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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  n.195 Lisboa  2010

 

Andy Furlong (ed.), Handbook of Youth and Young Adulthood. New Perspectives and Agendas, Nova Iorque, Routledge, 2009, 475 páginas.

 

Magda Nico

CIES, ISCTE-IUL

 

Na senda das obras publicadas pela Routledge sobre gerações, curso de vida e, sobretudo, sobre juventude, o livro Handbook of Youth and Young Adulthood articula estes conceitos com o mais recentemente chegado à sociologia e a esta família temática, o de young adulthood. Esta colectânea é editada pelo sociólogo Andy Furlong, reconhecido, entre outras obras, pela autoria, com Fred Cartmel, de Young People and Social Change: Individualization and Risk in Late Modernity, publicada pela Open University Press em 1997. Apesar de reunir um número considerável de contribuições (55 artigos em 10 secções temáticas), esta obra não espelha a multiplicidade de perspectivas teórico-metodológicas que caracterizam a literatura do campo. Mais de 90% das contribuições são provenientes de países anglo-saxónicos, o que se reflecte particularmente nas fontes bibliográficas e empíricas utilizadas para as argumentações teóricas. Este predomínio anglo-saxónico restringe a pluralidade teórica (nomeadamente no âmbito da sociologia da juventude) e metodológica (especialmente no que se refere à sociologia do curso de vida, a propósito da qual a quase ausência da tradição alemã não deixa de ser surpreendente) que caracteriza este campo.

A estrutura do livro exibe as divisões previsíveis dos estudos sobre juventude, que se revelam particularmente adequadas a uma obra desta natureza. Na primeira e na segunda partes sugere-se ao leitor um olhar atento à continuidade das estruturas sociais, sugestão essa presente nas breves introduções de Furlong a cada secção temática. A diversidade de perspectivas teóricas é manifestada nesta primeira parte, ao contrário das restantes, mais pautadas pela diversidade temática. Heinz (capítulo 1) usa a perspectiva teórica do curso de vida para ilustrar que “the impact of uncertainty on the timing of life events and biographical decisions is institutionally filtered” (p. 6). Outros autores chamam a atenção para a invisibilidade da continuidade das desigualdades sociais: Roberts (capítulo 2), através da corrente classista e de pesquisas sobre mobilidade social, e Goodwin e O’Connor (capítulo 3), através da corrente geracional (com dados empíricos sobre jovens da década de 60, recuperados de um projecto de Norbert Elias). Mais centrada nos processos de individualização, surge a contribuição de Bois-Reymond (capítulo 4), onde, mesmo sendo assumido o enfraquecimento do poder determinista da classe, género e etnicidade nas biografias contemporâneas, este é reafirmado. Apenas no artigo de Tanner e Arnett (capítulo 5), em torno da polémica “emerging adulthood”, não se consegue evitar a “falácia epistemológica da modernidade tardia”, de que nos falam Furlong e Cartmel na obra acima citada (1997, pp. 109-114), descurando as dimensões estruturais na análise da mudança social.

A segunda parte sublinha a importância da persistência das desigualdades sociais, contrabalançando a predominância, nos estudos sobre a juventude, das pesquisas sobre culturas juvenis ou sobre a construção da identidade. O lugar social de origem é apresentado por Weis (capítulo 6) como o “organizador fundamental” da vida social, tanto do ponto de vista objectivo como subjectivo. Esta valorização da classe social é retomada por MacDowell (capítulo 7) na análise da relação das classes com as novas masculinidades e feminilidades no mundo profissional, verificando um esbatimento da importância do género na divisão do trabalho nas classes médias, mas não nas classes trabalhadoras, onde este permanece como estruturador do leque de possíveis profissões. Webster (capítulo 8) realça o processo pelo qual a “raça” e a etnicidade se agregam às classes sociais, produzindo desigualdades sociais específicas. Os capítulos 10 e 11 requerem das novas agendas científicas e políticas um olhar mais atento relativamente a contextos de vulnerabilidade, como a exclusão dos jovens com deficiências (de Riddell) ou as experiências dos jovens refugiados (de Boyle). Menos conseguido está o contributo de Bassani (capítulo 9) sobre o capital social, que identifica mais as lacunas da investigação da relação deste conceito com o de juventude do que tenta preenchê-las.

A terceira, a quarta e a quinta partes pertencem à mesma linha de estudos, a das transições. Contrariando a perspectiva holística sugerida nas introduções de vários artigos, a escola, o trabalho e a família são analisados separadamente. A terceira parte ocupa-se da “educação”, com Wyn (capítulo 12) a defender mudanças radicais dos contextos escolares modernos e um maior envolvimento dos alunos no processo de aprendizagem e Biggart (capítulo 14) a alertar para as novas formas — mais passivas — de resistência à escola e para o regresso dos constrangimentos estruturais na construção dos projectos profissionais. A diversidade de processos de produção de desigualdades sociais é abordada por Raffe (capítulo 13), que sublinha as dificuldades em definir “boas práticas” universais de transição escola-trabalho, e por Furlong e Cartmel (capítulo 15), que avaliam a importância da estratificação horizontal das universidades na manutenção das desigualdades sociais. Nos capítulos 16 e 17, Bills e Stone III discutem em torno da essência e do funcionamento da controversa “educação vocacional”, dos seus sucessos e insucessos.

O “Emprego e desemprego” constituem a quarta parte desta obra. No capítulo 18, Mortimer realça a forma como as divisões de classe bifurcam os percursos profissionais e desmonta a ideia desactualizada de “single career” segundo a classe, sexo, “raça”, etnicidade e educação; Liu (capítulo 22) confirma esta ideia relativamente à China, acrescentando a dicotomia “urbano/rural”. Julkunen sustenta o argumento de que as políticas de desemprego não dão conta das novas precariedades laborais, sendo estas retratadas ao pormenor por MacDonald (capítulo 20), que verifica que os trabalhos precários raramente proporcionam avanços graduais, mas sim longos stand by’s na carreira profissional. Numa área ainda emergente é apresentada por Blanchflower e Oswald uma análise de dados europeus sobre as condições e constrangimentos ao empreendedorismo na juventude (capítulo 23).

As transições habitacionais e as (in)dependências familiares constituem a quinta parte. São apresentados padrões de saída de casa dos pais (Mulder, capítulo 24), de estabelecimento de agregados domésticos “não familiares” (Heath, capítulo 25) e de experiências sem-abrigo (McCarthy, Williams e Hagan, capítulo 28). As gravidezes precoces são um percurso “de risco” analisado por Furstenberg Jr. O apoio intergeracional durante a transição para a vida adulta é analisado por Swartz e O’Brien. Ficam, assim, excluídos desta secção muitos outros aspectos de dependência familiar, bem como padrões de constituição da conjugalidade e parentalidade.

As secções seguintes apresentam divisões temáticas consolidadas nos estudos sobre a juventude. “Cultura e estilos de vida” (parte vi) é o mais forte exemplo disso, tocando temas como lazer e identidade (Abbott-Chapman e Roberts, capítulo 29), vida nocturna (Hollands, capítulo 30), consumos musicais (Bennet, capítulo 32), moda e estilo (Hodkinson, capítulo 34) e “era digital” (Collin e Burns, capítulo 35). Blackman (capítulo 33) aborda as questões dos consumos de álcool e drogas (geralmente integrados na temática da saúde). Na secção dedicada à saúde física e mental (parte viii), os artigos são mais genéricos, o que dificulta um rápido mapeamento temático ao leitor. As excepções à regra são o artigo de Mugisha sobre a saúde sexual e reprodutiva (capítulo 42) e o de Eckersley sobre o bem-estar (capítulo 43). A sétima parte trata da participação cívica e política e das experiências que as promovem ou desencorajam. Harris (capítulo 37) identifica a ineficácia dos partidos políticos em integrar os jovens nas suas agendas como uma das causas para a fraca participação política, enquanto Carle (capítulo 38) explica a fraca presença dos jovens nos sindicatos pelos processos de precariedade profissional e pela falta de amplitude e flexibilidade da legislação laboral europeia. Flanagan (capítulo 36) sublinha o aumento das divisões sociais na participação cívica.

Na parte ix, “Identidades, valores e crenças”, Côté (capítulo 45) relembra a importância do papel da agência na fluidez identitária, nunca negando a importância dos aspectos estruturais. Os contributos de Johnson e Monserud e de Jones e Schneider (capítulos 46 e 47) regressam às orientações e expectativas relativas à transição escola-trabalho. Exceptuando o artigo de Kelly em torno da geração e da ética do trabalho, os restantes valores estão demasiado circunscritos tematicamente (nos contributos de Holland face à sexualidade e de Pearce e Denton face à religiosidade). Por fim, o décimo grande tema é dedicado ao crime, onde se destaca a contribuição de Schaefer e Uggen sobre o declínio da delinquência na entrada para a vida adulta (capítulo 51). Mais virados para a agenda política, France analisa (capítulo 52) a legislação, no Reino Unido, sobre comportamentos anti-sociais e White (capítulo 54) critica que o cerne das políticas sociais contra a criminalidade seja o crime e não as suas causas.

Identificam-se três aspectos menos positivos nesta obra. Um, já enunciado, refere-se à predominância de perspectivas teórico-metodológicas de origem anglo-saxónica. Outro prende-se com a articulação do conceito de juventude com o de young adulthood, uma nova perspectiva per se que merecia uma maior atenção. Uma reflexão em torno deste conceito num capítulo introdutório seria de extrema importância. Um terceiro aspecto remete para o facto de a obra não reflectir a diversidade de tradições metodológicas que caracteriza os estudos sobre a juventude. Este último ponto teria merecido uma secção autónoma num volume que pretende afirmar-se como um manual.

A leitura ou consulta desta colectânea não pode deixar de ser fortemente recomendada a estudantes e investigadores não apenas do campo da juventude, mas também a todos os que se interessam por processos de mudança e reprodução social. O que esta obra tem de inovador é, afinal, o regresso das estruturas e das continuidades sociais aos estudos sobre a juventude. Relembra-nos que, como afirma Furlong, “if we scratch the surface there are some powerful continuities in the lives of young people in the post-war generations” (p. 242).

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