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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.208 Lisboa jul. 2013

 

Os estudantes angolanos do ensino superior em Lisboa: uma perspetiva antropológica sobre as suas motivações e bem-estar subjetivo

Angolan students in Lisbon’s universities: An anthropological overview of their motivations and subjective well-being

 

Manuel António*

*ICS, Universidade de Lisboa. E-mail: maantonio2@gmail.com

 

RESUMO

No presente artigo, procede-se a uma análise antropológica do bem-estar dos estudantes angolanos do ensino superior em Lisboa, a partir das considerações subjetivas que os próprios fazem a respeito desta matéria. Admitindo-se a importância da motivação económica como aspeto fundamental para a explicação das migrações internacionais, procura-se, no entanto, complexificar esta análise, colocando a questão do bem-estar no centro da discussão a respeito da decisão de emigrar. Trata-se, portanto, de compreender a relação entre motivações e bem-estar subjetivo, sem colocar de parte a análise da situação socioeconómica dos emigrantes.

Palavras-chave: migrações; estudantes angolanos; motivações; bem-estar subjectivo.

 

ABSTRACT

In this article I present an anthropological analysis of well-being, focusing on the students from Angola that arrive to study in Lisbon’s universities. This study is not concerned with the measuring of objective indicators of well-being, but relies instead on the student’s own subjective evaluation of it. While acknowledging that the prospect of improving their living conditions is still a major motivation for most of these students, my intent is to also consider the importance of the pursuit of emotional well-being as a relevant factor for emigration. The article analyzes the relationship between motivations and subjective well-being, while taking into consideration the social and economic condition of these emmigrants.

Keywords: migrations; students from Angola; motivations; subjective well-being.

 

INTRODUÇÃO

 

O presente artigo1 insere-se no âmbito da investigação desenvolvida pelas ciências sociais no sentido de compreender os fatores determinantes das atuais migrações internacionais. Constitui um estudo de caso específico destas migrações, concentrando-se no fluxo de estudantes do ensino superior oriundos de Angola em direção a Portugal, sendo que a investigação se restringe apenas à cidade de Lisboa e aos estudantes inscritos ao nível da licenciatura.

No ano letivo de 2007-2008, o número de estudantes oriundos dos países da Comunidade de Língua Oficial Portuguesa inscritos nas universidades portuguesas subiu para 13 428, com 10 142 inscritos ao nível da licenciatura, 2 383 ao nível do mestrado e apenas 727 ao nível do doutoramento. Neste mesmo período, os estudantes angolanos constituíam a maior comunidade de estudantes estrangeiros em Portugal (num total de 4 648), estando a esmagadora maioria inscrita nos cursos de ciências sociais, comércio e direito (total: 3 113) (cf. dados do GPEARI2).

A migração dos estudantes angolanos para Portugal poderá ter diversas determinações na sua origem. Se, por um lado, existem motivações de ordem pessoal envolvidas na decisão de emigrar, existem também fatores determinantes de ordem estrutural e que condicionam, em parte, as escolhas dos ­sujeitos. Entre estas determinações de ordem estrutural, “repulsivas” (push factors), incluem-se as más condições do ensino superior em Angola (Carvalho, 2003). Compreender os graves problemas e debilidades por que passa o ensino superior em grande parte dos países africanos, e em Angola em particular, permite-nos antecipar algumas das causas (entendidas como fatores de repulsão) que, no início, influenciaram a decisão de emigrar por parte destes estudantes.

No entanto, o tipo de análise que se procurou fazer, ainda que tomando em consideração estes fatores de ordem estrutural, concentra-se sobretudo no discurso dos sujeitos, uma vez chegados a Lisboa, e procura colocar as emoções no centro da discussão a respeito dos fatores determinantes na decisão de emigrar, pretendendo problematizar a importância do estudo do bem-estar destes estudantes para a compreensão das suas motivações.

O estudo do bem-estar subjetivo enquanto campo de análise específico reúne contribuições de diferentes disciplinas. Uma influência importante resulta dos estudos da sociologia, a partir de finais da década de 60 do século passado, que procuraram determinar de que forma é que diferentes fatores sociais, como o rendimento económico e o estado civil, e também fatores demográficos, como a idade dos sujeitos, influenciam o seu bem-estar subjetivo (Campbell et al., 1976). Outros estudos importantes provêm da área da saúde mental, procurando um alargamento do conceito, para além da mera ausência de sintomas patológicos, para passar a incluir também a sensação de felicidade e de realização pessoal. Dentro da área da psicologia, estudou-se a relação entre diferentes tipos de personalidade e o bem-estar subjetivo e, mais propriamente, a psicologia social e cognitiva procurou estudar como diferentes variáveis contextuais influenciam os sentimentos pessoais de bem-estar subjetivo. Não havendo uma teoria que unifique o campo de investigação, considerou-se que algumas variáveis têm uma influência relevante na determinação do bem-estar subjetivo, como a estrutura da personalidade, a capacidade de adaptação a novas condições, a perseguição de objetivos (Diener et al., 2003).

A maioria dos estudos na área da psicologia que procuraram medir o grau de bem-estar subjetivo dos indivíduos ou grupos concluíram que os fatores demográficos e socioeconómicos não têm um peso muito relevante na sua determinação (Jones et al., 2003). De forma diversa, nesta investigação a partir da antropologia, mas marcada pelo recurso à literatura teórica tanto da sociologia como da psicologia social, aquilo que se tentou compreender foi até que ponto é que os fatores demográficos e socioeconómicos geram diferentes noções de felicidade nos sujeitos. Ou seja, até que ponto os fatores demográficos e socioeconómicos têm um impacto sobre o bem-estar subjetivo, não em termos de grau ou quantidade (não se pretendeu saber se a avaliação subjetiva do bem-estar era mais ou menos positiva, e se a sua variação estaria ­correlacionada com fatores demográficos e socioeconómicos) mas, sim, em termos de natureza ou qualidade (procurando saber em que medida é que variam os elementos considerados pelos sujeitos como constituintes essenciais para o seu bem-estar, em função dos fatores demográficos e socioeconómicos).

No entanto, é importante não incorrer aqui numa espécie de determinismo sociológico. Se o meio socioeconómico envolvente pode produzir diferentes perceções de bem-estar nos sujeitos, no entanto a sua acomodação a esse mesmo contexto envolvente raramente é passiva (e pacífica). Em geral, os sujeitos procuram ativamente melhorar a sua condição socioeconómica, ao mesmo tempo que aspiram a níveis de bem-estar cada vez mais elevados (Diener et al., 2000). Para compreender estas aspirações é necessário ter em conta as comparações de ordem identitária, entre os sujeitos e grupos que se encontram fora dos centros de poder da atual economia global para com os sujeitos e grupos que ocupam os núcleos de decisão da mesma e/ou auferem de um elevado nível de vida (Ferguson, 2006).

As comparações de ordem identitária, quase sempre expressas no idioma da superioridade/inferioridade de um grupo face ao outro, são recorrentes no discurso dos estudantes angolanos do ensino superior em Lisboa, quando pensam a sua própria identidade por contraste com os portugueses e com estudantes de outros países africanos. As comparações de ordem identitária surgem, assim, no discurso dos estudantes angolanos a respeito da sua vida em Lisboa, diretamente relacionadas com a questão emocional do bem-estar subjetivo, uma vez que neste tipo de comparações identitárias se verificam, quase sempre, ganhos e perdas (Tajfel, 1983). Estes ganhos e perdas de ordem emocional e identitária transcendem largamente a dimensão económica, ao mesmo tempo que, como veremos, estão diretamente relacionados com ela, permitindo complexificar a reflexão teórica que coloca uma racionalidade económica estrita na base da decisão dos sujeitos em emigrar.

 

METODOLOGIA

 

Optou-se pela realização de trinta entrevistas semi-estruturadas, sujeitas a uma posterior análise temática de conteúdo (Bardin, 1977). Não se tratando de uma investigação desenvolvida nos moldes da designada “grounded theory”, seguiram-se, no entanto, as sugestões de alguns dos seus autores no que se refere à análise das entrevistas (Glaser e Strauss, 2009 [1967]; Charmaz, 2007), nomeadamente a identificação de diferentes categorias temáticas, o estabelecimento de relações de sentido entre as mesmas e a análise das propriedades de cada categoria, resultando na identificação de subcategorias de análise.

O estudo concentrou-se apenas na cidade de Lisboa. Um total de 30 indivíduos constitui o conjunto entrevistado: 16 homens e 14 mulheres, com idades compreendidas entre os 19 e os 42 anos (a grande maioria dos entrevistados com idades entre os 20 e os 30 anos, com apenas uma mulher de 19 anos e dois homens acima dos 30), dos quais 18 são trabalhadores-estudantes e bolseiros e 12 estudantes dependem dos familiares.

Apesar de a maioria dos alunos entrevistados ter vindo para Portugal para ingressar diretamente no ensino superior ao nível da licenciatura, procurou-se identificar casos diversos em função dos objetivos teóricos da investigação, tendo em consideração, ainda que de uma forma bastante livre, a sugestão de Glaser e Strauss (2009), no sentido da construção de uma “amostra teórica”: uma das estudantes entrevistadas tinha já terminado a sua licenciatura há menos de um ano e tinha regressado para Angola, encontrando-se de férias em Portugal no momento da entrevista (o seu testemunho contribuiu para a reflexão a respeito do regresso destes estudantes a Angola e dos possíveis problemas na sua readaptação); uma das estudantes nasceu em Portugal, filha de pais angolanos, mas identifica-se sobretudo como angolana e pretende ir para Angola, onde tem bastante família, assim que termine o curso (a sua entrevista foi importante para pensar as questões que se prendem com a construção da identidade étnica/nacional); um dos estudantes encontra-se em Lisboa a fazer o mestrado, tendo concluído a licenciatura em Angola, onde é, também, professor na universidade (apresentava um conhecimento mais profundo do que muitos dos outros estudantes entrevistados a respeito da realidade do ensino superior em Angola); um outro estudante ocupa um cargo diretivo num núcleo de estudantes africanos de uma universidade pública em Lisboa (oferecendo um testemunho informado a respeito da situação dos estudantes angolanos em Lisboa, nomeadamente no que se refere à sua situação socioeconómica); um outro entrevistado já terminou a sua licenciatura e trabalha atualmente em Portugal (ao contrário da estudante que regressou a Angola logo após terminar os seus estudos, sendo que esta diferença e as explicações que os sujeitos avançam para a justificar foram importantes para pensar a temática das motivações). Para além disso, foram entrevistados alunos em diferentes anos da licenciatura e com variação no que se refere ao tempo de permanência em Portugal e, tal como foi anteriormente referido, procurou-se que as entrevistas realizadas fossem variadas no que se refere ao género e situação socioeconómica dos sujeitos.

 

MOTIVAÇÕES E BEM-ESTAR SUBJETIVO: TRÊS DIMENSÕES DE ANÁLISE

 

Na investigação realizada procurou-se analisar a relação entre motivações e bem-estar subjetivo no caso dos estudantes angolanos do ensino superior em Lisboa. Compreender como as causas económicas da emigração apontadas pelos sujeitos (por exemplo, a busca de uma formação universitária no sentido de conseguir um melhor estatuto socioeconómico), se prendem com as suas motivações em termos de bem-estar subjetivo presente e futuro (a ideia de que uma formação universitária, permitindo uma ascensão socioeconómica faculta níveis mais elevados de bem-estar em termos de circunstâncias presentes - qualidade de vida - e em termos de realização pessoal ou ideal de bem-estar).

No que concerne à discussão teórica em torno das causas dos fluxos migratórios, tanto a teoria económica neoclássica, colocando a seu ênfase na racionalidade económica dos indivíduos (Castles, 2000; Pires, 2003), como a teoria do mercado dual, que reflete sobre a integração dos imigrantes e dos trabalhadores locais mais qualificados em diferentes segmentos do mercado laboral (Portes, 1999), não colocam o seu foco na questão da relevância das motivações identitárias dos sujeitos para a sua decisão de emigrar - a aproximação a indivíduos ou grupos que ocupam uma posição mais perto dos centros decisores fundamentais na presente economia global – motivações essas que estão estreitamente relacionadas com as dinâmicas do bem-estar subjetivo – no sentido em que os sujeitos retiram importantes ganhos emocionais como resultado desta “ascensão identitária”, traduzidos num incremento do seu bem-estar. Foi este campo de reflexão que se procurou explorar na investigação realizada.

A relação entre motivações e bem-estar subjetivo, enquanto objeto de análise teórica, deverá ser decomposta em diferentes dimensões estruturantes, elas mesmas constituídas por diferentes variáveis. Propõe-se a delimitação de três dimensões essenciais de análise do bem-estar subjetivo: a dimensão “contextual”; a “dimensão identitária” e a dimensão “socioeconómica”.

 

A “DIMENSÃO CONTEXTUAL”: FATORES ESTRUTURAIS DE ATRAÇÃO E DE REPULSÃO

 

Por “dimensão contextual” do bem-estar subjetivo referimo-nos a fatores estruturais relacionados com a qualidade de vida dos estudantes, avaliada pelos próprios de uma forma subjetiva (Santos, 2007), comparando as condições de vida em Angola e em Portugal, em particular no que toca às condições de habitação, de estudo e de trabalho em que se encontraram nos dois países. Com esta dimensão de análise pretende-se analisar a relação entre qualidade de vida, bem-estar subjetivo e as motivações dos estudantes, dado que a sua qualidade de vida se revela determinante para a possibilidade (ou impossibilidade) de atingirem certos objetivos (como alcançar uma formação universitária), que podem eventualmente ser considerados essenciais para uma avaliação global positiva do seu bem-estar. De facto, no discurso dos estudantes, a questão da debilidade do ensino superior em Angola é quase sempre apontada como fator determinante da sua decisão inicial de emigrar. Da mesma forma, a avaliação negativa que fazem acerca da qualidade de vida em Angola, por comparação com Portugal, funciona como fator de ponderação na hora da decisão entre permanecer ou regressar, após terminados os estudos, sendo que as melhores infra-estruturas da cidade de Lisboa e uma maior capacidade de organização da sociedade portuguesa em geral, são os aspetos apontados como os principais fatores de atração. No entanto, estes fatores de atração não têm força suficiente para manter os estudantes angolanos em Portugal após a conclusão da licenciatura: 22 dos 30 estudantes entrevistados pretendem regressar a Angola; um planeia permanecer em Portugal, outro tenciona emigrar para outro país e seis ainda não tinham decidido o que iriam fazer. Temos, então, de ir para além da explicação que assenta na importância dos fatores estruturais de atração e repulsão, para uma compreensão mais profunda dos fatores determinantes da emigração destes estudantes, centrada na questão identitária e do bem-estar subjetivo.

 

A “DIMENSÃO IDENTITÁRIA”: A EMIGRAÇÃO COMO PERDA OU OPORTUNIDADE?

 

Para alguns autores da área da saúde mental, a emigração é problematizada como uma situação de perda ou de luto: luto pela distância em relação à família; luto pela distância em relação aos amigos; luto pela distância em relação ao grupo étnico de origem; luto pela distância em relação ao país de origem (em termos de lugares de memória, emocionalmente investidos); e, por vezes (que não é o caso da grande maioria dos estudantes angolanos), luto pela distância em relação à língua de origem (Atxotegui, 2000).

Estas diferentes dimensões de luto podiam bem ser reunidas enquanto variáveis relevantes para a compreensão de uma dimensão maior, que corresponde à “dimensão identitária” do bem-estar subjetivo. Tanto a família, como os amigos, o grupo étnico de origem, o país de origem (enquanto território de locais investidos de emoções), ou a língua materna, se assumem como variáveis essenciais para a definição da identidade dos sujeitos. São variáveis em dois sentidos: primeiro, no sentido em que nem todos os indivíduos ­experimentam as mesmas perdas (porque a distância em relação aos referentes identitários não é a mesma para todos – por exemplo, alguns estudantes angolanos têm familiares em Portugal, e outros não; alguns estudantes emigraram para ­Portugal ao mesmo tempo que outros amigos de Angola, enquanto para outros se tratou de um corte mais ou menos radical com as amizades que mantinham até ao momento); e, em segundo lugar, são variáveis na sua importância enquanto determinantes para o bem-estar subjetivo dos sujeitos (as distâncias em relação aos diferentes referentes identitários não são sentidas da mesma forma pelos vários sujeitos).

Assim, em primeiro lugar, deve-se considerar qual o peso que assumem os elementos da dimensão identitária na constituição do bem-estar subjetivo e na satisfação das “necessidades emocionais dos sujeitos em contexto de emigração, no caso os estudantes.

 Mais concretamente, procurou-se responder à seguinte questão: qual ou quais dos referentes identitários apontados (a família, os amigos, o grupo étnico de origem; o seu país de origem; a língua materna) são considerados pelos sujeitos como mais perturbadores, na sua ausência, dos seus níveis de bem-estar?

 Na identificação dos elementos constituintes fundamentais para uma definição do bem-estar, a proximidade da família apareceu como um fator destacado na análise de conteúdo das 30 entrevistas realizadas. No mesmo sentindo, introduzindo a questão das motivações na discussão, a presença de familiares em Portugal aparece no discurso dos estudantes angolanos como uma das razões essenciais da escolha de Lisboa como destino migratório. Da mesma forma, a família surge como um dos fatores mais importante na determinação dos estudantes em regressar para Angola. Assim, as motivações dos estudantes parecem ser estruturadas pela importância atribuída a certos elementos básicos, como a família, considerados como constituintes essenciais do bem-estar pessoal.

No entanto, ainda que seja um dos aspetos que mais negativamente afeta o bem-estar da generalidade dos estudantes, a forma como a distância da família é vivida varia em função da sensibilidade do sujeito. Mas varia, principalmente, em função do facto de a distância em relação à família não ser igual para todos: embora se possa afirmar, de uma forma geral, que os pais da maioria dos estudantes angolanos entrevistados não residem em Portugal, no entanto estes possuem junto de si vários irmãos, tios e primos. Esta variação ocorre também de acordo com fatores de ordem sociológica, em que a condição socioeconómica dos sujeitos desempenha um papel fulcral.

Desde logo, nos fatores determinantes da emigração, permitindo-nos complexificar a questão do caráter voluntário deste tipo de emigração, o que é importante para pensar a relação entre motivações e bem-estar. Na verdade, para alguns destes estudantes angolanos (parte substancial do grupo dos estudantes-trabalhadores entrevistados), a emigração foi escolhida livremente, mas sob os constrangimentos da falta de perspetivas económicas e de emprego. Para alguns deles, que vieram para Portugal ainda crianças e por decisão dos pais (vindo junto com estes, ou sendo enviados para casa de familiares), o caráter voluntário deste tipo de emigração encontra-se ainda mais comprometido. Para Salman Akhtar (1999), médico psiquiatra e psicanalista que tem trabalhado sobre as variáveis psico-sociais que influenciam a vivência da emigração, o grau de escolha envolvido na partida para um país estrangeiro vai afetar a posterior adaptação do sujeito a esse país. Este autor considera igualmente que as circunstâncias envolvendo a emigração são decisivas para a posterior adaptação do sujeito. Portanto, no que se refere à forma como estes estudantes vivem a distância em relação à família, tudo passa em primeiro plano por compreender até que ponto estes estudantes vêem a sua emigração como verdadeiramente voluntária e não como mais ou menos imposta por circunstâncias exteriores. Para vários destes estudantes de condição socioeconómica mais desfavorecida, pode-se mesmo afirmar que a emigração foi de certa forma imposta por condições externas (desde as más condições económicas, ao conflito militar) que determinaram uma separação, em certa medida compulsiva, em relação aos seus pais e à sua terra.3

A condição socioeconómica dos sujeitos, no que se refere à forma como estes vivem a distância em relação às suas famílias, manifesta a sua influência num segundo momento, na possibilidade que os estudantes têm ou não de visitar periodicamente a sua família em Angola, o que Salman Akhtar, seguindo outros autores, descreve como um importante reforço emocional. Este autor estabelece justamente uma continuidade entre a distância da terra natal e a distância da família e acrescenta que para o emigrante sobram duas formas de conseguir este reforço emocional. A primeira forma corresponde ao que designa por “extramural refueling”, que se refere à possibilidade de o emigrante estabelecer contactos com os familiares e amigos, quer através de telefonemas internacionais, ou mesmo fazendo viagens esporádicas à terra natal; a segunda forma corresponde ao que designa por “intramural refueling”, que diz respeito ao apoio emocional que outros familiares e conterrâneos, também emigrantes nesse país, podem prestar de forma a minimizar a dor da distância em relação a familiares e amigos que ficaram distantes.

Em relação à primeira forma, o acesso a este tipo de reforço emocional por parte dos estudantes angolanos varia drasticamente em função da situação económica de cada um. No caso dos estudantes com melhor situação económica, as viagens a Angola são algo que acontece de uma forma mais ou menos frequente (nunca chegando a um ano de intervalo sem ir ao seu país de origem), ao passo que os estudantes-trabalhadores e e alguns bolseiros, em situação mais carenciada, chegam a ficar longos períodos sem ir a Angola (indo uma a duas vezes durante toda a licenciatura). Paralelamente, as famílias dos estudantes mais abonados têm possibilidades financeiras para vir visitar os filhos a estudar em Portugal, ao passo que as famílias dos estudantes mais carenciados não o podem fazer. Estabelecida esta diferença, é importante acrescentar que todos os estudantes referiram a importância da comunicação regular via internet e telefone com os familiares e com os amigos, como forma de minimizar os impactos negativos da distância sobre o seu bem-estar:

 

Deixei amigos para trás […] sempre que vou lá é o reencontro, andamos todos juntos. Falamos por telefone, no MSN […] os amigos, parecendo que não, agora com a informática, estamos todos conectados […] tamos todos conectados, aquilo é “web cam” por todo o lado, todo o mundo vai-se vendo [homem de 24 anos, há 2 anos em Portugal]

 

Em relação à segunda forma, o acesso a este tipo de reforço emocional por parte dos sujeitos é, em certa medida, influenciado pelo tipo de acesso conseguido através da primeira forma, acima descrita. Ou seja, apesar de a importância de estar perto dos amigos e de outros compatriotas angolanos terem sido fatores menos referidos pelos sujeitos do que a importância de estar perto da família como elemento fundamental para o seu bem-estar (independentemente do género e da situação socioeconómica dos estudantes), encontra-se no discurso dos estudantes mais carenciados uma maior importância concedida às relações de amizade mantidas em Lisboa enquanto relações de reforço emocional (sobretudo em épocas festivas como o Natal, tradicionalmente passadas com a família). Estas relações de amizade (sobretudo quando envolvem um elevado nível de confiança e solidariedade) desenvolvem-se principalmente com estudantes angolanos e, também, com estudantes originários dos PALOP.

Ainda de acordo com Salman Akhtar (1999), uma variável a considerar quando pensamos a vivência emocional da emigração diz respeito à ­especificidade do país de origem. Concretamente, quando ocorre uma passagem de um país pobre para um país mais rico, e na eventual culpa inconsciente que esse tipo de movimentação pode despertar, no que se refere às pessoas deixadas para trás pelos sujeitos, apesar dos ganhos decorrentes da deslocação.

Este tipo de culpa, podendo ocorrer apenas no domínio do inconsciente (algo que não coube no âmbito desta investigação), não é muito visível no discurso dos estudantes angolanos, a partir da análise das entrevistas realizadas, ainda que surja no discurso de alguns trabalhadores-estudantes que, oriundos de contextos de pobreza, deixaram para trás amigos que não puderam vir estudar para Portugal por não terem tido qualquer espécie de apoio:

 

Eu procurei com toda a dedicação voltar a estudar e a escola aceitou-me aqui em ­Portugal […] este é o grande pão que eu levo daqui de Portugal […] a minha grande alegria constantemente é eu estar a pegar estas ferramentas de saber […] que me permitem entrar em contacto espiritual com os meus amigos e colocam-me uma grande responsabilidade […] terminar o curso e regressar para de onde eu vim, voltar a ter o contacto com a terra e iniciar aquilo que eu gosto de fazer…servir, ensinar e dar aos meus parceiros. É a minha missão, se eu tenho a memória e a experiência desses meus amigos, sabendo que eles também podiam cá estar e podiam também ser doutores, serem engenheiros e não o puderam fazer porque não tiveram essa oportunidade e alguém que lhes pudesse dar a mão ou um Estado que pudesse preocupar-se com que o ensino fosse para todos [homem de 42 anos, há 20 anos em Portugal].

 

Este facto poderá ter diferentes explicações, que vão desde a psicologia individual a questões que se prendem com a relação dos sujeitos com os seus grupos de pertença. Por um lado, esta culpa individual pode não estar tão presente pelo facto de a maior parte dos estudantes angolanos atribuir à sua emigração para Portugal um caráter meramente passageiro. Acresce a este aspeto a noção partilhada pela maior parte destes estudantes de que, ao adquirirem formação superior, estão, no mínimo, quando a situação socioeconómica de origem é boa, a fazer algo de que a família se orgulha e que apoia inteiramente, ou, nalguns casos de maior carência, que estão a fazer algo de que a família dependerá no futuro. Em ambos os casos, a emigração destes estudantes deixa de se constituir como um projeto de natureza inteiramente individual para se transformar num projeto que recebe um forte investimento familiar. Por outro lado, esta culpa poderá não estar presente na mente dos sujeitos pelo facto de estes estudantes acreditarem receber uma aprovação da sociedade angolana no geral, uma vez que, pela falta de quadros qualificados do país, a aquisição de formação superior por parte destes estudantes poderia ser entendida enquanto um desígnio nacional. Pude verificar que, para muitos destes estudantes, existe o desejo de contribuir para o desenvolvimento do seu país. Para outros, mais orientados por um desejo de ascensão individual, subsiste ainda a ideia liberal de que quanto mais indivíduos alcançarem o sucesso, melhor será para o país como um todo:

 

Eu sei que há muita pobreza em Angola… mas também acho que não pode ser o Estado a fazer tudo, ou seja, quanto mais as pessoas trabalharem e tiverem sucesso, mais riqueza vai haver para todo o país [mulher de 25 anos, há 3 anos em Portugal].

 

No entanto, apesar da sua fraca expressão entre o conjunto entrevistado, pareceu-me relevante mencionar aqui esta variável psico-social, como mote para regressarmos à discussão sobre as teorias que explicam a emigração, complexificando a análise. Tanto a teoria neoclássica da emigração, como a teoria do mercado dual, deixam de fora as motivações identitárias dos sujeitos enquanto determinantes dos fenómenos migratórios – no que se refere à vontade de aproximação dos sujeitos e grupos mais desfavorecidos aos centros decisivos da economia global e às elites que ocupam esse centro. Esse desejo de ordem identitária está inteiramente de acordo com a lógica da vivência do bem-estar que anteriormente foi aqui discutida. Nomeadamente, quando se afirmou que o conceito de bem-estar dos sujeitos é condicionado pelo contexto socioeconómico em que cresceram e em que vivem, mas que tal condicionamento não implica uma acomodação passiva, uma vez que os sujeitos estabelecem comparações constantes no que se refere ao seu bem-estar, na relação com outros sujeitos ou grupos que se encontram em situações socioeconómicas distintas.Dentro deste âmbito de discussão, devemos pensar a emigração não apenas como uma situação de perda, mas como uma situação de oportunidade. Oportunidade para a afirmação identitária dos indivíduos enquanto membros de grupos familiares e de nações, mas também, fundamentalmente, enquanto sujeitos não subsumidos nas relações de identidade que estabelecem com a sua família, com os seus amigos, com o seu grupo étnico de origem, com o seu país de origem, ou com a sua língua materna. Esta afirmação identitária do indivíduo, podemos concluir a partir da análise do material empírico recolhido, é “forçada” a ocorrer quanto mais desprotegido se encontra o sujeito, ou seja, quanto mais longe se encontra dos seus referentes identitários de base – passando por uma experiência de luto, que procura resolver impondo-se perante a sociedade do contexto migratório em que se encontra. Esta afirmação da sua identidade individual caracteriza-se pela perseguição voluntária de objetivos de diferente natureza, que estiveram na origem da decisão de emigrar, o que confere importância ao estudo das motivações dos sujeitos:

 

O emigrante tem de crescer muito para conseguir alguma coisa. É claro que se tu tiveres em casa, se tu tiveres o apoio da família, pode não ser financeiro, só mesmo apoio, tu poderes a qualquer altura telefonar, desabafares, estás protegido, tens menos necessidade de te impores. Agora, o emigrante angolano tem essa necessidade porque, para já, desde logo, pensa muito no objetivo que o fez perder pelo menos temporariamente a família, os amigos, o conforto do lar […] [homem de 30 anos, há 8 anos em Portugal].

 

 Neste sentido, pode-se afirmar que, no geral, sem variações relevantes no que se refere ao género e condição socioeconómica dos sujeitos, para os estudantes angolanos a emigração para Portugal é vista como oportunidade ao nível do desenvolvimento da sua identidade pessoal. A experiência migratória é referida como uma experiência de forte crescimento pessoal, que obrigou ao desenvolvimento da autonomia e da auto-confiança, que lhes permitiram alcançar os objetivos traçados:

 

Esta experiência prepara-me para enfrentar a vida de uma forma completamente diferente, porque quando eu estou em Luanda com a minha família, por exemplo, quando eu estava lá a viver, por mais que na minha vida pessoal fosse eu a tomar as minhas decisões, no geral quem toma as decisões são os meus pais porque é com eles que eu vivo, são eles que me bancam…por exemplo, mesmo agora sendo eles a bancar, a casa é minha, sou eu que tou lá sozinha, sou eu que tenho que gerir o meu dinheiro e isso cria uma independência completamente diferente que faria uma diferença muito grande, por exemplo, se eu continuasse a viver com eles… depois quando eu acabasse o curso e fosse viver sozinha ia ser muito mais difícil para mim do que vir agora ter esta experiência e ir-me habituando aos poucos […] [mulher de 22 anos, há 3 anos em Portugal].

 

Muito do mal-estar destes estudantes resulta da sua dificuldade em atingir os objetivos propostos, o que resulta no questionamento das suas capacidades para lidar com os desafios que encontram, nomeadamente com os escolares, e, por isso, em crises de auto-confiança.

 

Às vezes, quando eu estou muito triste, quando às vezes as coisas não correm bem na faculdade, eu fico triste, eu digo “Ai, eu sou uma burra, eu não tenho capacidades, eu não consigo, eu não vou conseguir” […] mas tem sempre alguém que me diz “Não, tu tens capacidades, tu és uma pessoa muito inteligente, tu consegues, tu vais conseguir” e, também, nós temos que ter fé naquilo que nós fazemos, temos que nos sentir seguros e ter em mente que nós podemos, temos de pensar positivo [mulher de 24 anos, há 3 anos em Portugal].

 

Vários estudantes referiram que a sua principal motivação para continuar face às dificuldades com que se deparam em Portugal foi o desafio pessoal, representado na capacidade de atingirem os objetivos definidos pelo próprio (ligados à formação universitária e tendo em vista a futura realização profissional), ainda mais importante que a força que o incentivo dos familiares detém enquanto suporte emocional perante as dificuldades. A capacidade de atingir estes objetivos faz com que os estudantes há mais tempo em Portugal, estando prestes a terminar o curso, considerem com um certo relativismo as dificuldades por que passaram na sua estadia em Lisboa (e que são muitas no caso dos estudantes-trabalhadores), aceitando que foram etapas necessárias para um objetivo maior (a conclusão dos seus estudos universitários), que, uma vez cumprido, já começa a fazer-se sentir na forma de ganhos emocionais:

 

Digamos que eu não me arrependo de nada, se tivesse de voltar a fazer tudo eu fazia, até porque agora a sensação é boa, é bom sentir isto… que as coisas começaram com muita dificuldade, que foi tudo muito difícil, foi tudo muito custoso e agora as coisas estão a fluir, simplesmente estou agora a acabar o meu curso, estou a dois meses de terminar a licenciatura e sinto-me bem com isto, não me arrependo absolutamente de nada, não tenho qualquer tipo de queixa em relação a qualquer coisa que tenha acontecido porque, se calhar, tudo aconteceu porque tinha uma razão de ser, senão não estava aqui hoje… se não tivesse enfrentado as dificuldades todas, não estava aqui hoje [mulher de 26 anos, há 6 anos em Portugal].

 

Este aspeto é relevante porque aponta para a importância de, num estudo do bem-estar subjetivo dos estudantes angolanos em Lisboa (mas penso que se aplicaria a outras populações migrantes), considerar sempre o tempo de estadia no país como variável a ter em conta.

Desta forma, o balanço que estes estudantes, em conclusão dos seus estudos, fazem da sua estadia em Portugal é positivo, uma vez que as maiores dificuldades já foram ultrapassadas e conseguem agora perspetivar o regresso a Angola. Neste sentido, muitos consideram que a experiência de viver em Portugal foi positiva sobretudo pela possibilidade que tiveram de ter contacto com uma realidade diferente, cujas vantagens residem na adoção de hábitos culturais “mais europeus”, nomeadamente a capacidade de organização, inclusive em termos de respeito pelos direitos da cidadania, e na aquisição de uma formação universitária com maior prestígio.

 

Vindo para Portugal é mais fácil conhecer outros países tipo Espanha, França, conhecer novas culturas, e é sempre bom, aprende-se qualquer coisa não é… e também é a vantagem de ser um país mais evoluído do que o meu, dá-me sempre a vantagem e outra visão do que as pessoas que estão lá, não é… uma visão diferente, um pouco mais ampla… porque quando estás num sítio que é mais desenvolvido há certas coisas que quando aparecerem lá tu já sabes e tu já viste. Tem sido positivo estudar em Portugal […] a nível de organização, têm uma melhor organização… os países menos desenvolvidos tentam copiar os países já desenvolvidos [homem de 23 anos, há 3 anos em Portugal].

 

[…] em Portugal adquiri uma maneira de pensar diferente, em termos de direitos de igualdade, democracia […] o respeito por aquele que não tem, que tem o mesmo direito do que aquele que tem […] [homem de 22 anos, há 3 anos em Portugal].

 

Um dos ganhos identitários decorrentes deste contacto com uma realidade mais “organizada”, e da obtenção de uma formação universitária prestigiada, passa pelas boas perspetivas no retorno a Angola: quer traduzidas na convicção da maior facilidade de encontrar emprego comparativamente com quem estudou dentro do país, quer traduzidas na possibilidade de transportar o que foi aprendido em Portugal para Angola, servindo o desejo de contribuir para uma transformação positiva do país.

 

Agora posso dizer que foi a melhor coisa que me podia ter acontecido, iniciar outras coisas […] porque nós em Angola, Luanda, temos uma visão um bocado limitada, não só a nível internacional, mas também a nível nacional, há coisas que se passam lá dentro e que nós não nos apercebemos, mas aqui tive mais noção das coisas […] eu acho que o que eu passei aqui, eu espero que possa ajudar a mudar algumas coisas lá, pode ser utópico, mas eu quero fazer a diferença [mulher de 25 anos, há 4 anos em Portugal].

 

Enquanto experiência de forte crescimento pessoal podemos perceber como a emigração dos estudantes angolanos para Portugal, ainda que considerada pelos próprios como temporária, deixa marcas nos sujeitos. De acordo com uma estudante que acabou o curso em 2008 e que já regressou a Angola:

 

Foi uma experiência que muitas pessoas deviam passar… tem aquelas fases más que serviram para alguma coisa, para a pessoa valorizar as fases boas… se voltar a estar numa situação má já sei como sair, como contornar, já sei com quem contar […] eu era muito dependente da minha família, da minha mãe, era muito mesmo, eu era muito mimosa […] nunca tinha saído para longe dos meus pais antes de vir para cá […] se um dia houver alguma situação em que eu tenha de estar sozinha já sei como me virar, já sei como lidar com muitas situações, boas e más… acho que contribuiu positivamente para a minha felicidade, tenho óptimas recordações de cá, muitos bons momentos passados aqui… até os maus momentos às vezes fico com saudades quando estou lá, fico com saudades do frio, da chuva […] [mulher de 26 anos].

 

A este respeito, parece muito pertinente, também para o caso dos estudantes angolanos, a aplicação que Maria Celeste Fortes (2005), faz do conceito de “ritual de passagem”, para descrever a vivência emocional e identitária associada à experiência da emigração, no caso dos estudantes cabo-verdianos do ensino superior em Lisboa. Referindo-se à obra de Van Gennep, Victor ­Turner afirma que os rituais de passagem são “[…] ritos que acompanham toda a mudança de lugar, estado, posição social, de idade” (Turner, 1974, p. 116). Estes rituais, na terminologia de Van Gennep, implicariam três fases essenciais, no que se refere à posição dos sujeitos em relação ao resto da sociedade: a fase de separação, de margem e de agregação.

No que diz respeito à fase de margem, que Turner designa por fase liminar, esta constitui-se sobretudo como uma fase de suspensão do estatuto e dos papéis sociais que os sujeitos ocupam, antes de voltarem a ser integrados na sociedade. Maria Celeste Fortes aplica este conceito à experiência de emigração dos estudantes cabo-verdianos do ensino superior, reconhecendo nesta, à semelhança do que se pode aqui observar a respeito dos estudantes angolanos, uma experiência de forte crescimento pessoal:

 

No plano pessoal e porque os estudantes vêem-se numa situação nova a que terão de se adaptar com o mínimo de choque, sobretudo a nível emocional, há um crescimento pessoal intenso. Passam assim de rapazes ou raparigas dependentes dos pais para Homens e Mulheres que têm de gerir as suas finanças, definir prioridades, e acima de tudo viver sem a presença de familiares, longe do país natal [Fortes 2005, p. 63].

 

Esta autora aponta que a experiência de emigração pode constituir-se como uma experiência de construção social da masculinidade e da feminilidade, vivida em diferentes níveis de intensidade em função do género dos sujeitos, no que se refere à maior liberdade e autonomia conquistada com a saída de Cabo-Verde:

 

Temos razões para crer, pela experiência de vida em Cabo-Verde, que a saída é vivida com diferentes níveis de intensidade. As raparigas, porque gozavam de menos liberdade do que os rapazes, vivem-na de uma forma particular [Fortes, 2005, p. 68].

 

Não foi possível investigar com detalhe esta questão da construção social da masculinidade e feminilidade associada à experiência da emigração dos estudantes angolanos. No entanto, observou-se como esta fase de liminaridade é vivida com diferentes níveis de intensidade em função da situação socioeconómica dos sujeitos. A obra de Victor Turner destaca a grande proximidade nas relações entre os sujeitos em fase liminar, determinada pela sua ­separação conjunta do resto da sociedade e pela emergência de um forte sentido de comunidade. Ora, se para todos os estudantes angolanos, a experiência de emigração se constitui como uma experiência de intenso crescimento pessoal, no caso dos estudantes em pior situação socioeconómica, enfrentando desafios ainda mais difíceis de ultrapassar, esta situação de liminaridade determina uma ainda maior importância da união com os outros sujeitos em situação idêntica. Para os trabalhadores-estudantes, a solidariedade, a entreajuda no seio do grupo, é essencial para a sobrevivência financeira (em alguns momentos de aperto) e emocional (ao longo de toda a experiência de emigração).

 

Eu partilhei uma residência com mais dois angolanos, uma residência universitária, que a gente chamava, não era formalmente, mas que era a nossa república […] era ali onde tudo acontecia, onde nos organizávamos, onde desabafávamos, onde nos chateávamos, onde de certa forma também buscávamos um pouco de força para a gente poder continuar também, porque era muito complicado, era muito difícil […] tinha sempre um ombro para poder desabafar, para estudar, para brincar e sentia-me muito mais acolhido e sentia que as coisas evoluíam para melhor como aluno e foi importante partilhar o espaço e também dar ânimo, nós apoiávamo-nos mutuamente… eu lembro-me de ter colegas meus que na altura havia aquela necessidade “É pá, este mês não tenho dinheiro para pagar a renda, não tenho dinheiro comprar o passe para ir para a escola, não tenho dinheiro para fotocópias” [homem de 30 anos, há 8 anos em Portugal].

 

 Neste sentido, a emigração destes estudantes constitui-se como um ritual de passagem que, baseado na produção de sofrimento, correspondente à dor da perda da proteção infantil, confere um estatuto de idade adulta. Em concordância com esta ideia, na análise das entrevistas encontra-se recorrentemente a ideia de uma troca entre algum mal-estar decorrente da situação presente em contexto de emigração, pela perspetiva de um futuro que, sob diferentes aspetos, será melhor.

Essas boas perspetivas futuras correspondem à última fase deste ritual de passagem, ou seja, à reintegração na sociedade de origem, mas com uma mudança de estatuto social e familiar (agora “adulto”). E este novo estatuto (espera o estudante), deverá conferir ganhos na relação com os pais e familiares através da conquista da independência e da admiração ou respeito, mas também com a organização social onde se vão inserir, seja o aparelho estatal, o mercado de trabalho emergente, a capital de Angola, etc.).

 

A “DIMENSÃO SOCIOECONÓMICA”: O PODER E A CLASSE SOCIAL

 

Diferentes autores apontam para a ideia de que quando os sujeitos têm ou ganham poder (económico, simbólico, ou outro), experimentam satisfação, confiança e segurança (Turner et al., 2006). Quando acontece o reverso e há uma perda considerável de poder, experimentam ansiedade, medo e perda de confiança. Apontam ainda que a detenção deste poder permite perspetivar o futuro com mais confiança e segurança. Estas considerações derivam da tentativa de relacionar emoções identitárias, neste caso narcísicas, associadas a uma construção da auto-estima baseada na comparação social vantajosa (Tajfel, 1981) com o poder, constituído, desta forma, como uma variável importante para a determinação do bem-estar subjetivo. Esta comparação social ocorre quer ao nível inter-pessoal quer ao nível de relacionamento entre grupos e, em ambos os casos, a comparação terá de ter um saldo positivo para o sujeito ou para o seu grupo de pertença, sob o risco de o sujeito ver ferida a sua auto-estima, em parte baseada na sua “identidade social” (Tajfel, 1983). Reconhecer esta parcela social da identidade dos sujeitos e a existência de comparações sociais com outros grupos de pertença, implica certas consequências:

 

Podemos supor que um indivíduo tenderá a manter-se como membro dum grupo e a procurar pertencer a novos grupos se esses grupos contribuíram de alguma maneira, para os aspetos positivos da sua identidade social […] Se um grupo não preenche este requisito, o indivíduo tenderá a abandoná-lo […] [Tajfel, 1983, p. 291].

 

Se, por variadas razões, for impossível para o sujeito abandonar o seu grupo de pertença, para Tajfel existem, pelo menos, duas soluções possíveis: por um lado, mudar a interpretação pessoal dos atributos do grupo de modo a que as suas características indesejáveis (o estatuto socioeconómico baixo, por exemplo) se tornem justificáveis, ou aceitáveis através de uma reinterpretação; ou, por outro lado, aceitar a situação tal como é e empenhar-se na ação social que possa levar às mudanças desejáveis da situação.

Ora, a emigração dos estudantes angolanos para Lisboa parece-me um bom exemplo de empenhamento numa ação social (a aquisição de ­formação superior prestigiada) que pode levar às mudanças desejadas (a subida de estatuto social).4 Assim, se por um lado temos de atentar na importância da motivação económica na decisão de estes estudantes emigrarem, tornando-se necessário considerar uma “dimensão socioeconómica” do bem-estar subjetivo, por outro lado devemos procurar transcender as propostas da teoria neoclássica das migrações em torno de uma racionalidade económica como elemento dominante no centro das motivações humanas, tentando identificar os elos de ligação profunda entre motivações de ordem económica (a procura da ascensão socioeconómica) e motivações de ordem identitária (o desejo, despertado pela comparação identitária, de aproximação a grupos de elite que estão próximos dos centros de poder/a procura da afirmação da identidade pessoal do sujeito) e de ordem emocional (a busca de maior sentimento de bem-estar).

A propósito do que se designa aqui por “dimensão socioeconómica” do bem-estar subjetivo, a hipótese que se levanta agora é, num primeiro plano, a de que a classe social se interliga diretamente com a questão do bem-estar subjetivo. Esta dimensão adquire, então, uma importância fundamental para a investigação, por permitir a desconstrução de uma ideia de comunidade, enquanto um todo homogéneo, e permitir olhar para as diferenças socioeconómicas internas ao coletivo dos estudantes angolanos do ensino superior em Lisboa. Neste sentido, traz uma nova luz à compreensão das dimensões identitária e contextual do bem-estar subjetivo, anteriormente discutidas, uma vez que estas podem manifestar-se de formas diferentes nos sujeitos, em função da sua situação socioeconómica.

Atentando nas motivações económicas dos sujeitos, começando por observar as razões que os levaram a emigrar para Portugal, pode-se observar que a totalidade de respostas recolhidas nas entrevistas que apontam a busca de melhores condições económicas como uma razão essencial para emigrar provêm dos trabalhadores-estudantes. Se, de facto, como afirma a literatura teórica sobre o tema, a detenção de poder económico permite ganhos emocionais (sensação de satisfação, confiança, segurança) é previsível que os sujeitos oriundos de situações mais carenciadas procurem a ascensão económica. Mas, como igualmente uma grande parte da literatura sobre migrações tem demonstrado, a maior parte daqueles que emigram não são os mais pobres dos pobres do seu país de origem. Ora, o mesmo sucede com os estudantes angolanos entrevistados: muitos dos trabalhadores-estudantes ­experimentaram uma perda de estatuto socioeconómico e uma degradação efetiva das suas ­condições de vida. À semelhança do que foi aqui discutido a respeito da dimensão identitária do bem-estar subjetivo, esta experiência de perda de estatuto social soma-se à perda dos referentes identitários. O sujeito tem de conseguir gerir esta perda, o que implica um grande salto ao nível do crescimento pessoal, transformando essa perda em oportunidade.

 

Tu não estás a imaginar um miúdo, um jovem angolano que vive como um burguês, como eu costumo dizer, muitos de nós tínhamos este modo de vida e não valorizávamos aquilo que tínhamos… mas fora de Angola começamos a valorizar […] de repente estás a partilhar um espaço com duas pessoas por exemplo, não tens dinheiro para esbanjar, tens que andar de transportes públicos, ainda tens que aturar um indivíduo que não te conhece de lado nenhum mas que parte do princípio de que tu és um otário e mal formado… é complicado, tens de crescer, tens de crescer, ou seja, se calhar nunca trabalhaste em Angola porque se calhar os teus pais até te davam uma vida boa, nunca te imaginaste a ter um trabalho como servente nas obras, a dar ao cabedal, a ganhar calos, a seres mal tratado a torto e a direito… tens de crescer e meter na cabeça que eu tenho de fazer isto porque eu não quero continuar nisto, ou cresces ou frustras-te… há muita gente que não consegue aguentar a pressão e há pessoas que também colaboram para isso… eu lembro-me que houve um ano em que eu só fiz uma cadeira […] e tinha tudo para segunda época e que houve colegas que a nível de gozo disseram “É pá, é melhor desistir… isso de ser doutor não é para todos” […] e tu ouvires este discurso ou tu te frustras… ou vai ou racha […] [homem de 30 anos, há 8 anos em Portugal].

 

Observámos que para os trabalhadores-estudantes, de uma forma diferente dos estudantes angolanos que não necessitam de trabalhar, porque podem contar com o sustento dos pais, a experiência de crescimento pessoal é uma experiência difícil que conjuga em si mesma as dinâmicas de perda e de oportunidade próprias da dimensão identitária. Erik Erikson (1976 [1950]), que desenvolveu amplamente o conceito de “identidade”, observou esta dinâmica de perda/oportunidade em várias fases do crescimento individual, no sentido da estruturação da identidade pessoal, e constatou que a dinâmica essencial própria da fase dos jovens adultos (idade em que se encontra a maior parte dos estudantes angolanos entrevistados) diz respeito à da “intimidade vs. isolamento”:

 

Assim, o adulto jovem, que emerge da busca e persistência em uma identidade, anseia e se dispõe a fundir a sua identidade com a de outros […] A evitação de tais experiências devido ao terror da perda do ego pode conduzir a uma profunda sensação de isolamento e a uma consequente auto-absorção [Erikson 1976, pp. 242-243].

 

Podemos observar este tipo de dinâmica identitária nas vivências dos trabalhadores-estudantes angolanos em Lisboa. Por um lado, o crescimento pessoal “forçado” pelas circunstâncias de emigração e pela necessidade de ir trabalhar é negativamente entendido como a perda de uma hipotética juventude mais descontraída (sendo que lhes é tirado o tempo para viver a “fusão da sua identidade com a de outros”, experiência que estes estudantes observam nos seus colegas angolanos e, também, nos portugueses, que ainda vivem em casa dos pais e com uma boa situação económica), ao mesmo tempo que é positivamente entendido como uma oportunidade para a definição da identidade individual – o caminho para a identificação consigo mesmo ‒ que afasta estes jovens das crises existenciais próprias da idade (e que igualmente caracterizariam os seus colegas angolanos e portugueses com melhor situação económica):

 

Como dizem, eu cresci muito rápido, eu tenho 22 anos agora e não sei até que ponto isso foi muito bom para mim, até que ponto isso foi muito mau, mas sei que consegui alcançar coisas que os jovens hoje aos 25 anos nem sonham e eu não abro mão disso… podia ter uma postura mais relaxada, mas não tive essa possibilidade […] e então é um bocadinho mau por causa disso […] porque aqui na faculdade eu tenho de lidar com pessoas muito novas… muito novas é da minha idade e que eu acho muito infantis […] esse eu acho que foi o pior lado dessa experiência que eu tive […] o lado bom é que eu consegui alcançar aos 22 anos “n” coisas que um jovem normal jamais vai alcançar… eu nunca tive crises existenciais, eu sempre soube a faculdade que queria entrar e o curso que queria, eu sei o que quero fazer quando sair daqui e é isso que vai acontecer, eu sei o que quero, trabalho para isso, e não tenho muito tempo para entrar em crise e em dúvidas […] e tenho uma independência boa, lido comigo como ninguém e sinto-me bem com aquilo que faço […] [mulher de 22 anos, há 4 anos em Portugal].

 

CONCLUSÃO

 

A investigação que subjaz à produção deste artigo teve uma natureza essencialmente exploratória. Mais do que procurar encontrar respostas claras para as questões levantadas, tentou-se problematizar a questão da relação entre motivações e bem-estar subjetivo, identificando três dimensões essenciais para a investigação. Estas diferentes dimensões de análise, referentes aos fatores contextuais que determinam a qualidade de vida, às questões de ordem identitária, e à situação socioeconómica dos sujeitos, devem ser entendidas como os campos principais onde se processa a estruturação do bem-estar dos indivíduos. Através da comparação com outras investigações que repetidamente atentassem nestas dimensões de análise, poderíamos eventualmente desenvolver um modelo teórico que, aplicável a cada caso particular, mas indo além das suas especificidades, servisse para uma compreensão das causas da emigração e do bem-estar dos emigrantes, que tivesse em conta o ponto de vista dos sujeitos, colocando as questões de ordem identitária e emocional que, a par das motivações de ordem económica, mais amplamente trabalhadas pelas principais teorias da emigração, devem estar no centro da discussão. Este modelo deveria ser acompanhado da análise das estratégias emocionais e identitárias (Bastos, 2002) que os sujeitos mobilizam para fazer face às dificuldades decorrentes da sua situação de emigrantes, de forma a preservarem o seu bem-estar e a conseguirem afirmar a sua identidade individual e de grupo.

Uma intenção fundamental guiou a presente investigação desde o início: compreender a parte emocional e identitária envolvida na experiência da emigração, transcendendo as explicações de natureza estritamente económica, com o propósito de contribuir para um olhar sobre os imigrantes como sujeitos, homens e mulheres com motivações e um ideal de bem-estar, para que quando se estuda as questões da integração dos imigrantes não se fique apenas pela discussão da tão importante questão laboral.

 

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Recebido a 15-02-2011. Aceite para publicação a 15-10-2012.

 

NOTAS

1 Este artigo tem por base a minha tese de mestrado (António, 2009) realizada na FCSH sob orientação do Professor Doutor José Gabriel Pereira Bastos, cujas críticas enriqueceram extremamente o meu trabalho, e a quem muito agradeço. Naturalmente, assumo toda a responsabilidade pelos aspetos menos bem conseguidos do seu conteúdo.

2 Na dissertação supra referida pude efetuar uma caracterização mais detalhada dos estudantes angolanos do ensino superior em Portugal, sendo aqui apresentados apenas alguns dados essenciais (António, 2009).

3 A questão da fuga ao conflito militar em Angola foi uma das razões apontadas para a emigração, tanto por homens como por mulheres, e sem variação em função da condição socioeconómica. Tal deve-se ao facto de a maior parte dos entrevistados serem de Luanda, onde o conflito militar só se instalou por um breve período. A questão do conflito militar e da sua relação com a emigração é pececionada de forma diferente por homens e mulheres: para os primeiros a emigração é vista como uma forma de fugir ao serviço militar (e aí as condições económicas desempenham um papel importante na angariação dos meios necessários para tal emigração); as segundas referem sobretudo a imprevisibilidade do desfecho do conflito, quando as suas proporções adquirem especial gravidade, no início dos anos 90, no momento em que o conflito chega a Luanda.

4 Tajfel reconhece ainda a possibilidade de estas duas soluções ocorrerem em simultâneo, o que parece ter uma aplicação adequada à análise dos dados reunidos na presente investigação. Tendo agora feito referência à segunda solução, ativada pelos estudantes através do seu projeto migratório, em relação à primeira solução, pude observar como os estudantes angolanos fazem uma reinterpretação da comparativamente maior pobreza de largas franjas da sociedade angolana em relação à portuguesa, recuperando alguma vantagem identitária, na atribuição que, muitas vezes, fazem de uma maior alegria aos indivíduos e aos povos pobres (atribuição de alegria que acabam por generalizar a todos os angolanos) do que aos ricos (cuja ausência acabam por generalizar aos portugueses).

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