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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.202 Lisboa  2012

 

Do Homem Plural ao Mundo Plural1

 

Entrevista com Bernard Lahire por Sofia Amândio*

*Centre Max Weber, École Normale Supérieure de Lyon; E-mail:sofia.amandio@gmail.com

 

Bernard Lahire, nascido em 1963, é professor de sociologia na ÉcoleNormaleSupérieure de Lyon. Lahire inscreve-se na tradição sociológica de Pierre Bourdieu e tem prolongado, ao longo de quase duas décadas, a sua análise conceptual e empírica de forma heterodoxa. Deste trabalho de “cumulatividade crítica” já resultaram dezoito obra publicadas, traduzidas em oito países diferentes.

As primeiras investigações de Lahire nas áreas da sociologia da educação e da cultura datam do início de 1990. As suas análises da cultura escrita, da escola e das desigualdades escolares estão na origem da sua teoria da ação, apresentada pela primeira vez em O Homem Plural (1998). Neste livro programático, Lahire sistematiza a sua crítica ao conceito de habitus, e apresenta o que apelida hoje de sociologia à escala individual, na qual os mesmos atores são acompanhados em diferentes contextos de ação, onde são examinadas lógicas variáveis, e por vezes contraditórias, das suas práticas. A sua abordagem distingue-se das perspetivas mais individualistas, já que a reconstituição de diferentes quadros de ação é feita sem nunca se descurarem as desigualdades estruturais entre classes sociais.

Para além das temáticas escolares (tais como o insucesso escolar e os casos de sucessos ­improváveis nas classes populares, as práticas de estudo no ensino superior, ou o problema social designado “iletrismo”), Lahire tomou também como observatórios empíricos as questões culturais (as práticas culturais), e, mais recentemente, as questões ligadas à produção literária (o jogo literário e as condições materiais e temporais da criação literária, assim como a obra de Franz Kafka).

Se no Homem Plural Lahire sistematiza a sua crítica empírica ao conceito de habitus, no seu livro mais recente, Monde pluriel (2012), o autor aprofunda a crítica à teoria dos campos de Bourdieu, estendendo a análise já avançada na La conditionlittéraire (2006) a partir do conceito de “jogo”.

O seu programa de investigação de uma sociologia à escala individual dialoga não apenas com a tradição sociológica, mas também com disciplinas como a antropologia, a história, a filosofia e a psicologia, colocando-as ao serviço de uma reflexão sociológica coerente. Neste sentido, Lahire define-se como investigador em ciências sociais.

Nesta entrevista, Bernard Lahire retraça a sua trajetória intelectual, fala-nos de alguns dos seus livros mais relevantes2, discute o modo como a sua obra é lida em França, e revela como se posiciona face às diferentes tradições da sociologia e das ciências sociais – em particular, sobre o que o distingue de Bourdieu e dos discípulos deste sociólogo.

 

SOFIA AMANDIO: Se lhe pedíssemos para avaliar o seu percurso biográfico, à luz da sua sociologia, o que responderia?3

BERBARD LAHIRE:Eu não sou certamente a pessoa mais indicada para levar a cabo uma tal operação sociológica, que implica objetivar os diferentes tipos de experiências socializadoras que eu pude viver no meu universo familiar, na escola primária, no ciclo preparatório, no secundário, na universidade, com diferentes grupos de pares, em contextos desportivos, musicais, etc. Como dizia Paul Valéry (1996 [1941]): “Não é certo que conhecer-se tenha um sentido, nem que um homem não possa conhecer outro homem melhor que a si mesmo”. Isto é tanto mais verdade quanto a incursão sociológica disposicionalista e contextualista que preconizo, supõe reconstruir pacientemente as experiências feitas em quadros socializadores precisos, e até, no caso da família, com pessoas precisas (com a mãe, o pai, os irmãos e as irmãs, os avós, os tios e as tias, os primos, etc.). No que me é possível examinar, de forma necessária e extremamente grosseira, sou nitidamente um caso de trânsfuga de classe pela via escolar, um “bom aluno” de origem popular pouco diplomada (a minha mãe tinha o ensino primário, e o meu pai um CAP4 de ajustador-mecânico). Mas apenas para compreendermos como pude “sair” (esta palavra, muitas vezes utilizada nos casos de ascensão social, parece-me particularmente desadequada) do meu meio de origem, marcado de forma perene pelas experiências que eu aí fiz, é necessário precisar, entre outras, a relação responsável e preocupada que a minha mãe alimentava com a escola, e a vida ascética dos meus pais; é necessário também evocar o divórcio dos meus pais e a vida ­familiar sem o meu pai desde os meus 13 anos (o que representou aliás, objetivamente, uma oportunidade no meu percurso), ou ainda a importância de um professor de francês no liceu, comunista renovador e marxista muito culto, que se tinha apercebido de que eu projetava nas leituras de ­textos literários uma certa urgência e necessidade em compreender o mundo. E para compreender a minha relação contrariada com a universidade e com as instituições, seria necessário descrever a relação de temor, de resistência passiva e de fúria face a um pai particularmente autoritário e atemorizante, assim como as experiências de rutura com a Igreja católica de uma mãe irritada com determinados comportamentos do padre da paróquia. Para chegar a algo de suficientemente preciso, do ponto de vista de uma sociologia à escala individual, seriam necessárias longas horas de entrevistas, condição necessária para deslindar os fios de uma vida individual sempre altamente complexa e fazer emergir os elementos constitutivos do que eu designei, no meu recente trabalho sobre Franz Kafka (2010), como uma problemática existencial. Isso exigiria um trabalho que eu não realizei.

 

SA: Os seus trabalhos inscrevem-se na tradição da sociologia da educação e da cultura. Em que medida podemos dizer que as suas primeiras investigações foram inspiradas em Héritiers (1964) e La Reproduction (1970), duas obras de Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, célebres sobre o assunto?

BL: Na minha opinião, se pudéssemos racionalizar as intuições iniciais de investigação, que são sempre um pouco fluídas, a interrogação sobre as relações entre as culturas escritas, a escola e as desigualdades escolares teria como ponto de partida a necessidade de uma análise menos “legitimista” das práticas populares e das relações populares com a cultura escolar. Muito rapidamente, o núcleo do problema constitui-se em torno de algumas obras fundamentais: algumas tratando as questões das práticas de linguagem e da escola para compreender as desigualdades escolares (Basil Bernstein, Langage et classes sociales; William LabovLe parlerordinaire), outras propondo análises mais gerais sobre a escola ou o funcionamento das nossas formações escolares (Pierre Bourdieuet Jean-Claude Passeron, La Reproduction. Eléments pour une théorie du système d’enseignement; Guy Vincent, école primaire française), outras, enfim, abordando problemáticas antropológicas, históricas, teóricas, metodológicas ou epistemológicas que tenho, ainda hoje, como fundamentais (Pierre BourdieuLe sens pratique et Jack Goody, La raisongraphique. La domestication de la pensée sauvage). As obras de Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron foram importantes, mas não tiveram um papel isolado das restantes obras que acabo de citar.

Sobre esta matriz de problemas, marcaram-me outras leituras igualmente fundamentais, que vieram complexificar o edifício da problemática de partida: leitura de historiadores que se interessam pelas culturas escritas (Lire et écrire. L’alphabétisation des Français de Calvin à Jules Ferry, de François Furet e Jacques Ozouf; os vários trabalhos de Roger Chartier; o trabalho de Eric Aaron Havelock sobre a Grécia, Preface to Plato; ou aquele, sob a coordenação de Marcel DétienneLes savoirs de l’écriture en Grèce ancienne), leitura de antropólogos que tratam os saberes práticos e o seu modo de transmissão particular (Geneviève Delbos e Paul Jorion, La transmission des savoirs) ou realidades mítico-rituais (a obra de Marcel Mauss ou a de Claude Lévi-Strauss), leitura de filósofos fenomenologistas ou marxistas que desenvolvem a análise do sentido prático, da relação prática com o mundo e das práticas de linguagem (a obra de Maurice Merleau-Ponty e a de Mikhaïl Bakhtine), a leitura do conjunto de análises weberianas sobre os processos de racionalização e, por último, a obra, ainda por descobrir em sociologia, do psicólogo russo Lev Séménovitch Vygotski que os autores de La Reproduction citavam, já em 1970.

 

SA: Colaborou cientificamente com antigos colegas de Pierre Bourdieu. É o caso de Jean-Claude Passeron e de Claude Grignon. No entanto, distancia-se de outros autores que também trabalharam com Bourdieu: LucBoltanski, ­Laurent ­ThevenotNathalieHeinich, Louis Pinto, LoicWacquantGisèleSapiro, Patrick Champagne... O que o distingue dos outros herdeiros de Bourdieu?

BL: Tive a possibilidade de colaborar ou dialogar com investigadores que foram próximos de Pierre Bourdieu e que depois se distanciaram dele, continuando a trabalhar de forma geral dentro do mesmo espírito. Entre os investigadores que cita, há duas situações distintas: de um lado os epígonos da geração anterior (Louis Pinto e Patrick Champagne) ou da nova geração (Loic Wacquant e Gisèle Sapiro) e, do outro, os antigos colegas ou colaboradores que romperam com Pierre Bourdieu, que vieram a praticar uma sociologia radicamente oposta (Luc Boltanski, Laurent Thevenot, Nathalie Heinich). Os primeiros são ortodoxos, dogmáticos, tendo bloqueado teoricamente em conceitos tal como Bourdieu os pensou, e tudo se passa como se eles tivessem parado no tempo: aplicam, repetem e imitam, por vezes até os tiques de escrita, um modelo teórico elevado ao estatuto de monumento intocável. Os segundos adotaram simplesmente as posições daqueles contra quem Bourdieu (e eles próprios numa primeira parte das suas carreiras) se tinham construído (os etnometodólogos e todas as formas de subjetivismo, a sociologia relativista das ciências inspiradas em Bruno Latour, etc.). Em França, uma posição heterodoxa como a minha era praticamente impossível (ou, em todo o caso, muito improvável). Isto supunha a proximidade e a distância no que toca ao seu trabalho: continuar na via traçada por Bourdieu fazendo o inventário crítico do que ele nos deixou, e visar o que chamo de “cumulatividade crítica”, como ele próprio soube fazer com Durkheim, Weber, Marx, o estruturalismo, etc. O que me salvou do dogmatismo, foi o facto de não ter trabalhado diretamente com Bourdieu, o facto de ter podido desenvolver o meu trabalho de modo totalmente autónomo fora de Paris (onde as pressões “pró” ou “anti” enraiveciam e onde seria muito difícil não escolher o seu campo) e o facto de ter uma fraca propensão para me identificar com um “mestre”, ou mesmo de ter disposições combativas face a qualquer figura de autoridade (tudo isto se explica, particularmente, claro está, com uma história pessoal, mas francamente objetivável em termos sociológicos). Tudo isto para dizer que existem condições sociais, institucionais e mentais para o progresso científico.

 

SA: O Homem Plural foi publicado pela primeira vez em França em 1998. Em que sentido podemos ler esta obra como a sua “obra programática”?

BL: O Homem Plural é a minha primeira obra “teórica”, em que senti a necessidade de fazer o ponto da situação sobre as problemáticas conceptuais com que me deparava havia já alguns anos. Esta obra permitiu-me condensar esses problemas, enfrentar a crítica a uma parte dos conceitos de Pierre Bourdieu (em 1998 ele ainda estava vivo e era para mim um exercício particularmente difícil e doloroso formular certas críticas pensando que ele me poderia ler) e definir claramente o “tipo de problema” que me interessava. Tinha a sensação de que o meu campo de interesse se abria onde os sociólogos paravam perante o que ele considerava relevar da psicologia. Claro que tinha aprendido, durante os meus estudos, que o pecado absoluto do sociólogo era “cair na explicação psicológica dos comportamentos sociais”, mas pensei que não haveria risco desde que partíssemos com um sentido bem definido do que era o pensamento sociológico. O Homem Plural foi programático porque foi aí que comecei a desenhar o programa de uma sociologia à escala individual: a seguir os mesmos atores nos contextos de ação ou em domínios de práticas diferentes, e a discernir as lógicas variáveis que eles podem realizar. Foi daí que resultou a obra Portraits sociologiques (2002), e mais tarde o projeto de La culture des individus (2004).

 

SA: Que tipo de sociologia caracteriza mais precisamente o seu trabalho atualmente: uma “sociologia psicológica” (1998), ou uma “sociologia à escala individual” (2003, 2005, 2010)? Este último modo de classificar o seu contributo representa uma demarcação voluntária em relação à psicologia?

BL: No Homem Plural, utilizei de forma imprudente a expressão “sociologia psicológica” para qualificar a minha abordagem. Digo “imprudentemente” porque desencadeei expectativas nos psicólogos sociais, que me perguntavam nomeadamente qual era o uso que eu fazia dos seus trabalhos. Ao falar em “sociologia psicológica”, eu não fazia senão retomar uma expressão que havia sido utilizada por Durkheim, Mauss, ou Halbwachs. Estes autores falavam por vezes em “sociopsicologia”. A minha intenção era dizer que o indivíduo (na época, excluído do campo legítimo da investigação sociológica) era integralmente um objeto sociológico e que um conceito como o de habitus nos conduzia logicamente ao seu reconhecimento: o social existe no seu estado individualizado, incorporado, “dobrado”, assim como no seu estado coletivo, objetivado, “desdobrado”. É pois preferível falar em sociologia à escala individual, de sociologia de patrimónios individuais de disposições e de competências (do social no seu estado incorporado) e de sociologia das variações inter e intra-individuais dos comportamentos. Mas no meu trabalho sobre Kafka, e numa reflexão recentemente desenvolvida (que dará lugar à publicação de uma nova obra em março de 2012), eu indiquei o modo como as abordagens sociológicas e psicanalíticas se distanciam menos do que pensamos. Uma sociologia da socialização familiar, atenta aos atores da configuração familiar, situa-se num terreno próximo da psicanálise.

 

SA: Não receia que os retratos sociológicos remetam para uma conceção demasiado individualizada dos atores?

BL: A noção de retrato reenvia-nos, no uso que faço dela, para a exploração do estudo de caso que acumula uma longa série de informações sobre a mesma “unidade”. Mas esta unidade pode ser uma “configuração familiar” (como em Tableaux de familles, 1995) ou um indivíduo (comme em Portraits sociologiques, La culture des individus, La condition littéraire (2006) ou Franz Kafka (2012). Em várias análises sociológicas, há uma tendência para estudar as práticas separadamente, enquanto eu me esforço por pensá-las umas com as outras e umas por relação às outras: um mesmo indivíduo é mãe de família, empregada num banco, desportista amadora, “consumidora” de produtos culturais, etc. Se queremos compreender o que faz a singularidade de uma família, de um microgrupo, ou de um determinado indivíduo, somos obrigados a vê-los como o produto da combinação singular de uma multitude de propriedades sociais. O retrato, para mim, dá precisamente resposta a essa necessidade. Mas mesmo quando se trata de fazer o retrato sociológico de um indivíduo, este é tudo menos “individualizado” no sentido de estar isolado de tudo o que é ­socialmente constituído. Todo o trabalho sociológico consiste em reconstituir todos os quadros (ou em todo o caso, os mais significativos, que o inquérito permite captar) nos quais o indivíduo em questão construiu o que ele é, aprendeu a agir e a reagir, a sentir e a apreciar, a pensar e a imaginar, etc. O papel do sociólogo neste caso consiste em reencontrar todos os fios que ligam ou ligaram o indivíduo singular aos quadros sociais.

 

SA: Os Retratos Sociológicos não resumem o seu programa metodológico, já que o questionário tem também um lugar importante no seu trabalho…

Agradeço-lhe ter colocado essa questão, que me permite esclarecer um mal-entendido quanto ao meu trabalho. A sociologia disposicionalista e contextualista pode-se praticar com base em escalas de observação diferentes e com a ajuda de métodos etnográficos, com base em arquivos, em entrevistas ou em questionários. É precisamente para sairmos do fechamento dos estudos de casos atípicos (certos leitores de Tableaux de familles pensavam que a minha sociologia se resumia a uma espécie de microssociologia dos casos improváveis, das singularidades estatísticas) que trabalhei, apoiando-me num grande inquérito estatístico em La culturedes individus. Fiz, no entanto, uma leitura particular de dados de inquérito consistindo em reconstruir perfis culturais individuais (o indivíduo x gosta de determinado género de música, e lê determinado tipo de livros, e gosta de determinado tipo de filmes, e faz determinadas saídas cultuais, etc.) mais do que estudar as práticas separadamente. Em matéria de abordagem metodológica, não podemos ter preferências: escolhemos em função da natureza particular do estudo que vamos desenvolver, e a escolha poderá variar em função dos objetivos de cada nova investigação.

 

SA: Em que medida os seus estudos sobre os escritores contribuem para os debates em sociologia do trabalho ou das profissões?

O sociólogo norte-americano Eliot Freidson (1994, p. 134) escreveu: “Na verdade, a arte não é nem uma profissão, nem uma atividade de lazer. É um híbrido anormal dos dois, em que um estudo detalhado deveria permitir entender e aprofundar a compreensão e a validade dos conceitos e das teorias que nós utilizamos para a análise sociológica do trabalho”. É exatamente aquilo que eu me propus fazer ao longo de uma investigação recentemente desenvolvida sobre os escritores no espírito de uma sociologia das condições práticas de exercício da criação literária.

Em particular, fui levado a distanciar-me da noção de “campo literário” e a utilizar a de “jogo literário”. As origens desta mudança conceptual estão ligadas à ausência de tomada em consideração, na teoria do campo, dos tempos vividos fora do campo e à consequente redução dos atores sociais a “membros do campo”. Se esta crítica abrange todos os atores sociais nas sociedades diferenciadas onde os indivíduos são levados muitas vezes a frequentar diferentes contextos sociais, ela é ainda mais crucial para atores como os escritores que, por razões económicas, não participam maioritariamente no universo literário senão de forma intermitente.

Apesar do facto de este ser simbolicamente muito prestigioso, e poder engendrar vocações e investimentos pessoais intensos, o universo literário é, globalmente, muito fracamente institucionalizado e codificado (não existe uma entrada formal, não existe formação específica, não existe concurso, não existe diploma, não existe um percurso obrigatório), muito pouco profissionalizado (não há um estatuto profissional, não existe um emprego, não existe um mecanismo institucional de estabilização ou de cristalização das etapas alcançadas nem uma “carreira” estabilizada) e, da mesma forma, é muito pouco remunerador (não tem um rendimento regular) para os seus atores centrais, os escritores. Paradoxalmente, a produção de escritores vem, por outro lado, fazer viver, direta ou indiretamente, o conjunto dos designados “profissionais do livro”: impressores, editores, livreiros, bibliotecários, etc. O universo literário reúne assim uma grande maioria de indivíduos que pertencem, além do mais, a diversos universos profissionais (ensino, jornalismo, profissões liberais, etc.). Forçados muitas vezes a exercer o que é costume designar-se como uma “segunda profissão” – expressão paradoxal quando sabemos que se trata, na maior parte dos casos, da única profissão remunerada – os participantes do universo literário estão deste modo mais próximos dos jogadores, que saem regularmente do jogo para irem “ganhar a vida” no exterior, do que dos “agentes permanentes” de um campo, tal como a teoria dos campos nos apresenta. É nomeadamente por esta razão que preferi falar de “jogo literário”, mais do que de “campo literário”. O conceito de “campo literário” designa na verdade um campo secundário, bastante diferente no seu funcionamento dos campos aparentados – nomeadamente dos campos académico e científico – que dispõem de meios económicos para converter os indivíduos que aí participam em agentes remunerados e estabilizados, e de os levar a colocar o essencial da sua energia ao seu serviço.

Diferentemente de Bourdieu, que utiliza a imagem do jogo como uma simples maneira pedagógica de fazer compreender o que é o campo, usei a metáfora do “jogo literário” e explorei as suas potencialidades, com o objetivo de diferenciar os tipos de universos que oferecem condições de vida muito diferentes aos seus respetivos participantes. Não se trata de reintroduzir uma qualquer teoria dos jogos no estudo dos factos sociais, mas de explorar a relação de oposição existente entre a palavra “jogo” e a palavra “trabalho”: trabalho remunerado/jogo ou lazer desinteressados, atividade principal/atividade secundária, atividade séria/atividade fútil, atividade obrigatória/atividade “livre”, etc. Quer queiramos quer não, o mundo social trata objetivamente – nos factos e por vezes também nos discursos – o exercício da literatura como uma simples distração, uma atividade fútil, secundária, marginal, à qual nos podemos abandonar nos tempos deixados livres pelas atividades “sérias”.

Tratar os artistas como seres definidos pelas suas propriedades artísticas é como cometer um erro de abstração e de intensificação das práticas, pois não se é, na maior parte das vezes, “escritor” como se é “médico” ou “advogado”, e isto tem consequências sobre a natureza das obras produzidas.

Fazendo como se o universo literário fosse um campo como os outros, os utilizadores da teoria dos campos não tomaram consciência de que a redução dos indivíduos ao seu estatuto de “agente do campo” era ainda bem mais problemática do que noutro lugar, na medida em que esses indivíduos se definem, com frequência, por razões ligadas aos proprietários do universo em questão, por uma dupla aparência. Um dos desafios científicos desta reformulação em termos de “jogo” reside no ensaio da especificação da teoria dos campos. Com efeito, é preciso designar diferentemente os universos sociais que se distinguem quer do ponto de vista das relações que mantêm face ao Estado e ao mercado, quer do ponto de vista da natureza das relações com os seus respetivos públicos, quer ainda do ponto de vista das condições de vida dos seus membros.

 

SA: Está de acordo com as classificações produzidas por outros autores sobre o seu trabalho, publicadas durantes os últimos anos, em França? Penso, em particular em autores como Jean-Claude Kaufmann (2001), Philippe Corcuff (2003), Muriel Darmon (2006), Danilo Martuccelli et François de Singly (2009), para citar apenas alguns.

Excetuando a obra que cita de Muriel Darmon, nem sempre me revejo muito bem nos comentários que fazem aos meus trabalhos. Muitas vezes, as leituras ficam a um nível muito superficial. Por exemplo, sabendo que eu falo de “pluralidade de lógicas de ação”, vão-me aproximar dos trabalhos de Jean-Claude Kaufmann ou dos de François Dubet, sabendo que eu estou muito distante desses autores. Outros fazem como se a “pluralidade disposicional” fosse um equivalente da “pluralidade identitária”, e atribuem-me uma conceção de ator que “joga” pluralidades múltiplas, o que não é de todo o caso. Situaram-me ainda ao lado daqueles que falam da “ascensão do individualismo”, só porque trabalho a uma escala individual, quando sou no fundo muito desconfiado em relação a essas teses (escrevi-o na La culture des individus) e não deixo de relembrar a existência de classes sociais e de desigualdades sociais, escolares, culturais.

Mas é necessário tomar esses textos de apresentação de sociólogos contemporâneos pelo que eles são: tal como os instrumentos que têm reais ambições pedagógicas ou vulgarizadoras, são sobretudo empresas de classificação e de desqualificação, ou seja, instrumentos de combate na luta de classificação. Alguns autores que me colocam ao lado de Bourdieu e menorizam as diferenças fazem um trabalho de classificação que consiste em dizer: há um passado (Bourdieu etLahire) e doravante as “novas sociologias” (para uns será Latour, para outros Boltanski e Thévenot, outros farão ainda da etnometodologia a “via de salvação” privilegiada, etc.). Outros autores, próximos da escola de Bourdieu, fazem, em contrapartida, como se o meu trabalho sociológico fosse uma variante das sociologias sem dominação, sem grupo nem classe. Tudo isso é absurdo, e faz-me desesperar por ser lido corretamente por colegas franceses animados por uma preocupação de verdade, mais do que pelo espírito de concorrência. A melhor coisa que me aconteceu foi ser traduzido e lido em países onde não sou um concorrente direto.

Os trabalhos sobre a internacionalização da ciência insistem muitas vezes nos mal-entendidos que acompanham as transferências internacionais das obras, mas poderíamos mostrar que certas obras podem ser mal compreendidas no interior do próprio espaço nacional onde elas são produzidas (devido à deformação sistemática, aos rumores sobre o seu autor, à filtragem por grupos ou escolas que, numa lógica de concorrência ou de luta, têm interesse em deformar, simplificar, caricaturar, etc.) e muito mais bem compreendidas nos diferentes espaços nacionais. Os mal-entendidos estão longe de ser fenómenos específicos às transferências internacionais das obras.

 

SA: A sua atividade académica surge muitas vezes ligada à sociologia, mas também à sociologia da socialização, do indivíduo. Poderia situar a sua obra face às fronteiras disciplinares e sub-disciplinares?

BL: Eu sou, oficialmente (pela minha formação, diplomas e inscrições institucionais), sociólogo e sinto-me confortável com isso. Mas à medida que o tempo passa, confesso que me sinto em desfasamento progressivo com uma grande parte dos sociólogos de profissão fechados na sua disciplina. Leio (muito) regularmente historiadores, linguistas, filósofos, politólogos, antropólogos, psicólogos, teóricos da literatura há já mais de vinte anos, e vejo, ­muitas vezes, que a melhor sociologia se pratica fora da sociologia oficial. Teria cada vez mais vontade de me definir como investigador em ciências sociais. Nós vivemos numa época em que as instituições nos forçam a definirmo-nos tematicamente: especialistas da saúde, da escola, da arte, da pobreza, etc. É uma lógica de especialização por área. Enquanto, no fundo, nós não nos deveríamos definir a não ser pela maneira como construímos cientificamente os nossos objetos. A maneira mais precisa de qualificar a minha abordagem é falar de “sociologia disposicionalista e contextualista”. De resto, as escalas de observação, os domínios de estudo, os terrenos de investigação, os métodos empregues variam em função dos objetivos de cada nova investigação.

 

SA: Recentemente, coordenou com Claude Rosental um livro coletivo intitulado La cognition au prismedessciences sociales (2008). Mesmo se a temática já havia sido abordada por si em 2005, em Esprit sociologique, o social e o biológico são agora discutidos num quadro mais vasto de autores e temáticas. Quais os debates em questão neste livro?

BL: Em França, como um pouco por todo o mundo, assistimos ao desenvolvimento, nos últimos vinte anos, daquilo que é costume designar-se por ­“ciências cognitivas” (neurociências, psicologia cognitiva, filosofia do espírito, etc.). Elas penetraram, de facto, as ciências sociais e humanas (defendendo uma sociologia cognitiva, uma antropologia cognitiva, uma neuro-economia, uma linguística cognitiva, etc.). Não haveria nada a acrescentar a estes desenvolvimentos científicos se eles não se fizessem acompanhar de uma vontade, por vezes bastante nítida, de naturalizar as diferenças sociais ou culturais e de explicar o social (ou o cultural) pelo biológico ou neurológico mais do que pelo social (segundo a célebre fórmula de Durkheim). Tentamos, assim, recordar várias coisas. Por um lado, insistimos no facto de que nem tudo é “cognitivo” na história das representações, das ideias, dos modos de pensamento, etc., e de que há dimensões práticas, institucionais ou “políticas” (no sentido de “ligadas ao poder”), que são fundamentais para compreendermos o sucesso de certas representações culturais. Por outro lado, tentamos mostrar que o “cognitivo” não nos reenvia para uma “estruturação universal do espírito humano”, mas para construções sociais que ligam os modos de perceção ou de representação a formas de vida coletivas. É certo que os indivíduos têm um cérebro. Mas o Homo sapiens possui ainda as mesmas características biológicas ou neurológicas. Um camponês da Idade Média não se distingue em nada, biologicamente, ou neuro­lo­gicamente, de um quadro comercial de uma empresa capitalista do século xxi. E, no entanto, tudo os separa: a relação com o tempo, com o espaço, com o corpo, com a natureza, etc., categorias de visão e de divisão do mundo social, esquemas de apreciação, e assim consecutivamente. Para resumir, poderíamos dizer que os saberes, as crenças e as representações variam com a história, e que as suas aprendizagens não são nunca dissociáveis dos contextos sociais nos quais eles se tecem, e enfim, que os saberes, as crenças, e as representações são sempre objeto de apropriações socialmente diferenciadas.

 

SA: Podemos considerar a educação, a cultura, e a literatura como observatórios empíricos da sua teoria da ação?

BL: Esse foi, em todo o caso, o meu percurso. Comecei por trabalhar sobre questões escolares (insucesso escolar, casos de sucessos improváveis), antes de seguir em direção às questões culturais (práticas culturais dos franceses), e depois literárias. O fio condutor de uma grande parte dos meus trabalhos é, no entanto, a escrita (produzida ou lida, comum ou literária): trabalhei sobre a cultura escrita escolar, os modos populares de apropriação dos textos, os usos domésticos e profissionais da escrita, as práticas de estudo (e nomeadamente de leitura) no ensino superior, o problema social designado “iletrismo”, o jogo literário e as condições materiais e temporais da criação literária, a obra de Franz Kafka. Mas alguns investigadores apreenderam as minhas investigações para trabalharem sobre questões tão variadas como os compromissos ­militares, as bifurcações profissionais, a formação dos desportistas, a socialização profissional dos cirurgiões ou a fabricação social das raparigas e dos rapazes. Toda a sociologia é, sobretudo, uma forma de olhar o mundo social. Penso que os meus futuros terrenos de investigação vão ainda surpreender aqueles que pensam que agora trabalho essencialmente as questões da criação literária.

 

SA: O seu último livro intitula-se Monde Pluriel (Éditions du Seuil, 2012). Após uma crítica ao conceito de habitus em L’homme pluriel, encontramos aqui a sistematização da sua crítica à teoria dos campos?

BL: Interrogo, de facto, de modo sistemático o conceito de campo, alargando a reflexão ao conjunto das teorias que pensaram a diferenciação social das funções, a divisão social do trabalho ou a crescente autonomização das esferas de atividade. É, sem dúvida, uma das grandes questões que reúne consenso entre os sociólogos, sejam quais forem as suas orientações teóricas: as nossas sociedades são diferenciadas, e toda a teoria da ação deve ter em conta este facto. Mas dedico-me também a uma discussão mais epistemológica sobre a variação das escalas de observação e de análise, dos tipos de objetos estudados e dos pontos de vista de conhecimento que permitem compreender por que é que os “contextos de ação” que os investigadores sentem necessidade de reconstruir para compreenderem os comportamentos, podem ter formas e dimensões diferentes (quadro de interação, tipo de organização ou de instituição, grupo ou classe, mundo, campo, jogo, sistema, etc.). O Homem Plural interessava-se pela pluralidade disposicional e indicava as condições sociais e históricas de produção de um ator portador de disposições heterogéneas, e mesmo contraditórias. O Monde pluriel esclarece mais diretamente a questão da pluralidade dos contextos nos quais os atores inscrevem as suas ações.

 

SA: Qual é, para si, a diferença mais significativa entre o seu contributo e o de Bourdieu?

BL: Mais uma vez, não tenho a certeza de ser a pessoa mais bem ­posicionada para o dizer. Na minha leitura, em todo o caso, considero os conceitos de Bourdieu como modos de colocar problemas. Agarro nos problemas no estádio de avanço em que ele os deixou e tento continuar a reflexão e o trabalho. Acontece-me, por vezes, prolongar e, outras, romper. Parece-me que este é o curso da vida científica normal. Paradoxalmente, enquanto Bourdieu é conhecido primeiro, e antes de mais, pela sua teoria do habitus, este será talvez o conceito que ele menos explorou empiricamente. Foi nisto que comecei a ­trabalhar desde 1995 com Tableaux de familles. Descobri na altura, que o que Bourdieu designava por habitus era um caso muito particular (e talvez mesmo excecional nas sociedades diferenciadas) de património individual de disposições.

A noção de campo, que conheceu um grande sucesso em sociologia, foi igualmente utilizada como uma palavra-passe universal. Esforço-me, também aqui (desde 1999), por afastar-me das evidências. A diferença mais significativa está talvez na atenção particular que dou à escala de observação e aos efeitos de conhecimento da sua variação, enquanto Bourdieu é classicamente realista. Pessoalmente, introduzi a ideia de que podemos fazer uma sociologia das variações inter-individuais e intra-individuais, tal como a (mais clássica, e na qual se inscrevia Bourdieu sem o dizer) sociologia das variações interindividuais ou interclasses.

Há muito mais diferenças entre a sua abordagem e a minha. Porém, talvez a mais importante resida no facto de eu ser voluntariamente menos retórico e estratega do que ele. Bourdieu aprendeu a escrever filosofia na École Normale Supérieure nos anos 1950 e nunca se desfez dos seus hábitos retóricos, que consistiam muitas vezes em diluir um problema de forma retórica ou em antecipar os resultados de longas investigações, fornecendo análises sem base empírica. Ele tinha também uma política do conceito, no sentido em que se preocupava em ajustar os seus propósitos às forças teóricas concorrentes do momento (falava muitas vezes em “tordre le bâton dansl’autre sens”, preocupando-se sempre em nunca citar explicitamente os seus adversários para não os publicitar). Eu tenho a preocupação da clareza e da confrontação explícita, direta: quando não sei, digo-o; quando não estou de acordo, escrevo-o explicitamente.

 

Bibliografia

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Notas

1Tradução de Sofia Amândio e Hugo Mendes.

2Dada a necessária seleção de obras e temas aflorados na entrevista, muitas questões ficaram por abordar. Para uma introdução à obra do autor, consulte-se Amândio (no prelo).

3Uma questão semelhante já lhe havia sido colocada numa entrevista para o jornal francês Libération, realizada por Jean-BaptisteMarongiu, e editada a 26 de fevereiro de 2004: “O que diria se aplicasse a si mesmo a sua grelha de interpretação?”.

4Nota de tradução: certificado francês de aptidão profissional.

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