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Análise Social
versão impressa ISSN 0003-2573
Anál. Social n.196 Lisboa 2010
Kathryn Hochstetler e Margaret E. Keck, Greening Brazil: environmental activism in state and society, Durham (NC), Duke University Press, 2007, 283 páginas.
Marta Maria Gomes de Oliveira
Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS), Universidade de Brasília UnB, Brasil.
Em Greening Brazil: environmental activism in state and society, Kathryn Hochstetler e Margaret Keck fazem uma narrativa de grande qualidade sobre o ambientalismo no Brasil. Analisam, de forma densa, clara e detalhada, a participação do Estado e da sociedade civil na institucionalização ambiental deste país sob o ponto de vista da sociologia ambiental e de políticas públicas. O facto de pesquisarem as instituições brasileiras e o movimento ambientalista no Brasil e na América Latina há mais de duas décadas confere-lhes uma bagagem empírica que dá grande credibilidade aos seus estudos. Acrescente-se ainda que a nacionalidade norte-americana das autoras acorda um carácter bastante imparcial às considerações neles elaboradas.
Para escreverem este livro as autoras utilizaram vasta bibliografia sobre movimentos sociais e políticas ambientais no Brasil. Além disso, socorreram-se de um amplo material etnográfico, realizaram inúmeras entrevistas com actores-chave, fizeram diversas visitas aos estados brasileiros, participaram em várias conferências nacionais e internacionais, designadamente na América do Sul, usaram o método da observação participante, pesquisaram na imprensa escrita e procederam ainda à análise de dados quantitativos. Como resultado, temos um trabalho audacioso que congrega governança, história ambiental e interacções entre o Estado e a sociedade civil.
Partindo das relações entre ambientalismo transnacional e factores domésticos, as autoras evidenciam os mecanismos e dinâmicas que promoveram os processos de desenvolvimento das instituições ambientais brasileiras e mostram as potencialidades e contradições desses processos e os agentes e alianças que os tornaram possíveis. Com base em narrativas de actores locais e internacionais, Hochstetler e Keck contextualizam o cenário de disputas e acordos ambientais, associando-o às especificidades da história e da política brasileiras. O livro dá especial atenção à influência de algumas personalidades brasileiras na institucionalização ambiental do país a partir das suas trajectórias e alianças pessoais. Outro aspecto evidenciado no livro é a dificuldade de se pôr em prática uma legislação ambiental bastante avançada no contexto de um Estado muito politizado, mas com instituições fracas.
O livro é composto por cinco capítulos. Nos três primeiros as autoras traçam a história do desenvolvimento das instituições ambientais governamentais desde 1950. Inicialmente analisam os actores formais a nível nacional, discutindo, especialmente, o avanço da legislação ambiental e a criação de agências durante o regime militar. Em seguida focalizam a sua observação na emergência do activismo ambiental e das organizações durante os regimes militar e civil do governo brasileiro, evidenciando o que denominam três ondas de activismo ambiental. A primeira, de 1950 a 1970, caracterizada pela actuação de movimentos conservacionistas com origem nas instituições de investigação científica. A segunda, de 1974 a meados da década de 80, correspondente ao período de liberalização política em que surgiram as organizações ambientalistas mais militantes. E a última, de 1980 até os dias de hoje, que constitui um período de activismo ambiental, mais aguçado a partir da constituição de 1988, marcado por um aumento exponencial de contactos estrangeiros, com foco na profissionalização das organizações e na adopção do discurso socioambientalista. Nos dois últimos capítulos apresentam-se dois estudos de casos, baseados em trabalhos de campo etnográficos realizados no início da década de 90: um desses casos versa sobre as políticas ambientais de protecção da Amazónia e o outro sobre os movimentos de antipoluição e políticas ambientais na área metropolitana de São Paulo.
Greening Brazil contribui para o entendimento do desenvolvimento da política e institucionalização ambiental no Brasil, especialmente quanto aos seguintes aspectos: (i) ao facto de o ambientalismo no Brasil, ao contrário do que se pensava lá fora, não ter vindo a reboque da Conferência de Estocolmo (1972) nem ter surgido com a morte de Chico Mendes (1988), mas ser muito anterior as primeiras preocupações ambientais partiram do conservacionismo voltado para o cientificismo; (ii) à constatação de que a institucionalização ambiental foi muito influenciada por personalidades que usaram as suas trajectórias pessoais em prol da protecção do meio ambiente. Mas, se o avanço do processo de democratização facilitou a acção dos ambientalistas no intento de melhorar a legislação e a política ambiental, a cultura burocrática do Estado e a fragilidade das instituições, com frequentes mudanças no desenho e procedimentos, explicam as dificuldades na execução das decisões. Acresce ainda que as forças internacionais têm influenciado as políticas ambientais de maneira contraditória. Por um lado, os ambientalistas estrangeiros e líderes políticos exigem das autoridades brasileiras medidas urgentes para a protecção da floresta amazónica e da sua biodiversidade. Por outro, as instituições financeiras internacionais demandam a redução das responsabilidades do Estado e do corpo de funcionários públicos.
O ambientalismo no Brasil adquiriu, por isso, características distintas dos outros países da América Latina, o que se ficou a dever a três importantes aspectos da política brasileira: o desenvolvimento do ambientalismo no contexto da transição democrática (fim do regime militar); o impacto do federalismo e a contínua interacção do formal e do informal. Quanto ao federalismo, as autoras argumentam que o Brasil está subdividido em 26 estados e um distrito federal com três níveis de autoridade política constitucionalmente designados a federação, os estados e os municípios , cada um dos quais com os seus ramos executivos e legislativos eleitos. Aliadas a esta orgânica, as unidades da federação apresentam diferenças drásticas tanto na ecologia física como na política. O território brasileiro inclui a floresta amazónica, a mata atlântica, o cerrado, o pantanal, as pampas, a catinga e uma grande diversidade de ecossistemas costeiros, sendo que cada um desses biomas apresenta características próprias com diferentes ameaças. A geografia humana também varia de estado para estado e de região para região algumas áreas são altamente populosas e outras têm uma baixa densidade demográfica. Os níveis de desenvolvimento são muito distintos, com alta renda per capita numas regiões e rendimentos baixíssimos e alto índice de mortalidade infantil noutras. Assim, enquanto a divisão administrativa é permanente, a divisão de poder não o é, pelo que o federalismo permite consideráveis variações nas políticas ambientais subnacionais.
Em relação à interacção do formal e do informal, as autoras afirmam que, em geral, as políticas brasileiras apresentam uma componente informal que deriva da natureza politizada das decisões políticas. Num Estado politizado os interesses das classes e grupos dominantes influenciam as tomadas de decisões e mudam leis e procedimentos. Neste estudo, o leitor pode entender a complexa teia de interacções entre o Estado e a sociedade, bem como o papel dos diversos actores, quer sejam instituições ou pessoas, na formação de redes e como essas redes podem mobilizar e facilitar a adopção de políticas por meio do diálogo, do activismo e da participação.
O grande contributo que este livro dá para o debate sobre políticas ambientais e de governança num contexto de democratização e descentralização do planeamento ambiental no Brasil torna-o, portanto, recomendável para todos os estudantes de graduação e investigadores interessados no estudo de políticas públicas e de gestão ambiental. Infelizmente, ainda não se dispõe de uma versão traduzida para português, o que muito facilitaria a sua disseminação no meio académico.