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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.202 Lisboa  2012

 

Acerca da instabilidade da condição da sociologia económica*

 

João Carlos Graça**

**Socius, Iseg, Universidade Técnica de Lisboa; E-mail: jgraca@iseg.utl.pt

 

Resumo

O mapeamento conceptual e académico da sociologia e da ciência económica, incluindo a identificação de um lugar para a sociologia económica, constituiu um problema relevante para vários autores do século xix, os quais produziram teorizações que foram submetidas a uma severa crítica por Parsons, nos anos 30 do século xx. Parsons reformulou mais tarde várias das suas ideias quanto a estes assuntos, nunca tendo chegado a uma solução satisfatória. Este problema é mais ampliado do que resolvido, considerando autores dos finais do século xx, como os do “individualismo metodológico” e da “nova sociologia económica”. As flutuações conceptuais e a incoerência teórica são ainda mais aprofundadas se tomarmos em consideração também o problema das fronteiras daquelas disciplinas com a história

Palavras-chave: sociologia económica; história; fronteiras académicas; incoerência teórica.

 

On the instability of economic sociology’s condition

Abstract

The academic and conceptual mappings of economics and sociology, including the identification of a locus for economic sociology, was an important problem for various nineteenth century authors, who formulated theories that received harsh criticism in the 1930s by Parsons, who in his turn later carried on with considerable reformulation of his early group of theses, never settling matters in a completely satisfactory way. These problems were exacerbated, rather than resolved, by late twentieth century authors, namely those associated with “rational choice theory” and “new economic sociology”. The conceptual fluctuations and theoretical incoherence are further aggravated if we include the problem of academic divisions, not just between economics and sociology, but also considering historiography.

Keywords: economic sociology; history; disciplinary divides; theoretical incoherence.

 

Introdução

Todos os projetos de constituição de uma sociologia económica, enquanto disciplina dotada de metodologia e espaço conceptual próprios e bem definidos, acabam invariavelmente por ter de referir-se ao problema das relações e das delimitações entre a economia e a sociologia. Reportando-se a esta questão, Milan Zafirovski (2005, pp. 123-156) defende a interessante tese segundo a qual, a par de uma influência habitualmente mencionada da teoria económica sobre o pensamento sociológico, deveria reter-se a noção não menos crucial de uma influência de sentido inverso, isto é, da tradição sociológica para a da economics. Os aspetos centrais para os quais Zafirovski chama a atenção são os que resultam do facto de Auguste Comte ter sido o primeiro a sublinhar a distinção entre estática e dinâmica, ao mesmo tempo que afirmava a primazia desta última, tendo também defendido (de acordo com a “lei enciclopédica” ou de classificação das ciências) a precedência dos estudos referentes a uma maior generalidade.

É difícil não reconhecer pelo menos um núcleo de pertinência a Zafirovski. Foi de facto Auguste Comte, não John Stuart Mill, quem estabeleceu os fundamentos lógicos da antinomia estática-dinâmica, que o inglês depois subscreveu tornando-a canónica na tradição económica. Foi igualmente Comte a postular a primazia da dinâmica sobre a estática, fundada como estava essa ideia na noção (iluminista ou “condorcetiana”) de que a natureza humana é intrinsecamente progressiva, constituindo pois a garantia do progresso o único fundamento válido para a pretensão de instituição de uma qualquer ordem. Foi enfim Comte quem, baseado na ideia de que o mais geral precede o particular, sustentou de forma coerente a importante tese de que os factos económicos, não sendo senão uma variedade particular dos factos sociais, deveriam ser estudados em obediência aos preceitos instituídos previamente pela sociologia como válidos para todos os estudos relativos às realidades do social.

Ambivalências fundadoras

Embora Zafirovski não aprofunde o tratamento desses assuntos – e não obstante a sua ser apenas uma entre muitas possíveis abordagens desta vasta nebulosa temática – é sabido que realmente eles fazem parte do bloco de problemas deixados em aberto pela tradição comteana aos discípulos do fundador da filosofia “positivista”. A realidade prática da consagração académica das várias disciplinas que, ao longo da centúria de oitocentos, vieram a reclamar o estatuto de cientificidade é, obviamente, outra componente importante desta história. Dado que a factualidade se traduzia num panorama académico em que disciplinas como a filosofia, a história e o direito estavam consagradas, e em que outras como a psicologia, a antropologia e a geografia vieram entretanto a ser instituídas, os positivistas que em si mesmos pensaram como sociólogos tiveram uma preocupação constante em definir o que era o domínio deles e o que era o domínio dos demais, de acordo com os ditames da lógica, é certo, mas também em obediência à preocupação bem mais comezinha e “sociológica” de conseguir reconhecimento académico e consagração da sua própria existência enquanto disciplina autónoma e grupo profissional distinto.

É ver, quanto a este assunto, os esforços denodados (e na verdade quase obsessivos) de um Émile Durkheim visando não só estabelecer distinções nítidas da sociologia relativamente a aspetos da existência relacionados com a psicologia e a climatologia, entre outros, mas também obter aceitação clara da precedência lógica da sociologia face a essas outras disciplinas. Pensemos quanto a isto, e a título de ilustração, nos célebres argumentos de O Suicídio relativos às explicações para o fenómeno suicidário: antes de mais um “facto social”, que seria pois necessário explicar por outros “factos sociais”, embora fatores psicológicos ou climatéricos não fossem totalmente de descartar, mas podendo ser incorporados e processados apenas se previamente reconduzidos à “homologia da causa e do efeito”, ou seja, à “explicação do social pelo social”. Pensemos também, neste âmbito de discussões, no reconhecimento tendencial por parte de Durkheim de que haveria necessidade de proceder a um rapprochement sociologia-filosofia (a famosa inclinação “filosofante” dos seus últimos anos), que fosse suscetível de fornecer coerência global ao que fora, finalmente, o empreendimento profissional de toda uma vida: a obtenção de reconhecimento institucional, académico, a uma ciência sociológica que pudesse apresentar-se como tal, “em bruto”, e sem necessidade de se travestir de pedagogia ou do que quer que fosse (cf. Raposo, 1995, p. 77 e segs.; ­Giddens, 1976; Lukes, 1984).

Outros académicos de formação e inclinações análogas às de Durkheim tiveram preocupações paralelas às suas. Em Coimbra, por exemplo, o grupo de lentes de marcada influência comteana que, em finais de oitocentos, pululava pela Faculdade de Direito meditou seriamente na necessidade de proceder a uma subdivisão interna da ciência sociológica, a qual Comte não chegara a levar a cabo, e concluiu pela conveniência de reconhecimento de ordens diversas de generalidade e de complexidade aos diversos aspetos da existência, fazendo corresponder a cada um deles uma variedade particular de sociologia. É assim que, por exemplo, Manuel Emídio Garcia considera a política como um campo de estudos referindo-se aos aspetos mais gerais e menos complexos da vida social, os “factos de formação, constituição e renovação”, segundo escreve (­Garcia, 1882, p. 9 e segs.; cf. Graça, 2005, p. 114),pelo que uma ciência política, ler uma sociologia política, teria de constituir-se primeiro, devendo uma ciência económica, pensando-se enquanto sociologia económica, suceder-lhe necessariamente, dado reportar-se a aspetos menos gerais e mais complexos, os “factos de vitalidade e nutrição” que supostamente seriam os factos económicos.

Toda uma plêiade de académicos influenciados pelas ideias comteanas raciocina por estes anos de forma parcialmente análoga: José Frederico Laranjo, António Henriques da Silva, Afonso Costa e José Ferreira Marnoco e Sousa são nomes a reter quanto a isso. Laranjo subscreve, no fundamental, o quadro classificativo de Garcia, mas inverte as posições relativas da política e da economia e, referindo aquele esquema à economia política (cadeira de que era então lente), conclui daí que os factos económicos, sendo os mais gerais, são também os que mais duradoura e consistentemente influenciam o curso das sociedades, pelo que a história deve antes de mais ser económica, visando menos o évènement do que tendências de longue durée (bem entendido, sem recorrer a essas expressões). No âmbito da política, reconhecia entretanto Laranjo, há correspondentemente lugar para procedimentos mais deliberados e conscientes. Quanto à distinção, estabelecida por Stuart Mill, entre leis necessárias impondo-se aos factos de produção, enquanto pelo contrário os factos de repartição deixariam maior margem de indeterminação intrínseca, pelo que haveria aí espaço para se exercer a escolha consciente das gerações de viventes, subscreve-a no fundamental, reconduzindo-a em pleno à mencionada hierarquia comteana de complexidade e generalidade: a repartição é menos geral, logo mais complexa, logo menos rigorosamente determinada por leis necessárias (cf. Laranjo, 1907, pp. 9-13, 18; 1997, pp. 5-12; Graça, 2002, pp. 353 e segs.; 2005, p. 114).

O mesmo tipo de cogitações, embora com especificidades individuais, caracteriza os restantes membros deste grupo (cf. Laranjo, 1893, p. 916 e segs; 1907, p. 13; Merêa, 1956, pp. 6 e segs., 65 e segs.; Moncada, 1938, p. 113 e segs.; Graça, 2005, p. 114). Marnoco e Sousa, que sucede a Laranjo na ­regência da cadeira de economia política, é taxativo na afirmação de que a economia ­política consequente é a sociologia económica, ou a sociologia aplicada aos factos económicos, subscrevendo as posições antes enunciadas quanto a hierarquias de generalidade e complexidade, e acrescentando que uma versão mitigada de “materialismo histórico” – a primazia da tendência sobre o évènement, a predominância do económico na evolução social global (cf. Sousa, 1902, p. 390; Graça, 2008a, p. 188) – constituía pois o quadro conceptual adequado ao estudo das sociedades.

Todo o grupo sofreu também, entretanto (aliás tal como Durkheim), a influência das ideias de Boutroux, pelo que a noção de uma indeterminação intrínseca das realidades mais complexas tende igualmente a impor-se à consideração (cf. Lukes, 1984, pp. 57-58, 73; Catroga e Carvalho, 1996, p. 173). Acrescentava, assim, Marnoco que as metáforas organicistas só em parte se adequavam à sociologia, dado que no estudo das sociedades deparamos com problemas que relevam da identidade fundamental do sujeito e objeto da investigação, e da questão correlativa da ação deliberada, auto-consciente, e sofrendo as influências do próprio processo de elaboração científica, isto é, daquilo que no jargão dos nossos dias designamos por “reflexividade” e por “performatividade”. Assim, concluía o mesmo Marnoco, dado que a ciência sociológica é menos um discurso sobre a sociedade do que um discurso da própria sociedade acerca de si e através do qual aquela se produz a si mesma, a metáfora sociológica por excelência deverá ser não a do simples organicismo, à maneira da ciência biológica, mas a do que designa por “super-organicismo”, admitindo-se deste modo uma crescente indeterminação intrínseca e uma margem, portanto, para a auto-produção social deliberada (Sousa, 1902, pp. 37-38; Graça, 2008a, p. 188).

Mas não se resume a isto o leque das elucubrações de Marnoco acerca do estatuto da sociologia. Referindo-se à relação desta com a ciência económica, acrescenta de forma muito curiosa que, contra o que fora proposto por René Worms, a expressão “economia social” lhe parece desadequada e infeliz, dado que, sugerindo-se com ela a síntese da economia e da sociedade, se referir necessariamente essa operação à hipotética fusão do todo com uma parte (Sousa, 1997, p. 20; Graça, 2005, p. 114), o que constitui uma manifesta incongruência lógica. Este tipo de questões é, notemo-lo, o mesmo com que tropeça quase um século depois o próprio Zafirovski ao registar o estatuto ambíguo da sociologia económica, situada numa no man’s land entre a economia e a sociologia, a qual podia também (e tendia realmente) a ser considerada como uma everyman’s land, correspondendo à interseção ou sobreposição daquelas duas disciplinas (Graça, 2005, p. 120; Zafirovski, 1999).

Quanto à designação de “economia social”, podemos também encontrá-la em pelo menos dois outros contextos. O primeiro é o da obra do ­aparentemente insuspeito Jean-Baptiste Say, que propõe essa fórmula precisamente para destacar o quanto, segundo ele, as realidades económicas obedecem a lógicas próprias, às quais a influência do legislador é fundamentalmente alheia. Assim, defende que só haveria a ganhar com a consciência de uma divisória clara entre economia e política, e com a sua consagração plena na mudança da adjetivação de “economia política”, a ciência da produção, repartição, circulação e consumo das riquezas, para “economia social” (Say, 1966 [1828], 9.ª parte; Graça, 2008a, p. 174). O segundo é o da obra de Léon Walras que, depois de aplicar à “economia pura” um esquema de raciocínio conscientemente decalcado dos então prevalecentes na ciência física, remete para a “economia social” as indagações relativas a considerações de justiça, e por isso diretamente relacionadas com as problemáticas da repartição, as quais seriam a um tempo menos rigorosamente científicas, mais imprecisas e arbitrárias, menos positivas e mais assumidamente valorativas, permanecendo entretanto submetidas à precedência dos limites absolutos fixados pela variedade “pura” (Walras, 1936 e 1952; Graça, 2002, p. 409 e segs.).

O género de oposições que Walras reconhece vem, como se sabe, a obter consagração na tradição central da economics. A economia “pura”, replicando no fundamental esquemas mentais recebidos da física e supondo “agentes racionais” movidos, de forma mais ou menos assumida, pelo simples intuito de maximização da utilidade agregada1, aponta-nos para uma realidade apenas virtual, dado que a factualidade se afasta reconhecidamente desses esquemas por razões múltiplas, entre outras precisamente a existência na ação humana de um elemento de “dever-ser”, simultaneamente de condicionamento e de enraizamento moral, que só por si chegaria para que a realidade factual divergisse significativamente dos esquemas teóricos.

Todavia, se em Walras esse afastamento é considerado sem chegar a ser despromovido em dignidade, dado se assumir aí a condição humana enquanto assunto de moralidade e de liberdade, logo também de dignidade, já a mainstream posterior procede a uma operação de inequívoca aproximação entre os traços morais da ação humana e uma componente de “ruído” nela existente, um lapso de “racionalidade” ou de “lógica”, o qual poderia decerto constituir um núcleo importante de problemas do ponto de vista de uma “praxeologia” dessa ação humana (Zafirovski, 2005, p. 132), mas impossibilitaria em todo o caso uma ciência exata da mesma. Em suma, na medida em que as realidades económicas sejam influenciadas pelo que quer que seja mais do que a mera tradução prática das inclinações profundas do “agente racional”, isso constitui ipso facto um reconhecimento da irracionalidade das mesmas, pelo que a sociologia que de tais temas se ocupe deverá estar bem consciente de constituir um empreendimento de estudo do “não-lógico”, de conhecimento do absurdo, do paradoxal, e daquilo cuja “lógica” só poderá ser procurada alhures, longe das justificações conscientes dos respetivos protagonistas.2

As formulações podem, é certo, variar consideravelmente de autor para autor adentro mesmo deste terreno. Se a perspetiva for mais claramente influenciada pelo grupo de argumentos típicos de Max Weber, por exemplo, reconhecer-se-á aí a presença quer de elementos afetivos e tradicionais, quer mesmo dos que vêm associados à famosa “racionalidade por referência aos valores”, ou “racionalidade substantiva” – em todo o caso, assumindo-se a importância da “compreensão”, da captação do sentido atribuído pelos agentes às suas práticas. Já se a influência prevalecente for a da linha de cogitações característica de um Vilfredo Pareto, a atenção será desviada dos motivos íntimos, assumida que fica então a dificuldade intrínseca, ou mesmo a impossibilidade, de conhecimento exato destes, e é sobretudo chamada ao estudo das alegadas regularidades das práticas (determinadas no fundamental pelos “resíduos”), ao lado da imensamente variável e essencialmente indeterminada vastidão das racionalizações ou justificações possíveis: a célebre volatilidade das “derivações”.3

Em qualquer dos casos, ficamos com:

 

a)   Um aspeto da existência suscetível de rigorosa recondução ao “lógico” ou à “racionalidade por referência aos objetivos” (ou “racionalidade formal”), o qual decalca basicamente os raciocínios da já então mainstream economics e se assume poder dizer respeito ao núcleo dos traços da vida em sociedade relativos à produção dos meios da existência material, sendo por isso mesmo o assunto da ciência económica;

b)   Um outro aspeto ao lado (ou “por detrás”) do primeiro, reportando-se a tudo o mais que não o económico na existência humana, e que mesmo a essa componente influencia reconhecidamente muito em virtude de com ela se mesclar. Relativamente a este aspeto, admite-se em termos gerais constituir um terreno do “não-lógico”, atinente aos “valores últimos” e à sua impossibilidade de determinação racional, ou necessidade de determinação irracional, bem como à cadeia de elementos “institucionais” que com esses valores vêm necessariamente a ligar-se.

 

A “solução global” inicial de Parsons e os seus limites

Dado este panorama, torna-se imediatamente digno de nota o esforço levado a cabo por Talcott Parsons nos anos 30, visando identificar nichos académicos e lugares conceptuais diferenciados para a ciência económica e para a sociologia, enquanto por outro lado procura empreender a construção de um quadro analítico suficientemente abrangente para ser capaz de situar quer as afinidades, quer as diferenças e oposições.

Convém recordar que o empreendimento parsoniano tem lugar em grande medida contra o que o próprio designa por ambição de “imperialismo económico”, todavia divergindo radicalmente em caráter daquilo que veio a merecer essa rotulagem em finais do século xx, e estando neste último caso associado à pretensão de aplicar o quadro mental do “individualismo metodológico” ou “teoria das escolhas racionais” (isto é, finalmente o esquema de raciocínio da economia marginalista) ao conjunto da vida em sociedade. O “imperialismo económico” que preocupa Parsons é, pelo contrário, a atitude típica do institucionalismo económico e da “escola histórica”, atitude que conduziria a pretender infletir a matriz conceptual da ciência económica ortodoxa em ordem a levá-la a dar-se de algum modo conta da existência consistente de realidades não-económicas, ou meta-económicas, que todavia enformam decisivamente o funcionamento efetivo das economias. Na prática, registemo-lo também, trata-se basicamente do projeto de constituição de uma ciência social unificada, à maneira de como os positivistas portugueses da viragem de século concebiam a sociologia, mas no caso dos “historicistas” e dos “institucionalistas” tomando-se oficialmente a ciência económica como base para o empreendimento. Estes “institucionalimo” e ou “historicismo”, quer na sua luta pelo levantamento e estudo detalhados dos factos económicos, quer na sua contestação da pertinência analítica da economia marginalista, irritam um jovem Parsons que vê nesse tipo de objeções ou de ressalvas sobretudo um sinal de défice de teorização, de “empirismo”, de uma queda na fallacy of misplaced concreteness que, proclamando embora pretensões demasiado enciclopédicas (daí a necessidade de ampliar indefinidamente o âmbito das investigações económicas), veicula­ria antes e mais uma compreensão insuficiente do próprio quadro analítico quer da economia, quer da sociologia (Parsons, 1928, pp. 643-646; 1932, pp. 333 e 339; 1935a, pp. 423, 435-441, 446; 1935b, pp. 656-9, 661-665; Graça, 2008b, pp. 472-475, 480-481).

Em que consistiria, então, cada um destes quadros analíticos? Segundo Parsons, tratar-se-ia de pensar não em termos de “setores” ou “departamentos” diferenciados da vida social, a ciência económica ocupando-se do “departamento dos negócios” e deixando os restantes a outras disciplinas, mas de sublinhar as diferenças no ângulo de abordagem, permitindo destacar de uma mesma realidade indissolúvel universos conceptuais distintos. De acordo com Parsons, dada uma cadeia geral de meios e de fins que na base consagra as ­ultimate conditions ambientais, de que se ocupam as ciências naturais (­biologia, geografia e, segundo defende, também a psicologia), dever-se-ia reconhecer no topo da cadeia a importância dos ultimate ends, fornecedores de sentido à ação e integradores da mesma, os quais constituiriam o verdadeiro assunto da sociologia. Quanto à zona intermédia da grande cadeia de meios-fins, ­ficamos com a tecnologia (ocupando-se das relações das sociedades humanas com o meio ambiente), a política e a economia. Ambas eminentemente sociais, a política reporta-se ao recurso à violência ou à ameaça da mesma, enquanto a economia se refere à ação pacífica, visando otimizar a afetação de recursos escassos a uma multiplicidade de finalidades, reconhecidas certas “razões de transformação” quer entre diversos recursos, quer entre diversas finalidades (Parsons, 1932, p. 337 e segs.; 1934, pp. 523-524, 529-530, 543, 545; 1935a, pp. 421; 1935b, pp. 662, 665-666; Graça 2008b, p. 431).

Como se notará facilmente, o sociólogo norte-americano apresenta assim uma definição de ciência económica que no fundamental decalca a sugerida nesses anos por Lionel Robbins, um reconhecido partidário das posições “austríacas” em teoria económica, e por isso no fundamental um adversário do legado marshalliano nos ambientes académicos britânico e norte-americano. Os contactos subsequentes com Joseph Schumpeter reforçarão, como se sabe, esta inclinação “filo-austríaca” do jovem Talcott Parsons (Swedberg, 2000, 2006; Graça, 2008b, p. 469 e segs.).

Como quer que seja (e deixando por isso aqui de lado o escalpelizar de várias subtilezas), a formulação de Parsons por estes anos é a que remete para a mencionada hierarquia de fins e meios, reclamando-se para a sociologia o estudo dos pretensos “fins últimos” da ação, ao mesmo tempo que se assume a intocabilidade da economics de filiação marginalista, atribuindo-lhe as investigações referindo-se à utilização (pacífica e racional) de recursos escassos para uma multiplicidade de objetivos. Segundo mais tarde Parsons esclareceria sobre a partilha de territórios por ele próprio sugerida nos anos 30, aquilo que cada uma das disciplinas assumia em princípio como parâmetros seria tendencialmente tratado enquanto variáveis pela outra. As componentes da realidade que cada uma retinha como foco do seu interesse variariam deste modo, podendo elas dizer respeito a aspetos diferentes de uma mesma realidade social indivisível, e não a “setores” ou “departamentos” distintos daquela realidade, como repete (Parsons e Smelser, 1956, pp. 5-6).4

É obviamente muito difícil não detetar na divisória académica com a economia, sugerida por estes anos, problemas muito sérios. Antes de mais, ela está assente no reconhecimento à partida do predomínio da economics quanto ao fundamental do que haja para ser enunciado acerca da realidade económica. O seu a seu dono, por assim dizer, e se Parsons consegue algo com esta operação de demarcação clara relativamente aos dissidentes da teoria económica, preterindo-os a favor daquilo que veio no século xx a consagrar-se como a mainstream, parece bastante óbvio que tal não teve absolutamente nada a ver com a produção de qualquer tipo de discurso verdadeiramente relevante, pretendendo-se relativo às factualidades económicas.

O sociólogo norte-americano procede, é verdade, a uma incorporação pontual de alguns dos argumentos tradicionais das escolas heréticas – a necessidade de levar em consideração os elementos não-económicos do funcionamento das economias, ou o que outros designariam por “incrustação” cultural destas, os pressupostos não contratuais de todos os contratos, a omnipresença dos quadros valorativos, etc. – mas reduzindo essa linha de raciocínios ao que exista de mais vacuamente tautológico em tais argumentos, e sem que a ­pertinência e absoluta primazia analíticas da ciência económica marginalista sejam com essa operação minimamente beliscadas.5 Parsons constitui-se, deste modo, em beneficiário do legado daqueles cujas cabeças ele entrega à mainstream economics, obtendo desta última, como contrapartida, assentimento para que um campo distinto de atividades académicas seja reconhecido, desde que mantido em relativa obscuridade e acatando a autoridade incontestável da economia oficial naquilo que esta considera o seu principal terreno de operações. A quase nulidade de produções parsonianas reportando-se a questões económicas nas duas décadas seguintes não faz senão confirmar conspicuamente este diagnóstico.6

Na década de 50, entretanto, e reconhecidamente sob a influência do reencontro com a obra de Alfred Marshall, Parsons vê-se obrigado a rever uns quantos aspetos da formulação dos problemas a que procedera nos anos 30. Embora o ponto de partida para esse empreendimento sejam as Marshallian Lectures (Graça, 2008b, p. 487; Dalziel e Higgins, 2006), é em Economy and Society, escrito de parceria com Neil Smelser, que a nova vaga de teorizações encontra expressão plena. Se oficialmente, vinte anos antes, teria sido proposta uma partilha que fizera das variáveis de uma disciplina os parâmetros da outra7, neste segundo momento Parsons assume que é de algum modo necessário identificar um quadro sociológico em que pensa como quadro global, no âmbito do qual faria sentido manter a pertinência do discurso típico da ­economics oficial, mas – e é essa a grande novidade – só na condição de se ­reconhecer que a ­disciplina sociológica faz sua a totalidade de aspetos suscetíveis de serem referidos ao social, logo também os reportáveis à ciência económica oficial, que antes (segundo agora se declara) se tinha assumido como paramétricos. A mainstream economics é legítima no fundamental das suas teorizações, ­mantém-se, mas em lugar de se supor agora uma sociologia “ao lado” daquela, postula-se a pertinência e a viabilidade de um quadro sociológico “acima” dela, por assim dizer.

Trata-se, como se compreenderá, do famoso esquema agil, rede de leitura da realidade social ao qual Parsons e Smelser se esforçam por reconduzir os raciocínios e os problemas reconhecidos como relevantes e de difícil resolução pela ciência económica oficial, ou pelas principais correntes da mesma nesse período – com a importante inovação de agora se admitir a hegemonia dos esquemas de raciocínios keynesianos e dos economistas que procuraram ­completar Keynes eou compatibilizá-lo com a tradição neoclássica: Hicks, Domar, etc. – acrescentando-se que a generalidade das questões assim deixadas em aberto é suscetível de uma compreensão mais ampla e capaz de fornecer mesmo uma explicação para as dificuldades, a par do reconhecimento de uma substancial validade de tudo o que fora já teorizado, desde que os raciocínios sejam orientados no sentido da sua recondução ao mencionado esquema agil (Parsons e Smelser, 1956, pp. 11-12, 65, 87, 114-123, 186 e segs., 263-270). A operação fundamental consiste, em suma, em fornecer chancela de validade sociológica à ciência económica de inspiração keynesiana, acrescentando todavia a proclamação da necessidade de uma meta-teorização da mesma: o lugar, em suma, para a entrada em cena da própria dupla Parsons-Smelser.

Qualquer análise do discurso parsoniano quanto a estes aspetos depressa reconhecerá que se trata de sabedoria post festum em estado quase puro. Os auto­res de Economy and Society proclamam a sua visão alegadamente elevada e englobante, limitando-se na verdade a classificar, enquadrar, reconduzir os problemas que eram então reconhecidos como legítimos, substanciais e interessantes ao seu próprio esquema mental, o esquema agil, sem todavia pretenderem propor ou sequer sugerir qualquer tipo de possíveis predições quanto ao decurso das investigações.

 

O caso da “nova sociologia económica”

E assim se chega a uma situação em que, face à fundamental inanidade dos empreendimentos de sociologia económica oficialmente de inspiração parsoniana, nos defrontamos com um leque de possíveis alternativas de entre as quais convirá destacar duas, quer pelos méritos lógicos intrínsecos, quer pelo impacto efetivo que tiveram na cena académica. A primeira, assumidamente veiculadora de um “imperialismo económico” agora com um conteúdo lógico completamente diferente do anterior, visa de forma consciente a recondução de todo o discurso relativo ao social ao quadro de análise do chamado “individualismo metodológico” ou “teoria das escolhas racionais” (rct). No fundamental, o esquema analítico predominantemente utilizado pela mainstream economics, em torno da célebre figura do “agente racional”, é aqui invocado como “meta-discurso” ao qual toda a existência social seria suscetível de ser reconduzida.

Associado sobretudo às figuras de Raymond Boudon (1977, 1979) e de James Coleman (1990, 1994; v. também Frank, 1992), este empreendimento, e para além dos méritos de coerência e de unidade de princípios que não podem deixar de lhe ser reconhecidos, depara todavia, mas em maior grau, com o tipo de obstáculos que já mesmo na análise económica em sentido estrito se lhe levantam. Na verdade, se até mesmo quanto à economics o peso das hipóteses simplificadoras (independência das funções-utilidade dos agentes, informação perfeita, etc.) sobrecarrega o núcleo dos raciocínios com toda uma série de as if que apontam para a suprema irrelevância ou “autismo” do esforço intelectual (cf. por todos Hodgson, 1994, 1997), tudo isso é, claro, muitíssimo mais verdadeiro ainda quando se pretende generalizar tal quadro de análise ao conjunto da existência humana.

A outra tentativa digna de nota é a que, na origem associada sobretudo à obra de Mark Granovetter, veio a suscitar o ressurgimento da sociologia eco­nómica pensada enquanto tal, ou mais exatamente ainda a emergência daquilo que ficou conhecido como “nova sociologia económica” (nse). De forma o mais sintética possível, trata-se aqui de assumir a importância ­fulcral da “incrustação” da atividade económica, seja aquela pensada em termos de análise das redes sociais e das posições relativas por estas definidas (e de acordo com quadros mentais muitíssimo vastos e abstratos, os quais já têm inclusivamente possibilitado aproximações da nse a realidades académicas tão diversas como o estudo das redes neuronais), seja antes pensada enquanto “incrustação” política, cultural ou outra. Embora fazendo a esperável vénia a Karl Polanyi, deve notar-se que Mark Granovetter cedo se demarcou deste último, até precisamente pelo sublinhar do quanto a tal suposta “desincrustação” do económico não ocorrera de facto, pelo menos tão completamente quanto, na leitura do próprio Granovetter, teria sido sugerido pelo autor de A Grande Transformação (cf. Granovetter, 1983, 1985, 1990).

Os empreendimentos são, no âmbito da nse, e como seria de esperar, muitíssimo variados, indo desde as investigações de Neil Fligstein relativas aos elementos “políticos” na conduta dos agentes económicos – políticos, entenda-se, quer em sentido estrito quer sobretudo em sentido amplo, isto é, de “­racionalidade estratégica” e de definição de mundivisões em torno da dupla amigos-inimigos, mais do que de simples “racionalidade paramétrica”, à maneira do clássico homo economicus – às sofisticadas elaborações de uma Viviana Zelizer que tanto intenta surpreender o cálculo económico onde era suposto ele estar ausente (como se pode avaliar uma “inestimável” criança?), como sublinha por outro lado o caráter atípico ou não canónico de inúmeras e muito diversificadas condutas oficialmente económicas, mas onde os elementos afetivos eou os quadros valorativos acabam por ditar atitudes aparentemente desconcertantes (como a de “marcar” simbolicamente os diversos dinheiros, impedindo-os de comunicar ou de ser transferidos entre si).

Os trabalhos de Fligstein (1996, 2000, 2001) e de Zelizer (1989, 1997) não constituem senão dois exemplos, e algo extremos, de um leque de atividades de autores que a si mesmos têm reconhecido (e têm sido reconhecidos enquanto tais) como praticantes da sociologia económica, ou mais exatamente da nse, a qual tem entretanto sublinhado por mais de uma ocasião o facto de se pretender distinguir da sua variante “antiga”, ou parsoniana, precisamente pela pretensão de colocar diretamente em questão os pressupostos e os métodos da economics dominante, sem recear com isso “meter a foice em seara alheia”, ou ultrapassar os limites fixados pelo respeito que reciprocamente deveriam manter os oficiais de ofícios diversos (Graça, 2005, p. 121).8

Essa “nova” atitude, fixada logo de entrada pelo próprio Granovetter, esteve com este autor conscientemente associada ao intuito de construção de uma certa forma de via média entre o alegado determinismo cultural parsoniano e o extremo oposto em termos analíticos, isto é, a rct, a tal generalização da abordagem fundada no “agente racional” da ciência económica (Marques, 2003). Se assumidamente tem pretendido ser nem “individualista” nem “holista” em termos metodológicos, deve dizer-se, a nse tem também sobretudo recuperado da tradição sociológica em sentido mais amplo a noção de um condicionamento social das próprias mundivisões, de um enraizamento cultural dos enquadramentos (framings) mentais, por assim dizer, adentro dos quais as tomadas de decisão e o exercício da liberdade pelos agentes se tornam possíveis, bem mais do que qualquer ideia de regulação pelos valores à maneira do parsonismo mais estrito. É esse o contexto mais amplo no qual se torna necessário sublinhar, por exemplo, a grande ênfase frequentemente atribuída aos conceitos de confiança, de redes sociais e de capital social (idem, p. 16).

Para além destes pronunciamentos metodológicos de ordem muito geral, e de resto visando assumidamente acomodar o imperativo de construção de uma “teoria complexa da ação” (idem, p. 12), aquilo que caracteriza a realidade da nse parece ter sido até ao momento, em especial, a existência de um reconhecimento recíproco da prática da mesma, o qual vem acompanhado de uma imensa diversidade de conteúdos lógicos dos empreendimentos levados a cabo9 e de um considerável desconforto na identificação de demarcações com áreas académicas reconhecidas como mais ou menos vizinhas.

Quanto a estas, é notória a preocupação por parte dos defensores “oficiais” da nse de manutenção de um “diálogo”, que se supõe poder ser mutuamente enriquecedor, pelo menos com a chamada “economia das convenções” e o “institucionalismo económico”, que na versão oficialmente mais antiga tem sido propugnado de forma renovada sobretudo por Geoffrey Hodgson. Quer a um quer a outro destes projetos, as referências por parte dos proponentes oficiais da nse têm sido predominantemente amistosas, embora aqui e ali também evasivas (Velthuis, 1999; Jagd, 2004, 2007). Evasivos têm igualmente sido vários dos pronunciamentos relativos às pretensas diferenças e continuidades da nse relativamente à sociologia “velha”, isto é, à tradição parsoniana (v. nota anterior).

Ao fim e ao cabo, tal parece resultar das persistentes dificuldades quanto à definição exata da própria área académica. Na que é talvez a obra crucial do ponto de vista do relançamento académico da sociologia económica, Neil Smelser e Richard Swedberg arriscam-se a defini-la como o estudo dos factos económicos da perspetiva e no âmbito do quadro de referência sociológico. De resto, é esse mesmo o título dado à introdução do Handbook na primeira edição, de 1994: The Sociological Perspective on the Economy (Smelser e Swedberg, 1994, p. 3). E, já no corpo do texto, continua-se: trata-se, segundo se pretende esclarecer, da “perspetiva sociológica aplicada aos fenómenos ­económicos” (idem, p. 3); ou ainda, e em versão mais elaborada, da “aplicação dos quadros de referência, variáveis e modelos explicativos da sociologia a esse complexo de atividades relativo à produção, distribuição, circulação e consumo de bens e serviços escassos” (idem, p. 3).

Esta constitui, porém, uma definição bem mais discutível do que a sua aparente simplicidade sugere. Em primeiro lugar, que quer dizer a expressão “fenómenos económicos”? Se se percorrer a definição de economia em manuais seja de economics seja de sociologia, facilmente se tropeçará com definições circulares, ambivalências e pior… Mas há mais: a definição de Smelser e Swedberg parece indicar um regresso à atitude substantivista característica do período pré-parsoniano. É verdade que a sociologia económica se distingue da economics por uma questão de perspetiva, mas isso não obsta, repare-se, a que se suponha a existência da economia como algo que está lá, objetivamente, um pouco à maneira dos referidos “factos de vitalidade e nutrição” de certos comteanos. Ora, recordemo-lo, foi precisamente contra esta conceção do económico enquanto “departamento” distinto da realidade social, supostamente o relativo ao business, que Parsons se manifestou com veemência nos seus escritos da década de 1930 (cf. por todos 1934, p. 530).

Por outro lado, que significam em boa verdade expressões como “quadro de referência sociológico” ou “perspetiva sociológica”? Pretender-se-á com isso regressar à ideia parsoniana do estudo dos ultimate ends? Os autores não empreendem esse esclarecimento, limitando-se a referir, apoiados em trabalhos anteriores de Smelser,

 

As perspetivas sociológicas da interação pessoal, grupos, estruturas sociais (instituições) e controlos sociais (entre os quais são centrais os valores, as normas e as sanções). Em face de desenvolvimentos recentes, deveríamos acrescentar que as perspetivas das redes sociais, do género e dos contextos culturais também se tornaram centrais na sociologia económica […]. Para além disso, a dimensão internacional da vida económica tem assumido maior saliência entre os praticantes desta disciplina, à medida que aquela dimensão tem penetrado as economias reais do mundo contemporâneo [Smelser e Swedberg, 1994, p. 3].

 

As edições posteriores, esclareça-se, mantêm esta definição (cf. Smelser e Swedberg, 2005; v. também Swedberg 1996), a qual, partindo de fórmulas genéricas muitíssimo evasivas, opta entretanto prudentemente pelo método do arrolamento em regime de lista aberta: é sociologia económica… enfim, aquilo que se revelar conveniente ir reconhecendo como tal, à medida que o tempo passe. É em todo o caso digno de registo o facto de que, partindo-se da conceção “departamentalizada” do social com os comteanos da última viragem de século, depois substituída pela do jovem Parsons da existência de grupos de variáveis diversos segundo a disciplina académica, passando-se depois pela noção do Parsons tardio de uma sociologia interessada em tudo, sobreposta (supostamente interpretando-a e transcendendo-a) a uma economics confinada a um grupo limitado de aspetos, pareça enfim regressar-se agora a uma tímida afirmação da existência de uma pluralidade de perspetivas diversas, cada uma delas correspondendo a uma disciplina académica diferente (isto é, no fundamental a ideia do Parsons da década de 1930), corrigida entretanto quer pela ideia da existência de um “setor” distintamente económico do social (a ideia dos comteanos), quer pela noção adicional de que a perspetiva sociológica pode nalguns casos levar ao aperfeiçoamento, ler à correção, da teorização produzida pela economia académica (o lema de Granovetter a respeito da especificidade da nse).

 

A sociologia nunca existiu?

Mas será este tipo de problemas algo limitado à sociologia económica? Ou referir-se-á ele, em boa verdade, à disciplina sociológica no seu conjunto? Como forma de ganhar perspetiva relativamente a várias das questões antes discutidas, considerar-se-á, à guisa de conclusão, um grupo de observações de Paul Veyne (1987) num seu escrito justamente famoso, no qual o historiador francês nega qualquer pertinência analítica à ideia de existência de uma sociologia enquanto matéria científica, ou sequer disciplina académica distinta. A sociologia, sustenta Veyne, não constitui mais do que uma tópica, um auxiliar da história, um propiciador dos processos de arrumação e de mapea­mento mentais daquela, a qual se ocupa por definição mesmo daquilo que é causalidade fraca, imprecisa, meramente sublunar, na conduta dos homens em sociedade. Boa história, excelente história mesmo, a par de muita filosofia (sobretudo filosofia moral), tem decerto sido produzida com o rótulo de sociologia, mas tal não deve servir de óbice a que o engano e o engodo sejam expostos: respeite-se o conteúdo desses trabalhos, mas denuncie-se-lhes o rótulo; defenda-se a mercadoria, escreve Veyne, mas conteste-se a tenda (1987, p. 301). Aliás, deve reconhecer-se, muita obsessão tem também sido carreada pelas tais “tópicas” características da atividade dos sociólogos, os quais tendem demasiadas vezes a ficar obcecados com elas e a forçar os eventos em tais redes de leitura, pretendendo ver a “função latente”, os “valores” e a “comunidade” em tudo e em nada, um pouco como os físicos milésios julgavam descobrir o “fogo” e a água” em tudo e em nada (idem, pp. 266-267, 309). Mas isso já não é o fundamental: melhores e piores trabalhos históricos têm decerto sido feitos com as vestes da sociologia, aliás como sob o invólucro da própria história, pensando-se enquanto tal. O ponto central do argumento é: a pretensão da sociologia a um reconhecimento do seu verdadeiro caráter científico é fundamentalmente falha de pertinência (idem, pp. 299-300, 307-308).

A este modo de operar, classificado como “sublunar” e “aristotélico” pelo próprio Veyne, contrapõe entretanto o mesmo aquele que seria característico do grupo de “praxeologias”, com base no qual se poderia pensar o projeto de construção de uma ciência do homem. Quais seriam essas tais “praxeologias”? Segundo Veyne, a linguística formal, a investigação operacional, a teoria dos jogos (sobretudo o então novel “dilema do prisioneiro” com o grupo de investigações correlativo) e, claro, a economics em versão “pura” e “austríaca”. Embora se refira de forma elogiosa a Kenneth Arrow, Veyne não procede ao tratamento do “teorema da impossibilidade” daquele economista. Também não incorpora nas suas cogitações o chamado “paradoxo liberal” de ­Amartya Sen, o qual, pressupondo embora o quadro do “dilema do prisioneiro”, é de facto uma criação posterior. Menos ainda trata do grupo de especulações correspondente à “teoria das redes”, em particular da noção de redes small world, que tão famosa viria depois a tornar-se, e com campos de aplicação tão vastos, na verdade transversais à totalidade do que habitualmente designamos por “ciências humanas”, e não só.

Mas isso talvez não seja o essencial, e de resto alguns dos desenvolvimentos referidos são efetivamente posteriores à obra de Veyne. Sendo, por contraste com a historiografia, mais platónico do que aristotélico, visando pois acima de tudo a “elegância formal”10, o conjunto de saberes por ele identificado como “praxeologias” não trataria tanto daquilo que realmente é, mas de uma suposta essência lógica do mesmo. Operaria com homini economici sem pretender indagar das respetivas motivações profundas, ou sequer saber se eles realmente constituem uma aproximação realista aos agentes económicos efetivos, tal como Kant, ao elaborar sobre a “razão prática”, se abstraía conscientemente da questão das motivações e não fingia referir-se à realidade das condutas humanas (aliás habitualmente motivadas de forma interesseira), antes identificar as condições abstratas da própria possibilidade de moralidade das mesmas (Veyne, 1987 [1971], pp. 266-278).

Não procuraria pois, esse grupo de saberes, elaborar predições – nisso sendo obviamente não-científico à la Popper – porque saberia bem que o livre arbítrio inextrincavelmente associado à conduta dos homens lhes permite desobedecer às leis identificadas. Mas saberia também, ou julgaria saber, que nem por isso as tais leis perdem validade. O que se passa é que, nesses casos, os acontecimentos subsequentes “vingam” a tal lei, fazem inevitavelmente sentir aos seres humanos (livres, por isso potencialmente ou mesmo tendencialmente pecadores) o peso da respetiva desobediência, o custo, por assim dizer, do fruto proibido (idem, p. 276).

Os exemplos fornecidos por Veyne permitem todavia o formular da indagação: assumida a impossibilidade de estabelecer predições quer para a história (sociologia incluída) quer para as tais pretensas “praxeologias”, qual a base sólida, nesse caso, para continuar a insistir nas alegadas diferenças de estatuto entre ambas? Não é verdade que às supostas “leis” da economia há sempre a possibilidade de continuar a desobedecer-lhes sem ter de sofrer por isso qualquer “vingança do acontecimento”, desde que se seja também suficientemente hábil para evitar ou transferir o pretenso payback, ou adiar indefinidamente o seu momento? Expliquemo-nos melhor. A uma simples dualidade do tipo ou… ou… (ou cumprir a suposta “lei” ou sofrer as consequências do incumprimento) podemos realmente opor um procedimento do tipo ou… ou… ou…, isto é, podemos contrapor, e contrapomos de facto, esquemas mentais em que é permissível não obedecer e ainda assim escapar à “vingança” do acontecimento, dado ser também possível procrastinar indefinidamente, evitar ou transferir os custos do incumprimento. Na verdade, pode dizer-se, a história humana corresponde em grande medida à sistemática e recorrente ultrapassagem do simples dualismo, o qual é abandonado em troca (ou superado) pelo interminável ou… ou… ou… E se o “jogo” das transferências é realmente ­suscetível de ser mantido e o pagamento do mencionado custo adiado sine die – o que é que ainda permanece, nesse caso, da noção veyneana de uma verdadeira “ciência do homem” conceptualmente diversa do nível a que é suposto a história operar? Não é um facto que, nesse caso, toda a causalidade nas sociedades humanas é tornada “sublunar”?

Tomemos um exemplo concreto: de acordo com o raciocínio típico da economics, quer a produtividade dos fatores, quer a utilidade dos bens são assumidas como marginalmente decrescentes… exceto, é claro, nos casos em que manifestamente não o são, nos quais são as “economias de aglomeração” a explicar o próprio crescimento económico (em resultado do que o fosso entre países ricos e países pobres tende “naturalmente” a crescer, ao contrário do que é sugerido pelo esquema das produtividades marginais decrescentes), nos quais o comércio internacional ocorre de facto entre países com estruturas produtivas semelhantes (ao contrário do sugerido pelo esquema das vantagens “absolutas” e “comparativas”), nos quais a competitividade aumenta quando os custos crescem mais depressa (contra o que se esperaria intuitivamente), mas isso não em virtude de razões fracamente “institucionais”, antes – assim somos esclarecidos pelos modelos mais recentes e mais sofisticados – por motivos de coerência estritamente “científica”, relativos ao facto crucial de que as utilidades marginais são de facto decrescentes… mas apenas depois de uma certa ordem, a qual permanece todavia essencialmente indeterminada. Se batizarmos estes factos aparentemente incómodos com o nome de uma celebridade académica, ainda que reconhecendo-os explicitamente como paradoxos – “paradoxo de Lucas”, “paradoxo de Leontief”, “paradoxo de Kaldor”, para cada um dos casos mencionados, respetivamente – a margem de mal-estar conceptual tende compreensivelmente a esbater-se, passando o conjunto da situação a ser tomado como correspondendo mesmo à “normalidade” científica…

Poder-se-ia evidentemente seguir uma trilha de discussão análoga a propósito, por exemplo, da decantada independência das funções-utilidade. E, na verdade, a própria noção de juro enquanto desconto temporal, que Veyne recolhe da “escola austríaca”, não é ela própria tão insuperável como ele sugere. Mas essa já não é a nossa questão principal. O aspeto central a reter aqui é: o fascínio de Veyne pela “elegância formal” dos modelos matemáticos (­económicos e outros), bem revelado, como vimos, até pela sua referência elogiosa a ­Bourbaki, comporta um risco claro de deslize para um jogo de subtilezas no qual – tanto como com as logomaquias dos sociólogos funcionalistas por si denunciados – o propósito consiste em “encontrar” nos factos concretos… aquilo que previamente se decidiu “encontrar” neles, e decididamente não a refutação disso. Uma vez que os “ajustamentos” são indefinidamente possíveis (as produtividades marginais são de facto decrescentes mas só a partir de uma certa ordem, as funções utilidade são realmente independentes mas apenas na medida em que sejam definidas como tal, etc.), o que é que ainda sobra do caráter “falsificável” das teorias e dos factos de modo a poder-se pretender manter a arrogância “científica”?

No limite, e recorrendo a um exemplo assumidamente extremo, não há na vida, como se diz, almoços grátis? Ou há apenas aqueles que nós, seres humanos, fizermos que haja? Ao fatuamente doutoral “there are no free lunches” não poderá sempre, bem vistas as coisas, contrapor-se o aliás bem mais poético e sugestivo “the very best in life is free”? (Graça e Marques, 2008, pp. 7-10). E, finalmente, se se traduzem, umas e outras, em meros quadros hipotéticos que são observáveis (ou não) em grau maior ou menor, se são umas e outras meramente capazes de “retrodições” (e portanto também de “racionalizações” em sentido aproximadamente freudiano), porquê, com que fundamentos continuar a pretender distinguir “platónicos” ou “formalmente elegantes” saberes ditos científicos eou “praxeológicos”, antes de todos a economics, de práticas académicas qualificadas por contraste de “sublunares” e “aristotélicas”: a história, sociologia incluída?

A sociologia dessa distinção fica por ora declarada assunto para investigações posteriores. Para já contentar-me-ei com o que considero ser a exposição da falta de fundamentos lógicos para a sua pretensão à existência.

 

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*Recebido a 13-07-2011. Aceite para publicação a 25-11-2011.

 

Notas

1Esta tendência para a imitação dos modelos da física, embora prevalecente, impôs-se contra as recomendações de Alfred Marshall, o qual via na biologia a “Meca” dos progressos da ciência económica (cf. Marshall prefácio de 1907, in 1964 [1890], p. xii; por contraste, cf. ­Walras, 1952, p. 103; v. também Mirowski, 1989). A recondução ao modelo da biologia proposta por Marshall significaria em todo o caso (e para além do correspondente evolucionismo) a plausível adoção de um organicismo que, como vimos atrás, deixava Marnoco e Sousa profundamente insa­tisfeito.

2Embora de forma algo confusa, Zafirovski regista que Ludwig von Mises, um utilizador emblemático desta categoria de “praxeologia”, só pode pretender estendê-la ao conjunto da ação humana na estrita medida em que proceda à definição a priori desta como racional-utilitária, isto é, “pragmática”. Segundo escreve, procurando proceder a aproximações talvez demasiado forçadas: “Mises usa como alternativa para sociologia o termo ‘praxeologia’ no sentido de uma teoria geral da ação humana (racional) pragmática, ou praxis social quase no sentido do jovem Marx” (idem, p. 132). Todavia, reconhece quase de imediato Zafirovski, essa operação é apenas possível para Mises no quadro da mencionada definição prévia: “Weber chama a este uso de meios e fins ‘método racionalista’ em ciência económica, bem como em sociologia, e Mises subscreve esta abordagem para a praxeologia, a qual, numa reformulação (demasiado) restrita da teoria sociológica weberiana, define a ação humana como ipso facto instrumental, pragmática ou racional” (idem, p. 132). Quanto a este tema da “praxeologia” v. infra, a respeito de Paul Veyne.

3Joseph Schumpeter, num arrolamento algo atabalhoado das matérias supostamente integrantes da ciência económica, refere como setores desta: a história, a estatística, a teoria, a sociologia, a política e a aplicação (cf. Schumpeter, 1964 [1954], pp. 34-49). Noutros contextos, entretanto, faz questão de sublinhar a rigorosa especificidade e particular dignidade da “análise” por comparação com o conjunto de restantes elementos.

4Segundo Parsons e Smelser opinam no texto de 1956 esta seria uma partilha todavia acertada apenas no respeitante à economics, fundamentalmente inaceitável no referente à sociologia, dado se assumir agora que o assunto desta seria a plenitude (e não apenas uma parte) dos aspetos do social. Sublinhe-se em todo o caso que se trata aqui, em boa verdade, já de uma racionalização ou reinterpretação a posteriori, e aliás muito afastada, deste grupo de problemas. Bem entendido, o fundamental da teorização produzida nos artigos do período 1928-35 encontra-se subsumido na Structure de 1937 (Parsons 1968 [1937]).

5Este traço deve ser sublinhado, sobretudo face à tendência hagiográfica (própria da profissão sociológica) para identificar em Parsons um autor de índole “holista” e institucionalista”, como faz por exemplo Zafirovki (2006), reconhecidamente na peugada de Bourricaud (1981). Este “institucionalismo” é, notemo-lo, meramente residual e tem na base a completa concordância com a mainstream economics em questões de princípio, conduzindo aliás ao isolamento e derrota dos verdadeiros institucionalistas.

6É o que se vê obrigado a reconhecer o próprio Jens Beckert num texto todavia inspirado pelo propósito de reabilitação do legado parsoniano por parte da “nova sociologia económica”. O principal empreendimento de Parsons neste período suscetível de ser reportado à economia traduz-se na tentativa de elaboração de uma teoria sociológica do dinheiro enquanto componente de uma teoria geral dos meios de comunicação, media (cf. Beckert, 2006).

7Esta formulação dos problemas é, diz-se agora, a de Vilfredo Pareto, a qual Parsons teria no fundamental subscrito nos seus textos da década de 1930, até The Structure of Social Action, inclusive. Ela constituiria um extremo num leque de possíveis opções analíticas, sendo a dos institucionalistas a opção diametralmente oposta. A nova via agora proposta assume-se, assim, como via média. Quanto à pertinência ou não deste tipo de conceções, e em que medida esta narrativa traduza adequadamente as ideias de Pareto, cf. Dalziel e Higgins (2006) e Graça (2008b). Repita-se que este é um discurso resultante de uma marcada seletividade de memória e de uma reconstrução mental (ou racionalização) posterior, de resto já bastante afastada no tempo.

8Quanto a esta alegada linha de demarcação entre as variantes “velha” e “nova” da sociologia económica, e apesar do largo consenso que ela entretanto suscitou, devem em todo o caso registar-se as opiniões discrepantes, e em sentidos entre si diretamente opostos, de Milan ­Zafirovski (1999) e de Jens Beckert (2006): o primeiro deles, para sublinhar a importância dos estudos anteriores a Parsons eou contemporâneos a ele, mas fora da sua esfera de influência, um filão de investigações que nunca temeu afrontar a ciência económica dominante sempre que o entendeu necessário; o segundo, para apelar a uma reconciliação da nse com os seus pretensos antecedentes parsonianos, relativamente aos quais as demarcações propostas por Granovetter e outros representariam uma excessiva ênfase nas diferenças. Quanto a isto, cf. Velthuis (1999) e Holmwood (2006).

9No âmbito da panóplia de estudos habitualmente reconhecidos como sociologia económica, e a respeito especificamente do tema da “incrustação”, menção deve ser feita ainda aos trabalhos de Granovetter (1973, 1987, 2000), Krippner (2001), Krippner e Alvarez (2007) e Beckert (2003). Relativamente ao problema específico das influências da economics sobre a ­produção sociológica, v. também Baron e Hannan (1994), Pressman e Montecinos (1996) e Ingham (1996).

10Quanto a este aspeto de fascínio pela “elegância formal”, com a correlativa desconsideração da capacidade para elaborar predições exatas relativas aos eventos, veja-se a título emblemático a referência elogiosa de Paul Veyne aos trabalhos de Nicolas Bourbaki (cf. Veyne, 1987 [1971], p. 203), bem com a sua subscrição de tese de Noam Chomsky segundo a qual a verdadeira questão a colocar a uma gramática não é como se pode construir uma sem apelar ao sentido, mas como se pode de todo construir uma gramática (idem, p. 271, em nota).

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