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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  n.194 Lisboa  2010

 

Gerir a dissidência: vencedores e vencidos na espanha franquista**  

 

Fernando Ampudia de Haro

IHC, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Av. Berna, 26-C, 1069-061 Lisboa, Portugal. e-mail: fernandoampudia@gmail.com

 

O objectivo do artigo é oferecer uma perspectiva geral acerca da dicotomia “vencedor/vencido” como resultado do novo equilíbrio de poder que emerge em Espanha após a guerra civil. A administração deste equilíbrio por parte do regime franquista inclui a gestão do contingente dos vencidos. Argumenta-se que a distinção “vencedor/vencido” proporciona o fundamento sociológico necessário que converte a metáfora meta-histórica das “duas Espanhas” numa realidade social durante o franquismo.

Palavras-chave: equilíbrio de poder;  Espanha; repressão; franquismo; Norbert Elias.

 

Managing dissent: winners and losers in Franco’s Spain

The aim of this paper is to offer a general perspective on the “victor/vanquished” dichotomy as a result of the new power balance in the period following the Spanish Civil war. The power balance administered by the Franco regime includes, inevitably, the “vanquished” management. I argue that the “victor/vanquished” distinction provides a sociological background to speak about the “two Spains” meta-historical metaphor as a social reality during Francoism.

Keywords: power balance; Spain; repression; francoism; Norbert Elias.

 

Introdução

A 27 de Janeiro de 1942, Francisco Franco profere um discurso na Câmara Municipal de Barcelona. Relembrando a guerra (1936-1939), da qual saíra vitorioso, assinala o motivo que a desencadeara, assim como as consequências que esta necessariamente haveria de trazer ao país:

[...] os grandes sacrifícios de Espanha, a generosidade sem limites das mães e da juventude, foram feitos por uma razão grande e vital; não foram feitos para voltar de novo à Espanha decadente, à Espanha pobre a partir-se em pedaços [...] Quando tanto é sacrificado e se põe o afã todo que nós pomos, não se pode discutir, não se podem semear nuvens, porque dos conflitos nascem os partidos e destes as divisões; e porque essa Espanha vencida é uma Espanha perdida [Molinero, 2005, p. 56].

As suas últimas palavras, em que fala sobre uma “Espanha vencida e perdida”, são sintomáticas de um novo tipo de distinção social que se vai desenvolver, com maior ou menor intensidade, ao longo dos trinta e seis anos que viria a durar o regime franquista (1939-1975), uma distinção articulada segundo a dicotomia “vencedor/vencido”. O presente artigo tem por objectivo a análise sociológica da clivagem social produzida por esta dicotomia na Espanha do franquismo. Esta análise enquadra-se no domínio da sociologia e toma como principal referência teórica as diversas contribuições desenvolvidas por Norbert Elias. Num plano geral, tem em consideração a teorização do processo civilizacional desenvolvida por este autor (Elias, 1987) e, num plano específico, as teorias focadas nas dinâmicas de interacção entre grupos sociais “estabelecidos” e “marginais” (Elias, 1994 e 2003). Por outro lado, este trabalho procura desenvolver uma perspectiva comparativa, olhando para outros possíveis casos que, dentro do contexto europeu ocidental, possam revelar analogias com o caso espanhol. Através da comparação acederemos a um conjunto de dados e elementos de avaliação que nos permitirão observar em que medida o franquismo é específico e singular na gestão e institucionalização dos “vencedores” e “vencidos”.

 

A gestão do novo equilíbrio de poder

O conceito de “equilíbrio de poder” refere-se às condições específicas de interdependência que existem entre os indivíduos e os grupos de uma dada sociedade. Estas condições implicam que o grau de dependência de um grupo em relação a outro seja maior ou menor e, por isso, que as suas oportunidades de acção sejam também distintas. Aqui o poder é uma noção essencialmente relacional, o que inviabiliza que o consideremos um “jogo de soma zero”, em que um dos grupos teria um nível absoluto de poder, enquantos os restantes estariam desprovidos de poder (Elias, 1999, pp. 100-107). O novo equilíbrio instituído pelo franquismo ocorre na sequência da vitória na guerra civil (1936-1939). O dia 1 de Abril de 1939 assinala o “ponto zero” deste novo equilíbrio e, portanto, representa a marca de um triunfo que vai actuar como fonte de legitimidade primordial do regime (Aguilar, 1996, p. 114). Este “ponto zero” estabelece uma ruptura com o passado e inaugura uma tentativa de reposição ou reformulação da ordem social, que visa não só a correcção de uma situação prévia — o período da II República (1931-1936) —, como também a impugnação global de mais de um século de liberalismo político em Espanha. Este era visto como um elemento alheio e estranho à essência da nacionalidade, dentro do qual o marxismo e o republicanismo constituíam os mais perfeitos exemplos da sua corrupção e degeneração históricas. Assim, o franquismo fica investido de um carácter teleológico, em função da sua pretensão correctora: a “vitória” será, doravante, o argumento central que vai guiar a intervenção explícita e directa na vida social com o intuito de a regenerar moralmente. No entanto, o novo equilíbrio de poder, do mesmo modo que gera oportunidades de acção inéditas para o vencedor, implica que este tome posição em relação ao contingente dos “vencidos”.

Mas como é que foi gerido este contingente por parte do franquismo? Se a repressão franquista durante a guerra atinge um valor aproximado de 100 000 assassinados, durante os dez primeiros anos do pós-guerra, num período formal de paz, são aproximadamente 50 000 os executados, 30 000 dos quais entre 1939 e 1946 (Casanova, 2004, pp. 8 e 20). Falando agora na população prisional detida por motivos políticos, e segundo fontes oficiais da época, esta era composta por 270 000 pessoas em 1940, 120 000 em 1943 e pouco mais de 54 000 no começo de 1945 (Prada e Rodríguez, 2003, p. 372). A própria infra-estrutura do sistema penitenciário, preparada para acolher 10 000 a 20 000 presos (Molinero, 2006, p. 222; Vinyes, 2003, p. 161), revelou-se amplamente ultrapassada pelo volume de detidos. No âmbito dos procedimentos legais que determinam a distinção entre “vencedor/vencido”, destaca-se a Lei de Responsabilidades Políticas (LRP), promulgada a 9 de Fevereiro de 1939, cuja aplicação teve carácter retroactivo. No seu primeiro artigo declara:

[...] a responsabilidade política das pessoas, quer jurídicas, quer físicas, que desde 1 de Outubro de 1934 e antes de Julho de 1936 contribuíram para criar ou agravar a subversão da ordem da qual Espanha foi vítima, e daquelas outras pessoas que a partir da segunda dessas datas se tivessem oposto ou se opuseram ao Movimento Nacional com actos concretos ou grave passividade [Villaroya e Solé, 1986, p. 62].

Uma formulação legal desta natureza inclui, directa ou indirectamente, todos os “vencidos”: os que não colaboraram por acção ou omissão, os filiados em partidos políticos republicanos e de esquerda, os membros dos sindicatos, os que participaram eleitoral ou governamentalmente nos tempos da República e, em geral, aqueles que tiveram uma actuação que pudesse ser interpretada como subversiva e, ao fim e ao cabo, justificadora da insurreição militar “nacional” franquista. Um importante contingente da população iria ter de responder pelos seus actos ou pela actuação de familiares mortos, exilados ou desaparecidos. Em Outubro de 1941 havia já 125 286 processos instaurados e nos anos sucessivos mais 200 000 pessoas seriam afectadas. É preciso ter em conta que, se bem que os processos fossem pessoais, as sanções e penas que a eles estavam associadas acabavam por abranger as famílias, quando o acusado, como foi apontado, estava morto, desaparecido ou fora do país. A LRP foi revogada a 13 de Abril de 1945, e desde essa data não foram abertos novos processos, embora os que já estavam activos continuassem a correr até 10 de Novembro de 1966 (Casanova, 2004, p. 22). Repare-se, aliás, que o carácter retroactivo da lei traduz a vontade de intervenção do Estado franquista sobre um tempo anterior à sua institucionalização. Declarar “desleais” os apoiantes da República desde 1934 gera uma situação de insegurança jurídica para inúmeros espanhóis, que são acusados, paradoxalmente, de defender a única legalidade que vigorava desde 1931, isto é, a legalidade republicana (González, 2000, pp. 394-395). Tentemos, não obstante, situar estes dados em perspectiva para dessa maneira adquirirmos uma visão integrada sobre o equilíbrio de poder relativamente à figura do “vencido” no contexto da administração franquista.

Um primeiro exercício comparativo pode estabelecer-se com a Finlândia e com a Grécia, que, tal como a Espanha, viveram também uma guerra civil no século xx. Embora existam diferenças entre estes três países — diferenças relativas à cronologia, à composição dos grupos em luta, à origem dos confrontos, às causas que os provocaram e à eficácia da pressão diplomática internacional —, julgo ser possível esboçar uma comparação geral, baseada essencialmente no tratamento dado ao “vencido”, como resultado da mudança do equilíbrio de poder1.

A guerra civil finlandesa durou três meses. Eclodiu no início de 1918 e opôs um grupo “branco”, de orientação contra-revolucionária, a um grupo “vermelho”, de afinidade pró-russa, resultando vencedor o primeiro deles. Numa população total de 3 100 000 pessoas, foram assassinados ou executados, entre 28 de Abril e 1 de Junho, 4745 “vermelhos”. Nas primeiras semanas após o desfecho formal das hostilidades tiveram lugar 8300 execuções de “vermelhos” sem supervisão jurídica. A repressão conduzida pelos “brancos” contrasta com a morte directa de 2000 soldados nas frentes de combate. Globalmente, entre execuções e mortes nas prisões, terão morrido cerca de 20 000 pessoas.

Na Grécia não existem valores fiáveis sobre a repressão da direita após a guerra civil de 1946 a 1949. Mais seguro parece o número de presos políticos ligados directa ou indirectamente à esquerda nos finais de 1949: aproximadamente, 50 000 pessoas. Em 1952, o número decrescera já para 17 089 e em 1955 não ultrapassava os 5396 indivíduos. Relativamente a Espanha, a principal divergência na gestão dos “vencidos”, além dos números, tem a ver com a desactivação da lógica de guerra no seguimento da repressão. Na Finlândia, a diminuição de assassinatos está relacionada com a constituição, a 29 de Maio de 1918, de uma série de tribunais que tenderam a eliminar progressivamente a repressão ilegal. Une-se a esta medida a própria pressão internacional num sentido democratizador, que exige a celebração de eleições livres como condição para o reconhecimento do país no exterior. Definitivamente, já em 1919, um ano após a guerra, são convocadas eleições legislativas, tendo sido eleito como presidente um liberal que contava com o apoio dos socialistas. Finalmente, em 1926, a Finlândia será presidida por um governo socialista em minoria. Na Grécia, a pressão democratizadora dos Estados Unidos e do Reino Unido é fundamental para a convocação de eleições legislativas em 1952 e para a suspensão da lei marcial. Desenvolveu-se, posteriormente, um sistema parlamentar restringido, dentro do qual a esquerda moderada consegue escolher representantes. Quer na Finlândia, quer na Grécia, o que se pode verificar é que a gestão dos “vencidos”, muito embora incluísse a repressão física, penal e legal, passa por um lento abandono destas práticas, o que não acontece em Espanha. Isto é, na Finlândia e na Grécia celebram-se eleições legislativas pouco tempo a seguir à guerra, sendo admitidas, num e noutro país, opções ideológicas afins às dos grupos que haviam perdido a guerra civil. Compare-se esta tendência com o caso espanhol no que diz respeito à magnitude da repressão, da vigência do processo de apuramento de responsabilidades políticas ou da inexistência de qualquer convocação eleitoral com garantias de representatividade que integrasse de algum modo a oposição ao regime. Em Espanha seria necessário esperar até 1977 para que fossem celebradas as primeiras eleições livres desde o tempo da II República.

O segundo tipo de comparação que proponho emprega como variável de referência a proximidade ou afinidade ideológica e situa o franquismo perante os casos alemão e italiano. Apesar da afinidade ideológica do regime franquista com o nazismo e com o fascismo, é preciso relembrar dois elementos que diferenciam substantivamente a Espanha da Alemanha e da Itália: nem o nazismo nem o fascismo nascem de uma vitória numa guerra e nenhum dos dois viveu um pós-guerra após a sua derrota. Não é de mais ter presentes tais divergências, embora não implique isto que não possam realizar-se certas comparações no terreno da gestão dos “vencidos”, ligada à formação de um novo equilíbrio de poder. Se considerarmos essa gestão em tempos formais de paz, é fácil observar que os níveis repressivos resultam claramente inferiores aos demonstrados pelo franquismo no pós-guerra. Durante o primeiro ano em que Hitler esteve no poder foram presas 75 000 pessoas, acusadas dos mais diversos crimes de natureza política, e as execuções, legais ou ilegais, não ultrapassaram as 600. Entre 1936 e 1937, a população prisional conheceu uma contracção, não excedendo os 10 000 indivíduos e, globalmente, entre 1933 e 1944, as execuções por motivos políticos situam-se entre as 11 800 e as 12 000. Na Itália fascista, entre 1927 e 1939, foram aprisionadas 3596 pessoas, às quais devem ser acrescentadas outras 15 000, condenadas ao “desterro interno vigiado”. Durante a ditadura foram 26 as execuções por razões políticas, 17 das quais durante a Segunda Guerra Mundial (Eiroa, 2006, p. 6; Saz, 2004, p. 176). Mas não existe um pós-guerra nazi ou fascista que possa ser comparado com o pós-guerra franquista. No entanto, este último coincide cronologicamente com um processo geral aberto na Europa a seguir à Segunda Guerra Mundial por via da instituição do novo equilíbrio de poder que emerge após a derrota do fascismo. E, de novo, a gestão deste equilíbrio integra como dimensão fulcral a gestão do contingente dos “vencidos”.

Os regimes que tomam forma na Europa ocidental a partir de 1945 vão articular a sua legitimidade segundo dois critérios estreitamente ligados: por um lado, a vitória militar sobre as potências do Eixo e, de um modo genérico, o triunfo sobre o fascismo e, por outro, a definição da actividade dos regimes fascistas como criminosa, merecedora de punição. O equilíbrio de poder do pós-guerra baseia-se, de uma maneira muito significativa, na distinção entre “resistentes” e “colaboracionistas”, uma distinção análoga à existente em Espanha entre “vencedores” e “vencidos”. A categoria de “colaboracionista” refere-se, numa óptica genérica, àqueles indivíduos que legitimaram a opressão fascista sobre os seus concidadãos e colaboraram com o invasor, oferecendo diferentes tipos de apoios: trabalharam para as forças invasoras, conviveram amigavelmente com elas, prestaram-lhes ajuda de diversa natureza ou obtiveram benefícios e regalias económicas e sociais. Mesmo assim, o carácter genérico desta definição confrontou-se com inúmeros problemas aquando da concretização do tipo de actividades e de pessoas que deviam ser punidas. Contudo, o “colaboracionista” representa na Europa do pós-guerra a figura do perdedor e uma parte importante das políticas dos vencedores terá como objecto prioritário das suas iniciativas precisamente estes indivíduos. Nesta analogia que aqui se propõe também existem elementos diferenciadores que convém ter presentes. Apesar de o período cronológico de 1914-1945 ter sido descrito como o período da “guerra civil europeia” (Preston, 2002) e de esta denominação nos permitir falar, a priori, em ganhadores e em perdedores, é verdade que os fundamentos e as origens da distinção “vencedor/vencido” são, em Espanha, diferentes daqueles que subjazem às categorias de “resistente/colaboracionista” utilizadas na Europa ocidental2. No caso espanhol, o novo equilíbrio de poder franquista emerge de uma guerra civil que mobiliza não só os profissionais da guerra, como também um amplo contingente da população civil. Dois exércitos confrontados defendem, grosso modo, duas concepções unitárias de cidadania e de sociedade e, por conseguinte, o nível de tolerância face à neutralidade surge visivelmente reduzido. Embora os dois grupos apelassem, em termos retóricos, ao “carácter estrangeiro” do opositor, em virtude da sua ideologia e dos apoios recebidos — a Alemanha e a Itália do lado de Franco, a URSS do lado da República —, é evidente que, no fim de contas, a guerra foi travada por espanhóis contra espanhóis. Aliás, a periodização da guerra é mais exacta — de 18 de Julho de 1936 a 1 de Abril de 1939, do que a periodização das actividades da resistência opostas ao fascismo. No caso europeu, essa resistência tem como prioridade o combate ao ocupante estrangeiro e, ligado a este, embora numa posição subordinada, a luta contra o fascismo. A actividade da resistência não pode ser enquadrada num terreno de guerra aberta nas frentes de combate, mas parece mais associada a um tipo de acções mais discretas, clandestinas e pontuais sob o domínio global do invasor. Neste contexto, o factor da “agressão estrangeira” é mais óbvio e isso tende a diluir a categorização da actividade da resistência como uma operação dirigida prioritariamente contra os próprios concidadãos. Por último, os protagonistas envolvidos no domínio do conflito não estão estruturados com a mesma precisão que no caso espanhol. Ou, por outras palavras, os “jogadores” não são estritamente dois nem surgem agrupados simultaneamente em “duas equipas”. Desta forma, o que temos no tabuleiro de jogo são, genericamente, forças nazis de ocupação, governos ou organismos nacionais que colaboram com essa ocupação com diferentes graus de autonomia, governos legítimos no exílio e núcleos de resistência no interior do país ocupado. É dentro destes limites que deve operar a analogia que tenciono desenvolver, uma analogia focada na experiência comum, quer em Espanha, quer na Europa, da gestão do perdedor ligada à constituição de um novo equilíbrio de poder. Para isso, tomo como referência os dados apresentados por Tony Judt (2005, p. 65-72), sem perder de vista os valores da repressão franquista apontados no início desta secção.

Na Bélgica, a repressão extralegal deu origem a  265  linchamentos ou execuções antes da reposição da ordem legítima graças ao regresso do governo do exílio. Forma-se um governo provisório que declara a amnistia pelos crimes da resistência cometidos no prazo dos primeiros 41 dias que se seguiram à libertação do país. Desde essa data, a repressão oficial contra os “colaboracionistas” ditou 2940 penas de morte, das quais 242 foram efectivamente executadas. Na Holanda, o resultado da repressão extralegal é, aproximadamente, de 100 mortos. O regresso do governo do exílio marca o início da repressão oficial, que levou a que 200 000 pessoas fossem investigadas e a que metade delas acabasse na prisão, à perda de emprego por parte de 17 500 funcionários, e que fossem proferidas 154 penas de morte, das quais 40 foram cumpridas. No entanto, abriu-se com relativa rapidez um processo de amnistia que tirou os presos das cadeias estatais. Na Noruega, a reposição do governo legítimo activa a repressão oficial, sendo julgada a totalidade dos membros do partido pró-nazi norueguês — 55 000 pessoas — juntamente com outras 40 000 que não eram membros do partido. Resultaram 17 000 penas de prisão e 30 penas de morte, tendo sido executadas 5. O caso italiano é, sem dúvida, bastante mais problemático. A repressão extra-oficial, sobretudo na Lombardia e na Emília Romana, afectou 15 000 pessoas nos últimos meses da Segunda Guerra Mundial. Não podemos esquecer que a Itália foi uma das potências do Eixo até 1943: os fascistas de Mussolini ocupam o poder entre 1922 e 1943 e, paradoxalmente, o país vai ser libertado da ocupação alemã por um dos antigos marechais do próprio Duce. O rótulo de “colaboracionista” aplicar-se-á aos apoiantes da invasão nazi, assim como aos defensores da República de Saló. A complexidade da situação torna-se notória no momento de formar os tribunais que deviam julgar as responsabilidades daqueles “colaboracionistas”, muitos dos quais eram integrados por juízes e advogados, outrora partidários de Mussolini. Até Março de 1946, data na qual finaliza o processo de repressão oficial, foram investigados 394 000 funcionários e expulsos do serviço 1580. Três meses depois, decretaram-se diversas amnistias para as penas de prisão inferiores a cinco anos, e os 50 000 presos por actividades fascistas passariam pouco tempo nas prisões, conseguindo, na sua maioria, recuperar os seus antigos empregos. De resto, no final do processo apenas se contabilizam 50 pessoas executadas.

Em França, cerca de 10 000 pessoas foram mortas em processos extrajudiciais conduzidos por organizações independentes da resistência, um terço das quais antes do desembarque da Normandia, a 6 de Junho de 1944, e as restantes durante os quatro meses seguintes. Da mesma maneira que os governos aliados da Noruega e da Bélgica, o governo da França livre deu a conhecer a sua vontade de punir severamente determinados grupos ligados à ocupação nazi — partidos políticos, organizações militares e agências governamentais. Mas esta vontade chocou com a pretensão dos juristas de não procederem em termos de julgamentos colectivos, se o que se tencionava era o apuramento de responsabilidades individuais concretas. Em nenhum dos países até aqui considerados existia como figura legal o crime de “colaboração com o ocupante” e, assim, os “colaboracionistas” tiveram de ser julgados retroactivamente, segundo a modalidade jurídica do “crime de traição à pátria” ou do “crime de informação ao inimigo”. Estas foram as figuras legais utilizadas nomeadamente em França para lidar com os que haviam colaborado com o governo de Vichy. A repressão oficial do pós-guerra levou às prisões 94 pessoas em cada 100 000, num total de 38 000, que foram depois, na sua maioria, libertadas com a amnistia parcial de 1947. Uma nova amnistia em 1950 reduziu o número de presos para 1500. Entre 1944 e 1951 ditaram-se 6793 sentenças de morte (3910 in absentia), sendo executadas 791. Dos 35 000 funcionários de Vichy, 11 000 foram saneados, embora a maior parte deles fosse readmitida nos seus postos durante os seis anos seguintes.

Que conclusões podemos extrair dos dados que até aqui têm sido expostos? Nem todos os que se citam são, como é óbvio, estritamente homogéneos entre si, e em nome da precisão seria necessário introduzir esclarecimentos e comentários adicionais. No entanto, a minha intenção não é tanto salientar a especificidade de cada um dos casos tratados, mas esboçar uma panorâmica geral acerca da gestão dos “vencidos”, vinculada à formação de um novo equilíbrio de poder. Em função dos dados apresentados, essa gestão revela diferenças notáveis entre a Espanha e os restantes exemplos considerados. A repressão franquista ultrapassa todos os casos de gestão de “vencidos” em tempos de paz. Na Finlândia ou na Grécia, a desactivação da lógica de guerra permite a formação de regimes democráticos plenos ou restringidos, que contam com representação parlamentar de sectores significativos dos derrotados. No pós-guerra europeu, os processos de repressão e de depuração do “colaboracionismo” são menos prolongados do que aquilo que se passou em Espanha e, de alguma maneira, os procedimentos de reintegração do “colaboracionista” revelam uma certa tendência para a normalização da vida social. Não obstante, a repressão franquista nem sempre teve a mesma intensidade. Possui um carácter indiscriminado entre 1936 e 1939, sendo especialmente intensa até à estabilização das frentes. Entre 1939 e 1941, já terminado o conflito, os níveis repressivos são ainda notáveis se tivermos em conta que o regime não pôde empregar num sentido estrito a justificação bélica. As execuções continuariam após a derrota do Eixo, circunstância que impôs a necessidade de construir uma imagem externa afastada dos derrotados na guerra mundial. Neste momento, a repressão centrou-se na guerrilha interna até à sua total eliminação. Mas o que é realmente significativo é a não desactivação por parte do franquismo dessa lógica de confronto social fundamentada na sua vitória. Neste sentido, não é casual que o regime mantivesse a declaração oficial de estado de guerra até ao ano 1948 (Ballbé, 1983, p. 406). Enquanto a Europa travava relativamente depressa as dinâmicas de depuração e de saneamento, em Espanha os processos de responsabilidade política seriam tramitados até trinta anos depois do final da guerra. Tendo presentes estas considerações, analisaremos de seguida novas dimensões da gestão franquista dos “vencidos”.

 

Os procedimentos da distinção

A dicotomia “vencedor/vencido” constitui um factor essencial para compreender a natureza do franquismo. Esta distinção tornou-se particularmente intensa durante os primeiros vinte anos do regime, perdendo certa visibilidade a partir dos anos 60, embora permanecesse activa e tivesse constituído ainda uma variável significativa na própria fase da transição para a democracia (Ortiz, 2006, p. 182). Essa perda de visibilidade não é, pois, sinónimo de desaparecimento. Não é em vão que o franquismo cimenta a sua legitimidade na vitória, edificando um regime que tratou de administrar esse triunfo durante cerca de quarenta anos. Mas como é que se articulou esta distinção e de acordo com que procedimentos?

Em primeiro lugar, é o aparelho legal estatal que sustenta e promove a distinção entre vencedores e perdedores. Neste terreno, já foi comentada na secção anterior a Lei de Responsabilidades Políticas como instrumento prioritário na diferenciação entre “vencedores” e “vencidos”. A ela somaram-se novos dispositivos jurídicos. A 10 de Fevereiro de 1939 põe-se em funcionamento a normativa que regula a “depuração” de funcionários públicos. No caso específico dos docentes, entre 1936 e 1943 instauraram-se 60 000 processos — praticamente o número total de professores da República —, de que resultou a aplicação de sanções a cerca de 15 000 a 16 000 professores. As penas aplicadas iam desde a perda definitiva de emprego à suspensão temporária de actividade e salário, passando pela inabilitação para postos directivos, pela aplicação de sanções disciplinares ou pela aposentação forçada (Reig Tapia, 1999). A 25 de Agosto de 1939, uma nova lei estabelece que 80% das vagas livres na administração central, regional ou local deviam ser reservadas a “cavalheiros mutilados”, oficiais de complemento, ex-combatentes, ex-cativos e órfãos de guerra do grupo vencedor (Molinero, 2005, p. 191). Mais tarde, a 26 de Abril de 1940, abre-se a “causa geral informativa dos factos delituosos e outros aspectos da vida na zona vermelha desde 18 de Julho de 1936 até à libertação”, uma extensa investigação que se prolongaria até aos anos 60, respeitante aos crimes cometidos sobre pessoas e bens no lado republicano não só durante a guerra, mas também desde a proclamação da República (1931). Esta investigação, com repercussões legais, poria em relevo, segundo o regime, a imoralidade e a desumanização intrínsecas do grupo perdedor. A legislação, além de fixar oficialmente a distinção entre os “vencedores” e os “vencidos”, reserva uma série de privilégios para os primeiros. Assistimos, assim, a uma legislação de recompensas (Sevillano Calero, 2003, p. 162) para todos aqueles que apoiaram a facção franquista e que garante aos “vencedores” um generoso leque de oportunidades económicas e concessões estatais. A condição de “vencedor” trouxe benefícios em forma de subsídios de guerra e de viuvez ou de empregos públicos para os ex-combatentes e parentes de militares.

Em segundo lugar, a normativa legal é acompanhada por um discurso médico-psiquiátrico que, mediante argumentos científicos e morais, incide na distinção “vencedor/vencido”3. Partindo da noção de “raça espanhola” de cariz espiritual e plena de sobrenaturalismo religioso, entende-se que as falhas do espírito são responsáveis pelas desordens psíquicas. Ou seja, quando a espiritualidade católica não tem uma posição proeminente na existência do indivíduo, essa carência somatiza-se como provável alteração mental. A ciência, concretamente a psiquiatria, vai colocar-se ao serviço dos “valores eternos da civilização cristã”, convertendo-se num instrumento de moralização para reparar os danos provocados pela falta de fé católica, de virtudes cristãs e de patriotismo nos “vencidos”. A combinação de elementos bio-psíquicos (tendências congénitas psicopáticas e degeneração do carácter) e sociais (ressentimento social e captação propagandística) explicam tanto a imoralidade do “vencido” como a sua natural depravação. Estabelecida a definição científica da idiossincrasia do “vencido” está-se em condições de justificar políticas orientadas para a exclusão, para a segregação e para o isolamento dos perdedores. Relativamente a esta questão, foram sobretudo os trabalhos do comandante psiquiatra Antonio Vallejo Nágera (1889-1960) que marcaram esta questão. As suas investigações, desenvolvidas no Gabinete de Investigações Psicológicas, instituição criada em 1938 por ordem expressa de Franco (Vinyes, 2006, p. 54), tomaram como amostra de referência 297 reclusos estrangeiros internacionais e 50 mulheres da prisão de Málaga e constituíram a base das políticas de marginalização dos “vencidos”. Segundo as palavras de Vallejo Nágera:

A ideia das íntimas relações entre marxismo e inferioridade mental já foram expostas por nós anteriormente noutros trabalhos [...] a comprovação das nossas hipóteses tem uma grande transcendência político-social, pois, se no marxismo militam preferentemente psicopatas anti-sociais, como nós sustentamos, a segregação desses sujeitos desde a infância poderia libertar a sociedade de uma praga tão terrível4.

Este discurso vai concretizar-se no campo da reeducação dos filhos dos “vencidos”. As crianças que cresceram em ambientes republicanos devem, segundo o autor, ser internadas em centros especiais para eliminar os factores que levariam à sua natural degeneração. Foi nas prisões femininas que este procedimento conheceu uma maior difusão. Na Prisão de Mães Lactantes de Madrid, criada nos finais de 1940, existia um regime em que as mães não podiam estar com os filhos mais do que uma hora por dia. A partir dos 3 anos, as crianças deviam ser transferidas para centros estatais ou da igreja, tendo efectivamente passado por estas instituições um total de 12 000 crianças até 1943 e de 30 000 entre 1944 e 1954 (Vinyes, 2006, pp. 58-60). Neste ponto abre-se uma “zona de risco”, na qual os pais legítimos podiam quer perder, quer ver desaparecer, os filhos. Isso acontecia quando essas instituições assumiam a tutela legal das crianças internadas, retirando-a aos progenitores. Filhos de presos, executados ou exilados, num número ainda indeterminado, viram os seus nomes e apelidos mudados no registo civil, tendo sido entregues, mediante processos irregulares de adopção, às suas novas famílias de “vencedores”. Este processo, legalizado e institucionalizado, ajustava-se exactamente às intenções de Vallejo Nágera: “[...] os que atraiçoam a Pátria não podem legar à sua descendência apelidos honrados”5.

Em terceiro lugar, a distinção entre “vencedor/vencido” apoiou-se, a um nível simbólico e discursivo, na presença da guerra e da vitória nas mais variadas manifestações da vida pública espanhola. O ano de 1939 é declarado o “Ano da Vitória”, o dia 1 de Abril será oficialmente o “Dia da Vitória”, o 1 de Outubro o “Dia do Caudilho”, o 29 de Outubro o “Dia dos Caídos” e por fim o 18 de Julho passou a ser feriado nacional como “Dia do Alzamiento”. Os muros das igrejas e dos edifícios públicos passaram a ostentar inscrições dos nomes daqueles que morreram “por Deus e por Espanha”. Construíram-se monumentos — o Arco da Vitória, em Madrid, ou a Santa Cruz do Vale dos Caídos, no El Escorial —, ou foram restaurados outros — o Alcázar de Toledo —, que relembravam unilateralmente o grupo vencedor, honrando o seu sacrifício. A guerra e a vitória estiveram presentes nos actos públicos: o Estado enfatizava a grandiosidade da nação e reforçava a sua posição fazendo uso de uma pedagogia quase barroca e de um simbolismo em que conjugava valores nacionais e católicos6. Franco, na inauguração do Vale dos Caídos (Abril de 1959), insistia na necessária e perpétua homenagem que se devia aos “vencedores”: “Não sacrificaram os nossos mortos as suas prezadas vidas para que nós possamos descansar. Exigem-nos montar guarda fiel daquilo pelo qual morreram” (Casanova, 2004, p. 9). A guerra e a vitória também foram lembradas sistematicamente na imprensa. Juntamente com os artigos que elogiavam o novo regime e as suas políticas — “a justiça de Franco”, “a depuração dos criminosos do período vermelho”, “a redenção dos espanhóis” (Abella, 1996, pp. 31, 36, 40 e 51) —, foram também frequentes até 1950 as secções nos jornais sobre as “sentenças cumpridas”, nas quais se publicitavam os crimes cometidos pelos indivíduos executados judicialmente. Por ocasião do referendo sobre a Lei de Sucessão à Chefia do Estado (6 de Julho de 1947), o regime voltava, agora através da propaganda, a salientar as diferenças entre a Espanha de antes e de depois da guerra:

[...] os vermelhos deixaram-nos sem ouro, sem barcos, sem indústrias, sem colheitas, sem nada. Legaram-nos, na sua derrota, unicamente luto, dor e lágrimas. O Caudilho reedificou Espanha material e moralmente. Queres que a obra grandiosa da geração presente continue no futuro? Queres segurar a vitória e a paz? Basta com o teu SIM no referendo nacional do 6 de Julho [Abella, 1996, pp. 351-352].

Anos mais tarde, em Março de 1969, aparecia o diploma que punha fim à Lei de Responsabilidades Políticas (LRP). Na altura, Manuel Fraga, porta-voz do governo, declarava: “Hoje podemos dizer historicamente que a guerra terminou para todos os efeitos e para o bem de Espanha” (Abella, 1996, p. 303). O preâmbulo do diploma ainda relembra os trinta anos cumpridos desde a data final da “Guerra de Libertação” ou da “Cruzada” (Abella, 1996, p. 304). No entanto, seis anos antes, a 20 de Abril de 1963, fora executado Julián Grimau, responsável pela organização interna do Partido Comunista de Espanha, acusado da detenção de um conjunto de cargos, alguns dos quais se referiam, de acordo com a LRP, a actividades prévias a 1 de Abril de 1939 (Biescas e Tuñón, 1990, pp. 369-370). Coincidindo precisamente com a revogação da LRP, a vida pública espanhola assistiu à emergência do fenómeno das “toupeiras”, pessoas que viveram ocultas em sótãos, paredes falsas ou buracos desde o final da guerra. Os jornais testemunhavam os casos de um indivíduo em Mijas (Málaga), dois em Benaque (Málaga) e mais um em São Fernando (Abella, 1996, p. 304). Duas últimas provas bastarão para exemplificar a continuada rememoração da guerra e da vitória por parte do franquismo ao longo dos seus quase quarenta anos. Em 1968, o Estado-maior Central do Exército publica uma Síntese Histórica da Guerra de Libertação 1936-1939, na qual, com uma pretensa objectividade historiográfica, faz remontar os antecedentes do conflito até à Constituição liberal de Cádiz de 1812. Mais destacada é sua conclusão, oferecendo um resumo daquilo que a guerra civil ensinou aos espanhóis: “[...] a danosa inutilidade do propósito que os dissidentes da nossa tradição nacional têm tentado reiteradamente levar à prática, de fundamentar a convivência entre espanhóis sobre princípios estranhos ao nosso espírito” (Reig Tapia, 1995a, p. 185). Todavia, Franco, um mês e meio antes de falecer, no seu discurso de 1 de Outubro de 1975, proferido em Madrid, da varanda do Palácio Real, reiterava a velha ideia relativa à ameaça e ao ataque permanente à Espanha por parte dos seus inimigos dentro e fora das suas fronteiras: “[...] tudo obedece a uma conspiração maçónico-esquerdista na classe política em colaboração com a sublevação comunista-terrorista” (Reig Tapia, 1995b, p. 95).

Em quarto e último lugar, a distinção “vencedor/vencido” foi sustentada a partir de um complexo dispositivo social que activou diversas iniciativas que negaram ou dificultaram a integração social e o desenvolvimento normalizado da vida quotidiana do “vencido”. Entre estas iniciativas destacam-se os procedimentos administrativos criados pelo Estado para denunciar os suspeitos de subversão, de oposição ao regime ou aqueles que tiveram algum protagonismo durante o período republicano. A denúncia sustentou-se na adesão do denunciante à nova ordem, no medo de represálias pelo facto de não se cumprir um dever considerado oficialmente “próprio dos bons espanhóis”, nas oportunidades de promoção social que oferecia a eliminação de possíveis competidores e nas perspectivas de integração favorável no aparelho do regime. Em Valência, por exemplo, a desigual combinação dessa série de motivos deu origem a um movimento delator que até 1956 terá provocado um total de 4714 execuções (Casanova, 2004, p. 29). Além dos benefícios puramente materiais ou económicos que trazia consigo a delação, os “vencedores” utilizaram a sua condição como instrumento para a obtenção de prestígio social; um prestígio relacionado com a superioridade simbólica dos vencedores, que, ao tempo, reforçava a sua coesão. O denunciante perseguia um status, um determinado grau de consideração social ou, como aponta Elias (2003, p. 227),  revestir-se de um carisma grupal como recompensa por se ajustar aos padrões de comportamento apoiados pela comunidade dos “vencedores”. Assim, resulta extremamente reveladora a carta que Emilio Tavera, chefe do campo de concentração de Porta Coeli (Valência), remete a Franco a 21 de Junho de 1939. Segundo Tavera, as denúncias efectuadas amiúde “não têm qualquer fundamento” e limitam-se a insinuações, rumores ou boatos. As acusações mais específicas centram-se na pertença dos denunciados “a partidos de esquerda”, mas “não como meio de informação”, senão como “firme crença de que é suficiente esse crime para manter reclusos os acusados eternamente”. E, continuando, acrescenta as seguintes palavras, reveladoras do vínculo entre delação e prestígio social estabelecido pelos denunciantes:

Os mesmos autores das denúncias às quais me referia, para se armarem em importantes entre os vizinhos e demonstrar a influência que atingem no novo regime, entregam aos familiares dos acusados por eles documentos que certificam as suas próprias vítimas e nos quais fazem constar que, quer o autor da certificação, quer o seu depositário, são pessoas de boa conduta e afectas ao Glorioso Movimento Nacional7.

As denúncias foram favorecidas pela familiaridade e pelo conhecimento mútuo dos “vencedores” e dos “vencidos”. Nos bairros das cidades, vilas e aldeias eram públicas as preferências ideológicas dos indivíduos, sabendo-se, pois, quem pertencia ao bloco dos “vencedores”. Este bloco — uma rede de pessoas ligadas por sentimentos de pertença, conveniência, amizade ou parentesco com o grupo vencedor e composto por filhos e viúvas de combatentes “nacionais”, autoridades locais, vítimas da repressão republicana, padres e guarda civil — erigir-se-á como agente da nova ordem. Essa familiaridade e conhecimento mútuo favoreceram a intensidade repressiva especialmente nas áreas rurais, dependente em grande medida da arbitrariedade com a qual agiam os “vencedores”. Na carta que envia o fundador do Partido Socialista e do sindicato da União Geral dos Trabalhadores em Torres (Jaén), executado a 1 de Março de 1940, à mulher e às filhas fica esclarecido o papel desempenhado pelos vizinhos da vila, actores fundamentais durante o processo que o condenou à pena capital:

[...] a justiça de Franco, os esforçados militares, cumpriram com o seu dever, condenando-me em Conselho de Guerra. Foram enganados pelos nossos maldizentes vizinhos, não me conheciam verdadeiramente. Viram a minha figura de homem bárbaro e talvez de alguma coisa mais e escreveram uns relatórios arrepiantes... e condenaram-me. Não são responsáveis por nada. Podem dizer, como Pilatos, “lavo daqui as minhas mãos” [Mir, 2004, p. 126].

Mas a familiaridade seria ainda maior no caso de um antigo membro do exército republicano enviado ao Batalhão de Trabalhadores n.º 55, em San Roque (Cádis), em Janeiro de 1941. Nesta ocasião, os próprios primos estarão entre os responsáveis dessa resolução:

Aquilo foi das piores coisas, porque toda a gente sabia que a decisão de mandar uns ou outros era tomada pelos “senhoritos”. Sim, a gente que mandava na terra. Lembro-me que o meu pai dizia, quando começámos a ouvir que iam enviar-nos para campos de concentração, “tu não te preocupes, vais ver que tu não és para lá enviado. Repara, é a nossa família que está a tratar disso tudo [...]” Referia-se a uns primos que estavam entre os que disseram “tu vais” e “tu não vais” [Ruiz Vargas, 2006, p. 33].

A dinâmica delatora implicou também a necessidade de dispor de relatórios e atestados de “boa conduta” e de “conformidade ideológica”, emitidos habitualmente pelos párocos e pela chefia local da Falange. Ainda em 1968, quando a Comissão de Exilados Políticos solicita esses relatórios e atestados aos presidentes das câmaras ou à Guarda Civil, relativos a exilados que desejavam retornar, o parecer de alguns dos informantes continua a ser negativo. Em Flix (Lérida), o presidente da câmara expressa-se nestes termos:

[...] se se tratar de erros em actuações políticas, eu sou o primeiro a perdoá-los, mas se se tratar de crimes comuns e se houver mesmo assassínios, pode ser que ainda existam pessoas directamente afectadas em Flix ou nas terras limítrofes, que todavia não tenham esquecido aqueles nefastos dias, ou seja, o regresso [...] poderia produzir situações lamentáveis [Mir, 2004, p. 51].

Assim, o processo geral de vigilância e delação aberto e impulsionado pelo regime contribui para a erosão continuada dos laços de sociabilidade e para a instauração de um clima de “temor da condenação”, termo este que até adquire uma dimensão legal enquanto motivo que consigna os registos oficiais de óbitos. Na província de Lérida, entre 1939 e 1952, 8,9% dos suicídios por causa conhecida foram atribuídos ao “temor da condenação” por parte dos que suspeitavam ou tinham mesmo a certeza de que iam ser acusados de crimes políticos (Mir, 2004, p. 135). Mas, se a delação favoreceu a ruptura dos laços de sociabilidade, outras medidas impostas pelo Estado alimentaram essa mesma tendência, por exemplo, dissolvendo as associações recreativas e culturais consideradas inadequadas pelas novas autoridades. Em 1939, numa província tradicionalmente conservadora, como Logroño, e dependendo da zona que considerarmos, só foram autorizadas entre 5% e 27% das associações que existiam antes da guerra (Molinero, 2006, p. 233).

A configuração do novo equilíbrio de poder no pós-guerra trouxe consigo um modelo de gestão do “vencido” significativamente apoiado na necessária desintegração social deste. A distância social em relação aos perdedores cresceu, situados estes simbolicamente em condições de degradação e de inferioridade forçada. A superioridade dos “vencedores” outorgou-lhes possibilidades preferenciais na hora de conceptualizar a imagem do “vencido” enquanto elemento de estigmatização (Elias, 2003, p. 223). Desta maneira, os “vencidos” serão a “escória”, o “povão” ou a “ralé” (Tuñón, 1989, pp. 456-462). E, deste modo, também os “vermelhos”, segundo o escritor Wenceslao Fernández Flórez (1885-1964), possuíam um cheiro específico, “decomposto”, o “cheiro bravio das bestas selvagens”, das “latrinas dos barcos onde viajaram os emigrantes”, dos “percevejos grandes”, das “frestas onde se aninham as baratas”. Durante a guerra, “toda a Madrid cheirava assim [...] não se podia confundir com nada [...] Ninguém dizia, que cheiro é este? Já que depois da primeira inspiração, se afirmava: cheira a vermelho”8. Um indivíduo conotado com os “vencidos” situava-se numa posição de exclusão perante os “vencedores”, responsáveis, enquanto comunidade, pelo modelo de sociedade que devia ser instituído em Espanha. Uma esclarecedora síntese final deste posicionamento é formulada na seguinte intervenção de um fiscal num tribunal militar falando directamente aos acusados:

[...] Não, não sou eu quem vos condeno, são as vossas terras, os vossos inimigos, os vossos vizinhos! Limito-me a dizer em voz alta o que outros disseram em silêncio [...] Parece que sou eu o responsável por alimentar o pelotão de execução para que não pare o seu labor de limpeza social. Mas não, aqui participamos todos os que ganhámos a guerra e desejamos eliminar toda a oposição para impor a nossa ordem [Sabín, 1996, p. 25].

 

A  fractura social do franquismo

O tratamento que o franquismo e as suas bases sociais de apoio dispensaram aos “vencidos” revela um tipo de divisão social que não tem precedentes na história contemporânea espanhola. A gestão do novo equilíbrio de poder por parte do regime é a variável fundamental que explicaria a polarização social contida na dicotomia entre vencedores e perdedores. Falar em polarização, falar na diferenciação de dois grupos ou de duas comunidades confrontadas em função da sua visão normativa da sociedade, obriga, inevitavelmente, a reflectir de novo sobre uma das questões mais arreigadas no imaginário cultural e mental espanhol, a saber, o topos das “duas Espanhas”. Este constitui um elemento central na escrita ensaística espanhola ao longo dos séculos xix e xx. Em termos gerais, esta noção refere-se a duas maneiras de entender e organizar a vida colectiva, duas maneiras que apresentam uma certa propensão para o confronto violento como forma de resolver as suas diferenças ideológicas (Juliá, 2005). Tem, pois, uma evidente dimensão fratricida que conduz à violência enquanto desfecho esperado e lógico da rivalidade. Mas, como aponta Santos Juliá (2005, p. 288), o topos das “duas Espanhas” é mais um relato meta-histórico do que uma explicação racionalmente sustentável. Todavia, se quisermos falar com propriedade da existência dessas “duas Espanhas”, entendo que tal imagem metafórica se ajusta mais adequadamente ao cenário social presidido pela distinção entre “vencedores” e “vencidos”. Concordo com Santos Juliá (2005) quando afirma que a suposta presença dessas “duas Espanhas” não é a causa da guerra, senão consequência do confronto armado e, acrescento eu, da acção do franquismo. Ou por outras palavras: se alguma vez houve “duas Espanhas”, estas devem ser localizadas dentro do marco social definido pelo franquismo. Uma afirmação desta natureza obrigaria a rever a história contemporânea espanhola para termos elementos de comparação com outras experiências na gestão de equilíbrios de poder. No entanto, não é esse o propósito destas páginas e por isso limitar-me-ei a uma esquemática revisão do século xx para tentar provar tal afirmação exclusivamente dentro desse período cronológico.

De acordo com Santos Juliá (2000, p. 66), desde o início do século xx que a Espanha vive um processo gradual de modernização, o qual acarretou uma transformação das realidades sociais do país. Em 1900, a população activa no sector primário rondava os 70% da população activa, diminuindo para 46,5% em 1930. É uma redução muito significativa e equivalente à experimentada durante o período do “desenvolvimentismo” franquista (50% em 1950, 24% em 1975) (Juliá, 2000, p. 66). Em 1910, a pequena e média indústria representavam 40% do total da produção industrial e 29% em 1930, ao tempo em que abria caminho o protagonismo da grande indústria eléctrica, química ou metalúrgica. Cidades como Madrid, Barcelona, Gijón, Valência, Sevilha, Salamanca, Vigo, Córdova ou Saragoça duplicaram a sua população entre 1900 e 1930. Crescia também a força dos sindicatos, assim como a presença de correntes laicizantes, e a vida intelectual desenvolvia-se na imprensa, nos ateneus, nas tertúlias e nas universidades (Juliá, 2000, p. 73).

Este retrato do país remete para uma sociedade envolvida num processo de mudança e, por isso, também exposta à eventualidade do conflito; um conflito que derivaria antes das tensões que provocam as dinâmicas modernizadoras que do confronto genético entre as “duas Espanhas”. O argumento da conflituosidade tende a ser conectado com a suposição de que os níveis de violência nas relações sociais excederam os limites do “socialmente tolerável ou permissível”, determinando um clima de polarização social que leva à explosão da guerra. No entanto, esses níveis são ostensivamente baixos quando comparados com os níveis presentes no pós-guerra. Como tal, a II República tem sido descrita frequentemente como um período no qual aqueles níveis de violência e de polarização atingiram máximos incomportáveis, embora estes continuem a ficar muito longe dos níveis do franquismo. A constituição do novo equilíbrio de poder republicano foi efectuada de um modo globalmente pacífico, se a compararmos com a experiência franquista. 725 pessoas morreram em consequência da violência política entre Abril de 1931 e Julho de 1936 (Cruz, 2006, p. 167; Avilés Ferré, 2006, p. 418).

Mesmo considerando o valor registado de 2 mortos por motivos políticos entre o dia 1 e o dia 18 de Julho de 1936 — o qual definiria uma teórica situação de insustentabilidade que justificaria a intervenção militar “salvadora” —, Reig Tapia (1990, p. 16) conclui que teriam de ter decorrido quinhentos anos para atingir, com esse ritmo, o volume de mortos provocado pela guerra civil. Um cálculo similar permitiria afirmar que, com aquela cadência, teriam sido precisos 137 anos para produzir os 100 000 mortos imputados à repressão franquista durante a guerra e 68,5 anos para atingir os 50 000 mortos da repressão do pós-guerra. Pondo de lado o carácter mais ou menos anedótico destes cálculos, o que estes parecem apontar é para a não existência de uma continuidade lógica entre a violência e a polarização pré-franquista e franquista. Durante a República assiste-se a uma violência paramilitar e a uma violência estatal. Com a guerra e com o franquismo produz-se uma ruptura, emergindo uma modalidade de violência militar-repressiva a grande escala, inédita até aquele momento (Aróstegui et al., 2000, pp. 78-80). Na gestão dos “vencidos”, a intensidade desta última modalidade de repressão vá diminuindo conforme se consolida o regime e a oposição é neutralizada e suprimida. Mesmo assim, o recurso à violência e ao fomento da polarização persistiria, apoiando-se numa legitimidade de origem reivindicada pelo franquismo, “a vitória”, embora esta coexistisse cada vez mais, e sobretudo a partir dos anos 60, com uma legitimidade de exercício baseada nas realizações práticas, no bem-estar material e no desenvolvimento económico. Nesta linha, o franquismo gera um sistema de legislação comum e ordinária que tenciona associar aos princípios do Estado de direito, enquanto mantém uma normativa excepcional face à “dissidência”. Mas essa excepcionalidade, como afirma Ballbé (1983, p. 410), continua a ser de aplicação ordinária e, como tal, as medidas excepcionais acabam por se converter, paradoxalmente, na normalidade jurídica. Em paralelo, muda a categorização dos indivíduos e grupos susceptíveis de repressão e o rótulo de “subversivo” aparece como a nova conceptualização dos “inimigos” do regime. Se durante os anos 40 e 50 a administração do novo equilíbrio de poder tende a identificar os “vencidos” com os “vermelhos”, a figura do “subversivo”, que ganhará terreno a partir da década de 60, estará já ligada ao dissidente universitário, ao operário, ao intelectual ou ao eclesiástico e às suas conexões com exercícios de agitação e de violação da ordem pública. Dissidência, subversão e normalidade-excepcionalidade jurídicas combinam-se nas sucessivas declarações do estado de excepção durante as décadas de 60 e 70. Tais declarações concretizam-se em Junho de 1962 como resposta às petições de democratização realizadas pela oposição num manifesto assinado em Munique em Abril de 1967. Estas petições repetem-se em Agosto de 1968, em Vizcaia, por causa da proliferação de greves, e de novo nesse local, em Dezembro de 1970, devido à actividade da ETA, perante o protesto internacional pelas 9 penas de morte ditadas durante o processo de Burgos contra activistas deste movimento (Ysàs, 2004, pp. 130-145). Nesta altura, o regime, pela boca do presidente do governo, o almirante Carrero Blanco, caracteriza a conjuntura utilizando um vocabulário no qual estão presentes, temática e simbolicamente, a “vitória”, a derrota do inimigo e a vigilância permanente. A 7 de Fevereiro de 1969, nas Cortes, fala no “inimigo” como aquele que colabora com a agitação num movimento mais amplo de “traição à pátria”. A 2 de Dezembro de 1970 volta a denunciar essa traição: “[...] os comunistas, como os bárbaros, precisam de traidores que lhes abram as portas das cidades”. Ainda a 7 de Março de 1972 fala da necessidade de “uma moral de guerra” para enfrentar a “situação de guerra” provocada pela deficiente formação patriótica da juventude e pela conflituosidade laboral9.

Quero fechar esta secção retomando a questão das “duas Espanhas”. É sob o franquismo que as “duas Espanhas” deixam de ser uma metáfora para ganhar um estatuto de realidade; uma realidade que nasce da gestão dos “vencidos” por parte do regime, integrada na administração do novo equilíbrio de poder. O regime consagra uma fractura social que o acompanhou durante todo o seu percurso. Mesmo ao lado daquela legitimidade de exercício visível desde os anos 60, o argumento da vitória persistiu e até ao último momento apelou-se ao “espírito do 18 de Julho”, ao “glorioso Alzamiento Nacional” no combate à “dissidência”, à “subversão” e ao “inimigo interno” (Aguilar, 1996, pp. 70-71).

 

Conclusão

Nestas páginas, o franquismo foi analisado de acordo com a gestão do novo equilíbrio de poder que emerge com a guerra civil espanhola. Uma dimensão consubstancial à constituição desse equilíbrio é aquilo que aqui designei por “gestão do vencido”, ou seja, as políticas desenvolvidas por parte daqueles que viram crescer as suas oportunidades de poder em relação àqueles que as viram diminuídas. Essa gestão apresenta notáveis diferenças quando comparada com outras experiências políticas europeias. Apresenta singularidades perante os casos de equilíbrios de poder saídos também de uma guerra civil (Finlândia e Grécia), perante os casos de equilíbrios geridos de acordo com ideologias próximas ou afins do franquismo em tempos de paz (Alemanha e Itália) e perante casos cronologicamente coincidentes no contexto europeu ocidental, cujos equilíbrios se constroem em virtude da derrota do fascismo (França, Itália, Bélgica, Holanda e Noruega). Essas singularidades remetem para a não desactivação de uma lógica e intensidade repressivas que contrastam com uma mais rápida desactivação num primeiro grupo de países (Finlândia, Grécia, Itália, França, Bélgica, Holanda e Noruega) ou que não se manifesta com semelhante vigor num segundo grupo (Alemanha e Itália). Essa dimensão comparativa externa junta-se à dimensão interna, confirmando a vontade dis-civilizacional do franquismo. O regime desenvolveu diferentes procedimentos relacionados com a classificação, a identificação e o registo de grupos e indivíduos, visando a sua exclusão, neutralização ou eliminação (Swann, 2001). Também adoptou iniciativas baseadas na promoção de imagens e de representações com o intuito de gerar sentimentos de aversão e de rejeição em relação aos indivíduos ou grupos considerados uma ameaça à coesão da comunidade de “vencedores” (Swann, 1997). O franquismo apoia-se na criação e sustentação de uma fractura social que não tem precedentes, pelo menos, no século xx espanhol. A dicotomia “vencedor/vencido” fornece-nos o fundamento sociológico necessário para afirmar que, com o regime franquista, as “duas Espanhas” abandonaram a sua condição metafórica para se tornarem uma realidade.

 

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Notas

1 Estas divergências aparecem recolhidas em Casanova (2004, pp. 5-7), trabalho que constitui a referência básica para a comparação que se propõe.

2 Para um exame destas divergências na França de Vichy, v. Wieviorka (2006).

3 Para uma visão pormenorizada deste discurso, v. Jiménez (1998) e Huertas (1998).

4 Antonio Vallejo Nágera, “Psiquismo del fanatismo marxista. Investigaciones psicológicas em marxistas femeninos delincuentes”, Revista Española de Medicina y Cirurgía de Guerra, 9, 1939, pp. 398-413, cit. in Vinyes (2006, p. 56).

5 Cit. in Vinyes (2006, p. 69).

6 Acerca do cerimonial franquista, v. Febo (2002).

7 Cit. in Molinero (2006, p. 229).

8 Wenceslao Fernández Flórez, Una Isla en el Mar Rojo (1938), cit. in Haro Tecglen (1996, p.  314).

9 Declarações citadas em Ysàs (2004, pp. 133, 140 e 145).

 

** O trabalho que aqui se apresenta é parte de um projecto de investigação pós-doutoral intitulado O homem civilizado em Espanha e Portugal: modelos de comportamento e afectividade nas ditaduras franquista e salazarista (ref. SFRH/BPD/26210/2006), financiado pela FCT e que o autor desenvolve, actualmente, no Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa sob a orientação do Prof. Doutor António Reis. O autor deseja agradecer ao Prof. Doutor António Reis os comentários feitos a uma versão inicial do texto, assim como a Sofia Gaspar e a Sónia Apolinário pelas contribuições críticas e pela ajuda prestada na revisão do texto em português.

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