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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.205 Lisboa dez. 2012

 

Crise e republicanismo no discurso dos lojistas de Lisboa (1890-1910)

 

Crisis and republicanism in the Lisbon shopkeeper’s discourse (1890-1910)

 

Daniel Alves*

*IHC, FCSH, Universidade Nova de Lisboa. E-mail: alves.r.daniel@gmail.com

 

Resumo

Sobre os grupos sociais que constituíam a chamada “pequena burguesia” não existe para o Portugal contemporâneo uma análise de conjunto, ou sequer uma série de artigos que potenciem uma linha de investigação capaz de trazer alguma luz sobre este setor da sociedade. Esta relativa escassez resulta particularmente estranha, se tivermos em conta o que alguns autores referem ter sido o papel, por exemplo, dos lojistas na conjuntura política e social do período final da monarquia. Através de uma análise detalhada da evolução do pequeno comércio em Lisboa e do seu discurso político e social, pretende-se aqui apontar uma hipótese explicativa para a sua adesão ao republicanismo a partir do início da década de 1890.

Palavras-chave: crise; republicanismo; lojistas; Lisboa.

 

Abstract

About the petty bourgeoisie in contemporary Portugal there isn’t an overall research work or even a series of articles that encourage a line of research to shed some light on this sector of society. This relative scarcity is particularly strange, if one takes into account what some authors refer to have been the role, for example, of shopkeepers in the social and political conjuncture of the final period of the monarchy. Through a detailed analysis of the development of small businesses in Lisbon, and about the political and social discourse of the shopkeepers, this work is intended to point out one possible explanation for the path to the Republic that these men started to take in the early 1890s.

Keywords: crisis; republicanism; shopkeepers; Lisbon.

 

INTRODUÇÃO

 

Na década de 1890, o pequeno comércio lisboeta passou por uma crise ­económica, em parte derivada das dificuldades financeiras que o país atravessou pela mesma época, e que potenciaram o aumento de impostos, o agravamento das pautas alfandegárias e, muito provavelmente, conduziram a uma retração no consumo. A mesma esteve ainda relacionada com mudanças estruturais na distribuição geográfica das lojas pela cidade, em grande medida forçadas pela tendência de subida registada nas rendas dos imóveis, e influenciadas pela dinâmica populacional da capital. Este quadro recessivo e de mudança, observável num aumento de falências, trespasses e deslocalizações de lojas, visível até na diminuição do número de licenças para a abertura de estabelecimentos comerciais, que obrigatoriamente tinham de ser requeridas à Câmara Municipal, não era, no essencial, muito diferente da conjuntura económica que afetou os lojistas de outras cidades europeias, nomeadamente em França, na Itália ou na Bélgica, na passagem da década de 80 para a de 90 do século XIX.

O facto levou, inclusive, a que os historiadores ocupados no estudo da pequena burguesia comercial1 de finais do século XIX dispensassem uma particular atenção à análise do impacto das crises económicas nas alterações que, por esta altura, estavam a ocorrer no alinhamento político deste grupo social. Efetivamente, a historiografia internacional tem dado destaque àquilo que caracteriza como uma paulatina caminhada dos lojistas para a direita do espectro político, para posições mais conservadoras, quando comparadas com o que tinha sido o seu tradicional apoio aos partidos mais progressistas e liberais, herdeiros da Revolução Francesa (Crossick e Haupt, 1984; Nord, 1986; Morris, 1993; Jaumain, 1995). No mesmo período, contudo, os lojistas de Lisboa estavam a evoluir politicamente em sentido oposto, dando início na década de 1890 a uma aproximação ao republicanismo, cuja face mais visível vai ser o apoio dispensado à implantação da República em 1910, como foi já destacado por vários historiadores nacionais (Almeida, 1991; Ramos, 1994; Valente, 1999; Catroga, 2000).

Apesar destes testemunhos sobre o que terá sido o envolvimento dos lojistas no movimento republicano, pouco ou nada foi investigado especificamente sobre este grupo social que permita compreender o porquê deste caminho divergente, quando, aparentemente, eles estavam sujeitos ao mesmo tipo de condicionalismos que os seus colegas do resto da Europa. Pretende-se com este texto começar a preencher essa lacuna historiográfica, apresentando os resultados de uma análise detalhada sobre o discurso político e social dos homens do pequeno comércio de Lisboa nas últimas décadas da monarquia, procurando demonstrar que reside na conjuntura económica e política da década de 1890, e na força do seu associativismo profissional, uma possível explicação para o que aqui vai ser apresentado como um percurso de alinhamento político peculiar no quadro da pequena burguesia comercial europeia (Alves, 2010a e 2012).

 

UMA CERTA IDEIA DE “CRISE” ENTRE OS LOJISTAS DE LISBOA

 

Na década de 1890, o tema da “crise” vai tornar-se central no discurso do pequeno comércio lisboeta. Se até então a expressão não era praticamente usada, nos anos que se seguiram ao Ultimatum passará a estar muito presente nos jornais dirigidos à classe, nos relatórios anuais da direção da Associação Comercial de Lojistas de Lisboa (ACLL) e ainda nos vários números do seu Boletim associativo.2 Para além de ser significativo destacar a frequência estatística da própria palavra que, de assunto quase ignorado até ao final da década de 1880, passou a tema predominante no início da seguinte, o mais importante será perceber o que os lojistas entendiam por “crise”, e as razões que os mesmos apontavam para a sua existência.

O tema da “crise” entra pela primeira vez em cena, de forma destacada, no segundo semestre de 1890 e integra-se nas ondas de patriotismo que varreram o país após o Ultimatum de 11 de janeiro, o tratado anglo-luso de 20 de agosto, e o Modus-Vivendi de 14 de novembro (Teixeira, 1990; Ramos, 1994, pp. 69-144). É precisamente nos protestos que a ACLL organizou contra estes dois últimos, que os lojistas efetuam uma primeira análise sobre o “período angustioso que o país” atravessava. O quadro era pintado a traços muito negros, e todos os setores de actividade eram caracterizados como vivendo dias difíceis, no meio de uma “decadência assustadora”. Transparece algum exagero, inflacionado pelo patriotismo do momento, mas a conclusão a que chegavam os homens do pequeno comércio de Lisboa demonstra igualmente que estavam atentos aos sinais financeiros da altura que prenunciavam “a ruína do nosso crédito […] num período que não se nos afigura muito longo!”3

A “crise financeira” já não era novidade, e o mesmo acontecia com as dificuldades por que passavam várias indústrias “colocadas na mais desoladora e precária situação”, que acabavam por atingir sobretudo as “classes pobres” e as “classes trabalhadoras”, pelo aumento do preço dos “géneros de primeira necessidade” e pela “miséria” que as forçava à “emigração para o Brasil”. Mas os tempos sombrios atingiam também diretamente os lojistas e, logo no ano seguinte, as falhas na circulação monetária levavam a que “os ânimos da classe comercial” começassem a ficar “exaltados”, tendo em conta a “grave crise que tanto afecta a todos” e o facto de o “comércio a retalho [ser] o que mais sofria”. O pequeno comércio que, pelo próprio discurso, se considerava, ainda, “ordeiro” ou reconhecido da “utilidade da manutenção da ordem”, sentia-se agora “indignado contra o lamentável estado de coisas que estava afectando o país” e ameaçava com o encerramento das portas dos estabelecimentos e com “inevitáveis perturbações de ordem pública”, a que a sua determinação de “paralisar todas as suas transacções” acabaria por levar.4

É óbvio que as causas da “gravíssima situação em que se acha o comércio” eram a crise financeira e a “crise monetária”, provocadas pela dificuldade em conseguir empréstimos no estrangeiro e pelo curso forçado do papel-moeda, instituído em 9 de julho de 1891. Crise que estava a ser acompanhada de forma atenta e preocupada pela ACLL. A reunião da direção de 13 de maio de 1891 foi quase exclusivamente dedicada a “uma prolongada discussão […] acerca da crise comercial e monetária”. A forma muito negativa como estava a afetar o pequeno comércio ficava expressa na decisão da direção em “empregar todos os meios dignos para combater o terror pânico que a todos atacara”5.

A crise tinha começado logo no Verão de 1890, quando os regeneradores não conseguiram um empréstimo em Paris. Para além de não arranjar dinheiro, “o Estado era obrigado a gastar muito mais no auxílio a bancos e companhias à beira da falência”. Em 7 de maio do ano seguinte, a falta de liquidez no mercado financeiro levou o Governo a autorizar “o Banco de Portugal a deixar de converter em ouro as suas notas”. Depois do curso forçado, o Governo chegou mesmo a ter de comprar, em agosto, “máquinas para cunhar moedas de trocos e evitar a ruptura total dos pagamentos e das transacções comerciais no País” (Ramos, 1994, pp. 155-156). A crise dos câmbios fez depreciar a moeda portuguesa e gerou uma alta dos preços dos produtos vendidos nas cidades, e que tinham em grande medida de ser importados. Esta situação afetava os consumidores, como alertara a ACLL, mas não deixaria de afetar também os lojistas, pois eram estes a sentir o primeiro embate do descontentamento popular pelo aumento do custo de vida e pela contração do consumo.

Porém, não eram só os corpos gerentes da Associação – onde, desde meados da década de 1880, os lojistas de tendência republicana estavam a ganhar preponderância – que transmitiam uma visão pessimista sobre o momento. Apesar de periodicamente acarinhados ou criticados pelos jornais da época, a partir de agosto de 1891, os lojistas de Lisboa passaram a contar com uma voz própria na imprensa. No dia 14 desse mês saiu o primeiro número do jornal O Lojista. As preocupações que expressava eram as que na altura afligiam o seu público-alvo. A questão financeira e a crise monetária, com origem no “câmbio do Brasil”, foram desde logo temas principais a explorar no primeiro mês de tiragens de uma publicação que se dizia representante da classe. O discurso do jornal era de tal maneira apelativo, que a própria ACLL, no final de 1891, passou a recomendar nas páginas do Boletim a leitura deste “excelente periódico”6.

As características da crise eram minuciosamente apresentadas. Quando antes comprava a prazo, podendo pagar a 3 e a 6 meses, ficando assim com tempo para gerir melhor as suas rendas, o lojista no presente tinha de pagar adiantado as suas mercadorias e, em consequência, era obrigado a “vender mais depressa” para conseguir realizar o capital necessário para reabastecimento de stock. Para além disso, a diferença no câmbio obrigava agora “o comerciante a vender mais caro, com manifesta indisposição do comprador”. Em 1892, a situação parecia estar pior, pois as vendas tinham baixado e, segundo o jornal, o “número de pequenos negócios que está suspendendo pagamentos é considerável”, existindo estabelecimentos onde se reduzia o número de empregados, outros onde os patrões propunham “aos caixeiros e empregados” conservarem-se apenas “pela alimentação”. A crise tinha começado por afetar a “classe operária”, argumento em sintonia com o que a ACLL já afirmava em 1890, mas começava “a seguir por entre a pequena burguesia”. Neste grupo social O Lojista incluía, obviamente, os leitores que faziam a vida atrás do balcão e também os funcionários do Estado que tinham sofrido “desfalques nos seus vencimentos”, pois esta “classe numerosa reduz naturalmente as despesas em proporção com a míngua das receitas”7

Os “desfalques” eram uma referência às medidas adotadas por Oliveira Martins, ministro da Fazenda do governo de José Dias Ferreira que, em janeiro de 1892, tinha substituído o do general João Crisóstomo de Abreu e Sousa. Oliveira Martins, crítico da política de “manutenção de desequilíbrios nas contas do Estado”, procurou debelar as dificuldades com um conjunto de medidas que não eram novas e passavam por “aumentar os impostos por forma a saldar as contas do Estado, em vez de recorrer à emissão de mais dívida.” Começou pela “única fonte de impostos imediatamente acessível e de produto seguro, os rendimentos dos títulos da dívida pública. Era uma manobra altamente impopular” (Lains, 2002, pp. 69-70), como a ACLL fez questão de frisar no seu relatório de 1892, ao comentar os acontecimentos associativos e políticos do ano. Nesse relatório, ministro da Fazenda era caracterizado em tom irónico como detendo “créditos de profundo economista”, ao mesmo tempo que declarava os efeitos prejudiciais das suas medidas para o “movimento comercial”8

Que medidas eram essas, consideradas pelos lojistas como tendo ­influído “prejudicialmente” na vida comercial do país e, em particular, dos seus associados, público imediato do relatório anual? Além do aumento de impostos cobrados sobre os juros das inscrições de dívida pública, a ACLL destacava o cercear dos “ordenados dos empregados públicos” e a alteração das pautas alfandegárias, consideradas verdadeiramente “proibitivas”. No fundo, iniciativas que afetavam ou tenderiam a afetar de forma mais ou menos significativa a atividade do comércio retalhista.

Em primeiro lugar, cortava-se nos rendimentos da própria associação que investia regularmente os excedentes dos seus saldos anuais na aquisição de títulos de dívida pública e obrigações várias. Sendo este tipo de investimentos privilegiados pela associação (durante largos anos foram mesmo os únicos), não será descabido supor que o mesmo se verificasse junto dos seus ­associados, que representavam na altura cerca de 15% do total de lojistas de Lisboa. A ser assim, era natural que aumentar para 30% o imposto que incidia sobre os juros fosse muito “impopular” e colocasse uma boa parte dos pequenos comerciantes em rota de colisão com o governo. Em última análise, eram as suas poupanças e pequenos investimentos que consideravam estar em ­perigo.9

Em segundo lugar, o corte nos vencimentos dos empregados públicos era outra medida que só poderia ser considerada como pouco simpática por parte dos lojistas. Tendo em conta o elevado número de funcionários do Estado existentes em Lisboa e o facto de estes serem potenciais clientes das mercearias e mais lojas da cidade, a alusão a esta medida no relatório anual da ACLL, onde os merceeiros ocupavam uma parte significativa da lista de sócios, não pode ser entendida de forma inocente. Pedro Tavares de Almeida (1995, p. 274) refere a existência de uma “elevada concentração [de funcionários públicos] na capital”, sendo esta conclusão realçada também por Luís Espinha da Silveira (1998, pp. 317-333). Diminuindo o vencimento dos funcionários do Estado, diminuía igualmente o dinheiro disponível nas bolsas na hora de se deslocarem à loja e, em igual proporção, baixava o volume de vendas ou aumentavam as folhas nos livros de “fiados”. Essas consequências eram destacadas no jornal O Lojista, que chamava a atenção, precisamente, para o problema que constituía essa contrariedade “não menos onerosa, a dos fiados”10.

Em terceiro lugar, as alterações das pautas alfandegárias, pela subida das taxas, tinham levado ao aumento dos preços. Sobre isso não se esquecia de falar O Lojista, referindo, em artigo de junho de 1892, que todos os géneros ­alimentícios tinham sofrido aumentos em virtude das alterações das pautas e do câmbio desfavorável. As novas pautas tinham sido aprovadas em março, fruto de um processo negocial e de pressões económicas e políticas que vinham já de meados da década de 1880, aparentemente numa jornada parlamentar rápida e sem grandes discussões (Valério et al., 2006, p. 73; Santos, 2004, pp. 139-142). Numa altura de crise, esta pressão inflacionista nunca poderia ser encarada como benéfica para a atividade de quem, atrás do balcão, tinha de explicar aos clientes mais um encarecimento do custo de vida. O certo é que se assistiu a uma “retracção do consumo. […] Aqueles que viviam de ordenados e de juros da dívida pública, tiveram de apertar o cinto” (Ramos, 1994, p. 168) e para os lojistas era claro que “a diminuição das vendas era resultado da redução dos vencimentos e dos juros”11

O sentimento de crise era ainda traduzido em vários artigos e notícias dedicados ao pequeno comércio noutros jornais da época, num processo classificado de “colecionismo” jornalístico de “sinais de crise” (Ramos, 1994, p. 168). Como é óbvio, numa parte dos casos estas “coleções” não eram isentas de uma perspetiva puramente política, impregnada de influências partidárias ligadas, no que aos interesses dos lojistas diz respeito, aos progressistas e aos republicanos, mas representavam também mais um testemunho de que a quebra que se registava nos pedidos de licenças de estabelecimentos era um reflexo das reais dificuldades por que estava a passar o comércio retalhista de Lisboa.12

O articulado do Século, jornal republicano que com bastante frequência fazia eco das reivindicações dos lojistas, é, neste ponto, particularmente interes­sante. Num editorial de 11 de maio de 1891, intitulado “A crise monetária”, o jornal deu uma atenção especial ao “pequeno comércio [que] está lutando com graves dificuldades financeiras e o dia 20 ou 25 do corrente avizinha-se para ele como um espectro de terror, porque [os lojistas] antecipadamente sabem que, se a confiança não se restabelecer prontamente e as transacções comerciais não entrarem num período de normalidade, não poderão obter dinheiro para pagar as rendas das lojas em que funcionam os seus estabelecimentos.”

Se a ideia de “crise”, que então se instalou, e as causas apontadas para a mesma não estavam totalmente isentas de uma certa visão política, e denunciavam até algum grau de comprometimento partidário que poderia levar a “dramatizar” as dificuldades, a análise sobre a evolução geral do pequeno comércio feita através da contagem do número de licenças requeridas para abrir ou manter aberto um estabelecimento comercial não parece deixar dúvidas sobre uma real estagnação das atividades comerciais da cidade. A crise teria sido responsável, certamente, pela falência e fecho de algumas lojas, para além de tornar menos atrativa esta atividade para quem estivesse a equacionar uma vida atrás do balcão, uma vez que parecia estar a aumentar a incerteza quanto ao futuro dos pequenos negócios. Os relatos sobre o encerramento de estabelecimentos comerciais na cidade surgem efetivamente em grande número nesta década, com destaque para uma afirmação sobre o fecho de “400 estabelecimentos” em Lisboa no ano de 1892, o que significa, antes de mais, que o fenómeno das falências só nesta altura assumiu proporções que justificassem a sua inclusão no discurso da pequena burguesia comercial lisboeta. Os lojistas pareciam estar a dramatizar, mas era uma reação às dificuldades que estavam já a sentir.13

Inflacionada por uma retórica de “crise”, a afirmação denunciava, assim, um mal-estar evidente entre os homens do comércio de Lisboa. Ao longo de 1892 e 1893 o jornal O Lojista referiu, com bastante insistência, um aumento do número de falências. Em março de 1892 começou por afirmar que esse parecia ser um fenómeno recorrente nos últimos tempos e centrado numa determinada atividade, pois “todos os anos são numerosas as falências no negócio de géneros alimentícios”. Nos meses seguintes, e em 1893, os relatos mantêm-se, “falências não faltam”, estava a “aumentar” o encerramento de “muitos estabelecimentos” e isso era uma prova da crise que afetava o comércio desde o Ultimatum inglês.14

Neste aspeto, e pelos exemplos detetados para o estrangeiro, a capital ­portuguesa não seria um caso isolado na Europa do final do século. A chamada “Grande Depressão” (1873-1896) estava a afetar lojistas também noutros países, como na França, onde na viragem do século se assistiu a um aumento do número de falências e trespasses entre os pequenos negócios, ou na ­Alemanha, que viu o número de falências entre os lojistas crescer de forma significativa depois de 1890. O mesmo, aliás, estava a acontecer do outro lado do ­Atlântico, com os lojistas do Canadá a verem chegar a falência em grande número (­Blackbourn, 1977, p. 411; Denecke e Shaw, 1992, p. 85; Haupt, 1993, p. 313; Núñez Seixas, 1996, p. 24; Monod, 1996, p. 25).

Para os lojistas, fosse através do discurso oficial da sua associação representativa, fosse através de testemunhos individuais ou de artigos de jornais, as causas “desta grave situação” deviam ser procuradas mais fundo, nas “­conveniências partidárias” e na falta de “uma administração cordata, sensata e enérgica”. Era às “péssimas negociações feitas pelas câmaras e pelos governos” que se deveriam assacar as responsabilidades pelo “estado desgraçado em que se acha o comércio”. Podiam mesmo ir mais além, quando a militância republicana, que estava em crescendo desde a segunda metade da década de 1880, se sobrepunha aos interesses de classe, contrapondo aos “sacrifícios” que eram impostos ao “povo” os gastos feitos com a família real. A inflamada comparação foi feita em assembleia-geral de 18 de julho de 1890, por Domingos ­Baptista Cabeça, um pequeno comerciante da rua de Santo Amaro, sendo o seu discurso “calorosamente aplaudido com uma salva de palmas pela assembleia”. O mesmo lojista, um ano depois, afirmando não querer “discutir a pessoa do rei”, acabava por responsabilizá-lo pelo agravamento das “despesas” do Estado e pelo aumento da “desconfiança”15.

Também nas reuniões da direção não se perdia oportunidade para criticar aqueles que “concorreram para a situação calamitosa” em que todos se encontravam, ou seja, os sucessivos governos, como era afirmado por José ­Cupertino Ribeiro em 29 de julho de 1891. Era ao “devaneio político” que os lojistas atribuíam a causa de todos os males. “Foram os sucessivos erros económicos e administrativos, a prodigalidade escandalosa dos gastos, a decadência, se não a completa perversão do senso moral na gerência dos negócios públicos”, no fundo, “os desatinos dos governantes” que colocaram o país em dificuldades. Ainda em 1891, a crise, que prometia deixar “milhares de famílias […] sem pão”, resultava de um orçamento sem “economias” e com demasiados gastos, considerados supérfluos, com um “pomposo e garrido corpo diplomático e consular, […] palácios ornados com magnificência, […] cohortes de directores gerais, nuvens de conselheiros superiores, avalanches de comarcas e de juízes […]”16. Em 1892, a situação mantinha-se, bem como as justificações e soluções. Tudo se devia, em grande medida, à “falta de moralidade, tino político e patriótico dos governos”. A solução não passava pelo “exagero da tributação”, que resultaria sempre numa “considerável diminuição do movimento comercial”, mas sim pela “economia de 3000 contos no orçamento”17.

Não se julgue, porém, que o verdadeiro crescendo deste discurso contra a classe política, os privilegiados e, em última análise, contra o monarca, era um exclusivo da ACLL ou dos lojistas de Lisboa, apesar de aqui ser visível um tom mais radical. O mesmo se passava na segunda cidade do país, o mesmo sentimento, e iguais responsabilidades eram descritas numa representação que o Centro Comercial do Porto enviou ao monarca, em maio de 1891, secundada pela ACLL que a publicou no seu Boletim. Eram precisas “severas economias” nos serviços dependentes do Estado para conseguir tirar o país da “terrível crise”, cuja responsabilidade assentava em parte no “descrédito” do sistema parlamentar que tinha regido os “sessenta anos de liberalismo” já vividos.18 No fundo, a política e os políticos, o Estado e o seu peso, os ricos e os seus privilégios, eram considerados como a verdadeira causa da crise vivida por esta “pequena burguesia”.

Para a esconjurar era destacada a importância do movimento associativo, considerado como decisivo para repor as condições de confiança dos agentes económicos e da população em geral, uma vez que os governos não ­conseguiam cumprir uma obrigação que era sua. A ACLL tinha em vista precisamente estes aspetos ao referir como determinante a “propaganda” que tinha levado a cabo em 1891 para “desvanecer a desconfiança e o terror” gerados pela crise monetária, e ao lamentar que a situação do país, resultante da “instabilidade dos poderes nestas sucessivas mutações políticas”, tivesse chegado ao ponto de levar à “necessidade da intervenção directa das colectividades”19.

Estas demonstravam serem necessárias, ainda, para despertar do “indiferentismo” e unir a “classe dos comerciantes a retalho” com o objetivo de denunciar e combater as “difíceis circunstâncias” em que se encontrava. Era isso que a levava a apoiar as iniciativas e representações do Centro Comercial do Porto, a congratular-se pela fundação de uma “instituição […] irmã”, como era a Associação Comercial de Lojistas do Porto, criada em maio de 1892, ou a declarar que não havia melhor “oportunidade” de destacar o “verdadeiro papel” da associação do que quando se estava na “presença de umas poucas de crises: crise financeira, política e social”20. Esta vaga de criação de associações ligadas aos lojistas estava em sintonia, aliás, com o que se passava no resto da Europa, no final do século XIX (Blackbourn, 1984, p. 35).

 

UMA ABORDAGEM COMPARATIVA AOS EFEITOS DA “CRISE”

 

A forma como os lojistas foram construindo uma certa ideia de “crise”, que associava as dificuldades económicas à instabilidade e incapacidade do sistema político monárquico, obviamente por influência de um republicanismo que se ia afirmando, leva à elaboração de uma hipótese que pode ajudar a explicar o que se considera ter sido um peculiar posicionamento político dos lojistas de Lisboa, por comparação com alguns casos no estrangeiro. Tendo em conta o facto de o número de licenças para estabelecimentos ter começado a subir após 1900 e até 1910, parecendo significar o fim das dificuldades para o pequeno comércio, tal poderá contrariar, em parte, o que Vasco Pulido Valente (1999, p. 52) supõe ter sido a chave para a compreensão da “súbita ressurreição do PRP” depois de 1903: o facto de, “entre o fim dos anos 90 e 1910, as condições económicas das pequenas empresas – tanto industriais, como comerciais – [terem] sofrido uma certa deterioração”, sendo esta suposta crise a explicação para a “militância política”, entre outros, dos lojistas. Ora, não só a suposição de Pulido Valente parece assentar em pressupostos que não se verificam, pelo menos no que às “pequenas empresas” comerciais diz respeito, como a cronologia fundamental para a explicação dessa “militância” parece estar desfasada, devendo recuar para meados da década de 1890.

Contudo, a noção que tendia a ver nos políticos e, em última análise, na monarquia, a causa das dificuldades que afetavam os lojistas, não derivava somente das condições concretas da economia ou da influência do discurso crítico dos republicanos, mas era igualmente influenciada por um outro conjunto de fatores, uns com pouca relevância na elaboração da perceção de crise que os lojistas estavam a construir, outros mais determinantes nesse processo, mas todos importantes para se perceber a ligação privilegiada que vão desenvolver, a partir daquela altura, ao republicanismo e a diferença que essa ligação vai representar em relação ao que pela mesma altura estava a ser a tendência de alinhamento político entre os lojistas de vários países europeus. As próximas páginas vão constituir uma análise sobre esses fatores, numa perspetiva comparativa com o estrangeiro, procurando explicar que apesar de a crise económica ser um fator comum aos lojistas lisboetas e aos seus congéneres além-fronteiras, os efeitos produzidos foram distintos.

Pelo que foi possível apurar através de dados recolhidos no Anuário Estatístico, o número de lojistas existentes em Lisboa em 1890 correspondia a cerca de 13% do total do continente, valor praticamente idêntico ao de 1900 e, muito provavelmente, ao que se registava em 1910. Este facto, associado ao crescimento das licenças, poderia apontar, à primeira vista, para uma superabundância de lojas na capital, de que fala Vasco Pulido Valente ao referir a existência em Lisboa de “uma camada de lojistas, pequenos comerciantes e donos de oficinas anormalmente numerosa” (Valente, 1999, pp. 46-48). Na sua interpretação, essa superabundância estaria a provocar uma crise de concorrência entre os lojistas, criando ou agravando uma crise económica no seio da pequena burguesia comercial lisboeta, sendo essa a explicação para o seu republicanismo. Ora, acontece que não só é discutível que os primeiros anos do século XX tenham sido uma época de excesso de concorrência ou, pelo menos, de agravamento da mesma entre o pequeno comércio, como se procurará justificar, como é precisamente a ausência desse fenómeno que, em parte, ajuda a explicar que os lojistas de Lisboa tenham caminhado para a esquerda do espectro político, para uma visão progressista e radicalmente liberal da sociedade e da política, quando a tendência geral numa parte significativa dos lojistas europeus era precisamente a contrária.

Neste ponto, é importante introduzir uma referência à população da capital. Se em 1890 os lojistas de Lisboa correspondiam a 13% do total do país, e serviam cerca de 6% da população (percentagem da população portuguesa que vivia em Lisboa), 21 anos mais tarde, continuavam a representar pouco mais de 13%, mas a clientela subiu para quase 8% do total dos portugueses. Entre 1890 e 1911, a população da capital cresceu de 298903 para 435359, sendo que a TCAM entre 1900 e 1911 foi de 2%, ou seja, o dobro da taxa de crescimento registada para os lojistas, se adotarmos o número de licenças pedidas à Câmara Municipal como um indicador do número de pequenos comerciantes.21 Apresentando as contas de outra forma, no ano do Ultimatum cada loja contava hipoteticamente com cerca de 28 clientes, o que em parte pode até ajudar a explicar o sentimento de crise que então se começou a viver entre o pequeno comércio da capital, como se viu, na medida em que o número de potenciais clientes parece relativamente reduzido, em comparação com números de outros países. Porém, o valor subiu para os 38 em 1911, altura em que, de acordo com os totais de licenças e a sua conversão para um número aproximado de lojas, a capital contaria com 11373 estabelecimentos, o que representou uma variação positiva de quase 36%, e terá implicado, como se pretende destacar a seguir, um alívio da pressão económica sobre os lojistas lisboetas.

A pergunta que se impõe a seguir a estes cálculos é se fará sentido a obtenção destes valores médios, que mais não representam do que tendências gerais num grupo social caracterizado, apesar de tudo, por alguma heterogeneidade (Alves, 2010a e 2010b)? A resposta é positiva, e justifica-se pela necessidade de obter um conjunto de valores comparáveis com o que foi possível encontrar em diversos estudos sobre a evolução quantitativa, a caracterização socioeconómica, e o posicionamento político dos lojistas em vários países. Efetivamente, tendo em conta o que se apurou nessa bibliografia, não só faz sentido essa estimativa, como ela permite, pela comparação com as conclusões que são avançadas pelos restantes estudos, formular uma hipótese explicativa sobre a influência da crise económica ou da sua ausência no processo de republicanização da pequena burguesia comercial de Lisboa.

Para se compreender melhor a hipótese a formular a partir da análise da informação do quadro 1 é necessário começar por destacar uma das ideias mais correntes na maior parte da historiografia que se tem dedicado ao estudo dos lojistas na transição do século XIX para o século XX: a de que existiu uma correlação entre desenvolvimento urbano e crescimento da pequena burguesia comercial, e que tal terá levado a “um aumento do número de oficinas e pequenos comércios, inclusive, superior proporcionalmente ao crescimento demográfico” (Crossick e Haupt, 1995, pp. 6-7; Núñez Seixas, 1996, p. 24).

 

 

Pela observação do quadro verifica-se que, com exceção de Lisboa, da Inglaterra e Gales, e do Canadá (mesmo os casos destes dois países têm de ser contextualizados, como se verá de seguida), um pouco por todo o lado o fenómeno era idêntico, apesar de se apresentar com ritmos diferenciados. O pequeno comércio, aproveitando o desenvolvimento industrial e urbano de finais do século XIX, estava a crescer mais do que a população, o que é ainda reforçado pelo facto de no caso dos totais de lojistas, para alguns países, se estar a lidar com dados parcelares ou estimativas. Significa isto que o estímulo do crescimento demográfico levava, num primeiro momento, ao desenvolvimento dos pequenos negócios, mas também quer dizer que, mantendo-se esse desenvolvimento, mais cedo ou mais tarde, se chegava a uma situação de super­abundância de lojas, de excesso de concorrência. É a conclusão a que chegam vários trabalhos sobre países como a Alemanha ou a Inglaterra, mas também sobre cidades como Paris ou Milão (Blackbourn, 1977, p. 421; ­Winstanley, 1983, pp. 40-41; Nord 1986, pp. 198-200; Morris, 1993, pp. 132-136).

Refira-se que a comparação entre áreas urbanas e exemplos nacionais, apesar de à primeira vista parecer desadequada, faz sentido se tivermos em linha de conta que o ritmo de crescimento do pequeno comércio, já elevado nos países destacados, aparentemente estava a ser ainda mais rápido nas respetivas áreas urbanas. O caso do Canadá vale a pena ser realçado, pois, apesar de os números em termos nacionais contrariarem a tendência geral, alguns estudos com um enfoque mais urbano tendem a apontar para um incremento muito significativo do número de pequenos negócios, como no caso de Toronto ou de Kingston (Benson, 1992, p. 95). Algo de semelhante pode ser afirmado para a Grã-Bretanha onde, entre 1851 e 1911, houve um aumento geral do número de lojistas por 1000 habitantes, sendo que este crescimento foi mais notório em zonas densamente povoadas (Phillips, 1992, p. 71). Mesmo o caso espanhol, não incluído no quadro por falta de valores efetivos, parece estar em sintonia com o que se passava nos restantes países, pois o crescimento urbano e o aumento do nível de vida registados em Madrid na segunda metade do século XIX terão favorecido uma “expansão muito rápida do pequeno comércio” (Núñez Seixas, 1996, p. 33).

O evoluir do fenómeno em Lisboa era claramente diferente, como se depreende da comparação entre a capital e o resto do país, e da confrontação com os dados dos outros países. Os lojistas lisboetas podiam até representar uma classe “anormalmente numerosa” quando se chegou às vésperas da República, e podiam estar a crescer desde o princípio do século, sendo óbvio que isso tinha implicações no número de clientes por loja. Contudo, não só estes valores não estavam muito afastados do que eram as médias indicadas para outros países ou cidades, como em alguns casos chegavam mesmo a ser superiores. Em Milão, em 1901, a média era de 34 habitantes por loja e a tendência era para a descida desses quantitativos, como se pode ver pelo índice de população/lojistas do quadro 1. A mesma tendência estava presente na Bélgica, com 64 habitantes por loja em 1911, mas onde a série dos lojistas não inclui todas as categorias possíveis. Na Inglaterra, o rácio era de uma loja para cada 59 habitantes, em 1911, mas igualmente com tendência para descer. No Canadá, apesar de uma evolução geral positiva, a região de Ontário, para a qual é possível fornecer números mais precisos, também sofreu uma diminuição do número de pessoas por loja. Finalmente, a tendência mais pronunciada para um aumento excessivo de lojas é a da Alemanha que, em 1907, apresenta um valor de 30 habitantes por loja, que podia ainda ser mais baixo em determinadas regiões, como na Saxónia, onde em 1895 o número de habitantes por loja era de apenas 16 (Morris, 1993, pp. 13, 26, 33 e 89; Jaumain, 1995, pp. 37-38 e 307-308; Winstanley, 1983, pp. 40-41; Phillips, 1992, p. 71; Monod, 1996, p. 26; Denecke e Shaw, 1992, pp. 83-84).

Porém, além da observação do ponto de chegada, importa acima de tudo destacar o caminho, ou seja, a diferença de tendências na evolução daqueles rácios, e, em especial, a perceção ou o sentimento que dessa mesma evolução tinham certamente os homens do pequeno comércio, pois ela é fundamental para se perceber que, comparativamente, o indivíduo que vivia por trás do balcão em Lisboa estava em média, nos últimos anos da monarquia, mais próspero, provavelmente mais confiante, e menos preocupado com a concorrência do que tinha estado 10 ou 20 anos antes. É precisamente este fator que, em conjugação com a ausência de outros “perigos”, vai contribuir para que o lojista de Lisboa, ao contrário dos seus colegas europeus, estivesse na disposição de manter ou até reforçar a sua tradicional ligação aos ideais políticos progressistas, transferindo-a agora para os republicanos que se apresentavam cada vez mais como os seus principais arautos. Em 1891, o seu “Manifesto-Programa” vai incorporar muitas das principais reivindicações dos lojistas, senão mesmo todas as que ocupavam relatórios, boletins e imprensa do pequeno comércio no final da década de 1880 e início da de 1890. Além do problema fiscal e da questão dos monopólios, o programa republicano vai defender a revisão das pautas, num sentido livre-cambista, a não concorrência do Estado “com as indústrias particulares” e, fundamentalmente, a liberdade de trabalho e ­indústria e a regulamentação do inquilinato, duas áreas fundamentais e ­transversais no discurso dos homens que trabalhavam atrás do balcão (Alves, 2012, pp. 226-227 e 301-302).

No estrangeiro, a evolução traçada estava a criar desequilíbrios no seio do pequeno comércio, aumentando o sentimento de insegurança e instabilidade, ao mesmo tempo que contribuía para um “despertar da consciência política” entre os lojistas. É o que se nota na Alemanha, onde o agravamento da concorrência terá sido responsável pela exigência de medidas reguladoras da atividade económica a partir de 1890. O mesmo parece ter acontecido com os lojistas ingleses, apesar de tudo menos propensos a olhar para o Estado como uma entidade salvadora ou reguladora. Em Paris, a crise originada, entre outros fatores, por uma “superlotação” de lojas gerou igualmente um sentimento de “amargura e frustração”, que levou à mobilização política e associativa dos lojistas. Na Bélgica, apesar de uma desconfiança inata em relação ao Estado, os lojistas “em estado de choque”, pressionados pela excessiva concorrência, começaram a reclamar uma intervenção direta e maior regulamentação. No fundo, um aumento do número de estabelecimentos, se à partida poderia ser encarado como um reflexo de uma maior prosperidade, tinha como resultado final a diminuição do rendimento médio, o aumento da precariedade e um sentimento de “inquietude” entre os lojistas (Denecke e Shaw, 1992, p. 86; Winstanley, 1983, pp. 80 e 90-92; Nord, 1986, pp. 200-204; Jaumain 1995, pp. 39 e 65).

Neste quadro de recessão, os lojistas no estrangeiro viravam-se contra aqueles que consideravam ser os fatores responsáveis pela sua crise interna: os novos métodos de distribuição, as cooperativas de consumo, e as grandes lojas de venda a retalho. Mesmo que em alguns casos esses não fossem efetivamente os fatores mais importantes, como procurou demonstrar Philip Nord em relação a Paris e aos grandes armazéns, o certo é que a evolução destes novos fenómenos do comércio de retalho estava a ser muito rápida, acabando por funcionar como “bodes expiatórios” para as debilidades do pequeno ­comerciante (Nord, 1986, pp. 60-82 e 99; Crossick e Jaumain, 1999, pp. 3-9). Em Milão, a tónica das críticas dos lojistas não se centrava tanto nos grandes armazéns, mas mais nas cooperativas de consumo, estas sim funcionando como “scapegoat[s] for the depression” (Morris, 1993, p. 154). No caso alemão, o ataque dos lojistas aos grandes armazéns e às cooperativas de consumo mais não era do que uma escapatória que negligenciava o verdadeiro problema, a existência de apenas uma minoria de lojistas verdadeiramente independentes (Blackbourn, 1977, p. 422). Um pouco por todo o lado, os lojistas “eram vistos como vítimas da competição em larga escala levada a cabo pelas cadeias comerciais e pelos grandes armazéns” (Shaw, 1992a, p. 178; Blackbourn, 1984, p. 41). Estas duas novas formas de concorrência comercial começaram a expandir-se a partir de 1860 em França e desde 1865-1870 nas grandes cidades inglesas e alemãs. Ao mesmo tempo, deu-se a expansão de novos métodos de venda e a criação de cooperativas de consumo um pouco por toda a Europa industrializada, com início também em 1860, mas com a sua época de maior desenvolvimento a começar em 1880 (Núñez Seixas, 1996, p. 26; Monod, 1996, p. 116; Jefferys, 1954, pp. 1-39; Shaw, 1992b, pp. 140, 153 e 155; Scott, 1997, pp. 5-8; Shaw 1992a, pp. 167-169 e 173).

O que se passava em Portugal? O principal a destacar é que não só a cronologia de criação e expansão dos grandes armazéns é mais tardia em Portugal, como o fenómeno das cooperativas de consumo não assumiu a mesma importância. Outro aspeto diferenciado em relação ao resto da Europa diz respeito à ausência de preocupação dos lojistas no que concerne os novos métodos de venda. Sobre este aspeto, apesar da falta de monografias que permitam ter uma ideia mais clara acerca da sua evolução em Portugal, no final do século XIX, pela análise de 40 anos de atas de reuniões, tanto de direção, como das assembleias-gerais, de outros tantos relatórios anuais, e de 15 anos de boletins da ACLL, assim como da leitura dos jornais, mesmo os exclusivamente dedicados aos lojistas, é possível afirmar que estes problemas nunca foram vistos como verdadeiras ameaças pelo pequeno comércio de Lisboa na fase final da monarquia.

A questão das monster shops, na versão inglesa, esteve mesmo praticamente ausente das publicações oficiais da ACLL até março de 1907, altura em que o Boletim publicou um artigo sobre os “Grandes Armazéns do Chiado”. Mesmo aqui, a tónica não era a da ameaça, bem pelo contrário, era de profundo elogio aos “tenacíssimos esforços dos Srs. Nunes dos Santos & C.ª, nossos antigos e benquistos associados”. Esse “grandioso estabelecimento” era, inclusive, bem-vindo numa lógica de enriquecimento da capital, e por isso merecia “uma referência de louvor no órgão oficial” da Associação dos Lojistas. O mesmo aliás acontecia com Francisco Grandella e com “as novas instalações dos Grandes Armazéns Grandella”, inauguradas a 7 de abril do mesmo ano. Uma “notável iniciativa”, assim era descrito o novo estabelecimento deste “negociante inteligente, probo e dotado de uma rara actividade”23.

Para além disso, é necessário contextualizar um pouco o que representavam os “grandes armazéns” em Lisboa. As listas das “indústrias colectadas” no Anuário Estatístico referem “estabelecimentos em grande de venda a retalho”, categoria que sofreu uma quebra na década de 1890, passando de 33 para 26 em 1900. Exemplo desta crise, que parece não ter poupado nem as grandes lojas ao estilo do Printemps de Paris, era o facto de a Companhia dos Grandes Armazéns do Chiado, criada em 1894, ter sido forçada a interromper a sua atividade em 1897, “em boa medida por causa da concorrência” do próprio Grandella (Serra, 2000, p. 18). Apesar da recuperação posterior, no início da República essas lojas não representavam mais do que 0,6% do total.24 Contudo, o facto de merecerem rasgados elogios do Boletim da ACLL e serem vistas com “orgulho [pel]os que lamentavam a tardia modernização de Lisboa”, atesta efetivamente que eram uma novidade e estavam, provavelmente, muito acima do que era o típico “grande estabelecimento de venda a retalho”, ou seja, consti­tuíam uma exceção ao que seria o panorama dos pequenos “grandes armazéns” de Lisboa.

Compare-se ainda o número de empregados dos Grandes Armazéns ­Grandella, “mais de 500 empregados efectivos”, cerca de 1913, com os quase 7000 que em 1907 trabalhavam no Bon Marché de Paris (Serra, 2000, p. 36; Miller, 1994, p. 46). Como medida de comparação, ainda que rudimentar, observe-se que a população de Paris em 1911 equivalia a cerca de 7 vezes a de Lisboa, no mesmo ano, mas que o tamanho de um dos seus mais emblemáticos armazéns, medido apenas pelo número de empregados, superava em 14 vezes o do seu congénere lisboeta. Refira-se, por fim, que dos três armazéns efetivamente “grandes” existentes em Lisboa no final da monarquia, o do Chiado, o ­Grandella e o Ramiro Leão, todos, sem exceção, apareciam nas listas de sócios da Associação dos Lojistas, que incluía ainda donos de outras lojas designadas como “Grandes Armazéns”.

Igualmente longe do centro das preocupações associativas, a questão das cooperativas de consumo surgiu nos registos da ACLL apenas em atos isolados. Em 1892, em plena crise, o assunto foi abordado em assembleia-geral por Sebastião Correia Saraiva Lima, republicano e membro dos corpos gerentes da Associação, referindo-o como de “vida ou morte”, mas apresentando-o como “um perigo futuro”, ao qual a ACLL deveria prestar mais atenção, pois se a situa­ção ainda não era grave, podia “amanhã tornar-se perigosa”. Porém, a questão não parecia ser ainda muito relevante, como tinha acabado por admitir não só Saraiva Lima em discurso direto, mas também a própria Associação de forma indireta, pois durante o ano de 1892 nunca as atas das reuniões da direção se referem ao assunto, e o mesmo é totalmente ignorado no relatório anual da gerência.25

Uma intuição semelhante, aliás, tinha Magalhães Lima, um propagador das vantagens das cooperativas. Em janeiro de 1894 decorreu o “congresso das cooperativas” com a representação de “vinte e seis” delegações e o apoio explícito do jornalista republicano. Apesar disso, como reconhecia, o seu crescimento era incipiente e em 1892 existiriam “apenas trinta cooperativas civis (seis de produção e vinte e quatro de consumo e crédito)” (Garnel, 2004, p. 71)26. Os números da adesão a este congresso remetem precisamente para a mesma ideia: estas sociedades, que eram encaradas pelos lojistas europeus como ameaças à sua sobrevivência, não representavam motivos de preocupação para os lojistas de Lisboa, mais desassossegados com o aumento da contribuição industrial, que acabou por gerar um conflito grave com o governo Regenerador e levar à dissolução da ACLL, em conjunto com a Associação Comercial e a Associação Industrial.27

Independentemente de o seu número ser ou não uma real ameaça para os mais de 10000 lojistas que povoavam as ruas de Lisboa por volta do ano de 1893, o certo é que a sua existência era geradora de um sentimento de injustiça e desigualdade nos pequenos comerciantes independentes, essencialmente fruto das suas isenções fiscais e não pela concorrência real que representariam. O Lojista foca precisamente esse ponto, e aos sócios da ACLL não passou certamente despercebido o facto de, na nova postura municipal sobre as licenças para estabelecimentos, elaborada em 1886, se definir uma isenção “do pagamento de licença” precisamente para “as cooperativas de consumo que só vendam aos seus associados”28.

A reforçar a ideia de que o combate às cooperativas de consumo passava mais por um sentimento de injustiça fiscal e de concorrência desleal do que por um real perigo económico, atente-se nas palavras de Pinheiro de Melo, presidente da mesa da assembleia-geral, em agosto de 1893, ao afirmar que “como sociedades livres e perfeitamente estranhas à protecção do Estado, o comércio não as combaterá, embora possa encontrar nelas um terrível inimigo.” No fundo, os lojistas, certamente convencidos que a sua concorrência não era desmedida, consideravam desnecessário “levar a luta contra as cooperativas para além dos limites da legalidade.” Neste sentido, será interessante frisar que a única referência direta a este tipo de preocupação registada nas atas da direção surge apenas em setembro de 1903, sem que o assunto tenha merecido qualquer desenvolvimento, e não voltando a ocupar os trabalhos da direção até ao final da monarquia.29

 

CONCLUSÃO

 

É importante destacar a pouca relevância que as cooperativas e os grandes armazéns estavam a ter no discurso dos lojistas lisboetas, e conjugar esse fator com a evolução positiva do pequeno comércio da capital, pois entre os lojistas estrangeiros eram precisamente aqueles elementos que estavam a gerar uma forte instabilidade, eram eles os principais catalisadores da sua mobilização associativa e, em última análise, constituíam um tipo de “ressentimento” que parecia grandemente responsável por uma tendência quase geral: o facto de os lojistas passarem “do radicalismo liberal-democrático de 1848 ao conservadorismo social em 1914” (Núñez Seixas, 1996, p. 28).

Em Paris, a principal associação ligada ao pequeno comércio fez da luta aos grandes armazéns o seu cavalo de batalha mais forte. Apesar de esse combate e da mobilização por ele gerada terem sido, durante muito tempo, enquadrados pelos políticos da esquerda progressista, o certo é que na viragem do século a solicitude dos movimentos de direita conservadora em procurar resolver alguns dos focos de “ansiedade” dos lojistas, nomeadamente a questão fiscal relativa aos grandes armazéns, levou a que passassem a contar com o apoio dos homens do pequeno comércio parisiense (Gaillard, 1983, pp. 63-64; Nord, 1986, pp. 266-275 e 465-477; Mazgaj, 1987, pp. 311-314). Na Alemanha, foi também a crise, atribuída aos mesmos fatores, que acabou por mobilizar os lojistas, encaminhando-os para a direita à medida que as forças conservadoras e católicas, em maioria no parlamento nas duas últimas décadas do século, impuseram um conjunto de medidas que supostamente os beneficiava, como restrições ao comércio ambulante e às cooperativas de consumo, e um regime fiscal diferenciado para os grandes armazéns, “o alvo preferido dos comerciantes de retalho” (Winkler, 1976, p. 2; Blackbourn, 1977, pp. 425-426 e 432-433; Blackbourn, 1984; Blackbourn, 1991, p. 29). Na Bélgica, o percurso e os atores foram semelhantes, com o Partido Católico a patrocinar, inclusive, a criação e o desenvolvimento das associações de pequenos comerciantes, entre outras medidas concebidas para “ajudar” os lojistas (Jaumain e Gaiardo, 1988, pp. 442-456; Jaumain, 1995, pp. 99-159). Nestes países, a crise e o ressentimento dos lojistas, gerados pela superabundância de estabelecimentos, tendiam a ser atribuídos pelos próprios às inovações da distribuição comercial, nomeadamente às cooperativas de consumo e aos grandes armazéns, encaminhando-os para posições políticas conservadoras (Haupt, 1993, p. 318).

Neste ponto, cabe destacar o caso espanhol, em que a pequena burguesia tinha, aparentemente, um nível de “ansiedade” ou “ressentimento” menor relativamente a outros países, em grande medida fruto de uma mais fraca industrialização e concentração empresarial, do “tardio e limitado desenvolvimento dos grandes armazéns e das cooperativas de consumo” e de um também mais tardio desenvolvimento do movimento operário, que só terá efetivamente “arrancado” nos primeiros anos do século XX. Se isto justificou, para o caso espanhol, uma bipolarização da pequena burguesia, com uma parte, no final do século XIX, a seguir opções políticas progressistas, e outra uma via mais conservadora (Núñez Seixas, 1996, pp. 31-32), é perfeitamente aceitável pensar-se que no caso português, em que aqueles fatores sofreram um desenvolvimento ainda mais lento e débil, eles não terão constituído elementos perturbadores do natural radicalismo pequeno-burguês, levando deste modo os lojistas de Lisboa a uma “colagem” aos republicanos, depois de terem passado primeiro pelo reformismo, e mais tarde pelo apoio ao Partido Progressista.

Além disso, apesar de Lisboa estar a sofrer alguma industrialização, no final do século XIX e na primeira década do século XX, tal não foi certamente suficiente para levar os lojistas da capital a sonhar com um regresso aos valores do passado, para contrariar as “forças” da modernização. A “crise” do pequeno comércio de Lisboa ocorreu na década de 1890, mas na década seguinte os seus efeitos estavam já a ser ultrapassados e os lojistas pareciam estar a viver uma tendência de melhoria das suas condições, contrariamente aos seus pares um pouco por toda a Europa.

A este percurso económico inverso, correspondeu um movimento político diferente. A última década do século parece ter representado um “salutar corretivo” ou a “sobrevivência dos mais aptos”, mas representou também – (i) pela relativa melhoria das condições económicas, (ii) pela ausência de um conjunto de fatores concorrenciais ou potencialmente ameaçadores para a sobrevivência do pequeno comércio, (iii) pela falta de resposta das forças políticas mais conservadoras aos problemas que verdadeiramente preocupavam os lojistas, os impostos e o inquilinato, (iv) pela atratividade do discurso republicano e, por fim, (v) pelo ainda diminuto significado da questão social no final da monarquia – uma época de reforço da sua identidade, da sua noção de independência e do seu radicalismo, apontado não contra os grandes armazéns, as cooperativas de consumo, o socialismo, ou os judeus, que constituíam os escapes da maioria dos lojistas europeus, mas sim contra o Estado, por causa dos impostos e dos “desperdícios”, contra os políticos monárquicos, por causa dos “escândalos” e dos direitos cívicos “coarctados”, e contra os ricos e “privilegiados”, por causa das dificuldades em garantir estabilidade no negócio ou um direito de propriedade que levasse em conta aquele que era o principal aspeto realçado na construção ideológica do que era ser um lojista, o seu trabalho, o seu esforço.

O sentimento de crise, real ou percecionada, dos lojistas passava precisamente por estes últimos aspetos, determinantes na modulação de uma ­postura definitivamente radical face à sociedade e à política. Com o tempo, essa atitude de contestação aos governos e aos políticos haveria de evoluir para uma contestação ao regime político, neste caso já devidamente enquadrada por uma propaganda republicana cada vez mais apelativa e coerente para um conjunto de indivíduos que moldavam o seu sentimento de pertença a um grupo ou classe, não só por uma experiência de vida e negócio comuns, mas essencialmente pela imagem do cidadão contribuinte, do indivíduo honrado e trabalhador que, pelo seu papel de intermediário na sociedade, por um lado, e de contribuinte líquido para o Estado, por outro, tinha todo o direito e mesmo o dever de intervir politicamente nessa mesma sociedade e junto dos representantes desse Estado.

A crise dos anos 90 não “matou o merceeiro” lisboeta – como era vaticinado em 18 de agosto de 1902 pelo The Times a propósito do grocer inglês. Constituiu antes um momento de renovação do pequeno comércio que, depois da “tempestade” da última década do século XIX, terá aproveitado a “bonança” de um crescimento demográfico espetacular. Os lojistas eram mais, é certo, mas a concorrência não era vista como um mal, pois a cada um cabia agora uma fatia maior do bolo, numa tendência oposta ao que acontecia um pouco por todo o lado, onde a pequena burguesia comercial via diminuir de dia para dia a quota de mercado disponível. É nestas diferentes visões sobre a evolução do mercado de consumo e as ameaças que essa dinâmica perspetivava, entre um futuro que parecia estar a melhorar, e outro onde a luz ao fundo do túnel parecia ficar cada vez mais ténue, que se pode encontrar uma das justificações para a manutenção de uma ideia progressista da sociedade e da política que ajudou a impulsionar os lojistas de Lisboa para o republicanismo. Não era tanto a suposta crise económica que os assustava e criava ressentimento, nem uma improvável revolução vinda de baixo que lhes metia medo, num país onde o anarquismo, o socialismo e a classe operária tinham, no final da monarquia, e por comparação com o estrangeiro, um fraco desenvolvimento; o que efetivamente os preocupava e encaminhava para um maior radicalismo era o facto de, social e politicamente, a monarquia não lhes permitir evoluir, nem lhes deixar margem para uma intervenção política que fosse o espelho efetivo do seu papel social, real ou idealizado.

 

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Recebido a 12-01-2011. Aceite para publicação a 09-03-2012.

 

NOTAS

1 O termo “pequena burguesia comercial” pretende abarcar os grupos sociais ligados ao pequeno comércio, essencialmente os donos de lojas de venda a retalho, que no final do século XIX faziam parte da “pequena burguesia”, essa designação algo heterogénea em que se ­incluíam também os artesãos e os pequenos funcionários públicos, por exemplo (Blackbourn, 1977, pp. 414-415; Crossick e Haupt, 1995, pp. 11-13).

2 Numa análise ao Boletim e relatórios da ACLL, a temática “crise” não aparece em 1887, surge duas vezes em 1888 e uma apenas em 1889, mas logo em 1890 é referida oito vezes, só sendo suplantada pela questão dos impostos, com a qual se liga intimamente (como acontecerá em 1892), sendo a mais referida em 1891 (15 vezes) e em 1893 (11 vezes).

3 ACLL, Relatório de 1890, pp. 103-106 e 128-129.

4 ACLL, Actas da Direcção, 1889-1893, p. 136; Boletim, n.º 33, agosto de 1890, p. 2; Relatório de 1890, pp. 16-18 e Relatório de 1891, pp. 59-62.

5 ACLL, Actas da Direcção, 1889-1893, p. 112.

6 O Lojista, n.º 1, 14-08-1891; n.º 2, 26-08-1891; n.º 3, 3-09-1891 e n.º 4, 10-09-1891; ACLL, Boletim, n.º 49, de dezembro de 1891, p. 7 e n.º 51, de fevereiro de 1892, p. 4.

7 O Lojista, n.º 28, 17-04-1892 e n.º 30, 30-04-1892.

8 ACLL, Relatório de 1892, p. 5.

9 ACLL, Relatório de 1891, p. 18 e Relatório de 1892, p. 30. Esta preocupação não passava em claro aos sócios, ao falarem no “enorme imposto que vem sobrecarregar o […] fundo social [da ACLL], constituído por títulos de dívida pública.” Cf. ACLL, Boletim, n.º 53, abril de 1892, p. 3.

10 O Lojista, n.º 30, 30-04-1892 (itálico no original).

11 O Lojista, n.º 23, 08-03-1892, n.º 30, 30-04-1892 e n.º 37, 20-06-1892. Na assembleia-geral da ACLL de 20 de abril foi precisamente referido que “as pautas vêm prejudicar gravemente o comércio de retalho.” Cf. ACLL, Boletim, n.º 54, maio de 1892, p. 5.

12  Num levantamento feito com base na série do Arquivo Municipal de Lisboa, Licenças para Estabelecimentos de Comércio e Indústria, entre 1878 e 1911, foi possível verificar que a década de 1890 foi a única onde se registou um crescimento negativo. Em 1890 foram requeridas 16432 licenças e 10 anos depois apenas 15664.

13 A referência aos 400 estabelecimentos teve origem numa representação que a Associação Comercial de Lisboa enviou à Câmara dos Pares em julho de 1893, em protesto contra o aumento das taxas da contribuição industrial. A afirmação foi repetida numa assembleia-geral da ACLL, em 20 de julho de 1893 e depois por Teixeira Bastos 1894, p. 363.

14 O Lojista, n.º 23, 08-03-1892; n.º 28, 17-04-1892; n.º 30, 30-04-1892; n.º 39, 05-07-1892; n.º 62, 24-06-1893 e n.º 64, 08-07-1893.

15 ACLL, Relatório de 1890, p. 129; Boletim, n.º 33, agosto de 1890, p. 3; n.º 45, agosto de 1891, p. 8 e n.º 49, dezembro de 1891, p. 4. Para a caracterização do lojista veja-se Arquivo Histórico Parlamentar, Assembleias Eleitorais Monárquicas, cx. 1734D, S. Isabel (2.ª assembleia) e cx. 1890D, S. Isabel (intra-muros, 2.ª assembleia).

16 O discurso das “economias” era um resquício da atratividade do programa político do Partido Progressista, que tinha conquistado os lojistas nas décadas de 1870 e 1880. Cf. Fernandes (2007, pp. 61-65, 83-84, 280 e 287) e Alves (2012, 276 e seguintes).

17 ACLL, Actas da Direcção, 1889-1893, p. 137; Boletim, n.º 40, março de 1891, pp. 4-5; n.º 52, março de 1892, p. 4 e O Lojista, n.º 30, 30-04-1892. Cupertino Ribeiro pertencia já ao Partido Republicano, no qual viria mais tarde a ocupar cargos de destaque.

18 ACLL, Boletim, n.º 43, junho de 1891, pp. 4-6.

19 ACLL, Boletim, n.º 43, junho de 1891, p. 1 e n.º 56, julho de 1892, p. 3.

20 De notar ainda o “voto de satisfação” pela fundação, provavelmente nos meses de junho ou julho de 1892, de outra coletividade ligada aos interesses comerciais, a “Associação Comercial do Beato e Olivais”. ACLL, Boletim, n.º 45, agosto de 1891, p. 1; n.º 56, julho de 1892, pp. 1-3 e n.º 57, agosto de 1892, p. 1.

21 Censos da População, 1890, 1900 e 1911 (população de facto) e CML, Inspecção ao Serviço do Imposto de Licença para Estabelecimentos em 1887 e 1893, Lisboa, Imprensa de Lucas Evangelista Torres, 1895, 1.ª série, p. 55 e Idem, 2.ª série, pp. 34-39.

22 P = População; L = Lojistas ou lojas. Fontes: v. Alves (2012, p. 95).

23 ACLL, Boletim, n.º 27, março de 1907, p.17 e n.º 28, abril de 1907, pp. 25-26.

24 Cf. Anuário Estatístico, 1917.

25 ACLL, Boletim, n.º 54, maio de 1892, p. 1-2; Relatório e contas… 1892 e O Lojista, n.º 31, 09-05- 1892.

26 O Século, n.º 4291, 04-01-1894.

27 Entre outros jornais, o decreto da dissolução das associações foi publicado no Diário Ilustrado, n.º 7493, 02-02-1894.

28 CML, Inspecção ao Serviço do Imposto de Licença… (1.ª série), p. 24.

29 ACLL, Boletim, n.º 70, setembro de 1893, pp. 1-4 e Actas da Direcção, 1897-1906, ata n.º 114, 09-09-1903.

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