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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.211 Lisboa jun. 2014

 

ARTIGOS

Reciprocidade discursiva, enquadramento e deliberação: a consulta pública sobre reforma política da ALMG1

Discursive reciprocity: frames and deliberation: public consultation on the political reform of ALMG

 

Ricardo Fabrino Mendonça*, Fernando Vieira de Freitas** e Wesley Matheus de Oliveira*

*Departamento de Ciência Política, Universidade Federal de Minas Gerais » Av. Antônio Carlos, 6627, Fafich/DCP, Pampulha — CEP 31270-901 Belo Horizonte, MG, Brasil. E-mails: ricardofabrino@hotmail.com e wesley@wesleymatheus.com.br

**Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano, Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ) » Av. Pedro Calmon, 550, Prédio da Reitoria, 5.º andar, Cidade Universitária — Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: fernando.vife@hotmail.com

 

RESUMO

O conceito de reciprocidade é fundamental para a perspetiva deliberacionista de democracia. No entanto, críticos da perspetiva tendem a interpretá-lo como um fardo que os deliberacionistas insistiriam em carregar, o que promoveria uma leitura irrealista e deturpada das efetivas lutas por interesse na cena política. Este artigo busca discutir a dificuldade de lidar metodologicamente com a noção de reciprocidade e apresenta a necessidade de uma distinção entre duas dimensões da reciprocidade: a direta e a discursiva. Através de um estudo de caso sobre uma consulta pública online, ilustra-se a operacionalização dessas dimensões, recorrendo-se à análise de enquadramentos.

Palavras-chave: reciprocidade; democracia deliberativa; reforma política.

 

ABSTRACT

The concept of reciprocity is essential to deliberative democrats. However, those who criticize the approach tend to interpret the notion as a burden that deliberative democrats insist on carrying, as it would lead to misleading interpretations of concrete political struggles. This article seeks to discuss the difficulty of dealing methodologically with the notion of reciprocity. It advocates the need of a distinction between two dimensions of reciprocity: direct reciprocity and discursive reciprocity. Through a case study about an online consultation, the article illustrates the analytical operationalization of these dimensions, making use of frame analysis.

Keywords: reciprocity; deliberative democracy; political reform.

 

O conceito de reciprocidade é fundamental para a perspetiva deliberacionista de democracia. Sem diálogo – sem intercâmbio recíproco – não se pode falar de deliberação. Por definição, a mutualidade é constitutiva da deliberação se se opera a partir da matriz habermasiana de pensamento. Isso porque a racionalidade defendida por Habermas não reside numa capacidade cognitiva individual, mas emerge do processo de troca pública de razões em que os argumentos se atravessam e se modificam.

Como explorado em trabalho anterior (Mendonça e Santos, 2009), contudo, a ideia de reciprocidade tende a ser interpretada como um fardo que os deliberacionistas insistiriam em carregar. Na medida em que a reciprocidade é frequentemente tomada como equivalente a altruísmo, harmonia e sublimação de conflitos, apregoa-se que a ideia promoveria uma leitura irrealista e deturpada das efetivas lutas por interesse na cena política. Tal interpretação, já se argumentou, nasce de uma visão redutora da noção de reciprocidade, que não capta o sentido do conceito de role taking na teoria habermasiana (idem, 2009). A reciprocidade de que depende a deliberação não implica apagamento de conflitos e interesses (Mansbridge et al., 2010).

No entanto, a complexidade dessa ideia de reciprocidade acaba por ser, de facto, reduzida em diversas operacionalizações empíricas dos próprios deliberacionistas. Isso fica claro na profusa literatura atual que se propõe construir indicadores para o estudo de iniciativas virtuais. Este artigo busca discutir a dificuldade de lidar metodologicamente com a noção de reciprocidade, apresentando alguns caminhos para a superação de tal dificuldade. Tais caminhos passam, argumentamos, por uma distinção de duas dimensões da reciprocidade: a direta e a discursiva. Através de um estudo de caso sobre uma consulta pública online da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, buscaremos ilustrar a operacionalização dessas dimensões, enfocando especialmente a reciprocidade discursiva, que supera alguns dos limites de estudos restritos à reciprocidade direta.

O artigo está estruturado em três partes. Na primeira delas, fazemos uma breve discussão sobre a operacionalizações do conceito de reciprocidade em estudos sobre deliberação online e avançamos o argumento da supracitada distinção de dimensões da reciprocidade. Advogamos que o conceito de enquadramento é de relevância fulcral para a compreensão da frequentemente negligenciada reciprocidade discursiva. Na segunda parte, contextualizamos o caso mobilizado: uma consulta pública sobre reforma política. Finalmente, na terceira parte, apresentamos uma análise da experiência centada na questão da reciprocidade.

 

DELIBERAÇÃO ONLINE E RECIPROCIDADE

 

A teoria deliberacionista da democracia é uma perspetiva que liga a legitimidade democrática ao intercâmbio público de razões (Habermas, 1997; 2005; Bohman, 1998; Avritzer, 2000; Dryzek, 2000; Chambers, 2003; Gutmann e Thompson, 2004; Thompson, 2008; Steiner, 2012; Vieira e Silva, 2013). A sua formulação como um modelo democrático remonta aos anos 1980 – em trabalhos como os de Bessette e Joshua Cohen –, ganhando força ao longo dos anos 1990, no processo que ficou conhecido como a viragem deliberativa da teoria democrática. Na sua base, contudo, a ideias bem mais antigas que geralmente são traçadas desde a democracia ateniense, aos escritos de Burke e Sieyès, passando por Kant, Rousseau, Stuart Mill, Dewey e Arendt até chegar aos escritos de Rawls e, mais fundamentalmente, Habermas (Dryzek, 2000). Dada esta diversidade de fontes, é essencial reconhecer que o modelo se constitui como uma família eclética, com abordagens bastante distintas (Mendonça, 2011). Atravessando essas abordagens, existe, todavia, uma aposta em princípios como publicidade, mutualidade, racionalidade e igualdade para a articulação de um modelo democrático baseado no intercâmbio de razões em oposição à mera agregação de preferências (Chambers, 2003; Mendonça, 2010).

Deliberação não é, pois, sinónimo de participação, nem uma crítica à ideia de representação. Ela não implica um intercâmbio presencial direto e desapaixonado de silogismos desinteressados. Tãopouco significa uma busca pelo consenso que apague as diferenças e a pluralidade do mundo (Mansbridge et al. 2010; Dryzek e Niemeyer, 2006). Salienta-se, ainda, que a abordagem deliberacionista não é uma descrição empírica das democracias existentes. Trata-se de um conceito normativo que, como bem destaca Pinzani (2009), não pode ser confirmado ou negado por dados empíricos. Ele funciona como uma lente para compreender processos reais que operam com algumas das suas premissas, embora nunca as realizem plenamente. Entendemos, pois, que a deliberação não é mera utopia inverosímil, mas uma noção que permite pensar criticamente práticas existentes.

Nesse sentido, torna-se necessário refletir sobre um dos pontos mais controversos do conceito de deliberação, qual seja, a premissa do intercâmbio, que pressupõe a existência de um diálogo efetivo no bojo do processo deliberativo. A deliberação não é o simples apresentar de razões públicas, como supõem aqueles que se baseiam na matriz rawlsiana, mas uma troca pública de razões (Cooke, 2000). De acordo com deliberacionistas de diversos matizes, é fundamental que haja mutualidade e co-operação para que se possa vislumbrar a existência de deliberação (Gutmann e Thompson, 1996; Bohman, 1996; Habermas, 1997; Dryzek, 2000; Bächtiger et al., 2009). Tal reciprocidade não requer que cada indivíduo abra mão das suas posições e concorde com os demais. O essencial é que haja interação entre os discursos proferidos em público, de modo a que a própria prática discursiva se encarregue da filtragem processual das razões (Habermas, 2006; Mendonça e Santos, 2009). A reciprocidade implica, pois, a existência de um cenário dialógico em que cada discurso não existe isoladamente, mas se articula com uma trama mais ampla.

Embora instigante, esta conceção de reciprocidade é de difícil operacionalização. Se a agenda de estudos empíricos sobre deliberação tem reiterado a centralidade do conceito, existem diferentes maneiras para tentar apreendê-lo. Nos estudos sobre discussão online, essas operacionalizações são particularmente interessantes, já que uma das promessas ligadas à internet era a de que ela promoveria práticas comunicativas mais horizontais e dialógicas. Como assinalam Baek, Wojcieszak e Delli Carpini (2011, p. 364), “a internet ofereceu novas esperanças aos pesquisadores deliberacionistas que viram seus potenciais equalizadores e pró-democráticos”.

A proposta de Raphäel Kies (2010) para a análise da reciprocidade deliberativa em iniciativas digitais ilustra bem os procedimentos geralmente utilizados. Ele sugere mensurar a proporção de posts que começam um tópico e a proporção daqueles que se inserem em tópicos já iniciados. Essa estratégia também é adotada por Jensen (2003), que codifica cada post como “iniciador”, “resposta” ou “monólogo”. Outro elemento da proposta de Kies (2010) é avaliar se existem posts que consideram opiniões já apresentadas no fórum. Stromer-Galley (2007) aborda a questão da reciprocidade por meio da noção de engajamento. De acordo com ela, o engajamento exige que os participantes de um processo conversem uns com os outros sem se ignorar. Assim, Stromer-Galley propõe que se diagnostiquem os índices de responsividade de posts, bem como a formulação de questões não retóricas e as oportunidades em que uma meta-conversa é mobilizada.

Wales, Cotterill e Smith (2010), por sua vez, propõem-se diagnosticar manifestações explícitas e não explícitas de acordo ou desacordo em relação a outros comentários. Graham e Witschge (2003) advogam o levantamento das respostas aos argumentos de outros participantes, por meio do mapeamento visual da rede que conecta os participantes. Marques (2011) defende a realização de uma análise focada na observação da alternância de turnos entre participantes que se respondem de maneira não centralizada. Convém mencionar, por fim, que os proponentes do DQI (Discourse Quality Index) – o método que se tem mostrado mais influente para os estudiosos da deliberação – recentemente incorporaram a noção de reciprocidade por meio da mensuração da interatividade (Bächtiger et al., 2009). Para tanto, propõem pôr em foco o número de referências em relação aos argumentos de outras pessoas.

A questão é que esses trabalhos costumam ater-se a uma das dimensões da reciprocidade qual seja, a direta. Essa dimensão revela-se na existência de uma troca mais explícita e imediata entre os participantes de um processo dialógico. Por isso, a atenção recorrente a menções mútuas entre posts e ao uso de ferramentas de plataformas que evidenciam se um dado comentário é uma resposta a outro post ou o início de um novo assunto. Tais estratégias podem ser importantes para a compreensão da deliberação, evidenciando a construção de microprocessos discursivos internos a certos fóruns.

Há, contudo, uma segunda dimensão a ser considerada, que denominamos reciprocidade discursiva. Essa dimensão não enfoca o diálogo entre participantes, mas busca mapear choques mais amplos de discursos. O seu objeto não é, pois, o post ou a intenção dialógica do participante, mas a rede discursiva que se pode depreender de determinado fluxo discursivo. Uma análise de reciprocidade discursiva não busca descortinar interpelações entre indivíduos, mas reconstruir uma trama que mostra como determinados discursos se chocam e se respondem. Tal análise revela-se especialmente importante num momento de expansão da abordagem deliberativa que ganha ares mais sistémicos (Mansbridge, 1999; Dryzek, 2000; Hendriks, 2006; Parkinson, 2006; Warren, 2007; Goodin, 2008; Mendonça, 2009; Parkinson e Mansbridge, 2012). Nesse viés, processos deliberativos não devem ser pensados apenas como conversas diretas entre pessoas, mas como fluxos discursivos mais amplos que tomam corpo em diferentes arenas e em diversos momentos.

Fica claro, assim, que a compreensão dessas duas dimensões da reciprocidade requer procedimentos metodológicos distintos. Para o estudo da reciprocidade direta, endossamos muitos dos caminhos frequentemente mobilizados pelos estudiosos da deliberação online. Sugerimos, nesse sentido, atenção a quatro indicadores: (1) a catalogação das relações diretas entre posts – por meio de referências explícitas ou de interações claras sem menção explícita; (2) a observação dos posts que contêm perguntas não retóricas, demonstrando interesse em dialogar; (3) a utilização de contra-argumentos ao próprio argumento defendido; e (4) a manifestação de apreço ou repúdio (like e dislike) em relação a comentários. Todos esses indicadores sugerem a concretização, ou o desejo, de uma conversa entre os participantes de uma arena online.

Para o estudo da reciprocidade discursiva, por sua vez, entendemos que a análise de enquadramento oferece um caminho metodológico com grande potencial heurístico. Entender o movimento e as relações entre os diversos quadros mobilizados pelos proferimentos ajuda a mapear os choques argumentativos entre discursos, remontando a natureza de uma conversação abstrata. Para compreender melhor esse potencial, bem como a sua forma de aplicação, torna-se necessário, agora, realizar uma breve discussão sobre o conceito de enquadramento.

 

ENQUADRAMENTO E RECIPROCIDADE DISCURSIVA

 

A base da noção de enquadramento surgiu com os escritos sobre psicoterapia e antropologia de Gregory Bateson (1953) e foi posteriormente trabalhada pela microssociologia de Erving Goffman (1986). Bateson observou que para além do caráter denotativo da linguagem, existem dimensões metalinguísticas e metacomunicativas que dizem do próprio processo comunicativo do qual participam os indivíduos. Para ele, o sentido do discurso não se constitui como algo antecipadamente dado pelo conteúdo da mensagem, mas é construído intersubjetivamente no contexto da comunicação (Bateson, 2002 [1953], p. 96). É nesse sentido que Bateson propõe o conceito de enquadramento como aquilo que baliza a interpretação e o engajamento dos atores em determinada interação. Funcionando como uma moldura (frame) que inclui e exclui categorias de sentido, o enquadramento permite perceber aquilo que não está diretamente presente no enunciado e aquilo que é salientado.

Em Frame Analysis: an Essay on the Organization of Experience (1986), Erving Goffman procura delimitar e aplicar a noção de enquadramento no desenvolvimento de uma metodologia de análise microssociológica. O seu foco de estudo são as interações quotidianas e a forma segundo a qual os indivíduos constroem sentido e entendimento nessas interações por meio dos quadros. Seguindo a pragmática batesoniana do discurso, Goffman define frame como um conjunto de princípios que organizam o envolvimento dos indivíduos com os acontecimentos com os outros (Goffman, 1986, p. 10). São os quadros que permitem que os indivíduos percebam e identifiquem a situação na qual estão inseridos e as formas de engajamento coerentes nos contextos comunicativos do qual participam. É importante ressaltar que Goffman salienta as características socioculturais dos enquadramentos, não os tratando como constructos fixos e isolados. Os quadros são mutáveis, transformando-se historicamente, a partir da mobilização feita por atores sociais e da dinâmica de encontros, deslocamentos e sobreposições entre molduras de sentido.

A partir desses trabalhos, os estudos sobre enquadramento seguiram diversos caminhos e foram apropriados por diferentes autores de maneiras distintas (Entman, 1993; Porto, 2004; Van Gorp, 2007; Mendonça e Simões, 2012). Alguns estudos da comunicação política, por exemplo, consideram os enquadramentos como determinantes na formação de preferências individuais, investigando o potencial de controlo da opinião pública por meio da seletividade dos quadros (Chong, 1993; Druckman e Nelson, 2003; Kahneman e Tverski, 1986). Paralelamente, Entman (1993) sugere que o estudo dos enquadramentos desnuda as formas como a comunicação exerce poder e desta maneira considera os quadros como estoques culturais de sentido, utilizados para salientar ou enfatizar determinado discurso.

Reese (2007, p. 151), por sua vez, observa os enquadramentos como fatores essencialmente estruturais que funcionam como organizadores simbólicos do mundo social. E, ao mesmo tempo, Van Gorp (2007, p. 66) pensa os quadros como ecos de fatores culturais compartilhados que lançam as bases da construção dos discursos sociais. Por fim, a perspetiva construtivista de Gamson e Modigliani (1989), procura unir a análise macroestrutural dos enquadramentos ao uso cognitivo que os indivíduos deles fazem.

No que concerne ao uso do conceito para a compreensão da reciprocidade discursiva, advogamos, como já feito em outros trabalhos, que é preciso entender a inscrição de argumentos em quadros socioculturais (Mendonça e Santos, 2009; Mendonça e Simões, 2012). Ao debater temas diversos, os atores fundamentam as suas posições com argumentos que emolduram a natureza do problema em discussão e as soluções propostas. Assim, os argumentos mobilizam (e atualizam) “quadros de sentido” no processo de interpretação e construção da realidade. São esses quadros (frames) que determinam o que é relevante, o que é salientado e o que é desconsiderado num discurso. Evidentemente não se trata de dizer que esses quadros se constituem como fatores estruturais absolutos que se impõem sobre os indivíduos. Ao contrário, na medida em que o processo de enquadramento também depende do uso pragmático que os indivíduos fazem dos quadros, torna-se absolutamente necessário lembrar o caráter reflexivo da construção dos enquadramentos.

Nesse sentido, a análise de enquadramento ajuda o observador a reconstruir as linhas gerais que alicerçam as razões mobilizadas pelos atores num processo discursivo. A compreensão e a remontagem dos quadros de um debate permitem mapear os fluxos discursivos que orientam a discussão. Esse mapeamento, baseado nas trajetórias, nas projeções e nos choques de discursos, possibilita ultrapassar o foco em atores e proferimentos (em enunciadores e enunciados) para perceber a tessitura comunicacional mais ampla.

É justamente por isso, que a análise de enquadramentos contribui para a compreensão da reciprocidade discursiva. Ao captar as molduras mobilizadas ao longo de um debate, pode-se reconstruir a forma como alguns diálogos acontecem dentro de certos quadros, ao passo que outros se manifestam entre quadros. Na primeira situação, mais fácil de entender, manifestam-se as tensões internas de enquadramentos, sendo que atores que caminham no interior de uma moldura discursiva, empurram-na em direções diversas. Pode-se, assim, remontar uma discussão entre argumentos intraquadro. Na segunda situação, observa-se o choque entre enquadramentos distintos. Se, frequentemente, o uso de quadros diversos pode indicar uma desconsideração de outros discursos, há algumas circunstâncias em que a mobilização de quadros diferentes também pode indicar a existência de um diálogo com tentativas de deslocamentos mútuo. Nesse ponto, a noção goffmaniana de Keying mostra-se particularmente útil, visto revelar a existência de viradas interpretativas que buscam deslocar a compreensão de certa questão.

O nosso argumento é o de que a reciprocidade discursiva pode manifestar-se nessa reconstituição de diálogos intra- e inter-quadros. Neste estudo, baseamo-nos em afirmações feitas pelos participantes de uma consulta online sobre reforma política para indicar essa possibilidade da reciprocidade discursiva. Antes, contudo, convém apresentar brevemente o caso e fazer uma leitura sobre a reciprocidade direta observada na experiência. Só, então, nos moveremos para o estudo da reciprocidade discursiva.

 

A CONSULTA PÚBLICA SOBRE REFORMA POLÍTICA DA ALMG

 

A Assembleia Legislativa de Minas Gerais tem promovido, desde o final da década de 1980, amplas mudanças institucionais (Anastasia, 2001; Oliveira, 2009; Mendonça e Cunha, 2012). Se tal processo foi impulsionado pelo desejo estratégico da Casa para melhorar a sua imagem pública, ele desencadeou alterações estruturais na própria forma de atuação do parlamento mineiro. Houve, assim, significativos investimentos na profissionalização da instituição e na criação de diversos fóruns participativos.

Esses diversos fóruns caracterizaram-se, primordialmente, por dois atributos: (1) a sua natureza presencial; (2) o foco na mobilização de entidades da sociedade civil organizada (Mendonça e Cunha, 2012). Mais recentemente, contudo, e visando ampliar o escopo da interlocução com a sociedade, a ALMG tem investido em mecanismos online de interação. Aposta-se que as interações diferidas e difusas mediadas por computador possam aumentar a capilaridade da instituição e promover o engajamento de cidadãos não mobilizados em torno de entidades. É no seio dessa proposta que a Assembleia promove, entre outras iniciativas, algumas consultas públicas online. Desde 2009, foram realizadas quatro delas, com duração média de um mês. Essas consultas buscam, geralmente, abastecer outros processos da própria ALMG, além de subsidiar discussões públicas sobre aspetos considerados relevantes na agenda nacional.

No total, as consultas públicas online da ALMG receberam 1858 comentários. A mais popular delas, alvo do presente texto, tratou do tema da reforma política e contabilizou 752 posts. Realizada ao longo de 27 dias em junho de 2011, a consulta foi dividida em dez fóruns: (1) cláusula de barreira ou cláusula de desempenho; (2) coligação eleitoral; (3) data da posse dos chefes de poder executivo; (4) fidelidade partidária; (5) filiação partidária e domicílio eleitoral; (6) financiamento eleitoral e partidário; (7) reeleição e duração dos mandatos; (8) sistemas eleitorais; (9) suplência de senador; (10) unificação das eleições.

Num outro trabalho, buscamos explorar, quantitativamente, a natureza dos comentários e as características dos participantes desta iniciativa (Mendonça e Amaral, no prelo). Por razões de espaço e foco, não apresentaremos tais dados aqui. Neste artigo, dedicar-nos-emos apenas a investigar a questão da reciprocidade, apoiando-nos, para tanto, na sugerida distinção entre reciprocidade direta e reciprocidade discursiva.

 

ANÁLISE DA RECIPROCIDADE DIRETA

 

Como já foi exposto, empregaram-se quatro indicadores para a investigação da reciprocidade direta entre os participantes da referida consulta pública. O primeiro deles foi a catalogação das relações entre posts, por meio de menções explícitas ou de interações claras sem menção explícita. Os dados revelam que somente 6% dos comentários podem ser definidos, claramente, como respostas a outros posts. O quadro 1 apresenta esse dado estratificado por grupo de discussão analisado.2

 

 

O segundo indicador é a mobilização de perguntas não retóricas, que revelariam interesse em interagir com outros participantes. Há oito ocorrências, nos 745 comentários analisados (1,1%), de posts que colocam indagações efetivas aos outros participantes da consulta. O terceiro indicador é a utilização de contra-argumentos na defesa do próprio argumento. Por meio dele, buscamos avaliar se os participantes procuram considerar (e, eventualmente, contestar) argumentos contrários aos seus, o que demonstraria uma clara tentativa de se inserirem numa rede discursiva mais ampla. Constatou-se que apenas 3,6% dos posts analisados apresentam contra-argumentos à posição que advogam.

Por fim, o quarto indicador utilizado revela-se na expressão avaliativa de outros participantes que gostam ou reprovam outros posts. Se essas avaliações não trazem respostas e contra-argumentos, elas evidenciam alguma forma de engajamento entre um leitor e um post. Apenas num de cada cinco posts (21,6%) há alguma forma de avaliação, sendo que a maior parte dessas expressões avaliativas é positiva (“gostar”). Considerando-se apenas os 161 posts que são avaliados por, pelo menos, um outro participante, tem-se uma média de 4,4 avaliações por comentário.

Os dados da análise de reciprocidade direta são incontestavelmente baixos. Não há como negar que a consulta pública apresenta um grau muito pequeno de interatividade direta entre participantes. O nosso argumento, contudo, é o de que essa avaliação não capta a complexidade da ideia de reciprocidade. Para tanto, movemo-nos, agora, para a investigação daquilo que vimos chamando de reciprocidade discursiva.

 

ANÁLISE DA RECIPROCIDADE DISCURSIVA

 

Se as categorias mobilizadas para mapear a reciprocidade direta são relativamente simples, a compreensão da reciprocidade discursiva parece mais complicada, porque menos explícita. Para captá-la, propusemos uma reconstrução dos argumentos mobilizados pelos participantes a partir da noção de enquadramentos. O nosso esforço será, portanto, o de remontar choques discursivos por meio da identificação dos quadros que permitem enfeixar as justificações proferidas para advogar certas posições. Como já mencionado, é possível identificar embates discursivos dentro de quadros e entre quadros.

Para ilustrar tais embates, é necessário, em primeiro lugar, apresentar, brevemente, os enquadramentos identificados no corpus analisado. Tal identificação partiu da própria leitura dos comentários, sendo que o enfeixamento dos mesmos em torno de quadros se deu numa série de debates envolvendo todos os integrantes da pesquisa. A subsequente etapa de aplicação das categorias ao corpus foi marcada por uma série de adaptações e revisões das conceções iniciais. Assim, chegou-se a um total de nove enquadramentos, a saber:

 

1.    Partido/indivíduo: enquadramento sobre o ator mais relevante no funcionamento do sistema político, abordando as relações entre partidos políticos, candidatos e eleitores. Salienta as formas segundo a qual esses atores se articulam no interior do processo político e em como essa relação se constitui como fonte de interpretação dos temas da reforma política. Utilizado, por exemplo, no debate sobre a pertença do mandato eletivo, no tema da fidelidade partidária e nas discussões do voto em legenda. Aparece também nos debates sobre o fortalecimento ideológico e estrutural dos partidos políticos frente a uma maior autonomia dos candidatos.

2.    Responsividade/accountability: enquadramento que diz da prestação de contas públicas e da transparência do processo político. Inscrevem-se nesse enquadramento argumentos referentes aos dispositivos institucionais que permitam ou não a existência de um processo político transparente e publicamente contabilizado. É mobilizado, por exemplo, para tratar da proximidade entre os representantes políticos e os eleitores, na pauta sobre o domicílio eleitoral e nas questões sobre fiscalização da arrecadação de recursos para campanhas eleitorais.

3.    Custos/logística: enquadramento que fala da relação entre os gastos realizados na manutenção do sistema político e a forma como esse sistema se configura. Utilizado também em questões relativas ao emprego do dinheiro público na sustentação da infraestrutura básica do Estado em diferentes setores como a saúde, a educação e a segurança pública. Empregado, por exemplo, nos temas de financiamento de campanha, unificação das eleições e da suplência de senador.

4.    Equilíbrio de forças políticas: enquadramento que trata de problemas concernentes às relações de força existentes no processo político e em como este se pode organizar para que essas relações se estabilizem. Apresenta diferentes formas de organizar o processo político de forma a estabilizar as relações de forças existentes. Este enquadramento é utilizado, por exemplo, no tema da cláusula de barreira e de desempenho.

5.    Cultura política brasileira: enquadramento que relaciona questões sociais e políticas à determinação de traços culturais historicamente enraizados no comportamento político do povo brasileiro. A especificidade dessas características é resgatada na interpretação e análise de diferentes pontos do processo político como o comportamento eleitoral e a opinião pública.

6.    Mudança/permanência: enquadramento que diz da necessidade ou não da oxigenação do sistema político. Sob ele se inscrevem principalmente questões relativas à duração dos mandatos eleitorais e aos processos de reeleição.

7.    Liberdade para alcançar os próprios interesses: enquadramento que resgata o princípio da liberdade individual. Diz do potencial de impedimento ou garantia deste princípio que pode resultar das pautas da reforma política.

8.    Público/privado: trata dos encontros e afastamentos entre a esfera pública e a esfera privada e das diversas consequências dessa relação. Observa-se através de fenómenos como a corrupção e o patrimonialismo e em outros nos quais o dever público é preterido em relação a vontades particulares.

9.    Outros: Trata dos argumentos que não se encaixam nos enquadramentos classificados acima e que por não possuírem relevância numérica foram agrupados nesta categoria.

 

O quadro 2 apresenta uma síntese da presença de cada um dos supra-apresentados enquadramentos no interior dos dez grupos de discussão da consulta pública sob análise.

 

Mapeados os quadros, é importante, então, procurar diagnosticar indícios daquilo que a que temos chamado reciprocidade discursiva. A começar pela reciprocidade no interior dos quadros.

 

RECIPROCIDADE DISCURSIVA INTRAQUADROS

 

É possível notar como os diferentes enquadramentos da consulta constituem núcleos de sentido coerentes que organizam e estruturam certas discussões. Em torno da maioria destes eixos, constroem-se contendas simbólicas que podem ser traçadas e reconstruídas. Neste artigo, ater-nos-emos a ilustrar tais possibilidades com o breve tratamento de choques discursivos no interior de três quadros, a saber: (1) partidos/indivíduos; (2) responsividade e accountability; (3) público/privado.

No primeiro enquadramento (partidos/indivíduos), as argumentações surgem em torno da definição do ator político (candidatos ou partidos) mais apto a garantir a representatividade do voto do eleitorado e o bom funcionamento do sistema político. Nota-se, em primeiro lugar, um grande número de posts que salientam a fraqueza dos partidos e reforçam a necessidade de um foco na pessoa dos candidatos.

 

[…] Eu voto no candidato e não no partido [Comentador 1; Grupo Fidelidade Partidária].

 

Esse exemplo destaca um argumento recorrente na consulta: a fraqueza dos partidos e a personalização do vínculo entre representantes e representados. Tal perspetiva aparece também no excerto abaixo:

 

No Brasil os eleitores votam escolhendo o candidato e não o partido, portanto é um absurdo que a vontade maior do voto fique prejudicada quando candidatos a vereador e deputados mais votados não são eleitos e outros com muito menos votos sejam. A vontade da maioria deve ser respeitada e não esta regra vergonhosa da proporcionalidade. Assim, sugiro que ACABEM COM A PROPORCIONALIDADE, E QUE OS MAIS VOTADOS SEJAM ELEITOS, PREVALECENDO A VONTADE MAIOR DO ELEITOR! [Comentador 2; Grupo Sistemas Eleitorais].

 

O voto proporcional seria danoso na medida em que o voto efetivo se esvai quando a regra da proporcionalidade traduz os votos em cadeiras. Alguns posts alegam que o fechamento da lista pioraria ainda mais a situação, retirando do eleitor a capacidade de escolha real entre candidatos. Quem escalaria o time seriam os partidos, sendo estes últimos os fortalecidos pelo sistema proporcional.

Na discussão sobre fidelidade partidária, todavia, a centralidade do candidato parece ser rebatida, sendo que vários comentários apontam para a relevância do enfeixamento ideológico possibilitado pelos partidos:

 

O mandato é do Partido. O partido representa a ideologia que aquele grupo busca. Devemos votar pensando nas ideias dos partidos. Político que muda de ideia (partido) a todo instante, não tem compromisso com a coisa pública. Deve ser extinta ou limitada a participação destes políticos [Comentador 3; Grupo Fidelidade Partidária].

 

Sou totalmente a favor da fidelidade política, pois quando vc é eleito a sua vaga pertence ao partido e não ao candidato eleito [Comentadora 4;Grupo Filiação Partidária e Domicílio Eleitoral].

 

A crítica ao vaivém de políticos leva a uma defesa da centralidade dos partidos para o bom funcionamento do sistema político. Com isso, contesta-se a premissa básica dos argumentos que alegam que o sistema político deveria ser estruturado em torno dos candidatos. O coletivo (partido) teria um papel fundamental no enfeixamento ideológico das discussões, cabendo-lhe, pois, a titularidade da cadeira conseguida por meio do voto proporcional.

Há discursos que questionam, todavia, esse papel de enfeixamento ideológico dos partidos. Optando por um viés mais realista, volta-se o foco para os candidatos. Os trechos abaixo ilustram este contra-argumento.

 

O mandato tem que ser do candidato e este tem que ser eleito pela quantidade de votos que recebeu e ponto. É muito dificil para o eleitor saber das ideologias do partido. Afinal, ele votou em certo candidato porque acredita nele. O partido não deve se apoderar dos votos dos cidadões. Assim corremos o risco de termos em execicio um candidato que nem sabemos quem é ou que nem gostariamos que fosse eleito. O partido muitas vezes serve como um trampolim para a eleição de certos candidatos, através até da coligação, isso tem que acabar [Comentador 5; Grupo Fidelidade Partidária].

 

Nota-se, assim, o desenrolar de argumentos e contra-argumentos no interior de um mesmo quadro. O enquadramento não é a posição, mas o eixo estruturador que permite captar o delineamento de um choque discursivo formado a partir de atravessamentos entre discursos, e não necessariamente entre sujeitos.

O segundo enquadramento que mobilizaremos para ilustrar essas possibilidades de debate intraquadro é o da responsividade e accountability, que gira em torno da discussão dos mecanismos mais adequados para assegurar que mandatários do poder político prestem contas dos seus atos aos cidadãos. Muitos comentários argumentam que a forma mais adequada de assegurar a responsividade é por meio da proximidade entre eleitor e político, o que os leva a advogar regras rígidas acerca do domicílio eleitoral e o sistema eleitoral maioritário. A proximidade entre candidato e representante seria essencial para o acompanhamento (e sanção) dos representantes:

 

O domicílio eleitoral é interessante para que os cidadãos realmente votem em candidatos que têm maior conhecimento sobre o local em que residem e possam solucionar problemas regionais com maior presteza, captar recursos para a região se desenvolver e representá-la apropriadamente. É possível reduzir casos em que o candidato apenas receba o voto dos cidadãos locais, mas não faça nada por eles [Comentadora 6; Grupo Filiação Partidária e Domicílio Eleitoral].

 

O sistema maioritário uninominal permitirá que o cidadão opine, apresente propostas e cobre diretamente do representante distrital. Este sistema torna o político mais próximo do cidadão e permite que o desempenho fraco dos eleitos seja reprovado nas urnas [Comentador 7; Grupo Sistemas Eleitorais].

 

O sistema uninominal é o mais justo, o eleitor vota no candidato e aquele candidato eleito tem relação com o local do seu eleitorado (distrito), melhora a representatividade, melhora a relação do eleitor com o seu representante, pois eles estarão mais próximos […] [Comentador 8; Grupo Financiamento Eleitoral e Partidário].

 

Defende-se uma responsabilização pessoal de governantes que deveriam estar sujeitos a escrutíneo e monitoramento direto:

 

LISTA FECHADA? HEHEHE, PARECE PIADA. QUAL O MEDO DE MOSTRAR A CARA? VOTAMOS NOS CANDIDATOS E DEVEMOS COBRAR DIRETAMENTE A ELES [Comentadora 9; Grupo Sistema Eleitoral].

 

[A lista fechada] afasta ainda mais o eleitor e dificulta ainda mais a cobrança sobre os políticos, que, afinal, não serão eleitos com o voto de ninguém (diretamente), mas do partido. Se hoje eles não se preocupam com o eleitor, imaginem quando o eleitor não puder deixar de votar neles, porque o voto é só do partido. Eles não vão ter de dar satisfação a ninguém [Comentador 10; Grupo Sistema Eleitoral].

 

Alguns comentários parecem negar, contudo, essa necessidade da proximidade para a geração da responsividade. Argumenta-se que a proximidade física e a personalização do vínculo não são necessariamente modos de promover responsividade e accountability.

 

Não acho relevante que o domicílio eleitoral do candidato seja o mesmo em que nasceu ou mora. O candidato pode possuir domicílio registrado há mais de um ano em uma localidade em que concorrerá à eleição e, de fato, morar em outro lugar. Os candidatos devem ser julgados pela competência e propostas e não pela residência [Comentadora 11; Grupo Filiação Partidária e Domicílio Eleitoral].

 

O argumento aparece, sobretudo, nas críticas ao financiamento privado de campanha, cujo elo de proximidade gerado seria perigoso e propenso à corrupção. A accountability política não deveria advir da relação com o cidadão privado, mas de instituições neutras e capazes de pressionar governantes. Não seria a proximidade o elemento essencial para gerar transparência e responsividade, mas a presença de instituições livres que fiscalizem e disponibilizem tais informações-chave aos eleitores.

 

Sou a favor da proibição de financiamentos privado, já que este acaba por criar um vínculo entre o partido e os interesses dos “credores particulares”, corrompendo o exercício do interesse publico e dos princípios morais. Para isso devemos ter orgãos fiscalizadores atuantes como MPE/U e TCE/U [Comentador 12; Grupo Financiamento Eleitoral e Partidário].

 

O “exercício do interesse público”, como defendido neste argumento, não se dá pela proximidade entre interesses privados e representantes políticos. Ao contrário, ele dependeria do estabelecimento de uma cisão, que colocaria a responsabilidade por essa accountability em algumas instituições.

O que torna problemática a satisfação irrestrita da “vontade do eleitor” é o conflito entre estes interesses públicos e os interesses privados. Isso leva-nos ao terceiro enquadramento que irá ser aqui trabalhado, qual seja, o que trata do público/privado. Existe uma defesa geral acerca do predomínio do interesse público em busca do qual o sistema político deveria ser estruturado. Isso aparece, por exemplo, nas muitas defesas do financiamento público de campanhas:

 

[O financiamento público de campanha é fundamental na garantia do princípio da isonomia proclama pela Constituição Federal […] Além disso, as formas escusas na qual os grandes partidos políticos conseguem o financiamento eleitoral é uma grande barreira à democracia, pois os partidos tornam-se vinculados à empresas das quais eles recebem o financiamento e não da população na qual eles deveriam representar. Portanto, o financiamento público de campanha, devidamente regulado pelo TCU e outros órgãos de fiscalização [Comentador 13; Grupo Financiamento Eleitoral e Partidário].

 

Podemos perceber, neste exemplo, como se define o conflito entre os interesses públicos e os privados. Segundo o argumento acima, o financiamento público das campanhas poderia inverter o quadro atual das relações políticas em benefício do interesse coletivo, que seria frequentemente desvirtuado pela satisfação a compromissos contraídos pelos partidos e candidatos nas campanhas eleitorais. Uma mudança institucional, como o financiamento público, poderia criar certos constrangimentos e possibilidades de modo a fortalecer o interesse público:

 

Pode até parecer contrasenso, mas o financiamento público pode ser uma forma de moralizar os gastos nas campanhas eleitorais, pois é notório a lavagem de dinheiro e quem investe em político na maioria das vezes tem interesses obscuros [Comentador 14; Grupo Financiamento Eleitoral e Partidário].

 

Diversos comentários argumentam, contudo, que o problema não é o arranjo institucional que gera essa colonização do público pelos apetites privados. O problema seria de ordem pessoal, derivando-se do comportamento não democrático dos políticos.

 

Qualquer sistema é falho se não for avaliado o perfil, nível de ética e moral do candidato, o problema não está nos sistemas, e sim nas pessoas que ingressam nos partidos, permitir que pessoas entrem para política para defender seus próprios interesses, esse é o grande erro [Comentador 15; Grupo Sistemas Eleitorais].

 

Contesta-se, assim, o argumento segundo o qual seria essencial reformular o sistema para que os comportamentos dos atores fossem alterados. Advoga-se que, mesmo que haja mudanças institucionais, elas podem ser utilizadas estrategicamente pelos políticos.

 

ALGUMAS PROPOSTAS FAZEM COM QUE OS POLITICOS BURLAM AS REGRAS POR SEREM IRRELEVANTES. NEM DEVERIA EXISTIR O DOMICILIO ELEITORAL, JA QUE É MUITO SIMPLES COMPROVAR MORADIA EM QUALQUER LUGAR. ISSO NÃO MELHORARIA EM NADA O PROCESSO ELEITORAL EM NOSSO PAIS. É NECESSARIO APRENDER A VOTAR [Comentadora 9; Grupo Filiação Partidária e Domicílio Eleitoral].

 

Se os políticos são favoráveis ao financiamento público, com certeza eles ganharão muito e nós o povo perderemos mais uma vez [Comentadora 16; Grupo Financiamento Eleitoral e Partidário].

 

Há, todavia, argumentos que contestam frontalmente essa visão focada no comportamento dos atores. O excerto abaixo ilustra tal perspetiva:

 

Sou Contra a “Coligação Eleitoral”, com ela temos alianças de partidos com propostas divergentes que acabam por corromper a personalidade desses devido à dependência que se cria durante essas aliancas [Comentador 12; Grupo Coligação Eleitoral].

 

Nota-se que o problema já não é moral ou individual, mas do regramento institucional. Isso quer dizer que não são as qualidades pessoais dos políticos o fruto do esvaziamento ideológico, mas a disposição atual das regras políticas que permite, por exemplo, alianças de dependência que terminam por descaracterizar os partidos.

Também se notam alguns comentários que defendem que o interesse privado não é o problema da política. Tais posts questionam o estabelecimento de uma dicotomia entre público e privado e apontam que a vontade particular pode conduzir ao interesse público. O problema não seria o privado em si, mas a corrupção. Isso aparece, por exemplo, na fala daqueles que defendem o financiamento privado de campanhas eleitorais.

 

Se eu tenho o direito de escolher meu candidato, também quero o direito de poder investir na campanha do mesmo caso eu queira, desde que o candidato preste contas de todas as verbas recebidas [Comentador 17; Grupo Financiamento Eleitoral e Partidário].

 

No exemplo acima, vemos uma defesa da expressão privada como maneira de promoção do interesse público. O direito a contribuir com uma campanha seria oriundo do direito à liberdade e à participação política. Resguardar esses direitos implica assegurar a expressão dos interesses privados, de cujo choque adviria o interesse público. Interessante observar, ainda, como o participante frisa a necessidade de prestação de contas por parte dos candidatos, numa tentativa de controlo de práticas corruptas.

 

 

Os exemplos trabalhados na presente secção buscam evidenciar a possibilidade de diálogos entre discursos no interior de quadros que emolduram esses discursos. Os responsáveis pelas postagens dos comentários podem não ter a clara visão da contenda discursiva mais ampla em que se inserem os seus comentários. É provável que não leiam os outros comentários e que não lhes respondam diretamente. Portam, contudo, o potencial de se integrar numa trama discursiva, cujos retalhos permitem a edificação de um choque argumentativo.

 

RECIPROCIDADE DISCURSIVA INTERQUADROS

 

Se a reciprocidade discursiva pode ser mapeada a partir da identificação de argumentos e contra-argumentos dentro de um mesmo quadro, as intrincadas tramas discursivas de um debate público não residem apenas no interior de um mesmo quadro. É plausível pensar – e a observação mostra tratar-se de algo recorrente – que um quadro pode ser mobilizado para deslocar outro quadro. Como já afirmava Goffman (1986), por meio do conceito de keying, o deslocamento de quadros tem um potencial desestabilizante, compelindo à reflexividade. Assim, o choque de discursos pode envolver contendas entre quadros, de modo a que haja viradas da chave interpretativa.

A maneira mais fácil de captar essa reciprocidade interquadros é focando-nos numa temática específica, para observar a disputa para enquadrá-la com molduras distintas. Pensemos, por exemplo, na discussão acerca do tema financiamento de campanha. Grande parte dos defensores do financiamento exclusivamente público de campanha ancoram-se no quadro equilíbrio de forças políticas para alegar que tal medida promoveria uma democracia mais justa ao chocar-se com assimetrias sociais cristalizadas:

 

Sou a favor de Financiamento Público somente. Não é correto que candidatos tenham recursos diferentes para disputa eleitoral deve aver igualdade financeira e assim ganha aquele que tiver melhor proposta e consiga provar ao eleitor que é merecedor de seu voto por ser aquele que mais confiança inspira [Comentador 18; Grupo Financiamento Eleitoral e Partidário].

 

Sou a favor do financiamento público de campanha. Creio que seja a maneira mais eficiente e eficaz para equilibrar a desigualdade que os investimentos privados causam nas eleições [Comentador 19; Grupo Financiamento Eleitoral e Partidário].

 

Pela igualdade de oportunidade (para se eleger), FINANCIAMENTO EXCLUSIVAMENTE PÚBLICO [Comentadora 20; Grupo Financiamento Eleitoral e Partidário].

 

Para se contrapor a essa visão, o quadro dos custos/logística mostra-se relevante. Alguns participantes colocam o destino dos gastos públicos acima da equidade eleitoral, advogando que o mais importante é evitar custos ao erário que seriam desnecessários e equivocados.

 

[…] sou radicalmente contra o financiamento eleitoral partidário exclusivamente por recursos públicos, uma vez que temos que colocar em mente que existem muitas prioridades para as verbas públicas, como saúde, educação, segurança, cultura, moradia, transporte, saneamento básico, etc, e que ainda para essas prioridades os recursos são insuficientes [Comentadora 21; Grupo Financiamento Eleitoral e Partidário].

 

Seria outra forma de desperdicio de dinheiro público… Sou contra o financiamento das campanhas eleitorais! [Comentador 22; Grupo Financiamento Eleitoral e Partidário].

 

Nos excertos acima, os participantes procuram mudar a chave da discussão. O keying proposto busca afirmar que, mais importante do que a igual- dade de oportunidade entre candidatos são os serviços e políticas que dependem de recursos públicos e que beneficiam os cidadãos. O enquadramento de custos/logística atravessa a fala evidenciando a moldura de sentido a emergir.

É possível deslocar o quadro custos/logística, todavia, ao tematizar a forma como o gasto público é feito e os interesses nele envolvidos. O enquadramento público/privado muda a chave interpretativa novamente ao apontar que o predomínio dos interesses privados pode significar ameaça muito mais significativa aos cofres públicos.

 

O problema do financiamento de campanha é que não existe almoço grátis, o doador investe em busca de retorno, ou seja, influência. Pelo financiamento público e pela punição exemplar de quem for pego com dinheiro sem explicação ou seja cassação [Comentador 23; Grupo Financiamento Eleitoral e Partidário].

 

Pode-se notar como o choque de discursos em torno do financiamento de campanha envolve uma contenda entre enquadramentos, os quais propõem diferentes matrizes para interpretar a questão e mudanças de chave semânticas. Equilíbrio de forças, custos/logística e público/privado disputam o tratamento da temática de maneira a oferecer soluções para os problemas da política brasileira.

Outra ilustração daquilo que estamos aqui chamando de reciprocidade interquadros pode ser encontrada na discussão sobre a temática da cláusula de barreira. O quadro público/privado aparece, por exemplo, nos comentários que defendem que o excesso de partidos alimenta um processo de privatização do público, em que os interesses de pessoas e grupos são colocados acima dos interesses da sociedade.

 

Sou a favor [da cláusula de barreira]. Como amplamente divulga-se na mídia, estes partidos apenas se beneficiam do sistema sem trazer qualquer contribuição verdadeira para a sociedade [Comentador 24; Grupo Cláusula de Barreira].

 

Alguns comentários operam, contudo, na chave do equilíbrio de forças para afirmar que a questão da cláusula de barreira não deve ser pensada sob a ótica da privatização do público. A questão central seria assegurar a existência dos grupos minoritários, já que a democracia não se pode confundir com uma ditadura da maioria que suprime a dissonância:

 

Contra a cláusula de barreira (desempenho), considerando que um país chamado democrático deve respeitar suas minorias, que envolve participação destas no processo de construção das decisões realizadas pelo instrumento dos partidos políticos [Comentador 25; Grupo Cláusula de Barreira].

 

Um enquadramento parece confrontar o outro, levando a posições diferentes, nesse caso. Seria, obviamente, possível questionar cada posição dentro dos quadros mobilizados pelos comentadores para justificá-las. O que nos interessa aqui, contudo, é esse movimento em que um quadro busca empurrar o outro e propor-se como a gramática mais interessante para a avaliação de uma questão pública.

Os dois exemplos apresentados acima (sobre financiamento de campanha e sobre cláusula de barreira) mostram como quadros distintos podem sustentar argumentos diferentes num mesmo debate amarrando os fios de uma narrativa partilhada. É possível dar um passo além e buscar reciprocidade interquadros para além dos limites de um fórum específico, já que algumas questões atravessam diferentes temas delimitados pela consulta pública. O nosso argumento, aqui, é que o encontro dos quadros pode ser observado também em temas mais amplos.

Um tema recorrente a perpassar vários fóruns da consulta é o da soberania do eleitorado. Argumenta-se, em diferentes momentos, que a vontade do eleitor é um bem supremo que deve ser repeitado e promovido. Na sustentação de tal ideia, é possível vislumbrar a emergência de enquadramentos distintos.

Observa-se, em primeiro lugar, como o tema pode ser in-formado pelo quadro partidos e indivíduos

 

No Brasil os eleitores votam escolhendo o candidato e não o partido […] A vontade da maioria deve ser respeitada e não esta regra vergonhosa da proporcionalidade. Assim, sugiro que ACABEM COM A PROPORCIONALIDADE, E QUE OS MAIS VOTADOS SEJAM ELEITOS, PREVALECENDO A VONTADE MAIOR DO ELEITOR! ! ! [Comentador 26; Grupo Sistemas Eleitorais].

 

Contrário ao voto proporcional, o post faz uma defesa da vontade do eleitor, estabelecendo uma contraposição entre o cidadão e a suposta centralidade dos partidos. A proporcionalidade transferiria para o partido a prerrogativa de escolha dos candidatos, desvirtuando a vontade do eleitorado.

A defesa da vontade do eleitor também se manifesta a partir do enquadramento público/privado quando o foco da discussão são as coligações eleitorais. Na opinião do participante, as coligações eleitorais implicariam a eliminação da vontade dos eleitores, já que candidatos menos votados só seriam eleitos em virtude de articulações políticas pouco compreensíveis ao eleitor.

 

[A coligação eleitoral] É uma forma que favorece aos vaticínios candidatos, que dificilmente ganhariam a eleição, lhos garantindo, com a coligação, um cargo na administração ou na assessoria do candidato eleito, mesmo contra a sua vontade e a dos eleitores. Não sou a favor da coligação eleitoral [Comentador 27; Grupo Coligação Eleitoral].

 

É possível encontrar a defesa da vontade do eleitor também na lógica do enquadramento da liberdade para alcançar os próprios interesses, como o evidenciam alguns comentários sobre a cláusula de barreiras:

 

Deveríamos ter o direito de nos lançar de forma independente de qualquer partido a qualquer cargo eletivo e que se faça a vontade do eleitor na escolha. Por esses motivos sou contra qualquer barreira à livre manifestação através do voto! [Comentador 28; Grupo Cláusula de Barreira].

 

O exemplo é interessante porque articula, em si, dois quadros: partido/indi- víduo e liberdade para alcançar os próprios interesses. O que costura ambos é a centralidade da vontade do eleitor, que deve ser protegida e respeitada.

Se, anteriormente, buscamos mostrar choques entre quadros, as ilustrações agora exploradas sinalizam para a tessitura de uma teia discursiva sobre um mesmo tema que se vai ancorando em diversos quadros. Numa discussão pública, por um lado, um mesmo tema pode desvelar choques entre quadros que disputam a gramática a dotar de sentido os rumos da discussão. Por outro lado, o tema pode ver-se edificado por uma costura de quadros que não se deslocam, mas que se sobrepõem na construção de uma posição coerente. Diferentes quadros, cruzando toda a consulta, podem emergir na defesa de uma mesma ideia.

Em ambos os casos, argumentamos, é possível falar de uma espécie de reciprocidade interquadros. Não se trata, obviamente, da reciprocidade direta entre comentadores, mas da recomposição de uma contenda pública de discursos, ancorada em enquadramentos diversos que se chocam ou se articulam. Essa leitura permite conceber um debate público cuja dialogicidade não reside nas intenções dos sujeitos, mas na própria interação entre discursos. Quadros diferentes não implicam a dispersão da discussão ou a ausência de debate. Argumentos antagónicos sobre o mesmo tema podem ser enquadrados de forma diferente sem prejuízo da coerência da discussão.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O presente artigo buscou discutir a difícil operacionalização da noção de reciprocidade em estudos empíricos norteados pela abordagem deliberacionista de democracia. Frequentemente reduzida a um diálogo direto entre participantes no interior de um fórum de discussão, muitos estudos acabam por perder a conceção mais ampla de reciprocidade que alicerça a abordagem deliberacionista. Nesse sentido, propusemos uma forma de operacionalização do conceito que tem em atenção a sua dupla dimensão: a reciprocidade direta, expressa num toma-lá-dá-cá efetivo e concreto entre participantes; e a reciprocidade discursiva, que se manifesta a partir de uma mutualidade entre discursos que se chocam publicamente.

A noção mais ampla de reciprocidade aqui proposta pretende, assim, suprir uma lacuna presente em análises empíricas deliberacionistas. Não se trata, obviamente, de negar a importância da reciprocidade direta, mas de reconhecer que sua análise isolada pode gerar resultados superficiais e equivocados, desvalorizando processos discursivos que encetam a reflexão pública argumentativamente. Afirmamos que a análise de enquadramentos ajuda a captar essa reciprocidade discursiva mais fluida, oferecendo uma possibilidade de mapear molduras interpretativas mobilizadas pelos participantes na organização e fundamentação dos seus argumentos.

Advogamos, ainda, que a análise de enquadramentos permite captar a reciprocidade discursiva de duas formas. Há, em primeiro lugar, a possibilidade de debates no interior de certos quadros (reciprocidade discursiva intraquadro), que aborda a utilização de um mesmo enquadramento na construção de argumentos diferentes que atravessam a consulta. Em segundo lugar, há a possibilidade de choques discursivos entre enquadramentos (reciprocidade discursiva interquadros), em que “viradas de chave interpretativa” (Keying) colocam em confronto molduras de sentido distintas para pensar um mesmo tema. É importante destacar que, em ambos os casos, não se pretende que os quadros operem como categorias estanques que pressuporiam um congelamento dos discursos em caixas de sentido hermeticamente fechadas, mas oferecem uma abordagem fluida para captar choques públicos de discurso na sua devida complexidade e sem um olhar centrado nos indivíduos.

Para ilustrar o potencial dessa análise, apresentámos um breve estudo de caso sobre uma consulta pública online realizada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais em 2011. A instituição abriu-se à sociedade civil para discutir importantes temas pertinentes à reforma política, atualmente em pauta no Congresso Nacional, contando com mais de 700 comentários. A análise do caso mostra números extremamente baixos de reciprocidade direta, embora a análise da reciprocidade discursiva sugira o potencial deliberativo dos discursos ali presentes. Procuramos demonstrar, por meio da análise qualitativa de enquadramentos, os fios de alguns debates tanto no interior de alguns quadros, como no deslocamento entre quadros.

O nosso esforço, aqui, não foi o de quantificar a reciprocidade discursiva, algo que não nos parece a estratégia mais interessante. Tãopouco buscámos argumentar que tenha havido deliberação efetiva na consulta, o que demandaria a análise de uma série de variáveis que fogem ao escopo do presente artigo.3 É preciso deixar claro que os nossos achados também não descrevem o interessante processo de discursivo dessa consulta na sua integralidade, nem a perceção dos próprios atores sobre ele. Uma análise mais específica dos comentários deveria notar as estratégias discursivas utilizadas; o emprego do humor e de testemunhos pessoais; as confusões e mal entendidos sobre o tema em questão; e as expressões de indignação, cinismo e descrença em relação ao sistema político.4 Tudo isso é relevante para a compreensão da consulta, mas o nosso intuito foi apenas o de explorar, nesse oceano complexo de discursos, os choques de razões a atravessar o processo. Choque esse que ultrapassa as intenções e perceções mais imediatas dos atores para se estruturar numa arena, por definição, discursiva. O que buscamos argumentar, assim, é que a noção deliberativa de reciprocidade precisa de ser complexificada em estudos empíricos para que processos discursivos potencialmente ricos não sejam simplesmente classificados como “meras” expressões de opiniões individuais.

 

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Recebido a 8-05-2013. Aceite para publicação a 28-04-2014

 

NOTAS

1 O presente artigo foi produzido no âmbito do projeto Deliberação online?, que conta com o financiamento da FAPEMIG (Edital 01/2011, Processo: SHA-APQ-00544-1 e Edital 03/2013, Processo CSA-PPM-00211-13) e da Pró-reitoria de pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (Edital PRPq 12/2011). O projeto também contou com apoio da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. A estas instituições somos muito gratos. Também estamos muito reconhecidos a Eleonora Schettini Cunha, Lucas Maroca de Castro e Stéfany Sidô pelo apoio em fases iniciais desta pesquisa.

2 As análises quantitativas realizadas trabalham com um n de 745 posts, já que havia sete repetições entre os 752 posts que compunham o universo investigado.

3 Uma tentativa de consideração de outras variáveis encontra-se em Mendonça e Amaral (no prelo).

4 Agradecemos a um(a) do(a)s parecerista da Análise Social pela sugestão de inclusão deste ponto.

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