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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.202 Lisboa  2012

 

Boas práticas laborais e negociação coletiva na Autoeuropa e SATA-SNPVAC*

 

Marinús Pires de Lima**, Ana Guerreiro Latas**, Cristina Nunes**

**Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa; E-mail: marinus.lima@ics.ul.pt; anaguerreirolatas@gmail.com; cristina.nunes@ics.ul.pt

 

Resumo

O artigo explora a temática das boas práticas laborais no âmbito da negociação coletiva. Partindo dos acordos laborais realizados na empresa Autoeuropa e do processo de mediação do conflito laboral que envolveu a SATA e o SNPVAC, analisam-se as etapas que possibilitaram o desenvolvimento de uma negociação e entendimento mútuos entre organizações sindicais e patronais.

Palavras-chave boas práticas; diálogo social; mediação laboral; indústria automóvel.

 

Best work practices and collective bargaining in Autoeuropa and SATA-SNPVAC.

Abstract

The article explores the theme of best practices in the context of collective bargaining. Building on workplace agreements made in Autoeuropa and the mediation of labor dispute involving SATA and SNPVAC we examine the steps that enabled the development of a negotiation and mutual understanding between trade unions and employers.

Keywords: best practices; social dialogue; labor mediation; automobile industry.

 

Introdução

Neste texto apresentamos dois estudos de caso que são exemplos de boas práticas laborais no âmbito da negociação coletiva: os acordos laborais da empresa Autoeuropa e o processo de mediação realizado no conflito laboral SATA1- SNPVAC2.

Pensando em conflito e negociação, consideramos boas práticas aquelas em que a conflitualidade entre as partes resulta num entendimento em que há uma solução de negociação positiva para ambas.

Estes estudos de caso foram desenvolvidos no âmbito de dois projetos de investigação acolhidos pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ics-ul). Um deles sobre a “Globalização e as Relações Laborais”, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia. O outro sobre o “Diálogo Social e a Mudança do Papel dos Serviços de Conciliação, Mediação e Arbitragem em Cinco Países da Europa” (Portugal, França, Inglaterra, Itália e Polónia), financiado pela Comissão Europeia e pela Universidade de Londres (Lima et al., 2010b).

É de salientar que estes projetos de investigação não se centraram diretamente no tema das boas práticas laborais, mas no decorrer das pesquisas estes dois exemplos mereceram a nossa atenção, atendendo ao facto de ser uma temática pouco estudada em Portugal (Cf. Lima, 2000; Cerdeira, 2004; Dornelas, 2006).

A indústria automóvel, tradicionalmente associada a relações de trabalho estáveis (Lima et al., 1995 e 1996), está desde o início da década de 90 sujeita a deslocalizações, tendo perdido 9% dos empregos entre 1998 e 2004. O encerramento da fábrica da Opel na Azambuja em 2006 deixou cerca de 1200 trabalhadores no desemprego. Em contrapartida, na Autoeuropa houve vários acordos baseados na lógica do “compromisso de transação” e em jogo de soma não nula quando se verificou o risco de deslocalização (Crouch e Pizzorno, 1978), que têm permitido a manutenção dos postos de trabalho. Estes compromissos podem ser qualificados como assentes nos princípios da flexigurança.

Quanto ao caso da SATA, baseia-se numa negociação que resulta dos meios de resolução de conflitos extrajudiciais previstos pelo Código do Trabalho: conciliação e mediação. Na conciliação, o conciliador reúne as partes em conflito tendo em vista o entendimento mútuo, mas sem realizar uma proposta. Na mediação, o mediador assume um papel mais ativo, sendo responsável pela apresentação de uma proposta para a resolução do conflito.

Depois de uma greve de três dias em 2007, e de um processo de conciliação sem resultado, o mediador da Direcção-Geral do Emprego e das Relações Laborais, do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social (DGERT-MTSS) apresentou em 2008 uma proposta que foi aceite pelas partes. Esta proposta consubstanciou-se na revisão global do Acordo de Empresa (AE), com a sua posterior publicação, e o regresso da paz social. Importa salientar que se tratou da primeira e única proposta de mediação aceite por ambos os parceiros sociais até hoje que teve como resultado a revisão do AE.

Interessa sublinhar que a apatia e a negatividade figuram nas conclusões de um estudo sobre o estado das relações laborais em Portugal, realizado pelo Observatório Português de Boas Práticas Laborais.3 Esta pesquisa revela que dos 1714 inquiridos, 37% classificam o estado das relações de trabalho como negativo, 34% não têm opinião e apenas 22% estão satisfeitos.

Esta constatação justifica que se analisem com maior profundidade o contexto, os temas reivindicativos, as formas de ação e de organização dos parceiros sociais em dois casos escolhidos pela sua exemplaridade.

 

Metodologia

O projeto sobre a “Globalização e as Relações Laborais” baseou-se no método da intervenção sociológica concebido por Touraine (1978), no âmbito da sociologia da ação desenvolvida no estudo sobre o movimento operário.4 O objetivo foi o de organizar encontros de reflexão entre atores perspetivados como oponentes em determinados contextos sociais.

Para operacionalizarmos este confronto analítico foram realizados sete encontros entre os trabalhadores militantes de base pertencentes aos setores de atividade económica abrangidos neste estudo5, e outros parceiros e atores sociais (associações empresariais, confederações sindicais, desempregados e trabalhadores precários e especialistas da temática). Os militantes sindicais constituíram o grupo de análise presente em todas as sessões. Estes encontros foram gravados e, posteriormente, transcritos, para se proceder a uma análise de conteúdo temática.

Na investigação sobre os processos de resolução de conflitos laborais (individuais e coletivos), foram realizados dois estudos de caso, de onde se destacou o exemplo da SATA-SNPVAC. Nesta pesquisa utilizou-se uma metodologia qualitativa, baseada em entrevistas semi-diretivas às organizações sindicais e entidades patronais envolvidas nos conflitos.

 

Evolução da Situação Contextual das Relações Laborais na Sociedade Portuguesa

As questões formuladas apontam para a análise das relações entre trabalhadores, os seus representantes e o patronato, no sentido de averiguar se nas empresas estudadas se criaram estruturas descentralizadas de repartição de “poderes” no seio do coletivo de trabalhadores, ou se, pelo contrário, a tomada de decisões pertence a um grupo restrito no qual as “bases” delegaram “poderes”. E, por outro lado, se as práticas de oposição ao patronato foram de tipo mais institucional (por exemplo, a negociação), ou, ao contrário, claramente antagonistas (ações diretas antipatronais)6.

Com efeito, depois de um longo período marcado pelo regime corporativo, a fase posterior à Revolução de 1974 é marcada por uma transformação profunda do contexto político, económico e cultural da sociedade portuguesa.

As greves e os conflitos de trabalho sucedem-se. A sociedade produz-se a si própria. Logo após o 25 de abril, é fixado o salário mínimo nacional, que se aplica a cerca de 50% da população ativa por conta de outrem, o que implicará consequências nos processos globais, quer da formação dos salários, quer de criação e supressão de emprego. As pensões de reforma são atualizadas e inicia-se um sistema de subsídio de desemprego. Restringem-se as possibilidades de despedimento, quer individual, quer coletivo. Diminui-se a duração do trabalho. No âmbito das relações coletivas de trabalho, estabelece-se o regime geral das associações sindicais e patronais. Sucedem-se as nacionalizações de setores importantes da economia nacional.

Numa segunda fase, compreendida entre 1976 e 1981, institucionaliza-se progressivamente um sistema de relações industriais, implantam-se crescentemente os sindicatos e as células partidárias, normalizam-se as transformações da fase anterior e é reconhecido o pluralismo sindical.

Na terceira fase, entre 1982 e 1986, aumenta a crise económica, eleva-se o nível de desemprego, dá-se a integração na Comunidade Económica Europeia e acentua-se a competitividade entre as centrais sindicais.

Numa quarta fase, entre 1987 e 1990, verifica-se uma recuperação econó­mica, diminui o desemprego, o emprego precariza-se, fragmenta-se a consciên­cia de classe e o sindicalismo participativo reforça-se.

Na fase seguinte, a globalização económica acentua os seus efeitos, mas, a partir da década de 80, a crise económica e a especulação financeira criam as condições para uma expansão das políticas neo-liberais, que vêm agravar o dualismo social entre os protegidos pelo sistema e os excluídos dos benefícios sociais, entre os quais os precários.

 

As Consciências dos Trabalhadores

No que concerne ao estudo de caso da Autoeuropa, partimos da hipótese elaborada por A. Touraine (1978), e reelaborada ulteriormente na intervenção sociológica realizada em 1989 (Lima et al., 1992), de que as identidades e as consciências dos trabalhadores são heterogéneas.

Nas fases mais antigas, anteriores ao taylorismo e ao fordismo, a organização do trabalho centrava-se em pequenas equipas, em que o operário de ofício organizava o seu próprio trabalho, mantendo uma autonomia profissional baseada no seu saber-fazer. A consciência da sua condição pode ser definida pela consciência positiva da utilidade social do seu trabalho.

No polo oposto encontram-se os operários sem ofício, destinados a desempenhar os trabalhos mais penosos e que não requerem qualquer tipo de qualificação, habitualmente com comportamentos economicistas.

A introdução da organização científica do trabalho veio alterar o modo como os operários se relacionam com o trabalho e entre si. O taylorismo e o fordismo submetem-nos a uma organização que lhes é cada vez mais estranha. Esta situação é baseada nas poucas referências históricas que são feitas pelos militantes, nomeadamente na indústria têxtil, automóvel e nas telecomunicações ou mesmo na banca, anteriormente à racionalização e modernização ocorridas nas últimas décadas.7

Uma vez que o taylorismo e o fordismo já se encontram num processo de crise e mudança, podemos afirmar que as fases marcadas pelas novas tecnologias de produção e informação dominam o grupo em análise na intervenção sociológica, como revela o esquema da figura 1.

 

Figura 1

Consciência dos Trabalhadores

 

As intervenções de alguns militantes permitem-nos identificar novas consciências gestionárias, que correspondem à transição para a sociedade neo e pós-industrial, nos trabalhadores muito qualificados. Estes mostram-se recetivos à modernização, ao sindicalismo de proposição e a temas negociá­veis: são os casos do representante da Comissão de Trabalhadores (ct) da Autoeuropa e de outros interlocutores.

De acordo com Correia (2008, p. 157), o facto de o modelo de produção e organização do trabalho na Autoeuropa estar baseado na flexibilidade, na polivalência e na autonomia dos trabalhadores aproximam-no de um modelo pós-fordista e do toyotismo concebido por Ohno para a Toyota.

Outras intervenções enquadram-se nas consciências políticas (consciências de classe positivas), em que os temas do conflito social, da crítica ao neo-liberalismo económico ou ao capitalismo são dominantes.

Isto não exclui que se verifique por vezes uma certa hibridez nos discursos, em que quer a negociação e o conflito, quer o diálogo e as contestações são defendidos consoante a conjuntura económica e política.

Houve autores que chegaram a falar em neo-corporativismo e em nova classe operária, a propósito de trabalhadores com um estatuto, nível de instrução, integração no mercado de trabalho, qualificação e nível de remunerações superiores aos médios. É a esse propósito que se fala cada vez mais em segmentação do mercado de trabalho e na separação entre trabalhadores “protegidos” e “desprotegidos”.

De uma maneira geral, também o sindicalismo de serviços (apoio à assistência médica, aos fundos de pensões, aos tempos livres, ao aconselhamento jurídico, técnico, financeiro e económico aos associados) encontra em geral defensores, não havendo ninguém que se lhe oponha, embora seja nos setores bancários e da aviação civil, nomeadamente no pessoal de bordo (como é o caso da SATA), que se verifica mais frequentemente, bem como nos militantes de sindicatos não filiados em nenhuma central sindical. Aplica-se à SATA um conjunto de características que revelam bem o poder significativo dos tripulantes de cabina inscritos no SNPVAC que nos conduz à sua qualificação de consciências neo-corporativas.8

As entrevistas realizadas em profundidade a representantes da direção da SATA e do SNPVAC confirmam a qualificação da consciência neo-corporativa do pessoal de bordo. Os salários, o nível de instrução, a qualificação, o poder e o saber-fazer são consistentes com o conceito.

 

Estudos de Caso

A autoeuropa

Aquando da sua implementação em Portugal, a Autoeuropa, no âmbito da negociação coletiva, poderia optar pela sua integração na associação patronal do setor, e seguir as regras estabelecidas no Contrato Coletivo de Trabalho (cct), ou negociar um acordo de empresa com os sindicatos. Segundo ­Correia (2008, p. 131), a adesão ao cct possuía a vantagem de evitar o ­desgaste e a conflitualidade associados aos processos negociais, mas também tornava mais difícil desenvolver um dos objetivos primordiais da empresa: criar uma ­política laboral assente na flexibilidade. A negociação de um AE com os sindicatos faria com que a empresa possuísse uma maior liberdade de ação para empreender a estratégia traçada para o campo das relações laborais, mas possuía os inconvenientes de uma maior instabilidade devido à negociação com as organizações sindicais e nomeadamente com a cgtp9

A empresa aderiu ao cct criado para o setor automóvel, embora tivesse a intenção de não cumprir o conjunto total de cláusulas estabelecidas, que a impediriam de conduzir as políticas da flexibilidade. Inicialmente, a Autoeuropa pressionou a associação patronal com o objetivo de modificar algumas cláusulas do cct. Uma das alterações mais importantes verificou-se ao nível das categorias profissionais.

De acordo com Correia (2008, p. 135), a adesão do Estado português à Carta Social Europeia permitiu às empresas, no espaço nacional, realizarem acordos informais ao nível da negociação coletiva. Desta forma, do ponto de vista legal, o processo negocial adotado pela empresa não pode ser perspetivado como ilegítimo. A adesão da Autoeuropa ao cct criado para o setor automóvel constituiu-se como meramente formal.

Desde 1994 que a Autoeuropa tem vindo a fazer negociação interna de acordos informais com a ct, no seu conjunto 10 acordos, que se tem caracterizado por uma prática de negociação repetida.

Assim, após a primeira revisão salarial, a Autoeuropa começou a negociar diretamente com a ct. No que diz respeito às relações com as organizações sindicais, foram apenas cumpridos os requisitos mínimos exigidos por lei e tentou-se diminuir as suas bases de apoio no interior da empresa. O facto de a empresa privilegiar a negociação direta com a ct e de tentar fragilizar as representações sindicais era fundamental para o pleno desenvolvimento dos seus objetivos negociais (Correia, 2008, p. 136).

Segundo Correia, até 1997, a empresa manteve relações privilegiadas e próximas com a ct, exercendo uma enorme influência sobre as suas decisões. Esta situação alterou-se a partir do momento em que a cgtp começou a estar mais representada na ct. Nesta altura, começou a aumentar exponencialmente o número de trabalhadores sindicalizados: em 1994, o total dos trabalhadores sindicalizados era apenas de 7,5% e em 2006 passou a constituir 48%. Do conjunto dos trabalhadores sindicalizados, 74% pertencem ao stimms10, 23% ao sindel11 e 7% ao sima12 (Correia, 2008, p. 141).

Este autor (Correia, 2008, p. 141) defende ainda que o facto de a cgtp possuir o maior número de trabalhadores sindicalizados não impediu a empresa de levar a cabo a estratégia de flexibilidade laboral e de cumprir a paz social.

Os acordos laborais celebrados entre a administração e a ct têm sido considerados como inovadores e como exemplo de boas práticas no âmbito da negociação coletiva no setor automóvel. Assentam na procura de um consenso na estratégia de relações laborais, tendo em vista a negociação da melhoria das condições laborais e a manutenção dos níveis de competitividade da empresa, e constituem o resultado de negociações ponderadas e persistentes, dentro de um espírito de compreensão mútua. É de destacar o importante papel que a ct da empresa assumiu em todo esse processo e que foi decisivo para a obtenção do consenso desejado.

O rumo negocial que tem sido desenvolvido pela administração e pela ct conduz Correia (2008) a concluir que o estado das relações laborais passou de uma estratégia competitiva para uma estratégia de maior cooperação.

Este processo de negociação entre a Autoeuropa e os trabalhadores é considerado pelo representante da ct como um exemplo único no campo das relações laborais em Portugal:

 

Nesta empresa há uma prática de diálogo social e de co-gestão completamente diferente das outras empresas. Fora daqui temos o patrão típico. Por isso a grande conflitualidade também que existe por esse país fora. E a falta de diálogo.

 

De acordo com um membro de um sindicato afecto à ugt (sindel), esta prática de diálogo entre a Autoeuropa e a ct deveria ser seguida e reiterada no seio do tecido empresarial português:

 

Veja-se a prática que inclusivamente existe dentro da empresa de respeito para com as estruturas sindicais, digamos que isto não é uma prática portuguesa isto é uma prática tradicional dos países da Europa Central, dos países nórdicos, em Portugal nunca houve muito respeito quer os sindicatos pelo patronato, quer o patronato pelas estruturas sindicais. E isso não ajuda a encontrar soluções e a encontrar caminhos que permitam acordo, o que leva a que as partes se tornem quase inflexíveis […] Portanto, quando se diz que a Autoeuropa é um exemplo, é um exemplo interno, é um exemplo que era bom que os outros seguissem e que as outras empresas também seguissem, nomeadamente pelo respeito que têm para com os trabalhadores.

 

Inicialmente, quando a empresa se encontrava na fase de lançamento, de estabelecimento e consolidação de processos de modo a garantir a longo prazo a produtividade e o melhoramento contínuo, os acordos laborais realizados centraram-se em matérias como os aumentos salariais, a redefinição do pagamento de horas noturnas nos subsídios de férias e de Natal, a otimização dos horários de trabalho (introdução de um regime de trabalho por turnos, horário de laboração contínua, redução do horário para os trabalhadores do turno central com 44 horas de trabalho por semana), o funcionamento do refeitório e a conversão de contratos temporários em contratos permanentes (Autoeuropa, 1994, 1995, 1996-1998).

Na base dos acordos 1998-1999, 2000-2002 e 2002-2003 estiveram os aumentos salariais baseados na avaliação de desempenho, o prémio de ­objetivos sujeito à obtenção de resultados coletivos e individuais, e o compromisso de converter os contratos temporários em contratos permanentes de acordo com o volume de produção, a situação de mercado e os indicadores financeiros.

Em 1998 foi introduzido o reconhecimento do princípio da flexibilidade como modus operandi de grande importância para o funcionamento da empresa.

No ano de 2003, tendo em consideração o cenário económico internacional, o seu impacto negativo na indústria automóvel e a consequente situação da economia nacional, tornou-se inevitável a subscrição de um acordo que permitisse ultrapassar momentos menos prósperos, marcados pela significativa quebra na produção, sem recurso a despedimentos coletivos. Nesse ano, para uma produção de cerca de 109 000 unidades estavam previstos 16 dias de paragem de produção, esperando-se um cenário mais negativo no ano seguinte com o agravamento da situação de mercado, com uma previsão de produção de cerca de 95 000 unidades e 35 dias de paragem de produção.

Foi assumido entre as partes o compromisso de discutir e desenvolver um esquema de organização do tempo de trabalho que permitisse a troca de dias de paragem por motivos de falta de encomendas por sábados e feriados, com o objetivo de garantir a manutenção do maior número de postos de trabalho.

A proposta em cima da mesa de negociação era a seguinte: 51 dias por ano de paragem de produção na fábrica de Palmela ou o despedimento de 570 dos seus 3200 trabalhadores efetivos. Devido a alterações nos mercados e ao tempo de vida dos modelos, as exigências da produção alteram-se, sendo que as paragens de produção permitem o ajuste do volume de produção às necessidades do mercado.

Em junho de 2003 foi celebrado um acordo, considerado histórico (Autoeuropa, 2003), entre a administração e os trabalhadores (acordo de reorganização do tempo de trabalho), em que foi introduzido o conceito de conta de tempo para proteger a manutenção dos postos de trabalho. Este acordo teve a aprovação de 78,1% dos trabalhadores.

Os trabalhadores abdicam de 3,3% do seu aumento salarial em 2003 e convertem-no em 10 dias não trabalháveis por ano e marcados junto a fins-de-semana, feriados, folgas ou períodos de shut down. Foi acordado que estas paragens poderiam fazer-se em anos de baixo volume, sendo compensadas a posteriori.

Com a celebração deste acordo, reconheceram as partes estar a dar um passo marcante para possibilitar a manutenção dos postos de trabalho. Por outro lado, através deste acordo, a Autoeuropa demonstrou estar preparada para enfrentar os desafios futuros, uma vez que tem mão-de-obra qualificada, capacidade instalada e capacidade de adaptabilidade às flutuações de mercado.

Segundo o representante da ct, este acordo constituiu-se também como uma forma de enfrentar os possíveis processos de deslocalização:

 

A questão da deslocalização é hoje em dia, ou se previne ou não se evita! Depois o que se entra é num campeonato de ver qual é a associação sindical que melhor, mais indemnizações consegue para os seus associados. Eu penso que não é por aí que vamos lá, não é esse campeonato que eu quero jogar, nem os trabalhadores da Autoeuropa têm jogado e nem foi esse o campeonato que jogaram em 2003, foi o campeonato da prevenção. E a prevenção em relação a essas coisas faz-se efetivamente olhando para a Europa, verificando o que se passa na Europa e tentando na medida do possível adaptar Portugal, neste caso a Autoeuropa a essas questões.

 

O acordo 2003-2005, que contou com a aprovação de 62,3% dos trabalhadores, anulou a proposta de despedimento de cerca de 850 trabalhadores dos 3300 postos de trabalho levada para a mesa das negociações pela administração, atendendo à redução da produção em mais de 40 000 unidades, num cenário de crise profunda no mercado automóvel, fruto da recessão que afeta todas as economias.

Os trabalhadores abdicaram de dois anos sem aumentos salariais, pelas seguintes garantias: impossibilidade de despedimento coletivo até 2005, manutenção de dois turnos rotativos, aquisição de mais doze dias vitalícios (ficando com um total de vinte e dois dias para enfrentar paragens anunciadas), pagamento a cada trabalhador do 15.º mês assim que os volumes de produção regressassem ao normal (que segundo as previsões da administração aconteceria em 2006 com o início da produção de um novo modelo), pagamento a cada trabalhador de um prémio especial de 550€ para enfrentar o período de outubro de 2004 a dezembro de 2005; melhoria dos dias de férias (23 dias para todos, 24 dias para quem tenha até 24 h de ausências e 25 dias para quem tenha 8 h de ausências), prémio de trabalhador estudante (de 180€), aumento do seguro de vida.

Ambas as partes demonstraram com a negociação deste acordo que é possível encontrar alternativas flexíveis para fazer face às adversidades.

O representante da ct afirma que este tipo de negociação baseado nos acordos de soma não nula tem permitido quer o sucesso da empresa, quer a manutenção dos direitos laborais dos trabalhadores:

 

Como costumamos dizer “Ganhar-Ganhar” e não “Ganhar-Perder”, resultados de um a zero nas relações laborais são muito complicados, seja para que lado for! Penso que os melhores resultados são os empates.

 

Apesar dos progressos dos últimos acordos no que diz respeito à flexibilidade, a empresa considerava urgente prosseguir com melhorias adicionais.

O acordo 2005-2006, reflete o entendimento da empresa e dos seus trabalhadores sobre a forma de como tornar a empresa mais competitiva, melhorando as condições de compensação dos trabalhadores e contribuindo para a manutenção e criação de emprego. Neste período, a prioridade da empresa consistia na conquista de novos produtos para garantir a manutenção do emprego.

Este acordo, aprovado por 76,8% dos trabalhadores, previa os aumentos salariais, a compensação adicional a todos os trabalhadores como forma de reconhecimento do seu nível de envolvimento na fase de lançamento do modelo Eos, prémio de objetivos, acréscimo de um dia de férias, continuação da conversão de contratos temporários em contratos permanentes, garantia de emprego e de não ocorrência de despedimentos coletivos.

Por outro lado, ficou também definida a redução no pagamento do trabalho suplementar, válida enquanto não se concretizasse nenhum despedimento coletivo.

A resposta encontrada foi a de, mais uma vez, preservar os postos de trabalho, manter a exigência dos aumentos salariais e procurar pontos comuns que, embora contendo cedências, nomeadamente no preço das horas extraordinárias, possibilitassem uma solução menos desfavorável para os trabalhadores.

No ano de 2006 estava por decidir a localização da fábrica que iria receber o sucessor do modelo Sharan. Para além disso, estava delineado o lançamento de vários produtos da marca Volkswagen. A atribuição de novos modelos à Autoeuropa consistia numa questão de extrema importância para o futuro da fábrica de Palmela.

Neste contexto, a administração da empresa defendia a necessidade de introdução de medidas que permitissem otimizar a capacidade instalada, fortalecer a capacidade de produção, flexibilizar a estrutura de custos e de reação às exigências cada vez mais competitivas do mercado.

A perda de direitos dos trabalhadores para garantir a competitividade da fábrica e a produção de novos veículos e impedir despedimentos constituiu a base do acordo 2006-2008. Com a sua assinatura, que contou com a aprovação de 62,2% dos trabalhadores, foi garantida a não concretização de despedimentos coletivos na empresa até dezembro de 2008.

Este acordo contemplou o aumento salarial de 4,5% por dois anos (aumento médio de 3% ao ano), a atualização das tabelas salariais em 1% no final do acordo, a gratificação excecional por adaptabilidade a novos produtos (para premiar a adaptabilidade laboral) que corresponde ao pagamento mínimo de 1200€ num máximo de 1,2 salários, o pagamento do trabalho extraordinário aos sábados e feriados a 200% em dinheiro e 25% em tempo compensatório, a rotatividade dos colaboradores distribuídos por todos os modelos (formação + plano de turnos), a continuação da conversão de contratos a termo para contratos sem termo e a passagem de contratos temporários para contratos a termo com a Autoeuropa. Neste acordo, mantém-se o prémio de objetivos, o subsídio trabalhador-estudante, as férias e os feriados.

Atendendo ao agravamento da situação de fragilidade da economia mundial, com repercussões na confiança do cliente final, a Autoeuropa, que continua a produzir abaixo da capacidade instalada, vê-se, mais uma vez, confrontada com a necessidade de otimização da produção para responder de forma flexível às oscilações do mercado.

O representante da ct considera que este acordo foi inovador porque se norteou pelo estabelecimento de princípios diferentes dos estipulados no cct do setor.

 

O último acordo, esse sim foi bastante inovador. Eu diria que roça, de certa maneira, alguma ilegalidade contratual, só justificada segundo alguns professores de direito laboral porque foi votado pelos trabalhadores, mas que não limpa a ilegalidade da questão, embora seja moralmente justificável, porque nós reduzimos o custo do trabalho extraordinário que em Portugal é de 300% para 200%. Toda a gente sabe que em termos da legislação e da Constituição da República só aos sindicatos é permitido fazer cct. E o cct do setor estipula que as horas extraordinárias dos trabalhadores do setor são pagas a 300%. E o que nós acordámos foi que pagando 1,2 salários a cada trabalhador, no mínimo 1 200€, as horas extraordinárias passam a ser pagas a 200% em vez dos 300%.

 

Afirma também que só o estabelecimento deste acordo permitiu a produção de novos modelos e a manutenção dos postos de trabalho:

 

Eu próprio fui chamado à Alemanha, estive com o diretor de Recursos Humanos e com o diretor da Produção, e foi medonha a forma como as coisas foram colocadas em cima da mesa: o alemão ganha 50% a um sábado e o português ganha 300%, isto em percentagem. Mas nós levámos as contas feitas em dinheiro e mesmo com essas diferenças em termos de dinheiro ficava tudo igual. E eles disseram logo: “Mas se eu quisesse pagar o mesmo tinha construído a fábrica na Alemanha e não em Portugal!”

Eu voltei a Portugal com as informações, reunimos a ct e partimos para a negociação. Fomos então buscar os tais 1 200€ como contrapartida, que eles não queriam dar. E colocámos o acordo à votação dos trabalhadores. Votaram 88% dos trabalhadores e quase 70% estavam a favor do acordo.

Mas nós reconhecemos que é um acordo inédito em Portugal, em que uma empresa internamente discute o melhor para os trabalhadores e para a empresa.

 

No acordo 2008-2010, aprovado por 70,3% dos trabalhadores, é mantido o compromisso de prevenção de despedimentos, comprometendo-se a empresa a não concretizar despedimentos coletivos até dezembro de 2010. Fica, no entanto, a ressalva de que no caso de o cenário económico se alterar significativamente e o volume de produção diminuir devido a reduções nas encomendas, a administração e a comissão de trabalhadores iniciariam negociações para encontrar soluções.

No que diz respeito à organização do tempo de trabalho, este acordo estabelece que os 22 dias úteis de não produção (down days), adquiridos no acordo 2003-2005, serão utilizados para fazer face ao volume de produção.

No ano de 2009, com o agravamento da conjuntura económica mundial, a empresa Autoeuropa passou também a viver momentos de incerteza devido à diminuição do número de encomendas e consequente decréscimo nas unidades produzidas. Estes fatores conduziram a empresa a propor um pré-acordo tendo em vista uma nova organização do tempo de trabalho, nomeadamente uma maior flexibilidade laboral nos tempos de crise. Os trabalhadores votaram desfavoravelmente este pré-acordo entre a Comissão de Trabalhadores e a administração da empresa, com 51% de votos contra. No entanto, apesar disso, houve posteriormente um esforço comum no sentido de evitar despedimentos em troca da flexibilidade de horário anual (banco de horas).

No âmbito da responsabilidade social, a Autoeuropa tem realizado algumas ações junto da comunidade local – oferta de carros para instituições de bombeiros e, entre outras, doações de computadores para instituições de solidariedade social. No plano ambiental, tem construído equipamentos ecológicos que a transformam, a nível mundial, numa das empresas da indústria automóvel que mantém um dos mais baixos níveis de poluição (­Correia, 2008, p. 155).

SATA/SNPVAC

O processo de mediação laboral entre a SATA e o SNPVAC constitui igualmente um exemplo de boas práticas no contexto da negociação coletiva.

Em 2006 foi feita a denúncia, por ambas as partes, do AE em vigor. A empresa pretendia adaptar o AE ao novo Código do Trabalho e o sindicato perspetivava um acordo melhor, semelhante ao da empresa TAP.

De acordo com o responsável pela área de Recursos Humanos,

 

O sindicato fez a denúncia do acordo com a perspetiva de conseguir um acordo substancialmente melhor, copiado da tap. E nós fizemos a denúncia do acordo também para procurar acertar algumas cláusulas que não teriam corrido bem naqueles dois anos de vigência [acordo anterior], para procurar adaptá-las mais ao que era entretanto também já a experiência do Código do Trabalho (ct).

 

Já o representante do SNPVAC refere:

 

Fizemos o primeiro AE com a SATA em 2004. Era um livrinho assim muito pequenino. E passados dois anos de vigência iniciámos as negociações para outro acordo. […] A empresa não cumpria em 70% o acordo. Não cumpria os tempos de descanso. Não cumpria as tripulações-tipo. Não cumpria o que tinha a ver com o clausulado geral. Não cumpria as férias. Não cumpria as trocas. Não cumpria as folgas. […] Nas negociações diretas goraram-se aqui as expectativas porque não fomos capazes de nos entender.

 

As negociações diretas começaram em janeiro de 2007, e ao fim de quatro reuniões o SNPVAC abandonou a mesa das negociações, alegando má fé negocial por parte da empresa e a inexistência de vontade em atingir um acordo. Por seu turno, a SATA afirmava ter sido criado pelo sindicato um clima reivindicativo desfavorável, que poderia colocar em causa a viabilidade económica da empresa:

 

Ao fim de quatro reuniões de negociação os delegados sindicais abandonaram a negociação. […] Invocaram falta de respeito por parte da SATA e falta da resposta às suas propostas, mas na realidade até usaram na altura um pretexto prático… Numa reunião pediram o Manual de Operações de Voo, que é uma coisa inusitada porque numa negociação não se está a discutir o Manual de Operações de Voo, mas sim as leis do trabalho. E as pessoas que representavam a SATA no dia seguinte não levaram o manual e eles abandonaram a ­negociação dizendo que a outra parte nem sequer os seus pedidos atendia e abandonaram. E depois escreveram várias cartas à SATA a dizer que houve falta de respeito e incumprimento de algumas cláusulas, foram criando um clima reivindicativo.

Em maio de 2007 o conflito agravou-se e foram suspensas as negociações diretas. O SNPVAC emitiu um pré-aviso de greve, que se veio a concretizar. Segundo o interlocutor da SATA,

 

[…] depois da entrega do pré-aviso de greve houve imensas reuniões de tentativa de conciliação, […] desde logo para estabelecer os serviços mínimos, mas também para tentar um acordo. E foram conseguidos dois acordos. E […] quando vieram com os acordos à Assembleia de Trabalhadores, como eles dizem, em ambos os casos os acordos foram chumbados. […] A proposta para o segundo acordo já continha um esforço bastante grande pela nossa parte e deixámos fazer a greve.

Mas foi um drama, porque chegou até a haver alguma selvajaria aqui no aeroporto. Foi preciso chamar a polícia! Foi uma coisa rara, porque hoje em dia as greves fazem-se… fazem-se piquetes de greve e há umas regras civilizadas […] E neste caso aqui foi uma surpresa para nós porque se organizou aí um grupo deles de 20 ou 30 que andavam aí à solta no aeroporto a ameaçar os colegas. Foi muito difícil! Muito difícil!

 

Num clima de acentuada conflitualidade, em junho de 2007, as partes requereram o processo de conciliação junto da Direcção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho, do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social (DGERT-MTSS).

Nessa altura a empresa entendeu

 

[…] pedir uma conciliação, porque era uma sede em que podia haver mais uma testemunha, mais do que a influência do Ministério do Trabalho, a conciliar ativamente, era estarmos na presença de uma outra entidade em que as partes tinham que ter pelo menos uma justificação para abandonar as negociações, por exemplo, ou para vir com uma proposta que fosse completamente desrazoável.

 

Ao fim de um ano as partes continuavam ainda em desacordo relativamente a certas matérias consideradas vitais para a celebração de um acordo, pelo que decidiram recorrer à mediação, dando ao representante da DGERT um papel mais ativo, assumindo a responsabilidade de apresentar uma proposta para a resolução do conflito.

Na perspetiva do interlocutor da SATA:

 

Foi um processo bastante difícil. Como aquilo se prolongou sem… e caía-se de impasse a impasse, na altura, com algum cuidado, para não provocar mais um conflito… a dizer que estávamos a fazer manobras dilatórias, propus ao sindicato que se passasse para a fase da mediação, para permitir ao conciliador ser mais ativo, digamos assim, e fazer propostas. E foi o que aconteceu.

Por outro lado, de acordo com o representante do SNPVAC,

 

Na primeira fase houve muitas tentativas para chegarmos a acordo, mas não conseguimos. […] Nas negociações diretas goraram-se as expectativas e não fomos capazes de nos entender. […] Fomos obrigados a pedir ao representante do Ministério do Trabalho que fizesse a parte dele e que apresentasse ao sindicato e à empresa uma proposta onde pudéssemos chegar a um entendimento.

 

Atendendo às matérias em conflito (carreiras, prestação de trabalho e tabela salarial) o mediador reuniu separadamente com a empresa e com o sindicato, apresentando uma proposta de mediação que foi aceite pelas partes, que se consubstanciou na revisão global do AE.

A este nível, o representante do sindicato refere que

 

O MT ainda insistiu em mais reuniões. E aí, de alguma maneira, houve também uma boa disposição por parte do sindicato, e também por parte da empresa, para aceitar aqui alguns aspetos fundamentais. A empresa também teve alguma atenção noutros aspetos que nós pedimos, como os seguros de saúde e outros aspetos fundamentais para nós, como as folgas e os fins-de-semana.

 

Os tripulantes de cabine estão numa posição estratégica que lhes permite fazer greves e/ou ameaças de greve que podem ser muito prejudiciais para a companhia. Acrescem a juventude, os elevados níveis de instrução e qualificação e a influência exercida por outras empresas com características semelhantes, como a tap e a Portugália.

A justificação do representante da empresa resume-se desta forma:

 

Em relação ao pessoal de cabine, só para vos explicar porque é que demorou este tempo todo, e porque é que foi tão difícil chegar a acordo, foi porque são pessoas muito novas que copiam modelos sem uma direção efetiva e sem uma disciplina de reivindicação, o que acaba por ser uma situação em que era desejável haver um interlocutor forte e organizado que disciplinasse a classe.

 

Importa salientar que assinado o AE, depois da greve, onde se assumiram compromissos e cedências recíprocas nas reivindicações, foi possível alcançar a paz social na empresa. A leitura do AE converge no mesmo sentido: atividade dos tripulantes, mobilidade funcional, direitos, deveres e garantias das partes, formação profissional contínua, compensação das interrupções do trabalho, regime de faltas, normas da maternidade e paternidade, estatuto do trabalhador estudante, segurança social e benefícios complementares, importância do risco e da segurança, higiene e prevenção, saúde no trabalho, tempos de repouso, escalas, polivalências e evolução na carreira profissional.

Deve também sublinhar-se a excecionalidade da importância da intervenção da DGERT. Num sistema de relações laborais em que as mediações do Ministério são muito raras, as “pressões” para se chegar a um acordo são notórias.

As afirmações do interlocutor do SNPVAC apontam nesse sentido:

 

O Ministério do Trabalho, na pessoa do [conciliador/mediador] teve um papel fundamental na apresentação das propostas que fez, o que levou a que a partir das suas propostas se conseguisse chegar a um entendimento entre ambas as partes. Esgrimiram-se ali mais alguns pontos, mais umas “coisinhas” que ficam sempre por alinhavar nesta parte da aviação comercial; é um setor muito particular, que tem umas leis muito “picuinhas”, desculpem-me a expressão. Mas pronto, depois acabou e culminou na assinatura do AE e penso eu que será caso único.

Conseguimos assinar o acordo em Assembleia-Geral, onde foi votado favoravelmente, porque a direção não está legitimada segundo os estatutos deste sindicato para assinar por si só. Portanto, as pessoas ficaram satisfeitas e neste momento existe aqui alguma paz em relação a este aspeto.

O AE está em vigor e até ao momento ainda não há grande polémica entre as partes. Há já aqui alguns “desentendimentozinhos”, mais isso tudo faz parte dessa coisa entre sindicatos e empresas.

 

Considerações Finais

A evolução do setor automóvel continua a seguir a tendência da conjuntura internacional e da situação da atividade de produção automóvel ao nível mundial. Nos últimos anos, devido à diminuição geral do número de encomendas, as fábricas a operar em Portugal registaram fortes decréscimos no número de unidades produzidas, com a suspensão temporária da atividade e dos trabalhadores e a consequente redução de postos de trabalho.

Mesmo neste contexto de crise económica, a empresa Autoeuropa tem procurado a manutenção dos postos de trabalho, através da negociação de acordos baseados na lógica do “compromisso da transação” (Pizzorno, 1971). Estes acordos têm sido uma referência no diálogo social e nas práticas laborais no setor automóvel, embora não sejam praticados por outras empresas.

Uma boa prática associada à empresa é a tentativa de alcançar acordos sem qualquer recurso à greve.

É necessário também considerar que os trabalhadores da Autoeuropa se diferenciam dos trabalhadores da indústria transformadora, por serem ­detentores de níveis de escolaridade, formação e de qualificações profissionais superiores. Estes fatores, juntamente com a cultura desenvolvida pela empresa, podem condicionar um melhor entendimento entre as partes (considerar os colaboradores como a chave do sucesso, grande investimento na formação profissional dos trabalhadores, contribuição para o desenvolvimento económico da região).

O exemplo da SATA é igualmente demonstrativo da procura de entendimento entre os parceiros sociais no âmbito da negociação coletiva. Fracassadas as negociações diretas entre a empresa e o SNPVAC, e após a realização de uma greve, as negociações foram retomadas com o auxílio de uma entidade externa, que conseguiu conciliar as partes e obter uma revisão global do AE. Estes processos extrajudiciais de resolução de conflitos de trabalho são pouco requeridos para estes fins, sendo este o único conflito com resultados positivos na regulamentação das relações laborais na sociedade portuguesa.

 

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*Recebido a 06-04-2010. Aceite para publicação a 02-01-2012.

 

Notas

1Sociedade Açoriana de Transportes Aéreos.

2Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil.

3Coordenado pelo Prof. Doutor Paulo Pereira de Almeida (cies-iscte-iul/usi). Cf. (ciesiscte-iul, 2010).

4Este método também já foi aplicado em Portugal por Marinús Pires de Lima numa investigação sobre a ação sindical (Cf. Lima et al., 1992).

5Setor automóvel, bancário, hotelaria e restauração, têxtil e telecomunicações. Cf. Lima et al. (2010a).

6Cf. Dubois et al. (1971, pp. 1-159).

7Conforme se explica numa outra investigação, a banca portuguesa passou de uma das mais atrasadas da Europa para uma das mais modernas, em razão dos grandes investimentos tecnológicos e organizacionais, impostos pela concorrência interna e internacional (Lima et al., 2009).

8Sobre este tema cf. Pinto (2000).

9Confederação-Geral dos Trabalhadores Portugueses, Intersindical.

10Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas e Metalomecânicas do Sul.

11Sindicato Nacional da Indústria e Energia.

12Sindicato das Indústrias Metalúrgicas e Afins.

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