem empiricamente; outra onde é feita uma reflexão mais alargada, capítulos de João Freire sobre as APs enquanto organizações e de Maria de Lurdes Rodrigues sobre as profissões. As excepções são os capítulos de Maria Alexandre Lousada e Raquel Rego, que, em primeiro lugar, fazem, respectivamente, um enquadramento histórico e jurídico para, de seguida, se debruçarem sobre a leitura dos dados relativos a temas específicos. Para uma melhor organização do livro parece-nos que os quatro capítulos acima mencionados deveriam estar situados no início, o que facilitaria e tornaria mais produtiva a leitura dos capítulos relativos a questões mais particulares.   

No primeiro capítulo é feita a apresentação do estudo e abordam-se as suas grandes problemáticas: as profissões e a mudança social; as profissões e o seu associativismo. Nesta introdução é também apresentada a metodologia da investigação — um questionário presencial aplicado ao presidente da associação ou a outro dirigente seu representante — e feita uma primeira leitura global dos dados. Numa investigação com esta dimensão seria, sem dúvida, muito oneroso questionar vários elementos da associação, órgãos dirigentes e/ou funcionários, mas ter um só dirigente como principal fonte de informação obriga a uma maior cautela na interpretação das respostas. Ou seja, não podemos deixar de ter presente Robert Michels e a sua “lei de ferro da oligarquia” ao interpretar estes dados.

No capítulo “Tradição e renovação nas associações profissionais”, Maria Alexandre Lousada recua até ao final do século xviii para nos apresentar o enquadramento histórico e político-jurídico da fundação e desenvolvimento das APs até 1974. A autora dá conta da evolução do associativismo profissional desde as associações de socorro mútuo até hoje, em que a prioridade parece ser «a construção/defesa do prestígio e do mercado profissional». Esta tendência leva à proliferação e especialização das APs, o que, a continuar, poderá ser autodestrutivo por incentivar a competição e minar a capacidade de cooperação na defesa da profissão. De notar, em particular, que os dados relativos à criação de associações entre 1834 e 1974 dão conta de uma vivacidade associativa que contraria as afirmações de uma tradição portuguesa de fraco associativismo e também o que se verifica na actualidade. Como demonstra Raquel Rego no capítulo 7 desta obra,  comparativamente à média da UE (46%), a participação associativa em Portugal  continua a ser muito fraca (26%).

Graça Carapinheiro dá conta, no capítulo 3,  da realidade associativa na área da saúde. A autora chama a atenção para a grande preocupação das APs, em geral, e das APs do sector da saúde, especificamente, relativamente ao reconhecimento do Estado, por trás da qual está a obtenção da exclusividade da representação dos profissionais.

No capítulo 4, Carlos Gonçalves concentra-se nas associações de carácter económico e aborda temas como o emprego e o nível de rendimentos. Uma questão que nos pareceu ser interessante a este respeito é a do preço dos actos profissionais e dos rendimentos auferidos pelos profissionais. Da leitura dos dados ressalta o peso das não respostas e das respostas nas categorias com rendimentos mais baixos. Dado o próprio autor reconhecer o importante peso na amostra das associações fortes, de profissões bem estabelecidas, parece haver aqui uma incongruência. Estes resultados levantam, assim, dois tipos de questões. A primeira, sobre qual o papel das APs na regulação das taxas impostas ao consumidor? Se os próprios dirigentes se negam a responder às questões relativas aos rendimentos, esse papel deve ser, no mínimo, reduzido (questão igualmente abordada por RR e MLR). A segunda questão é de cariz metodológico: uma pergunta deste tipo colocada a um dirigente associativo induz enviesamento na resposta. Não se pode esperar que os dirigentes associativos respondam contra a norma e assumam que os profissionais do sector (e eles próprios) estejam a cobrar preços altos pelos seus serviços. Outro tema focado é o das taxas de filiação (p. 100), que andam na ordem dos 44% no sector económico e empresarial e dos 46% na amostra no seu todo. Também nos chamou a atenção o facto de nenhuma das principais razões apontadas para a taxa de filiação ter a ver com o trabalho da associação, mas sim com a obrigatoriedade de adesão e o aumento do número de profissionais. Estes dados deveriam servir de base a uma reflexão no seio das associações.

António Pedro Dores, no capítulo 5, faz a análise da utilização das tecnologias de informação e comunicação por parte dos diferentes sectores profissionais, deparando desde logo com uma grande heterogeneidade de comportamentos.

No capítulo 6, Lina Antunes aborda as questões da formação profissional em geral e do papel das APs na resposta às novas exigências de formação. Os resultados do inquérito permitem-lhe concluir que há um importante envolvimento das APs na formação, muitas vezes suprindo as carências da formação inicial dos seus associados.

O capítulo da autoria de Raquel Rego divide-se em duas partes: uma em que se debatem as questões do enquadramento jurídico das APs e outra sobre as questões da participação social, isto é, o papel das associações na esfera pública. A autora tem como preocupação discernir a relação entre a natureza jurídica das associações e o seu nível de participação social. Os resultados sobre a intervenção das APs na formulação de políticas demonstram que o papel desempenhado pelas associações públicas é mais importante do que o das associações privadas. Mas ambos os tipos associativos afirmam que este processo é «formal e esvaziado de sentido», pois, mesmo quando são ouvidas, não lhes são dadas as condições suficientes para formular pareceres bem fundamentados, que nunca chegam a ser considerados.

No capítulo 8, João Freire faz uma análise sociopolítica das associações. Para expressar a sua ideia de estrutura organizacional associativa apresenta uma dupla pirâmide, ilustradora da dupla vertente das associações modernas, que, se, por um lado, mantêm o seu carácter associativo, por outro, têm de se “transvestir” em empresas. A conflitualidade inerente a esta duplicidade de papéis é depois debatida, levando-o a analisar a questão da democracia no seio das associações.

Na secção em que se debate a disputa pelo poder, ficamos a saber que em 80% dos casos havia uma lista única a sufrágio, situação que é atenuada nas associações públicas, onde acontece, por vezes, uma verdadeira disputa pelo poder. Ainda nesta secção é focada a questão da duração dos mandatos e da baixa rotatividade dos dirigentes, o que nos recorda mais uma vez a tese de Michels da “lei de ferro da oligarquia”. Resta-nos saber, como diz João Freire, qual o impacto que a baixa rotatividade terá no dinamismo, adaptabilidade ao meio e capacidade de inovação das associações, aspectos que se relacionam, por seu turno, com a repercussão das propostas das associações, por exemplo, na concepção de políticas públicas para a sua área de intervenção.

O capítulo de Maria de Lurdes Rodrigues tem uma secção teórica que começa por debater os pros and cons da existência das APs e do seu impacto junto do poder político: a existência de APs torna a democracia mais participada ou, pelo contrário, reduz a liberdade dos indivíduos não organizados e aumenta o poder da corporação? Depois faz um breve excurso sobre a sociologia das profissões, que nos leva a repensar alguns dados apresentados noutros capítulos e que careceram de explicação teórica. Na segunda parte desenvolve uma tipologia original das APs em Portugal, que utilizará para identificar a ideologia do profissionalismo e do modelo profissional, e aborda a ligação dos grupos ocupacionais ao sistema formal de ensino e a sintonia existente entre ambos. Uma questão crítica para a autora é a tendência de fechamento das profissões — regulação, controlo do seu exercício e das condições de acesso a esse exercício —, que, se aliada fortemente às instituições de ensino, leva a um círculo vicioso de fechamento. Para a autora, «a subordinação das instituições que atribuem os diplomas às lógicas das instituições que os comercializam cria uma tensão crítica no funcionamento de um e outro sistema». Outra questão igualmente importante é a desvalorização da experiência em prol da exclusividade da credenciação. Tudo temas que muito deveriam preocupar as APs.

O capítulo final é uma síntese e termina com uma preocupação que estimula a reflexão e potencial investigação futura: «é questionável o modo como este modelo português do associativismo profissional desempenha a sua função no quadro da prestação de serviços qualificados (por vezes de grande impacto social), em termos de eficiência económica, de equidade de responsabilidades partilhadas com os poderes públicos, de oportunidades de realização dos profissionais e de qualidade do serviço prestado aos clientes, cidadãos e populações do espaço nacional».

Este livro traz um enorme valor acrescentado ao nosso conhecimento das APs em Portugal. Dá-nos informação sobre a sua história, funcionamento, forma de organização e enquadramento legal. Discute assuntos e levanta problemáticas que serão, sem dúvida, inspiradoras para a continuação do estudo desta temática e, em particular, das questões levantadas por Freidson, designadamente daquela que é mais actual: a da «existência de tensões entre manter a protecção de mercado, controlar e monitorar as competências, promover os valores profissionais de autonomia e melhoria constante dos serviços prestados».

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