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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  n.196 Lisboa  2010

 

Ancoragens e variações nas representações sociais da corrupção[**]

 

Gabrielle Poeschl*, Raquel Ribeiro*

* Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade do Porto, Rua Dr. Manuel Pereira da Silva, 4200-392 Porto. e-mails: gpoeschl@fpce.up.pt e rribeiro@fpce.up.pt

 

Examinam-se neste artigo as representações da corrupção de inquiridos portugueses e procuram-se identificar variações consoante os grupos sociais e os contextos geral, global ou nacional em que o fenómeno é considerado. Verificou-se que a “corrupção em geral” é representada por práticas e motivos que reflectem um julgamento moral e por grupos e actividades ilegais, tal como acontece em relação à corrupção ao nível global. Esta tem ainda uma dimensão geopolítica, enquanto a corrupção ao nível nacional é entendida de forma particularizada, realçando-se casos e situações específicas muitas vezes divulgados pelos media.

Palavras-chave: corrupção; representações sociais; globalização; media.

 

Anchoring and variations in the social representations of corruption

In this paper, we examine the representations of corruption of Portuguese respondents and attempt to identify variations according to different social groups and to the general, global, or national contexts in which the phenomenon is considered. We found that “corruption, in general”, is represented by practices and motives that reflect a moral judgment, and by illegal groups and activities, as is also the case for corruption at the global level. Corruption at the global level also has a geopolitical dimension, whereas corruption at the national level is seen in a particularized way, highlighting cases and situations often debated in the media.

Keywords: corruption; social representations; globalization; media.

 

Introdução

A corrupção não é um fenómeno novo: Platão e Aristóteles já utilizavam o conceito, que aplicavam a sociedades inteiras, a regimes políticos que serviam os interesses de grupos ou sectores particulares, em vez de seguirem as leis ou procurarem o bem-estar dos cidadãos (Friedrich, 2002). Mais tarde, o termo passou a aplicar-se a determinadas acções relacionadas com a justiça e com a relação entre poder e riqueza (Johnston, 1996). Desde há alguns anos, a corrupção foi promovida a objecto de estudo, estando no centro da atenção dos autores de várias disciplinas e suscitando um intenso debate relativamente à sua definição, extensão e consequências, assim como ao papel exercido pela globalização na evolução do fenómeno (Blundo, org., 2000). Além de alimentar as discussões entre especialistas, a corrupção tem também invadido toda a comunicação social, que, de modo recorrente, revela casos (ou suspeições de casos) de corrupção, despertando o interesse do grande público para este assunto e fornecendo uma matéria susceptível de animar as conversas quotidianas (Tumber e Waisbord, 2004). O presente estudo procura compreender melhor como é que as pessoas concebem a corrupção e, mais precisamente, o que lhes ocorre espontaneamente quando pensam neste fenómeno.

A nossa incursão nesta problemática começa por apresentar os pontos de vista de diversos especialistas relativamente à definição da corrupção, descrever os esforços desenvolvidos para medir a sua extensão e consequências e analisar o debate acerca da relação entre globalização e corrupção. Explicitamos as razões pelas quais consideramos que a corrupção é objecto de representações sociais para depois apresentarmos a informação contida nas representações apreendidas no inquérito efectuado, mostrarmos a existência de variações nessa informação em função de diferentes grupos e contextos em que o fenómeno é evocado e examinarmos a possível existência de uma relação entre a percepção da corrupção e as opiniões sobre as instituições nacionais e globais.

 

Definições e medição da corrupção

Definir a corrupção é uma tarefa complexa. Os cientistas políticos utilizam muitas vezes o termo para referir actos em que o poder, que deriva de uma posição pública, é utilizado para benefícios pessoais (Jain, 2001), ou definem a corrupção como a má utilização de um cargo público para benefícios privados (Treisman, 2000). Eles defendem que um indivíduo ou um grupo é culpado de corrupção quando aceita dinheiro ou valores para fazer algo que, de qualquer forma, era seu dever fazer ou não fazer, ou quando utiliza a sua autoridade de forma ilegítima (McMullan, 1961). Estes autores tendem a reservar o termo “corrupção” para descrever acções relacionadas com o desempenho de um papel público, como o suborno, a extorsão ou o nepotismo (Nye, 1967), ou seja, com formas de troca social ocultas, em que os detentores do poder político ou administrativo se servem do poder ou da influência conferidos pelo seu mandato ou pela função que exercem (Mény, 1992). Neste sentido, portanto, os comportamentos corruptos não incluem os comportamentos que relevam da esfera privada dos funcionários públicos, nem as acções realizadas por cidadãos que não desempenham um cargo público, nem as acções perpetradas por grupos criminosos organizados (Gardiner, 2002).

Uma definição da corrupção restringida ao sector público tem sido questionada nos últimos anos por vários autores, nomeadamente pelos economistas. Estes autores argumentam que existe uma ampla evidência de que muitos actos de corrupção ocorrem também no sector privado e que a corrupção nem sempre é utilizada para benefícios pessoais (Hodgson e Jiang, 2007). Eles observam que a raiz latina do termo “corrupção” — que significa podridão, decomposição, putrefacção e, no contexto social, deterioração moral — não justifica a reserva da noção de corrupção ao domínio público. De facto, constata-se que o termo é muitas vezes utilizado, na actualidade, para descrever um vasto leque de condutas que surgem nas mais diversas áreas, desde as empresas transnacionais até aos sindicados ou ao desporto.

Para contornar as dificuldades encontradas quando se propõe uma definição conceptual da corrupção procurou-se construí-la a partir da identificação dos actos especificamente punidos por lei. Contudo, esta tarefa também se revelou complicada, já que não há consenso relativamente à classificação das práticas (Miller, 2005). Assim, vários autores, nomeadamente os antropólogos, sublinham que a definição da corrupção é relativa, que práticas ilegais em alguns países ou determinadas épocas são aceites noutros países ou noutras épocas (Hodgson e Jiang, 2007). Encontraram-se as mesmas dificuldades ao considerar a corrupção como a violação de determinadas normas de comportamento (Scott, 1972). Neste caso, mais uma vez, as normas são culturalmente construídas e não há consenso sobre o que é considerado corrupção quando certas regras e procedimentos não são respeitados (Pardo, 2004).

Esta constatação explica que muitos autores ligados, nomeadamente, ao domínio da filosofia entendam a corrupção como uma questão de moral (Miller, 2005). Com efeito, se o que é ilegal não é forçosamente considerado imoral e ilegítimo, o que é legal não é forçosamente visto como moral e legítimo. Esta afirmação é apoiada pelo facto de novas leis poderem rapidamente tornar legais actos anteriormente ilegais (Pardo, 2004). Pelo contrário, parece ser consensual que descrever alguém como “corrupto” é apresentá--lo como pouco ético, movido pelo desejo de riqueza, estatuto ou poder, exprimindo desaprovação moral (Miller, 2005).

Ora, se é verdade que qualificar alguém de corrupto tem uma conotação negativa, a aplicação desta “etiqueta” está longe de ser consensual, verificando-se que numa mesma sociedade as opiniões divergem sobre o que são comportamentos corruptos (Gardiner, 2002). Existem, nomeadamente, divergências entre as opiniões da elite e do grande público que levaram Heidenheimer (2002) a distinguir gradações na corrupção. A “corrupção preta” designa as acções que a elite e o grande público condenam e desejam ver punidas, a “corrupção cinzenta” as acções que avaliam de forma divergente e a “corrupção branca” as acções que a elite e o grande público toleram e não consideram merecer punição. Estas distinções, que se baseiam no peso da opinião pública, não deixam de ser frágeis, na medida em que as atitudes do grande público em relação à corrupção (como a outro tipo de problemáticas) tendem a flutuar em função dos acontecimentos e ainda porque o “grande público” é constituído por vários grupos sociais, que também têm diferentes atitudes e opiniões relativamente à corrupção (Johnston, 2005).

Importa talvez salientar que o debate acerca da definição da corrupção não se restringe a clarificar um problema de terminologia: o modo como esta é definida determina o que é medido e as disposições que são adoptadas para combater certas práticas (Jain, 2001). Porém, nem as dificuldades encontradas para circunscrever o fenómeno nem o facto evidente de que as pessoas envolvidas em crimes de corrupção se mostram pouco dispostas a colaborar em inquéritos impediram os esforços desenvolvidos para medir a corrupção. A Transparência Internacional — uma organização não governamental fundada na Alemanha com o objectivo de combater a corrupção — concebeu, nomeadamente, três indicadores para medir a evolução da corrupção nos diferentes países do mundo.

O Indicador de Percepções de Corrupção (Corruption Perceptions Index, ou CPI), criado em 1995, é um ranking anual que ordena os países (180 países em 2009) em função dos níveis de corrupção percepcionados no sector público. O indicador baseia-se em diversos inquéritos a especialistas e homens de negócios.

O Indicador de Pagadores de Suborno (Bribe Payers Index, ou BPI) analisa a perspectiva dos fornecedores e ordena os países e os sectores industriais fontes de corrupção. O indicador avalia a probabilidade de as empresas dos países mais ricos e industrializados (22 países em 2008) pagarem “luvas”, exportando assim as práticas corruptas quando fazem negócios noutros países. Assenta nas observações de quadros que pertencem a companhias com importantes investimentos no estrangeiro.

O Barómetro Global da Corrupção (Global Corruption Barometer, ou GCB) avalia, por sua vez, em que medida as principais instituições e serviços públicos (os partidos políticos, os funcionários, o parlamento, as empresas do sector privado, a justiça, os media) são percepcionados como corruptos. Avalia, ainda, a percepção dos esforços dos governos para combater a corrupção. Este indicador tem por base inquéritos ao público, em geral (73 132 inquiridos de 69 países para os dados de 2009), que registam as suas opiniões e experiências com a corrupção.

Apesar de os indicadores medirem a percepção da corrupção, e não a corrupção (um aspecto criticado por vários autores), a Transparência Internacional acredita que a percepção é uma medida válida da corrupção. Esta opinião radica no facto de o Indicador de Percepções de Corrupção estar significativamente correlacionado quer com o Barómetro Global da Corrupção, quer com as experiências de pequena corrupção declaradas pelos inquiridos (Transparency International, 2009b).

 

Extensão e consequências da corrupção

Os resultados dos inquéritos da Transparência Internacional revelam que a corrupção está presente em todas as sociedades. Há mais corrupção nos países menos desenvolvidos, com menos tradição democrática e sistemas judiciais mais fracos, e a relação entre pobreza e corrupção parece inquestionável (Seyf, 2001). Contudo, a relação entre o nível de desenvolvimento dos países e o grau de corrupção nacional não é linear: há menos corrupção no Uruguai ou no Botswana do que na Itália e na Grécia (Transparency International, 2009a).

As diferenças entre nações prendem-se sobretudo com o tipo de corrupção e a sua extensão (Seyf, 2001). Por um lado, a pequena corrupção parece mais frequente nos países menos desenvolvidos, onde muitas vezes se devem pagar “luvas” para obter serviços que deviam ser prestados gratuitamente (CMI, 2009). Por outro lado, muitos escândalos trouxeram à luz práticas de grande corrupção nos países mais desenvolvidos e democráticos, em particular no caso de amplos projectos de construção e de contratos ligados com assuntos de defesa nacional (CMI, 2009).

Para os autores que focam as consequências económicas e sociais da corrupção, esta não pode ser considerada apenas uma questão de moral, mas algo que provoca vítimas. Estes autores mostram que a opinião, defendida em tempos, segundo a qual os benefícios da corrupção podiam, por vezes, exceder os seus custos tende a ser cada vez mais rejeitada (Leys, 2002). Sublinham, pelo contrário, que a corrupção acarreta inúmeras consequências negativas para a sociedade, nomeadamente a manutenção e o aumento da pobreza (Seyf, 2001). Assim, segundo o Banco Mundial, a corrupção constitui o maior obstáculo ao desenvolvimento económico e social (World Bank, 1997). De uma forma geral, em todos os países, os pobres são os mais penalizados pela corrupção, dado que os benefícios económicos e os recursos nacionais revertem para os ricos, em vez de serem atribuídos a programas e serviços que permitem combater a pobreza (CMI, 2009).

A expansão e as consequências da corrupção evidenciaram a importância de as nações unirem os seus esforços para prevenirem e combaterem o fenómeno. Diversos tratados e convenções internacionais que prevêem a cooperação internacional nessa luta foram redigidos e ratificados. A Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, que entrou em vigor em 2005, é o maior texto juridicamente vinculativo, ou seja, que obriga as nações contratantes a cumprirem as disposições formuladas na luta contra o fenómeno. O texto descreve a corrupção não apenas como uma ameaça à estabilidade e segurança das sociedades, mas também como uma ameaça aos valores da democracia, da ética e da justiça.

O Programa Global das Nações Unidas contra a Corrupção, destinado a implementar as provisões desta convenção, define a corrupção como “o abuso de poder para benefícios privados” e visa promover medidas contra a corrupção tanto no sector público como no sector privado. Neste sentido, a corrupção inclui o suborno, a extorsão, o desvio de fundos, o tráfico de influências ou o nepotismo, actos muitas vezes acompanhados por actividades criminosas, como a lavagem de dinheiro, a exploração da prostituição ou o tráfico de drogas, de armas e de seres humanos (UNODC, 2008).

No que respeita à corrupção em Portugal, os dados da Transparência Internacional (Transparency International, 2009a) indicam que Portugal ocupa a 35.ª posição (sendo a primeira posição ocupada pelo país menos corrupto) no ranking do Indicador de Percepções da Corrupção de 2009, com um resultado de 5,8 (numa escala em que 0 corresponde à percepção de um elevado nível de corrupção e 10 à percepção de um fraco nível).

Os inquiridos portugueses consideram, tal como os de outros países, que os partidos políticos são as instituições com o maior nível de corrupção (4, numa escala em que 1 = nada corrupto e 5 = extremamente corrupto) e percepcionam um aumento significativo da corrupção no sector privado (Transparency International, 2009b). Para a maioria (73%), os esforços do governo para combater o fenómeno são ineficazes. Contudo, no que respeita à pequena corrupção, apenas 2% dos inquiridos entrevistados pela Transparência Internacional declaram ter pago subornos para obter serviços, um valor que não se modificou no intervalo dos dois últimos anos, apesar de 64% dos inquiridos terem declarado em 2007 que, na sua opinião, a corrupção em Portugal ia aumentar durante os anos seguintes (Transparency International, 2007).

 

Globalização e corrupção

Ao reflectir sobre a relação entre o desenvolvimento histórico das sociedades e as diversas concepções da corrupção, Johnston (2005) pergunta em que medida, em vez de procurar definições consensuais para o conceito, não se devia, pelo contrário, procurar utilizar as suas variantes para analisar as mudanças sociais. Retomando a distinção de Heidenheimer (2002) entre “corrupção branca”, “cinzenta” e “preta”, Johnston sugere que em muitas sociedades modernas se desenvolve um género de zona cinzenta em que as regras são instáveis. A influência da globalização neste processo é indubitável, na medida em que se criam novos papéis e novas regras em consequência da abertura aos mercados globais, da adopção de tratados internacionais e do ingresso das nações em organizações supranacionais. Num mundo economicamente, socialmente e politicamente cada vez mais globalizado, a distinção entre o Estado e a sociedade, os interesses públicos e os interesses privados, as conexões aceitáveis ou inaceitáveis entre o poder e a riqueza, torna-se também mais ambígua (Johnston, 2005).

Paralelamente à questão sobre as modificações que o processo de globalização poderia trazer às concepções da corrupção, existe outro debate acerca da relação entre estes dois fenómenos complexos (para uma revisão da literatura a este respeito, v. Das e DiRienzo, 2009). Vários autores consideram que a intensificação das relações entre países tem chamado a atenção para a organização interna das nações, revelando a existência de eventuais práticas corruptas e levando à elaboração de regulamentos anticorrupção (Williams e Beare, 1999). Alguns sublinham que a globalização tem reduzido a corrupção na medida em que afecta as trocas económicas (Mittelman e Johnston, 1999), enquanto outros observam que uma diminuição do poder do Estado resultante da globalização parece implicar, quase automaticamente, uma diminuição das oportunidades de corrupção (CMI, 2009).

Para muitos autores, a globalização tem, pelo contrário, aumentado a corrupção. Por um lado, as medidas preconizadas pelas instituições responsáveis por assegurarem um desenvolvimento justo e sustentável no nosso planeta, como o Banco Mundial ou o Fundo Monetário Internacional, não apenas aumentaram, mas também produziram a pobreza (Stiglitz, 2002), criando condições favoráveis para o desenvolvimento da corrupção. Por outro lado, as organizações criminosas globais procuram corromper não apenas os polícias e os guarda-fronteiras para proteger as suas actividades ilegais, mas também todo o sistema judicial (CMI, 2009). Infiltraram-se, progressivamente, em todos os sectores da economia global, sem encontrarem resistência por parte dos poderes políticos e das multinacionais da finança e dos negócios, e exercem, actualmente, um papel predominante nas políticas económicas dos países (Chossudovsky, 1996). Na medida em que a globalização tem reduzido o poder dos Estados, a capacidade das instituições nacionais no combate à corrupção torna-se igualmente reduzida (CMI, 2009).

Uma terceira posição é defendida por alguns autores que recorrem às medidas elaboradas para avaliar o grau de corrupção e de globalização das nações (Das e DiRienzo, 2009). Segundo estes autores, a relação entre a globalização e a corrupção não seria linear, já que a globalização poderia ter um efeito positivo ou um efeito negativo sobre a corrupção, consoante o grau de desenvolvimento dos países: quando os países começam a ser globalizados, os seus níveis de corrupção aumentam, dado que novas relações de negócio criam oportunidades de práticas corruptas; quando os países progridem na economia global, eles devem submeter-se aos regulamentos anticorrupção e os seus níveis de corrupção baixam. Os resultados obtidos, utilizando como medida de corrupção o Indicador de Percepções de Corrupção da Transparência Internacional e como medida de globalização o indicador KOF (Konjunkturforschungsstelle Index of Globalization) do Instituto Federal Suíço de Tecnologia, que mede três dimensões (económica, social e política) da globalização, confirmam que os países com níveis moderados de globalização são os que apresentam níveis de corrupção mais elevados (Das e DiRienzo, 2009).

Tendo em conta que, segundo o Indicador de Globalização KOF, Portugal é um país altamente globalizado, ocupando em 2007 a 8.ª posição em 208 países, com uma classificação de 87,54 numa escala em que 100 representa o maior nível de globalização (KOF, 2010), os níveis de corrupção do país deviam, teoricamente, ser considerados fracos, uma tendência que não parece confirmada pelos inquéritos da Transparência Internacional.

Podemos, portanto, perguntar-nos se, de acordo com a observação de Johnston (2005), a globalização, ao transformar as sociedades, está a modificar os significados atribuídos à corrupção, se os portugueses estabelecem relações e evidenciam semelhanças entre a corrupção ao nível nacional e a corrupção ao nível global e se percepcionam o efeito da globalização sobre a corrupção no país.

 

A corrupção como representação social

Na medida em que a corrupção se pratica de forma discreta, os meios de comunicação social têm um papel preponderante na difusão de informações sobre casos de corrupção (Tumber e Waisbord, 2004). Mesmo se existem divergências entre os autores relativamente ao impacto dos media em geral, e da televisão em particular, e relativamente às concepções da audiência — que variam entre uma massa moldada pelas estruturas sociais e políticas e um conjunto de indivíduos inovadores e autónomos (Livingstone, 2006) —, parece haver consenso quanto ao facto de os media fornecerem a matéria para as trocas interpessoais de opiniões (Lang e Lang, 2006). Os órgãos de comunicação social, ao enfatizarem alguns acontecimentos e ignorarem outros, influenciam aquilo sobre o qual as pessoas devem pensar e, ao salientarem alguns aspectos desses acontecimentos em detrimento de outros, moldam a opinião pública (Iyengar e Simon, 1993; Sousa e Triães, 2007). Ao tornarem-se temas de conversa, os casos (ou suspeições de casos) divulgados pela comunicação social são, por sua vez, reinterpretados a partir dos comentários e julgamentos trocados. Podemos portanto considerar os discursos sobre a corrupção representações sociais se definirmos as representações sociais como “conjuntos de conceitos, proposições e explicações originados na vida quotidiana no decurso de comunicações interpessoais” (Moscovici, 1981, p. 181).

Considerar as concepções da corrupção representações sociais permite prever que as opiniões sobre os actos corruptos, as pessoas corruptas, a extensão da corrupção e os meios susceptíveis de a travar variam consoante os grupos sociais. Por um lado, as conversas estabelecem-se entre pessoas que pertencem a grupos particulares, com diferentes posições na estrutura social, e, por outro, as fontes de informação variam geralmente em função dos grupos, que escolhem aquelas que melhor se adequam ao seu sistema de pensamento (Bourdieu, 1979). Apenas as pessoas motivadas e capazes de tratarem a informação (Petty e Cacioppo, 1981) serão susceptíveis de procurar uma informação mais fiável, confrontando uma diversidade de emissores e de pontos de vista (Sousa e Triães, 2007). De uma forma geral, os discursos dos diferentes grupos sociais deviam traduzir uma selecção não neutra de elementos integrados na representação e relações, selectivas, entre esses elementos (Moscovici, 1976).

Considerar as concepções da corrupção representações sociais permite também inferir que os discursos sobre a corrupção não exprimem meras opiniões sobre o fenómeno, mas teorias práticas que contribuem para uma visão coerente do mundo social (v., por exemplo, Jodelet, 1989), preenchendo diversas funções, como justificar as relações entre os grupos e legitimar e orientar os comportamentos (Poeschl, 2003). Portanto, as representações da corrupção deveriam apresentar variações consoante a situação de evocação ou o quadro de referência no qual os discursos são produzidos (Doise, 1990). Podemos prever, por exemplo, que as representações da corrupção, em geral, compreendam alguns elementos das definições dominantes, enquanto os discursos sobre a corrupção ao nível global ou ao nível nacional salientem diferentes facetas do fenómeno (v., a este respeito, Poeschl, 2001). Assim, para além de destacar os elementos que melhor permitem visualizar o fenómeno, o concretizar, estes discursos deveriam revelar o ponto de vista das pessoas sobre o mundo e a nação.

Por sua vez, a percepção de um elevado grau de corrupção ao nível nacional deveria permitir justificar e favorecer o cometimento de pequenos actos de corrupção considerados “normais”, ou seja, conformes às normas comportamentais (v., por exemplo, Wenzel, 2001). Os resultados de um estudo recente realizado em Portugal, no qual os inquiridos tiveram de se pronunciar sobre várias dimensões da corrupção, apoiam esta ideia (Sousa, 2008). Revelam que os portugueses condenam a grande corrupção — mais de 90% consideram que não devia existir —, mas adoptam uma definição algo restrita do fenómeno, mostrando-se tolerantes com actos que tocam os limites da legalidade ou são dificilmente objectos de regulação. Os inquiridos concordam, por exemplo, que se utilizem as redes sociais para obter benefícios ou serviços a que não teriam direito. Os resultados sugerem ainda que as pessoas se mostram, de uma forma geral, menos tolerantes com o tráfico de influências quando é praticado por políticos do que quando é praticado por cidadãos comuns e que metade dos inquiridos que condenam os outros por “meter cunhas” ou “puxar cordelinhos” considera que eles próprios têm o direito de o fazer por alguma razão. Assim, mesmo as pessoas que condenam a corrupção em termos simbólicos podem, na prática, sacrificar os seus padrões éticos em prol da satisfação das suas necessidades e interesses se encontrarem justificações para o fazerem (Sousa, 2008).

Tendo em conta o polimorfismo do conceito, a ausência de consenso entre especialistas para definir e circunscrever a corrupção e as propriedades das representações sociais, o presente estudo teve como objectivo recolher a informação incluída nas representações da corrupção, informação que constitui, segundo Moscovici (1976), a primeira dimensão das representações sociais. Procurou também examinar as variações produzidas nessa informação pela ancoragem das representações em diferentes grupos sociais (Doise, 1990) e em diferentes contextos de evocação (Poeschl, 2001). Mais precisamente, procurámos:

a) Captar a informação que circula, de uma forma geral, sobre a corrupção. Procurámos saber quais os actos que as pessoas consideram corruptos, os cargos e sectores susceptíveis de serem associados a actos de corrupção, as causas e as consequências que as pessoas atribuem ao fenómeno;

b) Verificar a existência de diferenças nas representações da corrupção em função do sexo e das faixas etárias. Esperamos que os inquiridos de sexo masculino tenham um conhecimento mais extenso da corrupção do que os de sexo feminino, por estarem mais integrados em actividades políticas e mais representados nas posições de chefia, tanto na esfera política como na esfera económica, pertencendo assim a uma categoria social mais exposta a tentativas de corrupção. Esperamos também que os inquiridos mais velhos tenham uma representação da corrupção mais desenvolvida do que os mais jovens, por causa da sua maior experiência de vida;

c) Explorar a natureza das variações introduzidas nas representações da corrupção em função do contexto de evocação, nomeadamente quando os inquiridos se exprimem sobre a corrupção em geral, ao nível nacional ou ainda ao nível global. Podemos considerar que as informações divulgadas, geralmente a partir dos media, acerca de casos e situações de corrupção levam a modular as opiniões sobre a natureza e a extensão da corrupção, as suas consequências e a avaliação dos actos e dos actores de corrupção. Esperamos realçar semelhanças nas representações deste fenómeno ao nível nacional e ao nível global, que reflectem as transformações sociais produzidas pela globalização (Johnston, 2005). Contudo, esperamos que a informação sobre a corrupção seja mais extensa e diversificada ao nível nacional do que ao nível global, devido à maior relevância do fenómeno no contexto nacional, e que seja mais semelhante à informação produzida quando a corrupção é evocada de uma forma geral.

Por último, examinámos a possibilidade de existir uma relação entre a percepção da corrupção e as opiniões acerca das instituições nacionais e globais. Esperamos que a percepção de um elevado grau de corrupção ao nível nacional seja associada a atitudes negativas em relação às instituições do país e que a percepção de um elevado grau de corrupção ao nível global seja associada a atitudes negativas face às instituições globais. Baseando-nos no trabalho de Das e DiRienzo (2009), que aponta para um efeito positivo da globalização sobre a corrupção nos países globalizados, prevemos ainda que a percepção de um elevado grau de corrupção ao nível nacional seja associada a atitudes positivas em relação às instituições globais, evidenciando a confiança depositada na globalização para combater a corrupção.

 

Método

Os inquiridos

Participaram neste estudo 200 inquiridos, 100 homens e 100 mulheres, todos de nacionalidade portuguesa. Metade tem idade até 35 anos (mínimo: 15 anos; média: 24,5 anos) e a outra metade idade superior a 35 anos (máximo: 64 anos; média: 46,5 anos). De entre os respondentes, 102 são solteiros e 98 são ou foram casados. Relativamente à actividade profissional, 40 são empresários, independentes ou quadros superiores, 38 quadros médios, 41 empregados, 9 operários, 56 estudantes e 15 não têm emprego (um inquirido não indicou a sua actividade profissional). Em termos de escolarização, 46 completaram o 9.º ano, 42 o 12.º ano e os outros 112 seguem ou seguiram uma formação superior. Os inquiridos são, na maioria, de religião católica (133), sendo, em média, pouco praticantes (3,21 numa escala de 7 pontos, em que 1 = nada praticante).

Do ponto de vista político, repartem-se entre a extrema-esquerda (5 pessoas) e a extrema-direita (4 pessoas), situando-se a média na ala esquerda do centro (3,73 numa escala em que 1 = extrema-esquerda). Declaram interessar--se mais pela política ao nível global do que pela política ao nível nacional (nível nacional: 4,05; nível global: 4,29; numa escala em que 7 = muito) e consideram que as instituições nacionais e as instituições globais podem igualmente agir sobre a corrupção (instituições nacionais: 5,08; instituições globais: 5,16; numa escala em que 7 = muito). Apenas 9 inquiridos participam em algum movimento político e 25 noutros tipos de movimentos associativos.

 

Questionário e procedimento

O estudo foi realizado por meio de um questionário constituído por questões abertas e fechadas. Na primeira página solicitava-se a colaboração das pessoas para participarem numa investigação sobre a corrupção, pedindo-lhes que respondessem sincera e espontaneamente e assegurando-lhes o anonimato. Seguiam-se três tarefas de associação de palavras: primeiramente pedia-se aos participantes que indicassem um máximo de 10 palavras ou expressões que lhes vêm espontaneamente à mente quando ouvem a palavra “corrupção”. De seguida, pedia-se-lhes para pensarem “unicamente em Portugal” (ou “unicamente no mundo em geral”) e solicitava-se que indicassem de novo um máximo de 10 palavras ou expressões que lhes vêm espontaneamente à mente quando pensam na corrupção ao nível nacional (ou na corrupção ao nível global). A ordem dos dois indutores era contrabalançada, mas a sua apresentação na mesma página visava favorecer uma comparação entre contextos. Na última página recolhiam-se os dados sociodemográficos (sexo, idade, nacionalidade, estado civil, profissão, grau de escolaridade, religião, tendência política, participação em movimento político ou associativo) e apresentavam-se ainda quatro pares de escalas de 7 pontos, relativas ao interesse manifestado pelos inquiridos em relação à política nacional e global, à positividade da sua opinião face às instituições nacionais e globais, ao seu nível de preocupação em relação a estas instituições e à sua percepção da possibilidade de acção das instituições nacionais e globais sobre a corrupção. Por último, agradecia-se aos inquiridos a sua participação.

O questionário foi aplicado individualmente em Abril de 2009 pelos estudantes da disciplina de Psicologia Social das Opiniões e dos Comportamentos Sociais da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, que colaboraram no estudo, sendo controlada a repartição por condição experimental.

 

Plano experimental

O plano experimental é um 2 (sexo: homens vs. mulheres) × 2 (faixa etária: até 35 anos vs. a partir de 36 anos) × 3 (corrupção: em geral vs. ao nível nacional vs. ao nível global), sendo o último factor intra-sujeitos.

 

Análise dos dados

Uma primeira série de análises examinou a extensão e a natureza da informação contida nas representações da corrupção. Para este efeito, todas as palavras associadas aos três indutores foram introduzidas num ficheiro de dados na forma como foram mencionadas nos questionários, aplicando-se apenas as regras de redução habitualmente utilizadas nas tarefas de associação livre de palavras (Rosenberg e Jones, 1972). Foram realizadas, de seguida, algumas reduções por sinonímia quando as palavras reflectiam uma forma particular de expressão, mas não se efectuou uma análise de conteúdo.

Diversos índices foram calculados. Assim, a informação (ou “campo semântico”) associada por cada grupo ou a cada contexto foi descrita por meio de três índices (v. Deconchy, 1971): (i) o índice de fluidez, ou seja, o número total de palavras evocadas, que reflecte a facilidade com que as pessoas se exprimem acerca de um objecto; (ii) o índice de amplitude, ou seja, o número de palavras diferentes evocadas, que traduz o número de elementos que se tornam acessíveis quando as pessoas se exprimem acerca do objecto; (iii) o índice da riqueza, que é a razão entre a amplitude e a fluidez, e fornece uma medida da integração da informação acerca do objecto.

Procedeu-se também a dois tipos de comparações entre campos semânticos. Em primeiro lugar, calculou-se uma medida global de semelhança entre os campos semânticos através do índice Rn de Ellegard (v. Di Giacomo, 1981). Este índice, que varia entre 0 e 1, é obtido pelo número de palavras comuns a dois campos semânticos dividido pela raiz quadrada do produto da amplitude dos dois campos. Em segundo lugar, analisou-se de forma mais pormenorizada o conteúdo dos diversos campos semânticos e comparou-se, por meio do teste do qui-quadrado, a frequência de evocação das palavras mais acessíveis, ou seja, das palavras provavelmente mais importantes dos diferentes campos semânticos.

Num segundo momento procurámos identificar diferentes dimensões das representações da corrupção, o modo como elas se inter-relacionam e a medida em que elas são representativas dos diversos grupos e contextos contemplados. Para esta análise utilizámos o programa de dados textuais Alceste. Este programa permite estudar a estrutura formal da co-ocorrência das palavras num determinado corpus, efectuando uma classificação hierárquica descendente, baseada na distância do qui-quadrado, numa tabela de palavras que cruza o conjunto das formas lematizadas (reduzidas à raiz) provenientes dos discursos expressos.

Finalmente, examinámos a possibilidade de existir uma relação entre a percepção da corrupção em geral, ao nível nacional e ao nível global, e as opiniões acerca das instituições nacionais e globais. Começámos por analisar o grau de positividade e de preocupação dos inquiridos relativamente a essas instituições e efectuámos, de seguida, uma análise de regressão múltipla sobre cada uma das escalas de opinião, utilizando as frequências de resposta aos três indutores como variáveis independentes. Considerámos a fluidez das respostas uma medida da extensão da corrupção percepcionada em geral, ao nível nacional e ao nível global, partindo do princípio de que, quanto melhor conhecemos um objecto, mais fácil é pronunciarmo-nos sobre ele.

 

Resultados e discussão

A informação acerca da corrupção

No total foram mencionadas 3319 palavras, das quais 577 diferentes. As frequências de evocação variam entre 1 (281 palavras únicas) e 262. O quadro n.º 1 apresenta os índices de amplitude, fluidez e riqueza no total, por contexto, por sexo e por faixa etária.

 

Amplitude, fluidez e riqueza dos campos semânticos sobre a corrupção

[quadro n.º 1]

 

Como se pode ver no quadro n.º 1, os participantes forneceram um maior número de respostas relativamente à corrupção em geral do que à corrupção ao nível nacional e um maior número de respostas sobre a corrupção ao nível nacional do que sobre a corrupção ao nível global [χ2 (2) = 40,94, p < .001]. Contudo, a amplitude dos campos semânticos não difere consoante os contextos [χ2 (2) = 2,22, n. s]. Portanto, o campo semântico menos rico — ou mais estereotipado — é o campo associado à corrupção em geral e o campo semântico mais rico é o associado à corrupção ao nível global. A nossa expectativa de que a informação sobre a corrupção ao nível nacional fosse mais extensa do que a informação sobre a corrupção ao nível global é, portanto, verificada. No entanto, ao contrário do que se esperava, ela não é mais diversificada.

Uma análise dos campos semânticos associados aos diferentes grupos indica que os inquiridos masculinos não deram significativamente mais respostas do que os do sexo feminino [fluidez: χ2 (1) = .61, n. s.; amplitude: χ2 (1) = 1,77, n. s.]. Por sua vez, os inquiridos com mais idade também não forneceram um número de respostas significativamente maior do que os mais jovens [fluidez: χ2 (1) = .51, n. s.; amplitude: χ2 (1) = .32, n. s.]. Os índices de riqueza são, portanto, semelhantes para os diversos grupos e revelam campos semânticos pouco ricos. A ausência de diferenças entre os grupos na extensão da informação sobre a corrupção, contrária ao que se esperava, não significa, contudo, que não haja diferenças na natureza da informação recolhida.

Para examinar a semelhança entre pares de campos semânticos recorremos ao índice Rn de Ellegard. O quadro n.º 2, que apresenta o número de palavras comuns aos pares de campos e o índice de semelhança, permite verificar que, como previsto, existe uma maior semelhança entre a informação acerca da corrupção ao nível nacional e a corrupção em geral do que entre a informação contida nos outros pares de campos, nomeadamente entre a corrupção ao nível global e a corrupção em geral. Pode-se observar um índice de semelhança particularmente baixo quando se comparam as respostas à corrupção ao nível nacional com as respostas à corrupção ao nível global. Uma comparação do grau de semelhança entre os campos semânticos dos grupos de sexo e de idade sugere que o sexo diferencia mais do que a idade a informação acerca da corrupção.

 

Respostas comuns e semelhança entre campos semânticos de acordo com o índice Rn de Ellegard

[quadro n.º 2]

 

No entanto, a análise global dos campos semânticos não fornece nenhuma indicação sobre a natureza do conteúdo das representações. Para saber quais as palavras mais frequentemente associadas à corrupção registámos, no quadro n.º 3, as palavras associadas por pelo menos 15% dos respondentes (n = 30) à corrupção em geral, ao nível nacional e ao nível global. Procurámos também saber se a frequência com que estas palavras aparecem difere em função do contexto de evocação, aplicando um teste do qui-quadrado.

 

Palavras associadas por mais de 15% dos inquiridos à corrupção, frequências de evocação em função do contexto e diferenças significativas segundo o teste do qui-quadrado

[quadro n.º 3]

 

Se consideramos que as palavras mais frequentes são mais susceptíveis de fazer parte do núcleo central das representações (Abric, 1994), podemos inferir que política, futebol e dinheiro pertencem a este conjunto de elementos estáveis e não negociáveis das representações da corrupção. Com efeito, estas três palavras são, de longe, as mais frequentemente associadas à corrupção em geral. Contudo, apenas dois elementos ressaltam na representação da corrupção ao nível nacional, política e futebol, ao passo que uma única palavra se destaca na representação da corrupção ao nível global, política. Assim, mais do que o mundo das empresas privadas, o mundo da política parece ser o que se impõe aos nossos inquiridos quando pensam na corrupção.

À volta destes elementos, e com maior frequência na evocação da corrupção em geral, encontram-se actos corruptos e a sua avaliação moral (roubo, suborno, mentira, falta de princípios, desonestidade), alguns evocados também, juntamente com actores de corrupção, com a corrupção ao nível global (crime, interesses, mafia) ou com a corrupção ao nível nacional (autarquias, governo, José Sócrates, árbitros). Observa-se, portanto, que as palavras frequentes partilhadas entre a corrupção em geral e ao nível nacional referem casos e actores do mundo da política e do futebol que estiveram no centro de recentes controvérsias, enquanto no campo partilhado entre a corrupção em geral e ao nível global encontramos palavras relativas a organizações criminosas. A tendência para “objectivar” a corrupção verifica-se nas palavras que evocam apenas a corrupção ao nível nacional (Pinto da Costa, Freeport) e, numa certa medida, a corrupção ao nível global (África). As palavras partilhadas (bancos, injustiça, poder, droga) deixam, contudo, antever a existência de uma representação mais ampla da corrupção.

O grande número de palavras associadas à corrupção, e os primeiros indícios da existência de diferenças em proveniência do contexto de evocação sugerem que, tal como para os especialistas, para os leigos, a corrupção é vista como um fenómeno polimorfo. Procurámos, portanto, identificar as dimensões das representações da corrupção e examinar em que medida essas dimensões podem ser consideradas representativas dos diferentes contextos de evocação e dos grupos sociais em análise.

 

As dimensões representacionais

Para evidenciar as dimensões representacionais utilizámos o programa Alceste, tomando em consideração a totalidade das respostas. A análise incidiu assim sobre 598 unidades de contexto iniciais, correspondendo às palavras fornecidas pelos 200 sujeitos em resposta aos três indutores (2 sujeitos não responderam a um dos indutores). A análise teve em conta todas as palavras com frequência mínima de 4 ocorrências. Assim, o programa classificou 87% das respostas em seis classes (v. figura n.º 1).

 

Peso relativo das classes de palavras e relações entre as classes

[figura n.º 1]

 

O dendograma apresentado na figura n.º 1 revela a existência de um conjunto de classes de respostas relacionadas com a corrupção em geral (classes 2, 4 e 5), a que se junta uma classe de palavras relacionada com a corrupção ao nível global (classe 1), ao passo que as duas classes de respostas associadas à corrupção ao nível nacional formam um conjunto mais distinto (classes 3 e 6). O peso relativo de cada conjunto reflecte a fluidez das respostas reportada no quadro n.º 1 e uma organização das respostas mais diferenciada no contexto geral do que nos outros dois contextos. Começamos, portanto, por apresentar o conteúdo das classes associadas à corrupção em geral.

A classe 2, que mais se associa à corrupção em geral (χ2 = 19) reúne diferentes palavras organizadas à volta da palavra “mentira” (χ2 = 115) e que referem actos de corrupção ou exprimem um julgamento moral sobre estes actos: injustiça (χ2 > 100), falso, enganar (χ2 > 70), falta de educação, roubo, maldade (χ2 > 40), vigarice, burla (χ2 > 20), fraude, desvios (χ2 > 15). Esta classe é constituída mais particularmente por respostas dadas pelas mulheres com maior idade (χ2 > 12) e diferencia claramente as evocações fornecidas sobre a corrupção em geral das respostas fornecidas sobre a corrupção ao nível global (χ2 = –7) ou ao nível nacional (χ2 = –3).

A pequena classe 4, que lhe está próxima, também se associa sobretudo à corrupção em geral (χ2 = 6). Ela reúne palavras que exprimem também um julgamento moral, mas coloca a tónica sobre os actores da corrupção, os seus motivos e traços de personalidade. A palavra-chave é ganância (χ2 = 138), que é acompanhada por egoísmo, desleal (χ2 > 70), oportunismo, interesses, desonestidade, ambição (χ2 > 40), corruptos, desigualdades, poder, falta de princípios (χ2 > 20). Esta classe surge das respostas dadas pelas mulheres (χ2 = 4) e distingue as palavras associadas à corrupção em geral das respostas relacionadas com a corrupção ao nível nacional (χ2 = –3).

A terceira classe deste conjunto, a classe 5, é representativa da corrupção em geral (χ2 = 4), mas também, embora numa medida menor (χ2 = 2), da corrupção ao nível global. A classe estrutura-se à volta da palavra “crime” (χ2 = 71) e inclui as palavras “dinheiro” (χ2 > 60), “suborno”, “abuso de poder” (χ2 > 30), “endinheirado”, “lei”, “máfia”, “violência”, “ricos”, “sistema”, “negócios”, “degradação”, “tráfico” (χ2 > 10). Apresenta a corrupção como um conjunto de práticas ilegais destinadas a enriquecer grupos particulares organizados para este efeito. Esta classe tende a ser mais representativa dos inquiridos mais jovens (χ2 = 2) e contém poucas palavras mencionadas no contexto da corrupção ao nível nacional (χ2 = –12).

A classe 1 reúne as palavras evocadas a propósito da corrupção ao nível global (χ2 = 144), em que se destaca, em particular, a palavra África (χ2 = 110). A palavra é acompanhada por Estados Unidos (χ2 > 90), petróleo, guerra (χ2 > 50), América do Sul, Brasil, pobreza, droga, George Bush, países subdesenvolvidos, fome, armas (χ2 > 30). A classe, com uma clara conotação geopolítica, refere as relações de poder entre países ricos e países pobres e as consequências dramáticas que estas relações acarretam para os últimos. Resulta, sobretudo, das respostas masculinas (χ2 = 6), em particular dos homens mais jovens (χ2 = 4). A classe distingue as palavras associadas à corrupção ao nível global das repostas fornecidas sobre a corrupção em geral (χ2 = -30) ou ao nível nacional (χ2 = –40).

A primeira classe sobre a corrupção ao nível nacional (χ2 = 31), a classe 3, inclui respostas que referem acontecimentos alvo de discussão na altura em que os questionários foram aplicados e personalidades implicadas nestes acontecimentos. Ao centro da classe encontram-se as menções a Pinto da Costa (χ2 = 195), às quais se juntam as referências ao “apito dourado”, a Valentim Loureiro (χ2 > 130), Fátima Felgueiras (χ2 > 100), Vale e Azevedo, “saco azul” (χ2 > 80), BPN, Freeport, Carolina Salgado, José Sócrates (χ2 > 50), árbitros, Casa Pia (χ2 > 40). As respostas que realçam a associação da corrupção ao nível nacional ao mundo do futebol e da política provêm mais particularmente dos inquiridos mais jovens (χ2 = 9), em particular das mulheres mais jovens (χ2 = 7). Elas diferenciam este grupo de respostas das palavras evocadas em relação à corrupção ao nível global (χ2 = –24).

A segunda classe representativa da corrupção ao nível nacional (χ2 = 48), a classe 6, de peso superior à classe precedente, ultrapassa os exemplos particulares para incluir áreas mais abrangentes, que se organizam à volta de futebol (χ2 = 98). As palavras mais frequentes são política (χ2 > 90), bancos (χ2 > 70), autarquias (χ2 > 50), função pública, empresários (χ2 > 20), forças de segurança, construção civil, obras públicas, Estado (χ2 > 15). Associam, portanto, a corrupção nacional não apenas ao mundo do futebol e da política, mas também a alguns domínios do sector privado. As palavras incluídas nesta classe, que tende a ser mais representativa dos homens com mais idade (χ2 = 3), são sobretudo diferentes das palavras associadas à corrupção ao nível global (χ2 = –30).

Para resumir, a corrupção em geral é representada por um conjunto de práticas vistas como pouco éticas, desempenhadas por pessoas com traços de personalidade ou movidas por motivos vistos também como pouco éticos. A corrupção em geral e ao nível global é associada a práticas e a grupos que desafiam a lei à procura de dinheiro, sendo a corrupção ao nível global ainda relacionada com a manutenção das desigualdades entre nações. As mulheres parecem mais sensíveis à natureza moral da corrupção e os jovens ao aspecto legal, sendo a vertente política mais típica dos jovens homens.

Ao contrário do que podíamos ter esperado, a corrupção ao nível nacional aparece como pouco semelhante à corrupção ao nível global. Apresenta--se intimamente ligada a casos e personalidades do mundo do futebol e da política, apesar de se estender ao sector privado, em particular aos domínios da banca e da construção civil. Os julgamentos morais ou legais e as consequências sociais da corrupção também não se impõem particularmente à mente dos nossos inquiridos, que apresentam uma representação predominantemente “pontilhista” da corrupção ao nível nacional.

 

A corrupção e as opiniões acerca das instituições

Antes de examinar a possibilidade de existir uma relação entre a percepção da corrupção e as opiniões expressas sobre as instituições nacionais e globais procurámos conhecer o grau de positividade e de preocupação dos inquiridos relativamente aos dois tipos de instituições.

A análise da variância 2 (sexo: homens vs. mulheres) × 2 (faixa etária: até 35 anos vs. a partir de 36 anos) × 2 (instituições: nacionais vs. globais) aplicada sobre o grau de positividade das opiniões revela que estas são negativas, sobretudo a opinião acerca das instituições nacionais [instituições nacionais: 3,14; instituições globais: 3,49; F (1,196) = 20,84, p < .001]. A análise evidencia ainda um efeito significativo do sexo de pertença [F (1,196) = 5,47, p < .05], mostrando que os homens têm uma opinião pior dessas instituições do que as mulheres (homens: 3,13; mulheres: 3,50). Contudo, como se pode ver na figura n.º 2, a interacção entre o sexo e a faixa etária [F (1,196) = = 6,07, p < .05] indica que, de facto, a diferença entre o grupo dos homens e o das mulheres apenas se observa no grupo de inquiridos com maior idade [até 35 anos: homens, 3,41; mulheres, 3,39; t (98) = .09, n. s.; a partir de 36 anos: homens, 2,84; mulheres, 3,61; t (98) = 3,26, p < .01].

 

Positividade das opiniões acerca das instituições (nacionais e globais) em função do sexo de pertença e da faixa etária (1 = muito negativa; 7 = muito positiva)

[figura n.º 2]

 

A análise de variância sobre o grau de preocupação com as instituições nacionais e globais mostra que os inquiridos manifestam preocupação sobretudo quando pensam nas instituições nacionais [instituições nacionais: 5,05; instituições globais: 4,64; F (1,196) = 26,01, p < .001]. Contudo, a preocupação com as instituições nacionais e globais difere em função da faixa etária [F (1,196) = 4,32, p < .05]. Como se pode ver na figura n.º 3, ambos os grupos etários revelam maior preocupação com as instituições nacionais do que com as instituições globais. No entanto, os mais jovens mostram-se mais preocupados com as instituições nacionais e menos preocupados com as instituições globais do que os inquiridos com maior idade [até 35 anos: instituições nacionais, 5,11; instituições globais, 4,54; t (99) = 4,59, p < .001; a partir de 36 anos: instituições nacionais, 4,98; instituições globais, 4,74; t (99) = 2,43, p < .05].

 

Preocupação com as instituições nacionais e globais em função da faixa etária (1 = nada preocupado; 7 = muito preocupado)

[figura n.º 3]

 

A avaliação, mais negativa, das instituições nacionais pode aparecer como pouco surpreendente se tivermos em conta o fraco interesse dos inquiridos pela política e o enfoque dos meios de comunicação social sobre a política nacional. Porém, se consideramos, de acordo com os resultados de Sousa e Triães (2007), que as pessoas mais jovens são as que mais procuram formar as suas opiniões a partir de fontes diversificadas, somos levados a concluir que uma informação mais completa leva, simultaneamente, ao aumento da confiança nas instituições globais e a uma maior preocupação em relação às instituições nacionais.

Para examinar a possibilidade de existir uma relação entre a percepção da corrupção e as opiniões acerca das instituições nacionais e globais utilizámos o índice de fluidez dos discursos como medida da extensão da corrupção percepcionada. Efectuámos, assim, uma série de análises de regressão múltipla (passo a passo) para examinar o efeito da fluidez das respostas associadas à corrupção em geral, ao nível nacional e ao nível global, sobre a positividade das opiniões e a preocupação relativamente às instituições nacionais e às instituições globais.

As análises sugerem que a fluidez das respostas não permite predizer o grau de preocupação dos respondentes com os dois tipos de instituições, mas permite, no entanto, predizer a positividade das suas opiniões. Observa--se, por um lado, que, quanto maior é o número de respostas associadas à corrupção ao nível nacional, tanto mais negativa é a opinião acerca das instituições nacionais [ß = –.22; R2ajustado = .04, F (1,198) = 10,13, p < .01]. Por outro lado, quanto maior é o número de respostas associadas à corrupção em geral, tanto mais negativa é a opinião acerca das instituições globais [ß = –.17; R2ajustado = .02, F (1,198) = 5,67, p < .05]. Assim, se a percepção da corrupção ao nível nacional prejudica, de acordo com as nossas expectativas, a opinião acerca das instituições nacionais, ela não favorece, ao contrário do esperado, a opinião acerca das instituições globais (ß = –.10, n. s.). Por sua vez, a percepção da corrupção ao nível global não afecta a opinião acerca das instituições globais (ß = –.08, ns), opinião que é, contudo, influenciada por uma percepção mais geral da corrupção.

Para procurar perceber melhor a relação entre as respostas associadas à corrupção e a positividade das opiniões acerca das instituições nacionais e globais introduzimos essas opiniões como variáveis suplementares na análise dimensional já apresentada. Considerámos negativas as opiniões abaixo da média (4) da escala (64,5% das respostas para as instituições nacionais e 49,5% das respostas para as instituições globais) e positivas as opiniões iguais ou superiores à média.

A análise revelou apenas duas associações significativas, ambas com a positividade das opiniões sobre as instituições globais: A classe 1, relativa à corrupção ao nível global, é particularmente representativa dos inquiridos que têm uma opinião negativa sobre as instituições globais (χ2 = 3) e a classe 3, relativa à corrupção ao nível nacional, particularmente representativa dos que têm uma opinião positiva sobre essas instituições (χ2 = 11).

Em suma, estas análises sugerem que a opinião sobre as instituições nacionais não depende das dimensões específicas das representações da corrupção ao nível nacional: quanto maior é o número de elementos que se podem evocar quando se pensa na corrupção ao nível nacional, tanto mais negativa é a opinião acerca das instituições nacionais. Este resultado podia provir da própria natureza da informação sobre a corrupção ao nível nacional, que, de facto, difere mais pelo grau de especificidade das palavras do que pela sua diversidade. A extensão da corrupção ao nível nacional não permite predizer uma opinião positiva acerca das instituições globais, como se podia esperar, se os inquiridos considerassem que a globalização podia reduzir a corrupção através da acção das instituições globais. Contudo, uma representação da corrupção ao nível nacional focada em casos e personalidades suspeitos de corrupção coexiste com uma opinião mais positiva acerca das instituições globais. Este resultado não invalida, portanto, a nossa hipótese da existência de uma relação entre a percepção da corrupção ao nível nacional e as atitudes acerca das instituições globais.

Por último, o número de elementos evocados sobre a corrupção ao nível global não afecta a opinião acerca das instituições globais, sugerindo que os inquiridos não estabelecem uma relação unívoca entre este contexto da corrupção e as instituições globais. Assim, a avaliação das instituições globais parece depender da natureza da informação evocada acerca da corrupção ao nível global: uma avaliação mais negativa dessas instituições acompanha uma visão geopolítica da corrupção ao nível global que relaciona a corrupção com a manutenção das desigualdades entre nações.

 

Conclusão

O presente estudo evidencia, em primeiro lugar, a diversidade da informação incluída nas representações da corrupção dos inquiridos portugueses. Os vários elementos associados ao fenómeno traduzem e, em simultßneo, permitem compreender as dificuldades encontradas pelos especialistas na sua tentativa de definir a corrupção de forma consensual. Além disso, e como previsto, as representações da corrupção apresentam variações em função do contexto e dos grupos que o evocam. Existe uma concepção geral de corrupção que inclui uma componente avaliativa negativa em relação às práticas e às pessoas corruptas. Nesta concepção podem observar-se algumas diferenças em função do sexo e da faixa etária a que pertencem os inquiridos: as mulheres estão mais predispostas a fazer um julgamento moral sobre os actos corruptos e os actores de tais actos, verificando-se que, em particular, as mulheres de maior idade são sensíveis a este tipo de práticas.

As práticas corruptas não consistem apenas em actos moralmente reprovados na concepção geral da corrupção. Elas são também associadas a actividades criminosas e a grupos organizados. Os aspectos legais da corrupção são mais evocados pelos inquiridos mais jovens e são também salientes na evocação da corrupção ao nível global. Esta dimensão aproxima, portanto, o discurso sobre a corrupção em geral do discurso sobre a corrupção ao nível global, apesar da moderada semelhança observada a partir do conjunto de palavras mencionadas. Na evocação da corrupção ao nível global, as relações de poder tornam-se também particularmente salientes, evidenciando um mundo dirigido por interesses e partilhado entre nações poderosas e nações pobres. São destacadas, neste contexto, as consequências negativas da corrupção, como a pobreza, a guerra e a fome, sendo esta visão sobretudo masculina e, de facto, predominante entre os homens mais jovens. A saliência das desigualdades entre nações é associada a opiniões negativas sobre as instituições globais. Contudo, as respostas avaliativas sobre as instituições globais não são afectadas pela fluidez das respostas à corrupção ao nível global, o que sugere que, de uma forma mais geral, existe uma separação conceptual entre as instituições globais e os actos e autores de actos de corrupção.

Os traços de personalidade e motivos particulares, as relações de poder e as consequências negativas da corrupção não parecem relevantes quando esta é vista num plano nacional, não sendo sugeridas relações e semelhanças entre a corrupção ao nível global e ao nível nacional. Neste contexto, são os acontecimentos do momento que se impõem à mente, os negócios fraudulentos que povoam o mundo do futebol, da política e das instituições financeiras. A informação parece resultar de um enquadramento mais episódico do que temático da actualidade nacional pelos media, que destaca pessoas singulares ou casos específicos e negligencia uma análise mais abrangente do fenómeno (v., a este respeito, Iyengar, 2005). Ela poderia também traduzir a importância conferida aos meios de comunicação social pela morosidade e pela falta de clareza nos procedimentos da justiça (Sousa e Triães, 2007).

Esta representação “pontilhista” da corrupção, quando analisada ao nível nacional, é consistente com os dados de Sousa (2008), que apontam para uma definição da corrupção restrita a práticas e actores da cena pública. Ela é partilhada sobretudo pelas mulheres jovens — no que respeita às personalidades implicadas em casos apresentados pelos meios de comunicação social como suspeitos de corrupção — e pelos inquiridos mais velhos, sobretudo de sexo masculino — no que respeita à generalização das práticas corruptas a áreas particulares. Sendo a corrupção ao nível nacional descrita por actos, actores e domínios, uma maior fluidez de respostas afecta directamente, e de forma negativa, a opinião sobre as instituições nacionais. Por sua vez, o facto de a focagem nos acontecimentos nacionais ser associada a opiniões mais positivas sobre as instituições globais poderia apoiar a nossa hipótese da percepção de um efeito positivo da globalização sobre a corrupção ao nível nacional.

Os elementos recolhidos sobre as representações sociais da corrupção apreendidas necessitam, como é óbvio, de uma análise mais aprofundada, nomeadamente da sua relação com a justificação das formas de pensamento e a orientação dos comportamentos, e da sua utilização para a descodificação da realidade social. Porém, as indicações que podem ser retiradas dessas representações já permitem defender a necessidade de difundir uma informação com mais qualidade acerca da corrupção. Apenas uma informação que esclarece os aspectos morais e legais de determinados procedimentos e que explicita as causas e consequências económicas e sociais das práticas corruptas poderá, com efeito, influenciar o modo de pensar dos cidadãos comuns e contribuir para a luta contra a corrupção, que, de acordo com as Nações Unidas, deve ser uma responsabilidade partilhada (UNODC, 2008).

 

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[**] Agradecemos aos estudantes da disciplina de Psicologia Social das Opiniões e dos Comportamentos Sociais pela sua participação activa e enriquecedora no presente estudo e a dois referees anónimos pelos comentários a uma versão anterior deste trabalho.

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