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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.203 Lisboa abr. 2012

 

Fugas, quilombos e fujões nas Américas (séculos XVI-XIX)

 

Escapes, quilombos and fugitives in the Americas (sixteenth-nineteenth centuries).

 

Manolo Florentino*;Marcia Amantino**

*Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: manolo@ifcs.ufrj.br

**Universidade Salgado de Oliveira. E-mail: marciaamantino@terra.com.br

 

Resumo

O presente trabalho parte da constatação da natureza relativamente anódina dos estudos acerca dos quilombos em sociedades escravistas nas Américas, os quais não raro juntam numa única categoria (quilombos, cumbes, palenques, mainels, etc.) estruturas que podiam englobar menos de uma dezena de fugitivos e durar semanas ou meses, ou, como no caso de Palmares, congregar até 11 mil quilombolas e persistir por quase um século. Semelhante anomalia conceptual revela a falta de taxonomias que encarem os quilombos como estruturas efetivamente históricas que podiam circunscrever-se a meras hordas, ou evoluir para a condição de comunidades autossustentáveis, capazes de se autorreproduzirem económica e demograficamente por longos períodos.

Palavras-chave: quilombos; fugas; América; escravismo.

 

Abstract

This work attempts to address the lack of a systematic study of the communities of runaway slaves in the Americas. Characteristically, there is a tendency to put together under the same category settlements that accommodated fewer than ten or twelve fugitives and lasted for only a few weeks or months and others (such as was the case of Palmares) that included up to 11,000 settlers and lasted for almost a century.  This conceptual anomaly is here taken as a sign that we are in bad need of a taxonomy that allows for a study of quilombos (settlements of runaway slaves) as truly historical structures which may be no more than a small band of refugees but may also evolve to include communities that achieved a considerable measure of economic and populational self-sufficiency.

Keywords: quilombos; escape; America; slavery.

 

FUGAS

Nas Américas, como na África pré-colonial, a reprodução do escravismo esteve estruturalmente ligada à contínua reiteração do poder. Não poderia ser de outro modo, pois não sendo autorregulável, a produção escravista pressupunha a constituição de relações pretéritas e desiguais de poder – antes de ser propriedade o escravo era um cativo de outro homem. Senhores e escravos estavam unidos, antes de uma relação de produção, por uma relação de poder fundada numa ordem privada e culturalmente legitimada. Por isso, e não apenas por representarem um ataque frontal ao direito de propriedade, é que as fugas e os quilombos encarnavam a típica atitude de resistência à escravidão, um ato extremo no campo da política, cuja simples possibilidade apontava para os limites do domínio privado do senhor e garantia ao escravo algum espaço para a negociação de demandas. Mas não se deve esquecer que a escravidão vicejou nas Américas durante quase quatrocentos anos – quatro vezes mais do que a experiência do trabalho livre, portanto. Logo, por variadas formas, o passado escravista ainda é maior do que o presente livre. Eis a razão pela qual embora as fugas e as comunidades de escravos fugidos constituíssem formas clássicas de resistência à escravidão, de algum modo o seu estudo pode igualmente ensinar algo acerca de tamanha estabilidade.

Pode-se começar pela capitania do Rio de Janeiro (Brasil), uma região altamente integrada no mercado internacional de produtos tropicais. Se em 1789 o total de escravos chegava a 65 mil habitantes – 15 mil na cidade do Rio de Janeiro –, trinta anos depois rondava os 150 mil, dos quais 40 mil na urbe. O tráfico de africanos explica tamanho incremento, com médias anuais de 9 000 desembarcados na última década do século XVIII, e de 23 mil entre 1808 e 1830, a maior parte prontamente redistribuída pelo sul-sudeste brasileiro (Florentino, 2010, p. 37 e segs.). As listas de cativos constantes de inventários post-mortem indicam que com tal incremento exacerbou-se a taxa de masculinidade e diminuiu a de dependência. Movimento semelhante ocorreu na região de Taubaté, capitania de São Paulo, uma área rural voltada para o mercado interno colonial, cuja ligação ao tráfico de africanos cresceu igualmente depois de 1808 (cf. a tabela 1)

 

Tabela 1 - Perfis demográficos dos escravos de Taubaté (1730-1830) e do Rio de Janeiro (1789-1835)

 

Menos de 3,0% dos mais de 1 200 inventários post-mortem da capitania do Rio de Janeiro e de Taubaté registavam nomes de escravos fugidos, num total inferior a 1,0% dos quase 14 mil escravos arrolados pela fonte. Ao derivarem de escravos que senhores à beira da morte, ou os seus herdeiros, davam por inapelavelmente perdidos, anotados ademais no intuito de dirimir dúvidas acerca dos valores a serem partilhados, estes índices parecem bastante fiáveis. Eles sugerem terem sido menos frequentes do que se costuma supor as evasões que permitiam aos cativos organizarem-se mais ou menos rapidamente em bandos, sob a chefia de um deles, ou reunirem-se a quilombos pré-existentes. Poucas e, além disso, circunscritas a poucos grupos, a estas fugas definitivas, muitas vezes designadas grand marronages, chamaremos de agora em diante fugas-rompimento.

Fontes qualitativamente distintas dos inventários post-mortem, os avisos de fugas de escravos publicados em jornais coevos, desvelam outros aspetos desse tipo de resistência ao cativeiro. Em primeiro lugar porque, ao assumirem que o fugitivo podia ser recuperado, os seus responsáveis obrigavam-se a detalhar as circunstâncias das escapadas, as origens e os traços físicos dos fugitivos, além das expectativas de captura, aspetos que permitem ao historiador montar perfis sociodemográficos e abordar as perceções dos atores envolvidos nas ­evasões. Em segundo lugar, embora abarquem também as fugas-rompimento, os avisos permitem conhecer melhor as ausências temporárias, muito mais frequentes, resultantes do impacto do desembarque do africano nas Américas, do humor do cativo, ou da natureza do trabalho que lhe era exigido, quando não da vontade explícita de mudar de senhor.

Também chamadas petit marronages, ausências deste tipo eram efetuadas mais individualmente do que por reduzidos grupos de escravos, que se escondiam nos arredores dos locais de trabalho, nas casas de parentes ou nas senzalas vizinhas. Com alguma prudência podem ser chamadas fugas-reivindicativas ou escapadelas, pois muitas vezes o seu objetivo final era tão-somente obter pequenas conquistas tendentes a alargar a autonomia do escravo na escravidão. Sem nenhuma garantia de êxito, fugia-se para obter dos senhores melhores condições de vida, o que inseria este tipo de evasão num conjunto de atitudes de resistência quotidiana cuja sistematicidade podia reordenar alguns cânones da escravidão.

Documentos oficiais e eclesiásticos confirmam, desde o século XVI, na América espanhola e no Brasil, a existência de uma espécie de população flutuante entre os escravos, indivíduos que escapavam das plantations e das minas para se unirem aos cimarrones das montanhas próximas, mas que logo regressavam, seja para visitarem parentes ou simplesmente para pressionarem os seus senhores a autorizá-los a, por exemplo, casarem com escravas de outros proprietários.

Delicados são os procedimentos que permitem avaliar o quão generalizáveis podem ser os números encontrados para a América portuguesa. Isto porque, fascinados pelas grandes revoltas de escravos e pelas bem estruturadas comunidades de fugitivos, os investigadores geralmente relegam para um plano secundário a análise da resistência quotidiana e não necessariamente tendente à superação da escravidão, como foi o caso da maioria das fugas. Além disso, muitos aceitam sem prudência algumas estimativas produzidas por senhores e autoridades coloniais, cujo afã de controlar a escravaria às vezes as levava a sobrestimar a envergadura das fugas e dos quilombos. Não poderia ser de outro modo, aliás, pois as evasões frequentemente expunham os limites do poder senhorial. Eis a origem de uma espécie de paranoia senhorial, sempre pronta a exagerar a escala real das fugas, revoltas e quilombos nas Américas. Um dos primeiros a trilhar semelhante caminho talvez tenha sido o castelhano que em meados do século XVI calculou em 7 000 o número de cimarrones africanos a habitarem assentamentos dispersos pela ilha de La Española, número dificilmente aceitável por estudiosos do tráfico atlântico de escravos (Landers, 2001, p. 145). Acompanhou-o a Coroa portuguesa ao determinar que, no Brasil de meados do século XVIII, por quilombo devesse ser entendido todo o agrupamento superior a cinco fugitivos que habitasse uma zona despovoada, mesmo sem nenhuma evidência de que podiam sustentar-se por si próprios (Amantino, 1998, p. 109). Por essas e por outras razões, não surpreende que de 70 insurreições de escravos tidas como ocorridas no Caribe britânico entre 1649 e 1833 – incluindo aí as de larga escala e a violência de pequeno escopo –, 32 tenham resultado da paranoia senhorial ou simplesmente não se materializaram (Beckles, 1991, p. 364).

Grandes estâncias jesuíticas do vice-reino do Rio de la Plata apresentavam baixos índices de fugas – em 1768, logo após a expulsão dos religiosos, não se registavam evasões entre os escravos que viviam nas estâncias de San Miguel de Tucumán e de Santiago del Estero; na de La Rioja, apenas 1,1% dos 273 cativos estavam ausentes (Andrés-Gallego, 1996 e ainda Assunção, 2002). A institucionalização da cultura da manumissão, mais comum em regiões de colonização ibérica e católica, por certo contribuía para frequências assim baixas. Maiores, mas nem por isso extravagantes, eram os índices observados em colónias protestantes como as ilhas dinamarquesas de St. Croix, St. Thomas e St. Jan. Em 1789, o pedagogo Hans West reportou 1340 fugitivos contumazes ou definitivamente evadidos em St. Croix, i.e., 6,0% de um total de 22 448 escravos. Estimativa mais precisa foi feita em 1792 por P.L. Oxholm, engenheiro militar, que depois se tornou governador geral – 96 escravos para sempre evadidos, ou apenas 0,5% dos 18 121 escravos de St. Croix. O seu relatório revelava ainda um total de 2082 fugas reivindicativas nesse ano (11,5% da população escrava), o que torna a quantidade de fugas definitivas vinte vezes menor do que a dos fujões que regressavam a seus senhores ou eram capturados. Em 1802, os 86 cativos definitivamente fugidos representavam menos de 3,0% dos 3 150 escravos de St. Thomas (Hall, 1991, p.389).

Em contextos localizados, os índices de fugas podiam ser bem maiores do que o expresso por estes poucos casos. Tratava-se de evasões maciças, ocorridas tanto em fases de depressão quanto de expansão económica, não raro em situações de pré ou de pós-revolta de escravos, ou ainda no bojo de conflitos entre as diferentes metrópoles coloniais. Por exemplo, quando os piratas holandeses saquearam partes de La Española, em 1626, muitos escravos aproveitaram para escapar para as montanhas e outros até acompanharam os flibusteiros (Thornton, 1992, p. 278). Em 1687 Diego de Quiroga, governador da Flórida, informou Madrid que 11 escravos haviam chegado da Carolina numa canoa roubada, e logo requereram o seu batismo na “verdadeira fé” católica. As fugas incrementaram-se quando o número de negros superou o de brancos na Carolina, e especialmente depois de 1741, quando a coroa espanhola reafirmou a liberdade de “todos aqueles [escravos] que no futuro fugirem das colónias inglesas” (Landers, 1999, pp. 24-33). Em 1690, na paróquia de Clarendon, cerca de 400 escravos atearam fogo à plantation de Sutton e logo fugiram para os bosques do centro-sul da Jamaica, onde por algum tempo passaram a viver de roubos às propriedades vizinhas (Schuler, 1991, p.376).

Casos como estes desvelam o quão complexos podiam ser os processos sociais de fuga. Eles ensejam prudência na generalização das frequências detetadas para o sudeste brasileiro e ilhas do Caribe dinamarquês, as quais, para serem analiticamente úteis, devem ser tomadas sobretudo como ordens de grandeza das evasões. Nesse sentido, não é de todo implausível que, em condições normais, no máximo 10 entre cada 100 escravos se vissem envolvidos em fugas nas Américas, e que menos de um deles lograsse abandonar definitivamente o cativeiro. A baixa frequência das fugas era uma das mais contundentes expressões da multissecular estabilidade do escravismo americano, resultante tanto da força dos mecanismos de controlo social quanto, em especial, dos processos que aceleravam a aculturação e mitigavam parte da opressão. No limite, era efeito da progressiva afirmação de uma cultura escrava de feição camponesa ou proto-camponesa, expressa na busca de conquistas como o trabalho por tarefas e a obtenção de tempo livre para se dedicarem às suas próprias atividades. Tratava-se de um traço cultural presente tanto no Brasil quanto no Caribe e no sul dos Estados Unidos, cuja visibilidade se tornava maior em conjunturas de menor integração no tráfico atlântico. Dito de outro modo, as atitudes de protesto escravo tendiam a situar-se muito menos no campo político formal do que no plano de reivindicações tendentes à obtenção de uma relativa autonomia económica e social na escravidão. Aspirava-se a ser livre, por certo, mas o conteúdo dessa liberdade remetia para o ideal de reprodução de um campesinato mais ou menos independente, ou de trabalhadores que pudessem controlar parcialmente o seu tempo e as suas atividades (Beckles, 1991, p. 372). Semelhante elaboração exigia tempo, sobretudo o tempo de se aculturarem, de vivenciarem na carne e na alma a pedagogia que aos poucos transformava o cativo – i.e., o prisioneiro – em escravo.

PADRÕES

A Tabela 1 reafirma também uma antiga sugestão de clássicos da historiografia, segundo a qual haveria uma correlação positiva entre as frequências de fugas e as flutuações dos desembarques de escravos nas Américas.1 É portanto plausível que, ao concentrar 2/3 de todas as viagens negreiras, o século XVIII tenha representado a época áurea das fugas de escravos no continente. O mesmo raciocínio sugere que embora se registem fugas em todas as Américas, as evasões podem ter sido mais frequentes no Brasil e no Caribe do que na América espanhola continental e, sobretudo, do que no sul dos Estados Unidos, onde mesmo os quilombos congregavam menores contingentes e obtinham menores êxitos do que naquelas regiões – cf. tabela 2.

 

Tabela 2 - Exportações e importações de escravos africanos para as Américas, ilhas do Atlântico e Europa, de acordo com as áreas de receção dos cativos, 1501-1866

 

Já se escreveu que todo o recém-chegado da África é, de facto ou potencialmente, um cimarrón (Casimir, 1977, p. 401). Afora o romantismo que cerca asserções desse tipo, remontam aos primórdios da colonização registos de fugas de boçais ou bozales. Na Guatemala de 1640, por exemplo, entre o porto de desembarque e o interior evadiram-se 17 dos 98 escravos que vieram de Angola no Nuestra Señora de los Remedios y San Lorenzo (5 morreram). Os jornais caribenhos não raro alertavam para a presença de boçais nos arredores dos portos de desembarque tentando voltar para a África (Mullin, 1994, p. 14 e Cáceres, 2001, pp. 92-93). O desfecho podia ser trágico: em 1801, na Jamaica, quatro fantes convenceram outros africanos a acompanhá-los na fuga da plantation para a qual haviam sido vendidos; dirigiram-se ao litoral e apossaram-se da primeira canoa que encontraram para nela rumarem para a terra natal, sem a menor noção da distância que os separava da África. A forte presença de boçais entre os fugitivos anotados nos inventários post-mortem, e sobretudo nos avisos dos jornais, sugere terem sido eles os principais vetores da relação de causalidade entre as frequências de fugas e as flutuações do tráfico atlântico de escravos.

A dinâmica das alforrias também reforçava a correlação positiva entre as fugas e o grau de integração no tráfico, havendo fortes indícios de que a ­frequência de evasões era tanto maior quanto menor fosse a incidência de alforrias (Merrick e Graham, 1981, pp. 76 e segs.). Do ponto de vista senhorial, as épocas de expansão económica implicavam não apenas incorporar mais mão-de-obra, mas também limitar a sua perda mediante poucas libertações. Do mesmo modo, a maior frequência de manumissões nas fases de recessão justificar-se-ia pela tentativa de evitar custos de manutenção e/ou de reaver parte do preço pago por cativos que não eram tão necessários nesse momento. Na primeira conjuntura, de elevado preço dos escravos, tendiam a predominar as alforrias gratuitas, e o número de forros não era tão expressivo quanto na segunda, de predomínio da liberdade comprada. Sem que ainda se possa estabelecer a justa dimensão de cada uma dessas etapas, é provável que as sucessivas conjunturas de alta dos preços dos cativos tenham restringido as suas possibilidades de constituírem o pecúlio adequado à auto-aquisição, redefinindo parte das expectativas, opções e atitudes dos escravos face à liberdade. Nesses momentos fugia-se mais do que quando os seus preços eram menores e a compra da liberdade mais exequível.

Como é óbvio, semelhante modelo aplica-se basicamente a regiões onde as libertações eram elementos culturalmente incorporados nas relações entre senhores e escravos, o que, por exemplo, exclui a Virgínia de fins do século XVII. Ali, em 1691 chegou a proibir-se toda a manumissão privada, a menos que o senhor deportasse o forro para fora da colónia; mulher branca que parisse filho mulato era pesadamente multada, ou tornava-se serva por cinco anos e os seus filhos por 30 (Davis, 1997, pp. 21-22). Nas colónias católicas ibéricas, ao contrário, as épocas de pouca integração no tráfico atlântico resultavam em preços relativamente baixos das alforrias, e os escravos obtinham-nas maioritariamente mediante compras. Na Guatemala do século XVIII, por exemplo, 70% dos escravos manumissos – quase sempre mulheres – haviam comprado a sua liberdade, gerando uma expressiva população livre de cor. Poucos fugiam, não raro para se organizarem em palenques como os existentes nas imediações da montanha do Mico, de onde se dedicavam a pilhagens de caravanas, além de arregimentarem novas fugas nas plantations vizinhas (Palomo-Lewin, 2001, p. 203). Do mesmo modo, a península de Yucatán (Nueva España) apresentou parca integração no tráfico, pois o grosso da sua procura de mão-de-obra era plenamente atendida pelos indígenas. Os poucos escravos ali existentes ou eram gratuitamente alforriados ou, caso mais comum, compravam a sua liberdade com o apoio de algum parente ou através de fundos comunitários de liberdade reconhecidos pela legislação castelhana. Os escassos casos de fuga ocorriam tanto dentro quanto para Yucatán, e a maioria dos escravos era devolvida a seus donos em duas ou oito semanas. Não há evidências fiáveis de que em Yucatán houvesse palenques, embora seja possível que San Fernando de los Negros, em Ake, tenha servido de refúgio aos fugitivos (Restall, 2001, p. 298).

Para além do perfil sexual e etário demograficamente desequilibrado da população escrava, outros fatores deviam colaborar para o predomínio de adultos masculinos entre os que fugiam. Sintomaticamente, entre os fugitivos da Carolina que fundaram o santuário de Gracia Real de Santa Teresa de Mose, em 1738, são pouquíssimas as mulheres registadas. Isto devia-se, em grande medida, ao facto de que os filhos dificultavam a participação das mães nas perigosas jornadas através dos pântanos da Flórida, onde somente os mais fortes e velozes escapavam aos caçadores de escravos e aos predadores naturais (Landers, 1999, p. 31). Do mesmo modo, os inventários post-mortem de senhores da América portuguesa mostram que no fim do século XVIII poucos escravos aparentados deixavam o cativeiro definitivamente para trás. Mesmo os jornais poucas vezes anunciavam fugas conjuntas de parentes. Tudo isso sugere que, até certo ponto, a família escrava operava como um forte mecanismo de estabilização social, criando vínculos de adesão dos seus principais componentes – mães e filhos – ao status quo escravista.

 

A HORDA2QUILOMBOLA

 

Embora alguns fugitivos lograssem reinventar-se forros, mudando de nome e passando a viver de ganhos eventuais no campo e nas cidades, e outros, raros, embarcassem em navios mercantes e regressassem a África, a maior parte dos que jamais foram recapturados encontrava alternativa distinta. Do Rio de la Plata ao sul dos Estados Unidos, os palenques, quilombos, cumbes, marrons e mainels constituíam-se e reconstituíam-se nas franjas das plantations, minas e cidades. Só na Nueva Granada, entre os rios Cauca e Magdalena e ao redor de Cartagena, foi identificada mais de meia centena de palenques entre os séculos XVI e XVIII, dos quais os de San Basílio, La Ramada, Santa Cruz de Mazinga, Betancur, Uré, Matuderé e San Jacinto são os mais famosos (­Friedemann, 1998, pp. 87-89). Em Minas Gerais (Brasil) havia pelo menos 166 quilombos entre 1711 e 1795 (Amantino, 2008, p. 122). Ainda hoje há descendentes de cimarrones que vivem em enclaves no Caribe, América ­Central e América do Sul.

Costumavam refugiar-se em bosques e regiões pantanosas, então abundantes nas Américas. E faziam-no não apenas em busca da necessária proteção contra os caçadores de escravos e milícias coloniais, mas também por causa da infinidade de recursos que semelhantes meios ofereciam, representados pela possibilidade de caçar e pescar e de obter lenha e cipós, por exemplo – assim atuando alguns poucos fugitivos até conseguiam prescindir por anos a fio de todo e qualquer contacto social (Barnet, 1986, pp. 43-53). De facto, segurança e abastecimento eram requisitos iniciais imprescindíveis para a sobrevivência de pequenos assentamentos que com alguma sorte podiam transformar-se em núcleos estáveis de camponeses autónomos. Devido à remoção pelas ­plantations açucareiras das florestas e pântanos que até à primeira metade do século XVIII lhes garantiam proteção e alimentos, muitos fugitivos das ilhas de St. Croix, St. Thomas e St. Jan navegaram para Porto Rico ou misturaram-se com as populações negras das cidades das ilhas dinamarquesas (Hall, 1991, p. 389). Movimentos semelhantes ocorreram nos Barbados e em Antigua (Thornton, 1992, p. 285).

Tão frequentes quanto os palenques era a repressão que sobre eles se abatia, com os recapturados punidos com centenas de chicotadas, postos a ferros e mesmo mutilados. O Código Negro de Santo Domingo (1768) previa que os ausentes até quatro dias deveriam ser punidos com 50 chibatadas e atados ao tronco até ao pôr do sol. O número de chibatadas subiria para 100 se a fuga se estendesse por mais de oito dias, caso em que ao pé do escravo seria preso um ferro de 12 libras por dois meses. Evasões por intervalos maiores, porém ­inferiores a quatro meses, e sem contacto entre o fugitivo e os quilombolas, eram castigadas com 200 chicotadas, acrescentando-se outras 200 suplementares no caso de associação com cimarrones. O desterro para a ilha de Santo Domingo era o destino em caso de reincidência. O Code Noir para a Louisiana (1724) era de certo modo mais sintético e brutal: ausências de mais de um mês implicariam o corte das orelhas do fugitivo, que além disso ficaria com as costas marcadas com uma fleur-de-lys, o símbolo da realeza francesa. Se reincidisse, ser-lhe-ia amputado um braço e no corpo ficaria com mais uma fleur-de-lys. A terceira fuga redundaria em execução (Salamoral, 1996, pp. 172-193).

Circunstâncias houve em que violência e persuasão se alternaram, sobretudo ao longo dos dois primeiros séculos da colonização. Em La Española de meados do século XVI, por exemplo, em resposta aos ataques de cimarrones contra os mineradores e haciendas do vale central de La Veja, as autoridades locais mesclaram intentos de “pacificação”, mediante o envio de religiosos aos palenques, com a mais pura repressão militar (Landers, 2001, pp. 145-150). Em 1577, no que hoje é o Equador, os sacerdotes estiveram igualmente incumbidos de contactos com os fugitivos que há duas gerações haviam ­fundado o palenque de Esmeraldas. Os líderes cimarrones aceitaram os primeiros ­contactos, participaram de ofícios sagrados, fingiram aceitar a fé católica e logo escaparam dos religiosos. Do mesmo modo, em meados do século XVII o arcebispo de La Española, Francisco de la Cueva Maldonado, tentou por meios pacíficos atrair os cimarrones reunidos em quatro palenques nas fraldas das montanhas da costa meridional da ilha. Conhecidos como Bahoruco, eles já haviam rejeitado outras ofertas de paz e rechaçaram mais essa, argumentando não acreditarem na palavra de branco. Pouco tempo depois os espanhóis lançaram uma série de ataques quase fatais contra eles, mas as comunidades de cimarrones Bahoruco persistiram até bem adiantado o século XVIII (Landers, 2001, pp. 145-150).

Por resultarem basicamente da ação de forças repressivas, as fontes para a reconstituição da história dos palenques são em geral fragmentárias e repletas de etnocentrismo, sobretudo quando descrevem a dinâmica interna dos assentamentos. Em pouquíssimos casos – particularmente no Suriname e na Jamaica, onde os quilombolas conseguiram estabelecer tratados com as autoridades coloniais, ganharam grande autonomia política e os seus descendentes sobrevivem até aos dias de hoje – dispõe-se de fontes tão ricas como a tradição oral. Ainda assim, os interrogatórios de quilombolas da Baixa Louisiana oferecem um vivo panorama das situações experimentadas pelos recém-fugidos e pelos assentamentos recém formados. Na década de 1760, após se evadirem por causa de castigos injustificados e de alimentação inadequada, os escravos vagueavam desarmados pelos pântanos, alimentando-se do milho e das batatas que conseguiam levar das plantations e daquilo que coletavam e caçavam. Amiúde regressavam em menos de um mês. Os que não voltavam construíam cabanas ou, mais frequentemente, buscavam integrar-se nos frágeis assentamentos existentes em zonas de ciprestes não muito longe das plantations, ao longo dos rios e das baías pantanosas, de onde continuavam a roubar sobretudo alimentos das propriedades escravistas. Outros abraçavam atividades alternativas com que proviam a subsistência, cultivando ralos campos de milho e de arroz, a maior parte vivendo da caça a jacarés e a pequenos animais, pescando e coletando palmito. Uns poucos produziam excedentes suficientes e vendiam-nos nos mercados de New Orleans. As listas de recapturados revelam um perfil demográfico extremamente desequilibrado, com mais de três homens para cada mulher. Devido à fraca inserção dos Estados Unidos no tráfico atlântico, os fugitivos da Baixa Louisiana eram quase todos crioulos, cujos renitentes contactos com os escravos das plantations contribuíam para que o espírito de insubordinação não se extinguisse na região. Na época da Revolução Americana surgiu entre os maroons da região entre a boca do rio Mississipi e New Orleans (Bas du Fleuve) a carismática liderança de St. Maló, fundador de assentamentos como Ville Gaillarde e Chef Menteur. Os interrogatórios revelam que a esses locais continuavam a chegar novos evadidos, não raro trazendo consigo barris de arroz, varas de pescar, mosquetes e pólvora, além de facas para a caça, o que fazia com que a comunicação entre os ­quilombolas e os escravos das plantations assumisse feições de suporte para o abastecimento e de mútua inteligência. Havia inclusive quilombolas associados aos donos de serrarias, para quem cortavam pinheiros e vendiam os toros (Hall, 1992, pp. 201-236).

As normalmente baixas frequências de evasões definitivas e os fortes desequilíbrios sexuais e etários tendiam a reduzir os quilombolas, como os do Bas du Fleuve, à condição de meras hordas – i.e., ajuntamentos fundados mais no princípio da adesão do que em saldos entre natalidade e mortalidade, mais na coleta, caça e roubos do que na agricultura como estratégia de reprodução económica, ausentes de um poder civil ou militar estável e claramente legitimado. Dos roubos e do mero aproveitamento dos recursos naturais pré-existentes derivava o seu nomadismo; da adesão como estratégia de reprodução demográfica resultava a exiguidade dos grupos – geralmente inferiores a dez pessoas – e a falta de coesão adequada, posto que a união tendia a exercer-se tão somente em torno de objetivos imediatos como a procura de alimentos e a proteção. Tal era a configuração da infinita maioria dos palenques, cumbes, quilombos, marrons e mainels americanos, o que em determinados aspetos podia favorece-los. Afinal, reduzidos e socialmente porosos, dispersavam-se facilmente quando atacados e tinham grande facilidade de se abrigarem em locais de difícil acesso – quilombolas havia a viverem em lapas e cavernas. Mas o risco de desaparição era igualmente constante, e depois de algum tempo as dificuldades tornavam-nos presas de recaptura, não sem antes ceifarem boa parte dos quilombolas devido à inanição, sarampo, malária, disenteria e sobretudo varíola. Eis a razão pela qual as hordas de fugitivos se encontravam numa posição em princípio defensiva, incessantemente buscando refúgio em zonas cuja geografia dificultasse a sua localização e destruição. Eis também o motivo pelo qual, ao invés de fundarem os seus próprios agrupamentos, boa parte dos recém evadidos optava por integrar-se em assentamentos pré-existentes (Thornton, 1992, p. 282).

O esconderijo em matas e pântanos podia garantir, por algum tempo, a sobrevivência das hordas, mas não afiançava a sua reprodução demográfica simples (1 por 1), e menos ainda o seu crescimento. No caso dos fugitivos da Baixa Louisiana, por exemplo, St. Maló acabou traído e morto. Sintomaticamente, a decadência dos assentamentos do Bas du Fleuve parece ter-se acentuado quando, sob ataque das forças espanholas, auxiliadas por milícias de homens livres de cor e por alguns escravos, as comunicações com as plantations foram cortadas, e com elas o acesso a fontes vitais de informação e suprimentos. A lista dos escravos recapturados mostra que eles pertenciam a senhores facilmente identificáveis, em clara alusão a um alto grau de fluidez social. Os quilombolas estavam longe de fincarem raízes através de crescimento endógeno positivo, não obstante a agregação de algumas famílias escravas formadas ainda no cativeiro. Em meados de 1784 contavam-se 103 capturados, mas talvez houvesse mais. No total, os quilombolas equivaliam a uma parcela pouco expressiva da população escrava da Baixa Louisiana (Hall, 1992, pp. 201-236). Tão-pouco lograram ultrapassar a condição de horda quilombola os 50 ou mais escravos do engenho Santana (Bahia) que, em 1789, liderados por um crioulo de nome Gregório Luiz, assassinaram o feitor e fugiram para as matas próximas. Durante dois anos infernizaram a vida do seu senhor, Manuel da Silva Ferreira. Acossados por expedições militares, acabaram por lhe enviar, por escrito, uma notável proposta de paz por eles elaborada, na qual estabeleciam os termos pelos quais retornariam voluntariamente ao cativeiro. Pediam melhores condições de trabalho, a oportunidade de cultivar géneros alimentícios e de comercializá-los, mais conforto material e o direito de “brincar, folgar e cantar” quando lhes conviesse (Reis e Silva, 1989, pp. 123-124). Ferreira fingiu aceitar os termos da proposta, viu-os retornar ao Santana, vendeu os líderes da revolta para o Maranhão, mandou prender Gregório e a vida retornou ao normal no engenho.

Portadoras de menor complexidade demográfica e social e, por isso mesmo, capazes de se disseminar pelas Américas, as hordas quilombolas encarnavam o principal vetor de intranquilidade da população livre, especialmente quando se associavam a grupos socialmente desviantes, como os garimpeiros clandestinos e os bandidos que povoavam as estradas. “Amiúde [torna-se] difícil distinguir os homens livres pobres dos escravos e dos quilombolas, sobretudo se os primeiros são forros” (Souza, 1999, p. 23), apontava uma devassa ­eclesiástica realizada na América portuguesa no século XVIII, em explícita referência à fluidez dos limites entre as camadas sociais mais pobres e os grupos de fugitivos. De facto, muitas vezes os próprios documentos não deixam claro se se trata de quilombolas ou de homens livres pobres que viviam à margem da sociedade formal, já que, ao abraçarem formas alternativas de vida e ao não se submeterem facilmente ao controlo das autoridades, ambos eram tomados como agentes sociais perniciosos (Amantino, 2008, p. 143). Resultava que quase todo escravo capturado era imediatamente classificado como quilombola, o que naturalmente ajudava a sobrestimar a quantidade de cimarrones.

 

COMUNIDADE QUILOMBOLA E REDES DE SOCIABILIDADE

Alguns raros palenques, de cuja existência apenas hoje podem ser encontrados indícios, conseguiram permanecer radicalmente isolados, sobretudo no interior da América do Sul. Não gratuitamente, porém, o Código Negro de Santo Domingo prescrevia a forca para o fugitivo que, ausente por um período superior a seis meses, houvesse mantido contacto com quilombolas. Outros códigos espanhóis, e o Code Noir, proibiam que se desse emprego a fugitivos, impediam os escravos de comercializar qualquer bem sem comprovada ­autorização senhorial, e que se auxiliassem os quilombolas (Salamoral, 1996, pp. 168-194). O motivo era simples: os palenques mantinham graus razoáveis de interação com escravos, indígenas, forros e homens livres que viviam no seu entorno, e os senhores e as autoridades coloniais sabiam que as redes que os uniam eram fundamentais para a reprodução e crescimento dos grupos de fugitivos. Por isso é que, em 1795, uma carta ao governador denunciava que os escravos das fazendas de Minas Gerais se aliavam “com os do mato [e com eles] repartem os mantimentos dos paióis de seus senhores” (Amantino, 2008, p. 149). Outro documento reiterava que os pequenos armazéns eram estratégicos para a reprodução dos quilombos, sobretudo porque neles se comercializava o resultado dos assaltos e o excedente agrícola e pecuário. As lojas de secos e molhados tornaram-se tão importantes para a reprodução quilombola que, em 1754, a Câmara da cidade de Vila Rica denunciou que “cada venda é um quilombo” (Amantino, 2008, p. 147).

De facto, redes estáveis de sociabilidade e auxílio permitiam a obtenção de alimentos, armas, munições, dinheiro e informações que garantiam a sobrevivência presente e futura. Através delas os cativos eram conduzidos aos quilombos, parentes fugidos e escravizados encontravam-se, e alguns quilombolas vendiam autonomamente a sua força de trabalho para as plantations. Por ensejarem o escoamento de parte do que se coletava e produzia, tais redes modulavam a inserção quilombola no mercado. Em suma, aliadas à proteção representada pelos locais de difícil acesso, as informações e os bens obtidos por meio da interação com o meio envolvente funcionavam como uma espécie de “acumulação primitiva” que sedimentava a eventual transição da horda ­instável e constantemente à beira da extinção, para a comunidade rural quilombola plena de sentido histórico – i.e., para o estágio de grupo funcionalmente agregado, que ocupava um determinado espaço e época, portador de estrutura social e política razoavelmente complexa, cujos membros eram conscientes da sua singularidade e identidade. Efetuada a transição, a combinação entre essas redes, a segurança derivada de refúgios estrategicamente localizados, e a maior capacidade de reprodução económica e demográfica podiam transformar algumas comunidades numa espécie de extensão da escravaria submetida ao cativeiro e vice-versa, permitindo-lhes desfrutar de razoável controlo sobre as suas vidas, os seus bens e o seu território (Hall, 1992, pp. 201-236). Dialeticamente, isso aumentava as hipóteses de agregar novos fugitivos, processo cuja continuidade reiterava o crescimento económico e demográfico autossustentável.

É possível que em transição para o estágio de comunidade camponesa estável estivessem os palenques do Valle de Carabayllo, no Peru, no século XVIII. Eram assentamentos não fortificados, cuja defesa parece ter-se apoiado sobretudo na sua capacidade de proliferar de modo disperso em refúgios naturais. A existência de inúmeras fontes de água potável favorecia a sua disseminação, havendo indícios de que cada assentamento controlava um determinado território ao redor de um manancial. Contribuía para a sedimentação o facto de a relativa escassez de mão-de-obra para o corte de madeira levar a que muitos fugitivos de Carabayllo fossem contratados pelos administradores das propriedades vizinhas. Em troca, eles eram autorizados a vender parte da lenha para seu próprio benefício, o que por certo ajudava a incrementar as redes de sociabilidade com estratos da sociedade colonial peruana. De qualquer modo, em todas as Américas a transição para a comunidade nutria-se especialmente das dificuldades de sobrevivência dos recém-fugidos, que por isso geralmente procuravam integrar-se em comunidades quilombolas pré-existentes. Sabe-se que na Jamaica, onde os indígenas desapareceram como comunidade distinta logo após a conquista espanhola, tanto por ocasião da invasão inglesa de 1655 quanto das violentas revoltas escravas do final do século, muitos cativos aproveitaram para fundar novos palenques, enquanto outros, muito mais numerosos, simplesmente se agregaram aos assentamentos de marrons das montanhas (Thornton, 1992, pp. 282-285).

Nas regiões de fronteira aberta era frequente a criação de redes de interação com as comunidades indígenas, com as quais os fugitivos se mesclavam e até se diluíam, seja porque o poder militar dos nativos inibia as forças coloniais, seja pelo facto de a sua existência minorar as dificuldades dos recém-escapados. Trata-se de um movimento tão antigo na história colonial que já em 1503 Nicolás de Ovando, governador de La Española, denunciava que os africanos encontravam refúgio entre os índios taínos das montanhas da ilha – os cimarrones africanos auxiliariam o taíno Enrique na sua derrotada sublevação contra os espanhóis em 1519-1532 (Landers, 2001, p. 145 e Thornton, 1992, p. 285). Em Porto Rico, aborígenes e negros conviviam nas matas, de onde levavam tanto pânico aos colonos espanhóis que, em 1526, Francisco de Ortega denunciava estar a ilha a despovoar-se de metropolitanos (em dezembro de 1550 o governador enviava uma carta ao rei afirmando que a situação ainda não se resolvera) (Moscoso, 1995). Durante o século XVI, a cooperação entre fugitivos e aborígenes foi igualmente detectada na região Zapoteca da Nueva España (1523), em Cuba (1529), na Nicarágua (1540), na zona ­venezuelana de Santa Marta (1550) e no Panamá (1546-1550) (Thornton, 1992, p. 286).

Mais no Brasil do que em qualquer outra parte, em muitas ocasiões os ­indígenas serviam às autoridades como forças repressoras de quilombolas, como no caso dos Tapuias que ajudaram os portugueses a destruir o ­quilombo de Palmares em fins do século XVII. Por sua vez, uma carta de Sancho de Alquiza ao rei, de fevereiro de 1612, afirmava que os Caribs possuíam 2000 escravos africanos nas ilhas que habitavam nas Antilhas (Thornton, 1992, p. 290). Há evidências de que também no sul dos Estados Unidos os aborígenes mantinham negros fugidos como escravos, ou com eles estabeleciam uma espécie de arranjo feudal no qual os negros residiam nos seus próprios assentamentos (as “aldeias negras” de que falam as fontes inglesas) e davam aos seus “senhores” nativos tributos anuais e serviços (Landers, 1999, p. 68). Em contrapartida, há inúmeros episódios de negros escravizados e livres que contribuíam para sufocar indígenas inassimiláveis, para não falar nos casos em que autoridades metropolitanas utilizavam abertamente os quilombos para os seus próprios objetivos, como no Panamá de 1570, onde os ingleses conseguiram a aliança dos cimarrones contra os espanhóis. Como padrão geral, quando os indígenas eram finalmente conquistados ou mantinham alianças estáveis com as autoridades coloniais, tendiam a rejeitar os contactos com os quilombolas, chegando mesmo a devolver muitos deles aos europeus, como fizeram os Carib na Martinica e em San Vicente após 1660-1680 (Thornton, 1992, pp. 286-288). Mas mesmo no sul dos Estados Unidos, alguns fugitivos que alcançavam a Flórida durante o século XVIII haviam antes lutado ao lado dos índios Yamasee contra os ingleses (Landers, 1999, pp. 26-27). Na mesma época, detetou-se na Louisiana francesa a existência de assentamento de africanos e aborígenes que, juntos, se dedicavam a roubar suprimentos, armas e munições dos seus senhores. Em interrogatório a que foi submetido em 1727, um escravo indígena recapturado revelou a existência do assentamento de Natanapallé, habitado por 15 outros fugitivos indígenas e africanos fortemente armados. Ainda na Louisiana, em 1748, os Choctaw ocidentais que haviam atacado colonos alemães da Côte d’Allemagne, igualmente derrotaram uma guarnição militar mandada para capturá-los, para o que contaram com o auxílio de fugitivos negros e de escravos indígenas que antes haviam acolhido (Hall, 1992, pp. 40 e segs.).

Interação ainda mais forte é sugerida pela análise da cerâmica encontrada em sítios arqueológicos dos arredores da cidade de Santo Domingo. Embora produzida por cimarrones africanos, ela incorpora elementos de ­tradição indígena, numa configuração que denota intensas trocas culturais entre ambos, o que inclusive tem levado à reavaliação de estilos antes tidos como ­exclusivamente aborígenes (Landers, 2001, pp. 150-151). Cerâmica indígena tem sido encontrada também no coração de Palmares, a Serra da Barriga, sugerindo que ali a mescla cultural devia ser igualmente intensa – a partir do perfil dos prisioneiros capturados pelos holandeses afirma-se ser de 20% a população ameríndia no assentamento central do quilombo em 1644 (Funari, 1996, pp. 31-46). Tais exemplos apontam para a possibilidade de que os cimarrones e os indígenas pudessem unir-se a ponto de criarem comunidades mestiças, ­perfil efetivamente detetado noutras regiões antilhanas, na Amazónia, na Bahia, no Equador e em algumas áreas da Flórida colonial (Gomes, 2002, p. 43). ­Quilombos mestiços uniam indígenas e cimarrones africanos nas montanhas ao redor das minas de cobre da região de Buria, Venezuela, em 1552. Comunidades mestiças caribenhas parecem ter tido origem em naufrágios de naus com escravos, como os Zambos Mosquitos da Nicarágua (1641) e os Black Caribs de San Vicente (1675) (Thornton, 1992, pp. 284-286).

A mestiçagem era igualmente comum na capitania do Mato Grosso (­Brasil), onde em 1770 o quilombo do Piolho fora destruído pela primeira vez. Embora nessa ocasião tenham sido capturados 79 negros e 30 aborígines, os negros que escaparam logo voltaram ao assentamento original e constituíram famílias com mulheres indígenas. Vinte e cinco anos depois, durante uma nova batida das autoridades foram capturados seis negros idosos, os patriarcas da comunidade, oito índios, 19 índias e 21 caburés (filhos de índios com negros) com idades de dois a 16 anos (Volpato, 1993, p. 188). O elevado número de ­mulheres, quando comparado aos oito índios, sugere a preferência pela permanência de mulheres indígenas no quilombo, prática que remetia para um crónico défice de mulheres negras e para a incorporação das índias como recurso demográfico para a constituição de famílias. A este respeito, quando Diego de Frías ocupou o assentamento de Rio Piñas (Panamá) em 1580, observou que a comunidade possuía algumas mulheres indígenas, capturadas em guerras contra nativos das proximidades (Thornton, 1992, p. 297). Podiam ter de suprir um défice semelhante ao detetado para o Mato Grosso. Em outros casos, a natureza camponesa das comunidades mestiças adquiria tons ainda mais destacados, como no caso do palenque de Esmeraldas, cujas origens remontam ao encalhe na costa do Equador, em 1533, de uma embarcação proveniente do Panamá com escravos originários da Guiné. O negro Antón liderou a fuga de 16 homens e seis mulheres em direção à mata densa, onde se uniram aos índios Pidi. De acordo com o relato do sacerdote Miguel de Cabello Balboa, embora inicialmente os africanos tenham servido aos Pidi como guerreiros, logo as suas reivindicações de recursos e mulheres provocaram conflitos, resultando em enfrentamentos. Os africanos remanescentes mesclaram-se aos nativos da costa, formando o primeiro assentamento camponês mestiço de Esmeraldas (Landers, 2001, pp. 146-147).

Dentre os quilombos que certamente atingiram o estágio de comunidades camponesas estiveram aqueles poucos que conseguiram estabelecer tratados formais de paz com as autoridades de algumas colónias americanas. Na sua forma típica – conforme se registou na Colômbia, México, Brasil, Cuba, Equador, Jamaica, La Española e Suriname –, os tratados de paz incluíam a aceitação da liberdade dos cimarrones, o reconhecimento da integridade territorial do grupo, e até mesmo o envio de provisões para atender às suas necessidades imediatas. Em troca, os cimarrones deveriam pôr fim a toda hostilidade contra o poder colonial e as plantations, devolver os escravos que dali por diante procurassem refúgio entre eles, além de ajudar a capturar novos fugitivos. Não há certeza absoluta de que os tratados tenham sido integralmente cumpridos. Os Saramakas do Suriname, por exemplo, embora se tivessem comprometido a devolver aos senhores todos os companheiros que não fossem membros das suas comunidades antes do tratado, escondiam dos brancos parcelas da sua população, tida desde então como ilegal (Price, 1996, p. 55).

Um dos primeiros a assinar o tratado de paz com o poder colonial foi Yanga (ou Ñanga), um africano possivelmente de linhagem real em África que, em 1570, se fixou com outros fugitivos na Serra de Zongolica, região açucareira de Orizaba (Nueva España). Em 1609 o palenque sofreu um forte ataque por parte das forças coloniais, e Yanga liderou a retirada para a segurança de outro forte próximo e logo estabeleceu um tratado com as autoridades mediante o qual obteve liberdade para todos os que com ele viviam antes de 1608, assim como a incorporação de um povoado (San Lorenzo de los Negros) e de uma igreja consagrada – um forte indício de aculturação. Ele e os seus herdeiros governariam o lugar, do qual estariam excluídos os espanhóis, exceto em dias de mercado. Em troca, os cimarrones juraram viver pacificamente, devolver a seus donos os fugitivos que no futuro ali buscassem abrigo, e servir o rei com armas quando fossem requisitados (Landers, 2001, pp. 147-149).

Após viverem algum tempo de roubos, as centenas de fugitivos da plantation de Sutton, na Jamaica, responderam à repressão colonial unindo-se sob o comando de um Akan de nome Kwadwo. Durante anos a fio, os seus ataques dificultaram o estabelecimento de novos assentamentos ingleses. Impossibilitados de derrotar os maroons no campo militar, após inúmeros enfrentamentos as autoridades inglesas decidiram que a paz deveria ser alcançada. Para tanto firmaram em 1739 um tratado com Kwadwo, que garantia 1 500 acres de terra aos quilombolas. Tratado similar foi assinado no ano seguinte com os maroons da paróquia de St. George. Reconhecia-se assim a liberdade dos cimarrones, os quais, entretanto, não poderiam admitir novos fugitivos nas suas comunidades. Comprometiam-se, ademais, a “take, kill, supress or destroy” qualquer rebelião escrava na ilha, por sua iniciativa ou sob o comando do governador da Jamaica. A linhagem dos chefes quilombolas foi igualmente reconhecida, e dois europeus escolhidos pelo governador deveriam residir nas suas comunidades, servindo de intermediários entre estes e os colonos ingleses (Shuler, 1991, p. 376).

Há exemplos de tratados que na verdade faziam parte de uma estratégia de extermínio dos cimarrones, como no caso do mais famoso palenque da Nueva Granada, San Basílio. Localizado próximo da região de Cartagena, San ­Basílio foi organizado no início do século XVII por Domingo Bioho, de alegada origem governante na África, que ali recriou uma dinastia com o nome de rei Benkos. Depois de haver chegado a um acordo com Benkos, o governador de Cartagena traiu-o, enforcando-o em 1619. Não obstante a perda do seu líder, o assentamento de San Basílio não foi destruído senão em 1686, depois de sobreviver por mais de 60 anos, período em que chegou a contar com 3 000 habitantes, dos quais 600 guerreiros (Landers, 2001, pp. 150-151).

Por vezes as relações das comunidades com o entorno prescindiam por completo de tratados formais para se assemelharem a tratos relativamente harmoniosos entre camponeses. A este respeito, de modo bastante sugestivo, uma carta de janeiro de 1770 relatava às autoridades judiciárias da América portuguesa a prisão de alguns negros que viviam num quilombo: “a informação que passo dos negros apreendidos no quilombo é a que me dão alguns moradores da Estrada, que me dizem que não consta que estes negros tenham feito mortes, nem roubo, porque meteram-se para aquelas gerais, aonde plantavam para comer e algodão para se vestir, o que eles assim mesmo indiciavam porque não tinham armas e menos vestuário, que só constava de couros e algodão, e por armas flechas” (Amantino, 2003, p. 237). Embora não se possa saber a exata localização do quilombo nem o seu nome, apenas que se localizava em Minas Gerais, observe-se que o documento sugere um cenário de plácida convivência, sedimentada certamente por décadas de interação entre camponeses livres e camponeses quilombolas.

O quilombo de Bacaxá, na capitania do Rio de Janeiro, também exemplifica uma interação razoavelmente pacífica (Amantino, 2003, p. 238). Surgido talvez no século XVII, foi localizado pelas autoridades em agosto de 1730 numa região pouco povoada, embora possuidora de alguns engenhos de cana-de-açúcar. Habitavam-no mais de 60 pessoas, entre homens, mulheres e crianças, número que, embora restrito, sugere grande estabilidade temporal, já que todos haviam nascido no quilombo. Sustentavam-se “em parte de suas roças e, em parte, de furtos nas fazendas vizinhas”, e ainda assim viviam em relativa harmonia com a população local (Souza, 1961, p. 5). Incomodavam principalmente as autoridades que, reconhecendo-se impotentes para o destruir, acabaram por aceitá-lo de facto. A situação mudou quando dois homens livres foram barbaramente assassinados por um grupo de indivíduos: “os negros são muitos e estão situados com casas e roças há muitos anos, o que naturalmente pode ser enquanto não faziam insultos, mas, depois destes, é impraticável dissimular semelhantes atrevimentos; à vista do que é necessário não só extinguir o dito quilombo, mas prender todos os negros e negras e filhos que tiverem no mato”, afirmava logo depois uma carta enviada ao governador do Rio de Janeiro. Vinte e três quilombolas foram presos, mas o restante conseguiu fugir para o mato e para povoados vizinhos, misturando-se com a população local (Amantino, 2003, p. 239).

Em conclusão, embora os quilombos em princípio representassem uma ameaça real ou potencial à segurança e à propriedade de muitos, as comunidades locais de livres relacionavam-se com eles de modo desigual, em claro questionamento da ideia de que todo o quilombo necessariamente constituía uma espécie de “contra-sociedade” ou foco de inassimilável resistência ao sistema escravista. Do ponto de vista dos responsáveis pela manutenção do status quo, ao apontarem para alternativas de vida possíveis, os quilombos eventualmente expunham as fragilidades da própria sociedade colonial. Eis porque embora a maioria dos quilombos americanos fosse formada tão-somente por negros, em geral com predomínio dos nascidos em África até que o tráfico atlântico fosse abolido, existiam algumas comunidades plenamente constituídas que acolhiam índios brancos e ainda mulatos livres pobres. Para não falar nos casos em que os colonos e as autoridades metropolitanas utilizavam abertamente os quilombos em função dos seus próprios objetivos. Assim, se no Panamá de 1570 os ingleses conseguiram a aliança com os cimarrones contra os espanhóis, em Saint Domingue e nas regiões de Chesapeak Bay e da Carolina Lowcountry a fuga associada de escravos negros e servos brancos ingleses e irlandeses era tão antiga quanto a escravidão (Landers, 1999, p. 33). No Brasil de 1769, uma expedição de combate a um quilombo redundou na prisão de 80 pessoas de procedências diversas, algumas das quais, mesmo sem serem quilombolas, haviam-se “estabelecido em terras do mesmo quilombo com famílias, roças, crianças e mulheres”, informa uma fonte. Em Minas Gerais, 16 anos depois, detetou-se a existência de mais um grande quilombo “muito antigo, [formado] não só de negros e mulatos fugidos, mas também de alguns brancos”, descreve outra fonte (Amantino, 2008, p. 130).

 

COMUNIDADE, POPULAÇÃO, PARENTESCO E AGRICULTURA

Além dos variados tipos de relações com o meio envolvente, a reiteração temporal das grandes comunidades palenqueras repousava na possibilidade de combinar eficientemente uma população em crescimento, mantida por sistemas agrários razoavelmente produtivos, um panorama de significativo incremento de relações de parentesco a unir os seus membros, além de hierarquias internas bem estruturadas.

É possível tomar o número de casas, jiraus e ranchos dos assentamentos como um importante elemento de aproximação às populações de grandes quilombos. Em 1645, o diário do capitão Johann Blaer, comandante de uma expedição holandesa, descrevia o assentamento de Velho Palmares como sendo uma aldeia abandonada de meia milha, com uma rua principal de 2,2 metros de largura, duas cisternas ao centro e um pátio onde o rei tinha a sua casa e se exercitava militarmente com os seus seguidores. Três dias depois Blaer encontrou o assentamento de Novo Palmares, onde contou 220 casas (“Diário da viagem”, 1988, p. 22). Assumindo que cada casa acolhesse cinco pessoas, a sua população alcançaria 1100 quilombolas, o que, considerando os dez grandes assentamentos de Palmares, sugere um mínimo 11 mil habitantes para a federação quilombola. Aplicado a Minas Gerais, semelhante procedimento indica uma média de 600 habitantes por grande quilombo da segunda metade do século XVIII (cf. tabela 3). Eram assentamentos cujas origens remontavam ao início do século XVIII, aquando das intensas importações de africanos para a exploração dos veios auríferos. Desde então, vinham crescendo por meio da agregação de novos fugitivos e da reprodução natural, e da expressiva variação dos seus contingentes – dos 350 habitantes do Pernaíba, aos 1100 do Indaiá – infere-se que as populações dos grandes palenques apresentavam enorme amplitude, inclusive numa única região. O caso mineiro sugere também terem sido poucas as comunidades que congregavam milhares de quilombolas, embora algumas pudessem alcançar o milhar.

 

Tabela 3 - Estimativas populacionais de alguns quilombos de Minas Gerais (1766-1770)

 

Os sistemas agrários dessas grandes comunidades talvez encontrassem nas famílias nucleares o eixo da repartição dos campos de cultivo, embora não se descarte a existência de parcelas cultivadas por toda a comunidade. De acordo com o censo populacional do santuário de Gracia Real de Santa Teresa de Mose de 1759, 20 anos depois da sua fundação persistia o desequilíbrio sexual entre os adultos (havia duas vezes mais homens do que mulheres), em parte devido à atração que continuava a exercer sobre os fugitivos provenientes da Carolina. Entretanto, pouco mais de uma geração bastara para que se ultrapassasse o panorama de desenraizamento familiar de 1738, mediante a ­afirmação de ­sólidas redes parentais e de um expressivo crescimento populacional endógeno. Agora, quase ¼ da população tinha menos de 15 anos de idade, todos nascidos no santuário. Treze das suas vinte e duas casas eram habitadas por famílias nucleares, e três em cada quatro moradores viviam com parentes imediatos em arranjos estabelecidos basicamente no próprio Mose. Registos eclesiásticos revelam que os escravos fundadores teceram intrincadas redes entre si, afiançadas sobretudo por relações de compadrio, com forte sugestão de prevalência da anterioridade como princípio organizativo fundamental da comunidade (Landers, 1999, p. 49 e pp. 261-263). Eis indicações de que em determinadas condições os palenques rapidamente alcançavam expressivos índices de reprodução por meio de famílias nucleares, e que essas se hierarquizavam, com as mais antigas assumindo papel de destaque nas comunidades, administrando o mercado matrimonial e promovendo a distribuição das parcelas a serem cultivadas.

Dados relativos ao Caribe são ainda mais esclarecedores, mostrando inclusive que por vezes, paradoxalmente, a contínua agregação de novos membros causava transtornos para os que os acolhiam. Fontes de fins do século XVIII indicam que o maniel de Neyba, na parte espanhola de La Española, era ­habitado por 133 pessoas, distribuídas em 57 casas. A reduzida proporção de habitantes por casa (menos de três) era explicada pelos próprios cimarrones como resultante de recentes epidemias de sarampo e de disenteria, signos da presença de razoável número de boçais no grupo. O peso social dos mais velhos indica uma comunidade camponesa fortemente organizada em torno do princípio da anterioridade, em moldes vigentes tanto em África quanto entre as sociedades ameríndias, onde os anciãos eram depositários da memória coletiva e dos conhecimentos relativos à agricultura, arquitetura, feitiçaria, guerra e da própria linguagem. Havia 80 adultos – 43 homens e 37 mulheres, das quais 20 haviam nascido no próprio maniel – e todos os outros eram crianças, em clara indicação de que a população vinha aumentando, apesar das epidemias. A idade de mulheres idosas como Catalina e Maria (60 anos), naturais de Neyba, sugere que o maniel pode ter sido fundado no início do século XVIII. O incremento do tráfico em Saint Domingue contribuía para o crescimento de Neyba, e 11 mulheres e 31 homens haviam sido escravos de plantações francesas. Sem fortificações e edifícios públicos, em relativo isolamento, os cimarrones viviam em condições semelhantes às dos pobres camponeses de origem espanhola da ilha, em parcelas individuais de 1000 varas em média, cultivando arroz, milho, banana, cana-de-açúcar e outros alimentos, organizados em famílias nucleares com muitos filhos, trabalhando em geral em duas parcelas. Ao que parece, quando não havia filhos, trabalhava-se apenas numa parcela. É possível que o tempo e a idade garantissem parcelas adicionais a alguns, com casais de 60 anos trabalhando em duas delas (Landers, 2001, pp. 153-155).

A demografia e a agricultura razoavelmente pujantes e as trocas com o entorno estiveram na raiz do fortalecimento do palenque de Yanga, no México, ajudando-o a extrair do poder colonial um tratado de paz no início do século XVII. No terreno inicialmente abandonado pelos seus seguidores, encontraram-se plantações de produtos da milenar dieta indígena tais como pimenta, batata-doce, tabaco, zapallos, feijão e milho, sem contar com a cana-de-açúcar e o algodão, além de criações de galinhas, cavalos e gado. Em 60 casas, que talvez abrigassem 300 pessoas, foram encontradas espadas, arcabuzes e dinheiro, obtidos a partir de trocas com comunidades próximas. Tratava-se de uma estrutura com forte tendência para a estabilização enquanto economia camponesa, que longe de ser autárquica combinava estratégias diversas de sobrevivência, comerciais inclusive. Plenamente estabelecidas e em crescimento parecem ter estado as comunidades Bahoruco de La Española, bem conhecidas por meio da descrições dos eclesiásticos. As 600 famílias ali assentadas talvez somassem 3000 quilombolas em meados do século XVII, o que, dada a baixa frequência de fugas definitivas, indica um longo processo de sedimentação demográfica, remetendo provavelmente para o século anterior. Por volta de 1660 elas já não se reproduziam por meio de roubos, mas sim através da combinação entre agricultura, pecuária e caça. Os homens eram bons arqueiros e ferreiros e as mulheres também se dedicavam à mineração de aluvião, cujo produto lhes permitia comprar roupas, bebidas, ferro e demais géneros na capital de Santo Domingo (Landers, 2001, pp. 149-150).

Também para a Nueva Granada há evidências de que da tríade representada por relações parentais, população e interação com o exterior derivava o essencial da capacidade de reiteração de alguns grandes palenques. Antes de ser destruído por forças espanholas, em fins do século XVII, o palenque de Matuderé congregava cerca de 250 pessoas que, interrogadas, revelaram traços da sua organização. Aparentemente, sofisticadas instituições políticas e militares desenvolveram-se ao longo de muitas décadas de existência. Cada família semeava os seus próprios campos com milho, arroz, feijões negros, bananas e batata, num perfil que sugere relações muito estreitas e antigas entre os homens e a terra. Mantinham contactos com os Arará de Cartagena, através dos quais adquiriam armas e pólvora. Não é difícil que panorama semelhante predominasse no conjunto de assentamentos das montanhas de Santa Maria, que em 1683 foram atacados por forças coloniais. Ali encontrou-se uma aldeia fortificada, armamento espanhol que os cimarrones haviam adquirido em enfrentamentos anteriores, assim como lanças, arcos e flechas. Antes de escapar, os fugitivos queimaram as suas edificações e destruíram plantações de milho e cassava, num clássico exemplo de tática militar quilombola. O panorama vigente no palenque mestiço de Esmeraldas durante o último quarto do século XVI descortina um êxito igualmente baseado na população, na família e no comércio. Os seus membros possuíam mais de 100 canoas para a exploração dos recursos fluviais, o que pode indicar a presença de pelo menos 200 adultos na população do palenque. Dedicavam-se também à coleta e à caça, cultivavam milho, cassava e cacau, além de tabaco, banana, arroz, algodão e cana-de-açúcar. Praticavam a metalurgia e criavam porcos e galinhas, não apenas para o consumo interno como também para a venda às populações vizinhas (Landers, 2001, pp. 146-153).

Outras comunidades quilombolas do sudeste brasileiro combinavam largos campos de cultivo e horticultura, capacidade de armazenamento e até produção de cultivos de exportação. Em 1770, nas imediações da Serra Negra, aprisionou-se um negro que dizia ter fugido de um quilombo e que contou que ele e mais quatro parceiros haviam sido levados a “uma grande povoação dos mesmos pretos [onde] há grandes roças e canaviais, bananas, laranjeiras e descaroçadores e muito algodão, que sendo como ele diz é cousa grande” (Amantino, 2008, p. 128). Vastas plantações foram igualmente detetadas num quilombo em Mariana, em 1733 (Amantino, 2008, p. 128). O quilombo de Pitangui (1767) plantava em abundância milho, feijão, algodão, melancia e outras frutas, assim como os de Catiguá (1769) e Santos Fortes (1769) (Amantino, 2008, p. 128). Mandiocais cobriam os campos de cultivos do quilombo de Samambaia (1769) e do Rio da Perdição (1769), onde inclusive se plantava algodão. A horticultura era uma dos aspetos mais destacados do quilombo de São Gonçalo (1769), e os do Campo Grande (1746) e Paracatu (1766) possuíam, além de vastos campos de cultivo, armazéns e paióis onde guardavam os seus excedentes. O quilombo do Moquim, no Rio de Janeiro, dava-se ao luxo de não apenas possuir plantações mas igualmente de produzir cana-de-açúcar e cachaça, dado que remete para a necessária existência de uma engenhoca no seu interior (Amantino, 1996, p. 194). Casos como esses pressupõem altos graus de divisão social do trabalho, técnicas agrícolas sofisticadas e contingentes populacionais não apenas expressivos mas também há muito estabelecidos.

A presença de plantações de algodão sugere a confeção de tecidos e a existência de grupos especializados na realização de algumas atividades. Nos mapas dos quilombos de Minas Gerais pode-se perceber que também as construções expressavam especialização. Alguns mencionam a presença de casas e forjas de ferreiro, aspeto reiterado por achados arqueológicos posteriores (figuras 1 e 2). No quilombo da Cabaça foram encontradas dezenas de fragmentos de ferro fundido, chapas de metal e tiras de estanho, além de panelas, caldeirões, chaleiras, colheres e demais. Alguns desses objetos apresentavam reparos feitos com rebite, o que demonstra um certo grau de conhecimento desta técnica pelos quilombolas (Guimarães e Lanna, 1980, p. 150). O diário de Johann Blaer afirma que num dos assentamentos de Palmares se erguia uma igreja e quatro forjas, “havendo entre os habitantes toda sorte de artífices” (“Diário da viagem”, 1988, p. 22).

 

Figura 1 - Quilombo do Rio da Perdição (Anais da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, vol. 108, 1988, p. 110).

 

Figura 2 - Quilombo de um dos Braços da Perdição (Anais da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, vol. 108, 1988, p. 108).

 

Fontes relativas a áreas escravistas mais urbanizadas da América portuguesa são pródigas em enumerar pequenos estabelecimentos comerciais que serviam de palco de encontros entre mocambeiros e escravos. Em 1769, em Minas Gerais, o Conde de Valadares havia ordenado ao capitão-mor Manuel Rodrigues da Costa que entrasse na Fazenda Azevedos e localizasse os quilombolas que lá costumavam estabelecer contactos com os escravos. Ordenava ainda que fossem utilizados todos os meios possíveis para fazer com que os escravos denunciassem os quilombolas, devendo-se fazer o mesmo com os cativos de outras fazendas das imediações e com os roceiros livres do caminho (Amantino, 2008, p. 148). Em carta de 1795, enviada ao governador da capitania, o lavrador Marcelino da Costa Gonçalves afirmava que os escravos das fazendas mineiras mantinham “aliança com os do mato […] [e] […] repartem os mantimentos dos paióis de seus senhores […] [com os quilombolas]” (Amantino, 2008, p. 149). Outro documento reiterava que os pequenos armazéns eram estratégicos para a reprodução dos quilombos, sobretudo porque ali se comercializava o resultado de razias e assaltos, ou mesmo o excedente agrícola ou pecuário. As vendas tornaram-se tão importantes para a reprodução dos quilombos que, em 1754, a Câmara da cidade de Vila Rica chegou a denunciar que “cada venda é um quilombo”, não havendo distinção entre as vendas controladas por brancos ou por negros, quase todos acusados de recetação dos furtos dos escravos, fugidos ou não (Amantino, 2008, p. 147).

 

CONCLUSÕES

 

Há muito que as histórias de escravos fugidos e quilombos nas Américas se afastam do esquema bipolar que opõe escravidão e liberdade. Para não falar daqueles que com igual simplicidade contrapõem europeus, indígenas e ­africanos, ou ainda – mais recentemente – negros a brancos. Contas feitas, a época áurea dos grandes quilombos, palenques e cumbes ocorreu antes da chamada “Era das Revoluções” no mundo atlântico, o que significa simplesmente que não se pode entender os quilombolas americanos como suportes anacrónicos nem do abolicionismo nem da democracia, tal como elas vieram a vicejar depois.

O que decorre de tudo o que expusemos é que os fugitivos escravizados eram parte da realidade quotidiana dos sistemas escravistas americanos; mas, igualmente, que as fugas permanentes – grand marronage – não enlaçaram a maioria dos cativos que se evadiam. As comunidades de fugitivos certamente nutriam a esperança de se constituírem em alternativas à dura existência nas plantations, mas grupos assim não foram nem numerosos nem extensos. E mais: jamais lograram ameaçar os sistemas escravistas como um todo. Os quilombos não foram responsáveis pela Revolução Haitiana que acabou por destruir a mais rica colónia americana do século XVIII. O continente americano jamais sentiu o impacto de algo como a ação dos escravos rebeldes sobre o sistema de plantations escravistas da ilha de São Tomé, no Golfo da Guiné, onde comunidades de fugitivos e evasões levaram à superação da economia de exportação por dois séculos ou mais.3

 

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Recebido a 18-10-2011. Aceite para publicação a 23-04-2012.

 

Notas

1De acordo com Genovese (1983, pp. 19-20), “os escravos do Velho Sul sublevaram-se menos vezes, em menores contingentes e com menor sucesso do que os da região do Caribe e da América do Sul”. Sobre a América Central (excluindo o México), “vários processos económicos y sociopolíticos evitaron que el istmo centroamericano se convertiera em um universo cimarrón. El más importante de los primeros fue la sustitución del cacao por el añil”, cuja produção se tornou um dos principais elementos de ligação com o mercado internacional, mas produzidos basicamente pelo campesinato mulato, e não pelas grandes haciendas (Fernández, 2001, p. 329 e Herzfeld, 2001, pp. 371-372). Importa aqui a constatação de que eram pouco frequentes as fugas e constituições de palenques na América Central.

2Bem entendido: o conceito de horda deve ser considerado aqui no sentido antropológico, ou seja, como grupos que crescem por adesão e não por saldos entre mortalidade e natalidade. A este respeito, v. Meillassoux (1976).

3Outras obras importantes para compreender as fugas e dinâmicas de reprodução dos quilombos nas Américas são: Bakos (1988), Florentino e Góes (1997), Gomes (2002), Guimarães (2002), Klein (1987), Knight (1990), Law e Lovejoy (2001), Moura (1972), Schwartz (1987) e ainda o Jornal do Commércio de 1830.

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