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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  n.198 Lisboa  2011

 

Paul Collier, Os Milhões da Pobreza: Por que motivo os países mais carenciados do mundo estão a ficar cada vez mais pobres?, Alfragide, Casa das Letras, 2010, 261 páginas.

 

Leonardo Dutra

Universidade de Évora

 

Enquanto o crescimento económico tem reduzido a pobreza no mundo nas últimas três décadas, como foram os casos da China, do Brasil e do México, grande parte do continente africano continua a viver à margem deste desenvolvimento socioeconómico. Hoje, no mundo, aproximadamente, mil milhões de pessoas constituem os países desenvolvidos, 4 mil milhões estão nos países em desenvolvimento e mil milhões de homens e mulheres vivem no chamado bottom billion, o grupo de países como o Haiti, o Laos ou o Afeganistão, que parecem ter sido esquecidos pelo desenvolvimento.

Publicada originalmente em língua inglesa no ano de 2007 sob o título The Bottom Billion, esta tradução de Paulo Tiago Bento para a obra do professor Paul Collier propõe uma arrojada teoria sobre as causas para a pobreza no mundo. Segundo Collier, ao passo que nas nações em desenvolvimento as taxas de crescimento foram positivas, em média, desde os anos 70, o continente africano pode ter ficado economicamente estagnado no tempo. Estima-se que as diferenças de crescimento entre os últimos mil milhões (bottom billion) e os países em desenvolvimento possam ter sido de cerca de 2% nos anos 70, de 4% nos anos 80 e de cerca de 5% nos anos 90 do século xx (p. 27).

A teoria sobre os fatores que fazem com que parte da população do planeta esteja aquém do desenvolvimento global baseia-se na hipótese de que algumas “armadilhas” prendem estes países à pobreza e impedem o seu desenvolvimento. A obra descreve quatro principais armadilhas como causas da estagnação económica, nomeadamente os conflitos, os recursos naturais, a interioridade no continente aliada aos maus vizinhos e ainda a má governação em pequenos países.

Hoje 73% da população do continente africano está envolvida em algum tipo de conflito armado ou esteve recentemente em guerra civil (p. 105). Esta primeira armadilha é a derradeira para o status de pobreza que estas populações enfrentam, uma vez que a propensão para a guerra civil está directamente ligada às taxas mínimas de crescimento e aos baixos níveis iniciais de rendimento destas populações. Ou seja, tanto a guerra torna mais pobres os países dos últimos mil milhões como a pobreza que eles enfrentam causa a guerra (pp. 37-38).

Outra parcela da população africana está presa numa armadilha diferente: 29% das pessoas residem em países onde a política é directamente influenciada por altas receitas provenientes de recursos naturais, como petróleo e diamantes (p. 105). Entre os argumentos que explicam a abundância de recursos naturais como um problema para o crescimento está o que pode ser chamado “doença holandesa”. O termo foi criado para explicar o efeito que o gás natural do mar do Norte causava na economia holandesa de há trinta anos, que, tal como sucede hoje nos países dos últimos mil milhões, aponta para a hipótese de a exportação de recursos naturais aumentar o valor relativo da moeda do país dificultando a exportação de outros produtos e, por vezes, devastando sectores como alguns serviços e a agricultura. Da mesma forma, 30% dos africanos que vivem em condições de interioridade continental e escassez de recursos naturais fazem vizinhança com países que dificultam o seu crescimento como nações e 76% das pessoas deste continente padecem da má governação e de péssimas políticas públicas (p. 105).

Embora a boa governação e as políticas económicas eficazes contribuam directamente para o crescimento económico, alguns países africanos dependem directamente da gestão de expedientes, como a aplicação de rendimentos provenientes de recursos naturais ou da ajuda externa para sobreviver. Especificamente, nestes casos uma má governação acaba com a maioria das chances de crescimento destes países. Exemplos como a corrupção, sucessivos golpes de Estado ou mesmo a impreparação técnica de alguns governos contribuem significativamente para manter cerca de mil milhões de pessoas à margem do crescimento socioeconómico.

Os Milhões da Pobreza está dividido em cinco partes principais e apresenta um estilo confortável de leitura acessível a qualquer público. Esta desvinculação do habitual aparato académico proposta por Collier possui uma conexão com um dos aspectos que podem ajudar a melhorar a condição de vida destas pessoas: a opinião pública. Tornar este problema largamente conhecido e indicar caminhos que ajudem à sua resolução é um dos principais objectivos do autor, que desta forma acredita que as pessoas poderão exercer pressão para que ONGs, agências reguladoras e outras instituições operem de alguma forma para reverter esta situação.

O livro aponta ainda caminhos para a atracção de capitais externos e mecanismos que contenham a fuga de capitais do continente africano, como forma de elevar as condições produtivas destes países. No entanto, qualquer mudança na situação de pobreza e estagnação que estas nações enfrentam necessita de modificações internas nas respectivas sociedades, da mesma forma que variados instrumentos de intervenção também serão de grande relevância para encorajar estes países a rumar em direção ao desenvolvimento (p. 30).

Melhorar os parques produtivos, viabilizar corredores logísticos e desenvolver políticas eficazes de exportação, da mesma forma que melhorar a governação e propiciar estabilidade para investimentos internos e externos nestas regiões, pode, entre outros factores, contribuir para a resolução deste problema que atormenta de forma devastadora os países do bottom billion, e que, em última análise, possui impacto em todo resto do planeta.

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