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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  n.199 Lisboa  2011

 

Redimensionando o Congo: fronteiras ibéricas da devoção

 

Ana Stela de Almeida Cunha*, Paulo Jeferson Pilar de Araújo**

* ICS, Universidade de Lisboa, Av. Professor Aníbal de Bettencourt, 9  1600-189 Lisboa, Portugal. e-mail: ascunha@ics.ul.pt

** FFLCH, Universidade de São Paulo, Rua do Lago, 717 — Prédio da Diretoria e Administração — Cidade Universitária CEP: 05508-080 - São Paulo — SP — Brasil. e-mail: pjpilar@usp.br

 

RESUMO

Este artigo compara etnograficamente duas comunidades rurais devotas de Santo António, situadas no Brasil e em Cuba, e que se autodenominam “congas”. Questionando as fronteiras deste “Congo” redimensionado pela diáspora ibérica, e o problema da identidade “conga” nos novos contextos geográficos da América Latina (não apenas espaciais, mas sobretudo políticos, religiosos e sociais), procuramos mostrar através de uma análise do repertório musical utilizado nas práticas religiosas destas comunidades que as tradições são dinâmicas.

Palavras-chave: identidade; religiosidade afrobrasileira e cubana; canções religiosas.

 

Resizing Congo: Iberian frontiers of devotion

ABSTRACT

We present an ethnographic comparison of two rural communities that are devotees of Saint Anthony — one in Brazil and the other in Cuba — both referring to themselves as “congas.”Issues examined include the borders of the “Congo” as influenced by the Iberian Diaspora, and the extension of the “conga” identity to Latin America in its geographic, political, religious, and social dimensions.We focus especially on the evolution of tradition evidenced in the religious music employed in these communities.

Keywords: identity; Afro-Brazilian and Cuban religiosity; religious songs.

 

Introdução

A presença africana e a sua alegada influência na constituição identitária do Novo Mundo tem sido objecto constante de reflexão da antropologia e das demais ciências humanas. Não obstante, a noção de “africanidade” em estudos geograficamente localizados neste continente tem sido insuficientemente questionada, de tal sorte que o uso do predicativo “africano” em religiões praticadas nas Américas apresenta dimensões bastante distintas daquelas utilizadas em África, o que implica uma discussão mais ampla acerca do ser “africano” nestes contextos. Tal como afirma Palmié:

The “Africa” under discussion here does not refer to an entity that could be presumed to be given in any simple, self-evident fashion. It is not just a place but a trope that encodes and evokes complex, historically sedimented, and contextually variable bodies of knowledge pertaining to the nature of human beings, social arrangements and cultural forms that have variously entered into semantic reviews [Palmié, 2008, p. 11]

Indo além das tentativas de relacionar as práticas religiosas observadas com uma suposta “origem africana”, discutiremos neste texto noções como “tradição”, “modernidade” e “ruptura”, através de duas etnografias que, seguindo a proposta de Amselle (2001), tratará os processos de homogeneização cultural como lugares de especificidades colectivas, o que, longe de assumir uma identidade única, nos conduz a uma reflexão acerca da diversidade das identidades, tal como ficará explícito a partir das comunidades em estudo: o quilombo1 de Santo António dos Pretos, no Estado do Maranhão (Brasil), e a comunidade Ta Makuende Yaya, em Quiebra Hacha, município de Mariel, província Pinar del Rio (Cuba).

Ao denominarem-se “de origem conga”, estas duas comunidades estariam a reconfigurar a sua pertença e identidade, concebendo-a na linearidade temporal e não espacial, tal como sucede no campo do conhecimento “afro-americano”, que se desenvolveu dentro de uma tensão entre os conceitos de “pureza” e “degeneração”, “continuidade” e “descontinuidade” (Capone, 2008).

Por outro lado, a “africanidade” é um conceito que se delineou com características atemporais, pois não estando situado geograficamente, fez com que epítetos como “tradicional” e “ancestral” estejam intimamente relacionados com ele (Comaroff e Comaroff, 1993).

Ainda que as discussões acerca da “reafricanização” de praticantes religiosos nas Américas, e dos percursos historicamente orientados pelos chamados “africanistas” tenham sido objecto de maior interesse nos últimos anos (Capone, 2000; Ferretti, 2001; Palmié, 2002 e 2008), a escassa literatura sobre a temática, e em particular sobre estas práticas religiosas, convida-nos a uma revisão crítica daquilo que tem sido amplamente chamado de “africanidade” e das suas implicações.

A nossa proposta será, portanto, a de analisar de forma multidisciplinar e transversal esta realidade sincrética acima mencionada, questionando de que modo os comportamentos e conhecimentos religiosos nestas duas comunidades foram sendo considerados mais ou menos “africanos” e que forma adoptou esta “africanidade”, o que evidentemente nos induzirá a procurar os fundamentos conceptuais que nos orientem para uma reflexão crítica sobre questões de pertença e tradição.

 Procuraremos mostrar, tal como sugere Latour (2001), que as tradições são dinâmicas, e que as construções, por consequência, possuem historicidade própria. Como afirma Sansi (2009, p. 142), “o sincretismo não é outra coisa senão história”.

Conduzindo o leitor através das cantigas e “doutrinas”2 escutadas nestas duas comunidades de descendentes de escravos destas ex-colónias ibéricas, observaremos de que modo as suas identidades foram recriadas, tecendo com os fios da história, da memória, e de novos conhecimentos e realidades, um manto que se traduz num redimensionamento do espaço, na reapropriação da ancestralidade “conga”. Ambas têm em comum a devoção a um mesmo santo católico, que sintetiza e sincretiza muitas destas experiências.

Observaremos a reconstrução de espaços fora, ou nos insterstícios do sistema dominante, especificamente no meio rural, em que práticas rituais encontram nas manifestações da música e da dança de carácter religioso os aspectos simbólicos mais significativos das complexas traduções culturais observadas por estas comunidades.

 

A comunidade de Santo António dos Pretos (Brasil)

Santo António dos Pretos está localizada no município de Codó, Maranhão, Nordeste brasileiro. É bastante conhecida por praticar o terecô — ou “tambor da mata”, ou ainda “encantaria de barba soeira”, “brinquedo de baba soêra” ou “verequete” —, e diferencia-se das demais práticas religiosas maranhenses basicamente pela sua origem supostamente Banto (Angola e Cabinda) (Ferretti, 2001; Araújo, 2005 e 2008), ainda que, evidentemente, apresente também elementos jeje e nagô.

A principal entidade cultuada aqui é o “encantado” Légua Boji Buá, apresentado como um velho angolano, também conhecido como “príncipe guerreiro”. “Encantados” são espíritos de pessoas que em vez de morrerem se “encantaram”, passando a viver no mundo invisível, do qual retornam ao mundo dos homens no corpo de seus iniciados, em transe ritual. Manifestando-se assim na cabeça de seus filhos ou iniciados, ou na “croa” (coroa), como se costuma dizer na mina, os encantados vêem à terra, descem na guma (terreiro) para dançar e conviver com os mortais, estabelecendo com todos os que comparecem aos terreiros relações de afeto e clientela” [Prandi, 2001, p. 218].

A grande festa da comunidade acontece na madrugada do dia 12 para 13 de Junho, dia de santo António, o santo que dá nome ao quilombo. Os iniciados recebem entidades em transe mediúnico, e o terecô é realizado nos terreiros, sobretudo nos dias em que a Igreja católica celebra as festas dos seus santos, havendo canto e dança dos iniciados com as suas entidades, ao som de tambores acompanhados de cabaças (abês) e de ferro. Pode haver “toques” (festas e curas) também por pagamento de promessas de algum iniciado, data do “aniversário” do “encantado” da casa, ou ainda para realização de curas.

A propósito do terecô ou “tambor da mata” (de Codó), religião mais afastada dos modelos jeje e nagô, e mais associada às práticas terapêuticas, Ferretti (2000b, p. 28) comenta que “tem sido apresentada por pesquisadores e devotos como cultura negra ‘sincrética’ de origem Banto, ou como ‘cultura indígena’ assimilada pela população negra, sincretizada por ela com a religião de origem africana e com o catolicismo”.

Há, de facto, um sentimento comum entre os praticantes de mina, pajé, e outros cultos de origem afro-brasileira de que os voduns pertencem à “encantaria” africana, enquanto as entidades não africanas pertenceriam à “encantaria” brasileira ou à maranhense:

Assim, quando falamos em “encantaria maranhense”, não estamos nos referindo a voduns e a orixás, às divindades africanas amplamente conhecidas. Estamos nos referindo a outras entidades espirituais recebidas no Maranhão em terreiros fundados por africanos ou por seus descendentes: nobres europeus associados a orixás e/ou a santos católicos (como Dom Luís, rei de França), entidades caboclas de origem nobre (como o rei da Turquia e António Luís, o “Corre Beirada”), ou representantes de camadas populares e indígenas (como o controvertido Légua Bogi e Caboclo Velho), e também a seres não inteiramente humanos (como as Mães d’água, os Surrupiras, os Botos e outros) [Ferretti, 2000b].

Os tambores usados no terecô são chamados tambores “da Mata”, e são distintos dos conhecidos abatás ou batás, tocados horizontalmente na mina e nos pajés.

A comunidade de Santo António dos Pretos foi objecto de estudo pela primeira vez em 1948, quando Costa Eduardo aí fez pesquisa de campo, ainda na década de 1940. Por essa época, o autor afirma que a religião entre os pretos do Santo António era chamada pagé, identificando alguns traços do que hoje conhecemos como terecô, entre eles algumas entidades espirituais ainda cultuadas na cidade. Cumpre ressaltar que Santo António dos Pretos é um quilombo, e que está localizado na zona rural, distante 36 kilómetros da sede do município de Codó.

Ao contrário dos grupos cujo primeiro contacto com o cristianismo ocorreu através de missões, como os grupos indígenas brasileiros, as comunidades quilombolas possuem uma relação com o catolicismo que, muitas vezes, teve início em África (se pensarmos nos chamados Bantos que travam contacto com o catolicismo português por volta do século xv, antes mesmo da “descoberta” do Brasil, e posterior tráfico escravista para o Novo Mundo (Jadin e Cuvelier, 1954; Thornton, 1998), o que faz com que o modo como reelaboram as práticas cristãs seja específico.

Isto explica, em parte, a forma como as visões cosmológicas tradicionais foram trabalhadas, já que não somente estas comunidades apresentam uma heterogeneidade intrínseca — os chamados “quilombolas” eram escravos ou descendentes seus, oriundos de mais de uma centena de etnias, com maior ou menor contacto com o catolicismo), como a sua própria relação com os conceitos internos, “tradicionais”, é diversificada.

Fortes (2008, p. 29) afirma que, por falta de trabalhos historiográficos sobre a religião afro-brasileira em Codó, é praticamente impossível traçar uma génese do que hoje conhecemos por terecô. Neste texto não é nossa intenção fazer essa historiografia, mas antes destacar o carácter dinâmico das construções de identidades.

A abertura de terreiros na sede do município deve ter acontecido logo nas primeiras décadas do século xx, entre a década de 10 e de 30. Por volta dos anos de 1950-1960 regista-se a entrada da umbanda, com a mãe-de-santo Maria Piauí. Logo em seguida a cidade ganha evidência através do “pai-de-santo” mais famoso do Estado, Bita do Barão, e a umbanda, juntamente com a quimbanda, tomam conta da configuração dos terreiros locais.

Ao ser considerado um culto de carácter rural, e de certa forma “flexível”, o terecô, para muitos pais-de-santo3, está a deixar de existir, como podemos perceber pelas referências constantes no discurso dos adeptos a um tempo pretérito, e ao presente, em que o terecô deixou de ser o que era antes, como os “troncos velhos” ensinaram. Essa noção de “ancestralidade mais forte” é bastante comum, e também em Cuba ouvimos sistematicamente discursos de religiosos dizendo que “a religião de hoje já não é a mesma da de outros tempos.”

Fortes (2008, p. 19) afirma ainda que “na última metade do séc. xx, suas práticas rituais vem sendo esquecidas [do terecô], por ser uma forma de religiosidade que não se coaduna com a sociedade urbana atual”.

Indo mais longe nas considerações do autor, pensamos que foi com a umbanda que o terecô encontrou uma forma de se “traduzir” numa versão de carácter mais moderno, mais de acordo com a sociedade urbana. Os terecozeiros da cidade afirmam que foi também com a umbanda que o terecô deixou de ser perseguido. Tais dados reafirmam a nossa intuição anterior de que este discurso de uma ancestralidade mais “pura” é frequente e unânime.

 

A comunidade Ta Makuende Yaya (Cuba)

A segunda comunidade a que nos referimos é a de Quiebra Hacha, também conhecida como “Ta Makuende Yaya” (Aróstegui, González e Diaz de Villegas, 1993), localizada em Mariel, Pinar del Rio, extremo ocidente de Cuba. A comunidade, descendente de antigos escravos do engenho Menocal, autodenomina-se “conga”, e conta o “mito de origem” que uma figura de madeira, de cerca de 45 cm, foi encontrada por escravos, ainda no século xviii, à qual deram o nome de Makwende Yaya.

A adoração a esta imagem, imediatamente sincretizada com Santo António, fez com que não somente outras etnias passassem a adorá-la, mas conseguiu também que o culto saísse dos barracões e fosse para os bailes e toques, chamados kinfuitis.

Ortiz (1952) atesta que o vocábulo kinfuiti tem a sua etimologia em kimfumti, que em kikongo, uma das linguas faladas pelos bakongos, equivaleria a “tronco que funciona para a morte”, ou seja, “tambor para os mortos”. Portanto, o kinfuiti seria um tambor sagrado com uso inicialmente restrito às cerimónias fúnebres e de evocação dos mortos. Com o tempo, o seu uso foi-se estendendo a outros contextos, passando a designar tanto os tambores como o baile envolvido na cerimónia:

El kinfuiti es el tambor de água para halar muertos. El tambor se calienta a sol y candela (…) Tiene su canto y baile muy bellos. Este molde religioso lo descubri yo para Don Fernando Ortiz en el ingenio Orozco (1948). Antiguamente el kinfuiti se tocaba en un cuarto o tras una cortina que abria el frente de un angulo del cuarto. Fue secreto como el ekue Abakua[Diaz Fabelo, 1998, p. 89].

A grande festa da comunidade de Quiebra Hacha, assim como a de Santo António dos Pretos, inicia-se na véspera do dia 13 de Junho, com a mudança de roupa do santo, preparação colectiva de uma comida que será servida depois dos tambores, entre outras cerimónias.

Tal comunidade está intimamente relacionada com a Regla Conga, ou o Palo Monte, religião de origem banta extensamente praticada em Cuba (Cunha, 2008), e possui certas “normas”, tais como “oferecer” os recém-nascidos ao santo, fazer sacrifícios animais sempre que uma “graça” seja alcançada (alimentar o santo) e executar o kinfuiti somente depois de se estar iniciado no Palo Monte.

 Os escravos trazidos para Cuba pertencentes a este grande complexo linguístico e cultural, que compreende mais de 500 línguas faladas por povos que se estendem pela zona austral africana — os chamados Banto — receberam em Cuba o nome genérico de “congos”, e as suas práticas religiosas e de cura foram chamadas de “brujería” (Castellanos e Castellanos, 1992, p. 129).

Hoje, os praticantes do Palo Monte são na sua maioria homens — embora também haja mulheres “bruxas”, e em geral bastante respeitadas — iniciados noutras reglas, e que trabalham com a “brujería” para certas ocasiões e casos muito específicos.

Com uma cosmogonia de culto aos ancestrais — que podem ser da família carnal ou de “santo” — os sistemas de crença nesta regla baseiam-se sobretudo no culto às entidades espirituais protectoras ou malévolas que habitam receptáculos mágicos (nkisi, também chamados “prenda”, “caldero” o nganga). Os “paleros” trabalham basicamente com os mortos (sejam os espíritos ancestrais ou os mortos literalmente, uma vez que as “prendas” (ngangas) são confeccionadas com elementos mágicos que remetem para as forças da natureza (água e terras de distintos locais, pedras e ervas), além de um nfumbe, ou seja, o crânio, ou partes deste de um morto.

Por apresentar tanta diversidade quanto complexidade, a regla conga acabou por ser (re)conhecida, como uma das reglas mais mescladas, e com poucos elementos “puramente africanos”:

Ninguno de los elementos de la cultura conga que sobrevive en nuestro país pudo definirse por su origen etnografico preciso […] Ninguna (regla) ha sido resistente al efecto de factores externos. Por el contrario, y debido a la poca consistencia filosofica de estos cultos, a su carácter animista y magico y no a sus fundamentos mitologicos — como si ocurre con los lucumi — las religiones congas han sido mas permeables que ninguna otra. [Barnet, 1995, pp. 214-215].

Esta noção de “pouca africanidade” em contextos religiosos como os do terecô, no Brasil (e citamos ainda a umbanda, em detrimento dos candomblés de “nação” ketu e nagô), e de Palo Monte, em Cuba (aqui em detrimento da regla de Ocha), tem sido extensivamente tratado desde Cabrera (1954) até Palmié (2008) e Capone (2000), além de Ferretti, que em diversos textos faz menção a este “descaso” com os cultos de origem Banto. Sansi (2009, p. 141) vai mais longe e afirma que “os críticos da tradição afro-brasilianista raramente confrontaram a questão do sincretismo de forma directa: eles só atacaram a ‘procura da autenticidade’ ou a ‘invenção da tradição’”.

 

A África (re)construída

A África e a sua actuação no desenvolvimento do mundo atlântico têm sido objecto de interesse por parte de linguistas, antropólogos e sobretudo historiadores (Verger, 1954; Bastide, 1971; Ortiz, 1991 e 1952; Cabrera, 1948 e 1954; Bickerton, 1981 e 2009; Lovejoy e Richardson, 2001; Price, 2006; Palmié, 2002).

As teorias do “sincretismo” e da “aculturação”, propostas por Roger Bastide (1971) no Brasil e por Fernando Ortiz (1991) em Cuba, são reflexos evidentes de um período da história que coincide com a fase subsequente à abolição da escravatura nesses países, e reflectem, portanto, um diálogo acerca da introdução do homem negro como cidadão e já não como escravo.

Figuras como Artur Ramos, Nina Rodrigues, Edison Carneiro e J. Herskovits, entre outros, deram um passo decisivo nos estudos “africanistas”, até então orientados para as “rupturas” trazidas pelo fim do tráfico de escravos e para a “perda” de um elo com a África mítica, dando novos rumos inclusive aos estudos linguísticos.

Um segundo movimento, desta vez buscando justamente as “continuidades” entre os dois lados do Atlântico, seria iniciado por Pierre Verger4 no Brasil. Toda uma geração de cientistas sociais, linguistas e historiadores que ainda hoje olham para a África para legitimar certas práticas (religiosas, linguísticas, etc.) no Novo Mundo tiveram as suas origens neste contexto.

Nas últimas décadas, trabalhos como os de Price (2006), Gilroy (1993), Thornton (1998), constituem marcos nas discussões do chamado “Atlântico Negro”, tendo dado novos rumos às generalizações conceptuais acerca da “diáspora” africana. No entanto, o mundo ibérico não encontrou ali o seu lugar, estando quase sempre a ser observado segundo uma perspectiva da expansão imperial (Boxer, 2005 e Russell-Wood, 1992).

Se antes o termo “crioulo” e os seus derivados (crioulização, descrioulização e outros) estavam associados ao campo da linguística e às investigações sobre o contacto entre línguas, passaram a ser utilizados para interpretar fenómenos de hibridação étnica e cultural que resultaram do encontro de variados grupos, e para uma análise mais crítica e histórica da compreensão das sociedades escravistas caribenhas e também norte-americanas. Revisitando o conceito, Amselle (2001) aponta para uma perspectiva que foge ao atavismo que propõe uma oposição entre sociedades “puras”, de um lado, e “sociedades miscigenadas”, de outro, o que perpetuava o discurso das origens únicas.

Assim, o “Congo ancestral” é mais do que o grande reino do Congo, que desestruturado e sufocado pelo colonialismo, continuou a existir (ao menos nominalmente, até ao século xix), quando finalmente foi repartido entre Portugal, Bélgica e a França, na Conferência de Berlim (1884-1885). Antes estruturado em províncias e governado por um “manicongo”, este reino travou precocemente contacto com os portugueses (são conhecidos os relatos sobre os “línguas”, espécies de tradutores que acompanhavam os portugueses nas suas viagens marítimas desde o século xv), de forma que a entrada dos primeiros missinários católicos na região, e a historiografia destas relações missioneiras está relativamente bem documentada.

O “Congo” é, portanto, mais do que a zona geográfica esquartejada; é a identidade que se refaz, que, tal como assume Pollak (1992), está em processo constante de negociação e reconstrução em função do “outro”. Este “outro” era, evidentemente, muito desigual, uma vez que nos contextos marcados pelas relações de poder, tais reelaborações jogam sobretudo com a resistência.

 

As entidades e as identidades: Légua Boji Buá e Elewa

O Senhor Légua Boji Buá da Trindade é um dos “encantados” mais controvertidos do terecô, apresentado como um velho angolano, também conhecido como “príncipe guerreiro” e, segundo Ferretti (2001), é considerado na capital do Maranhão (São Luís) como filho adoptivo de Dom Pedro Angassu, podendo aparecer ainda como um vodum cambinda na Casa das Minas (terreiro fundado no século xix por escravas de tradição jeje), ou ainda, segundo Oliveira (1989, apud Ferretti, 2000b) como Légba (correspondente daomeano de Exu/Elewa) e do vodum Poliboji.

É tido como um “encantado” duplo, que tanto tem a “banda branca” como a “banda negra”, ou seja, como podendo quer praticar o “bem” quer o “mal” (e de facto o terecô apresenta estreitas relações com os “xamãs” indígenas, curandeiros da floresta que tratavam as populações menos assistidas pelo poder público local.) Estes laços podem ser observados tanto na diacronia (Gomes, 2005; Ferretti, 2001) como na sincronia, principalmente através do profundo conhecimento botânico das populações quilombolas (Cunha, Araújo e Santos, 2006).

Todas as celebrações religiosas, tanto do terecô como do Palo Monte — as duas principais religiões praticadas nas comunidades em análise — se manifestam através das “doutrinas”, cânticos de chamamento, de apresentação, para efectivação de curas e trabalhos, ou ainda contando os “feitos” de alguns “encantados” e nkisis. Assim, durante as festas religiosas são imprescindíveis as “doutrinas” (que no Palo Monte são chamadas “mambos”), e toda a materialização depende desta força da palavra. A nossa observação de tais identidades partiu, basicamente, destas cantigas, como veremos a seguir.

Algumas cantigas para o encantado Légua Boji Buá demonstram de forma clara não somente a sua personalidade, mas também a sua “origem”. As cantigas n.º 1 e n.º 2 apresentam o carácter de Légua e da sua família como bebedores de cachaça, brincalhões, e realçam a sua virilidade. Os “cavalos”5 que recebem Légua geralmente fazem-no durante dias seguidos, tomando cerveja (a que chamam “espumosa”), brincando e dando conselhos espirituais.

Cantiga n.º 1

A família de Légua está toda na eira

Ô bebendo cachaça, ô quebrando barreira (fazendo zoeira)

Cantiga n.º 2

Seu Légua é homem,

É três vez homem

Ele mata boi sem usar facão

Nas cantigas n.º 3, 4 e 5, o que sobressai é a alusão à “origem” deste “encantado”, que passa “pelo rio do Congo”, é chamado “Cambinda” e “Mané Congo”. A cantiga n.º 6 é especialmente importante porque marca ainda a sua identidade com a brincadeira do “Bumba Boi”, tão comum no Maranhão. É um encantado “boieiro”, e muitas vezes ele “baixa” justamente quando estão “brincando o Bumba-Boi”.

Cantiga n.º 3

Francisquinho Légua:
E quando eu vinha pelo rio do Congo vim passeando por belas ruas (bis) E veja é uma beleza seu Francisquinho no clarão da lua.

Cantiga n.º 4

Segura touro, Cambinda, Amarra no Tocão, O touro é bravo Cambinda, Amansa no matão.

Cantiga n.º 5

Oh meu compadre Mané Congo, já salvou Joaquim Vintém, Aê Mané está de ronda, não deixa passar ninguêm.

Cantiga n.º 6

Boi, Boi, Boi, Seu Légua

Tira a tamanca do boi, seu Légua.

 A “doutrina” abaixo, por sua vez, retrata a forte relação entre “índios” e “africanos”. Na verdade, mais do que uma relação, a “doutrina” fala de uma única identidade “índia-africana”, que demonstra a percepção externa de uma não “pureza” dos terecozeiros (pois abaixo a “doutrina” refere-se às matas de Codó),

Cantiga n.º 7

Senhora Ana! Índia africana, Corta cana no canavial, Apara as varandas de sua sinhá (bis) Senhora Ana é minha madrinha, Vamos ver as matas do Codó, Vamos ver as matas do Codó.

Em Cuba, Ta Makuende Yaya foi o nome dado a uma estátua de madeira, encontrada ainda no século xviii por escravos de um antigo engenho, conhecido por ter recebido um grande número de escravos de procedência “conga”.

Estivemos na comunidade nos dias que antecediam a grande festa em louvor de “Santo António”. Muitas pessoas que ali estavam não o reconheciam como “Santo António de Pádua”, mas somente como “Santo António”. O facto é interessante, pois em Santo António dos Pretos6 a menção a Santo António de Pádua também nunca foi feita, o que indica que o topónimo “de Pádua” não faz sentido nestes contextos de reapropriações.

Santo António de Pádua, ou “de Lisboa” viria conhecer a América Latina pelas mãos dos colonizadores ibéricos, mais fortemente dos portugueses, funcionando para estes como marca identitária e de territorialidade. Daí talvez a negação, em ambas as comunidades, do especificador toponímico.

O que os colonizadores não esperavam, é que houvesse uma releitura desta territorialização feita pelos escravos por eles para ali trazidos, e que posteriormente o “santo de Lisboa” se tornasse preto, sincretizando-se entre outras divindades com Eleguá, ironicamente o orixá que abre e fecha os caminhos, o mensageiro.

Como mencionou Thornton (1998, p. 73) acerca da forte presença de Santo António no antigo reino do Congo:

He (the priest) turned the crucifix and the images of the two principal saints venerated in Kongo, Saint Anthony of Padua and Saint Francis, on the sides of the altar backward.

Pela sua própria biografia, o santo possui uma flexibilidade muito grande. Mais do que adquirir traços dos seus novos adoradores nas terras americanas, recebe atributos e características de diversos grupos num mesmo contexto de identidade. Isto torna-se ainda mais claro em Cuba, onde Ta Makwende, o Santo António, também se sincretiza com Eleguá, orixá mensageiro de Olofi, um misto de menino/adulto travesso e brincalhão, tal como Légua Boji Buá.

Assim, ele não é somente “congo”, mas também yoruba (ou lucumi, como preferem os cubanos), e pode apresentar ainda muitas outras ancestralidades, outros traços e outras características. Essa possibilidade de ser múltiplo sendo um, cuja elaboração se encontra basicamente em Strathern (1992) e posteriormente em Mosko (2001), ou seja, a noção de “pessoa complexa” ou de “divíduo”, ajusta-se ao que assinala Santos (2008, p. 103), quando mostra a diversidade iconográfica de Santo António — e de outros tantos santos do panteão católico.

Em Codó, esta origem “múltipla” também pode ser observada na “doutrina” que se segue. Para além da origem “angolana”, Banto, esta refere-se a uma origem também nagô:

Cantiga n.º 8

Eu venho de Oyó7

Da mina de Codó

Em Cuba, os praticantes do Palo Monte possuem igualmente um mambo que traz esta ancestralidade múltipla:

Cantiga n.º 9

Yo vengo de Ina Ina

Yo vengo de Olodumaré8

Cuando un congo viene a la tierra

Tiene puesto sus collares

Ou ainda um outro mambo, em que o congo (espírito) se apresenta e se especifica (com um especificador geográfico-espacial, o genitivo “de Guinea”), distancia-se do outro, o “mestiço”, criollo, e afirmando ainda ter deixado a sua materialidade “allá”, de onde se trasladou:

Cantiga n.º 10

Congo de Guinea9 soy

Buenas noches, criollo

Yo deja mi hueso allá

Yo vengo hacer caridad

Assim, a “pouca pureza” dos “congos” é rebatida neste mambo, fazendo então com que as identidades sejam manifestadas como em sentido espiral: o “pouco africano” que se traduz em “congos”, que são mais do que “congos”, pois apresentam um marcador de origem (“de Guinea”).

De modo distinto, mas também referindo-se à multiplicidade, a cantiga abaixo (terecô) diz:

Cantiga n.º 11

Quando eu estou na mata eu sou João da Mata10

Quando eu estou no mar eu sou João de Una

Mas os “encantados” não são santos, da mesma forma que os nkisis também não o são. Possuem uma relação íntima de afinidade e devoção, mas não são, como a tríade católica, uma só pessoa em três. São únicos e podem ser múltiplos.

As relações destas comunidades com o cristianismo é também complexa: estas pessoas não se relacionam somente com Deus, ou com uma ideia cristã de Jesus, mas relacionam-se, sobretudo, com os santos do panteão católico, ou seja, com a ideia de partes que compõem um todo, que são ocultadas em determinados momentos para dar relevância a outras partes, ou outras faces, como num mambo que relaciona o mpungo da prenda11 com uma “máquina a vapor” (locomotiva), em alusão a Sarabanda, entidade que segundo a regla de Ocha corresponderia a Ogun, orixá guerreiro presente no ferro, utilizando uma metonímia para esta multiplicidade:

Cantiga n.º 12

Maquina Vapor Sarabanda tu te llama Sarabanda son firmeza Sarabanda cosa mala

Tiembla tierra ya no puede Sarabanda ya te llama É Maquina Vapor

Assim, a ideia de “dispositivos” que são accionados segundo necessidades e vontades —já bastante descrita pela linguística generativa de Chomsky —, parece actuar de modo eficaz também nestas realidades sociais e religiosas de comunidades específicas.

Considerações finais

Centrados em duas etnografias de comunidades que assumem uma identidade ancestral comum (“conga”), portanto “africana”, tentámos questionar a ideia de “pureza” e de “tradição”, pois, ao contrário de outras comunidades e práticas religiosas cuja origem mítica está associada ao universo yoruba, os chamados Bantos foram sempre tidos como “impuros” ou “pouco africanos” no universo latino-americano.

Através de cantigas religiosas, tentámos seguir a auto-atribuição de identidades frequentemente múltiplas, e que atestam a “africanidade” de espaços e pessoas (entidades).

O recurso a elementos que são tidos como “impuros”, ou cuja origem é uma suposta “modernidade” ocidental, tal como a forte presença dos santos católicos, ou o uso de determinados objectos que não fazem parte do repertório semântico da ideia de “África” (por exemplo, o uso de lâmpadas em vez de velas nas cerimónias, ou o uso de certas roupas e tecidos mais “ocidentais”) acabou por colocar os Bantos (aqui metonimicamente expressos como “congos”) numa categoria inferior na escala da “africanidade” latino-americana.

A própria língua em que as cantigas (e mambos, em Cuba) são entoadas (em português popular, no Brasil, e em espanhol dito bozal, em Cuba, ou seja, uma mistura de espanhol popular com léxico de origem supostamente quicongo (Fuentes e Schwegler, 2005), torna estas religiões menos “africanas” que as demais na percepção local. Talvez isto explique, em parte, a multiplicidade de origem dos “encantados” e dos espíritos, tal como vimos em algumas cantigas.

O que ficou mais evidente, é que nestes espaços as identidades são dinâmicas e flexíveis, e que termos como “tradição” (e o seu simétrico, a “modernidade”) nada mais são do que elaborações relativas aos contextos em que estão inseridas.

 

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Recebido para avaliação a 09-11-2009. Aceite para publicação a 10-12-2010.

 

Notas

1 Popularmente, no Brasil, o significado da palavra quilombo, segundo Lopes, Siqueira e Nascimento (1987, p. 15), não é uniforme. Pode estar associado a um local: “quilombo era um estabelecimento singular”, a festas populares: “festas de rua”, ou ao local de uma prática condenada pela sociedade: “lugar público onde se instala uma casa de prostituição”.

Leite (2000, p. 337) chama também a atenção para a vastidão de significados do termo, e aponta para a conclusão de vários estudiosos, que afirmam que a ideia de quilombo serve para “expressar uma grande quantidade de experiências, um verdadeiro aparato simbólico a representar tudo o que diz respeito à história das Américas”. A esse “aparato simbólico” a que se refere Leite (2000, p. 337), incorporam-se, também os significados de grupos, indivíduos e organizações. Segundo O’Dwyer (1995), ainda que tenha conteúdo histórico, este conceito vem sendo ressemantizado pela situação presente dos segmentos negros em diferentes regiões e contextos do Brasil. Seguindo a definição ressemantizada de quilombo, a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) define as comunidades quilombolas como “grupos que desenvolveram práticas de resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vida característicos num determinado lugar”.

2 Doutrinas são as “cantigas” entoadas durante os rituais religiosos e são fundamentais para a efectividade das acções realizadas (seja o chamamento dos “encantados”, seja mesmo a manipulação e forças maiores), o que atesta a extrema importância da palavra nestes contextos. Para maiores detalhes a respeito das doutrinas e sua agencialidade, v. Cunha, (no prelo).

3 Nome dado aos dirigentes dos terreiros, especialmente aos de ascendência nagô e ketu.

4 No entanto, não será objecto deste trabalho “recontar” a história e as políticas deste momento dos estudos “afro-americanos”, pois como aponta Apter (1991, p. 233) “that includes French luminaries like Pierre Verger (1980) and Roger Bastide (1971, 1978), negritude poets like Aimé Césaire and Leopold Senghor, and their intellectual followers, as well as the rise of Black studies in the 1960s”. Focar-nos-emos tão somente em algumas noções problemáticas das chamadas “origens”, as quais continuam na pauta das pesquisas sobre este tema.

5 Nome dado à pessoa que tem o seu corpo tomado por uma entidade, que “monta” sobre um indivíduo e o domina espiritualmente, como se este fosse um cavalo.

6 De facto, como o próprio nome indica, o Santo António é “dos Pretos”.

7 Referência ao reino de Oyó (Nigéria), conhecido como nação nagô no Brasil. A “doutrina” pode estar a fazer referência à centenária “Casa de Nagô” fundada ainda no século xix por escravas nagô, em São Luís. Diz a história oral que as dançantes daquela casa iam a Codó (município acima referido) fazer visitas religiosas e dançar naqueles terreiros.

8 Olodumaré, juntamente com Oxalá e Olofin (Oduduwa) fazem parte da “tríade” criadora do mundo, na regla de Ocha (Santería) cubana. Esta tríade remete claramente para a tríade cristã do Pai, Filho e Espírito Santo. Mas o que ressaltamos aqui é a “origem” deste “congo”: vem de Ina Ina, de Olodumaré. Igbo Olodumare é uma região na Nigéria, próxima de Abeokutá. Sem querer estabelecer uma relação directa entre o espaço mítico e o espaço geográfico, o que queremos apontar aqui é justamente o discurso da alegada “pureza” africana (que África, e para quem?), a qual não se sustenta nas cantigas, como demonstram este e outros mambos.

9 Aqui, além de se dizer Congo “da Guinea”, diferencia-se do outro, o “criollo”, ou seja, o mestiço, assumindo então uma ancestralidade “pura” “africana”.

10 João da Mata e João de Una são nomes de duas entidades “encantados”, uma da “mata” e a outra de “água salgada” (mar) e que, em geral, são linhas que praticam as curas (mata) e fazem feitiços (mar). A “doutrina” dá a entender que o mesmo João se pode manifestar nestas duas “linhas”, portanto, ser dois sendo um.

11 “Prenda” é o mesmo que “nganga”, “fundamento” e “caldero”, ou seja, o receptáculo mágico utilizado pelos “paleros” para todas as suas práticas religiosas.

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