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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.211 Lisboa jun. 2014

 

FÓRUM

Líderes políticos e comportamento eleitoral: rumo a uma personalização da política?1

 

Frederico Ferreira da Silva*

*ICS, Universidade de Lisboa, Av. Professor Aníbal de Bettencourt, 9 — 1600-189 Lisboa, Portugal. E-mail: frederico.silva@ics.ulisboa.pt

 

Discutidos neste ensaio:

 

AARTS, K., BLAIS, A., SCHMIDTT, H. (eds.) (2011), Political Leaders and

Democratic Elections, Oxford, Oxford University Press. ISBN: 9780199650569.

 

BITTNER, A. (2011), Platform of Personality? The Role of Party Leaders in Elections,

Oxford, Oxford University Press. ISBN: 9780199595365.

 

KARVONEN, L. (2010), The Personalisation of Politics – A Study of Parliamentary

Democracies, Colchester, ECPR Press. ISBN: 9781907301032.

 

POGUNTKE, T., WEBB, P. (2005), The Presidentialization of Politics – A Comparative

Study of Modern Democracies, Oxford, Oxford University Press.

ISBN: 9780199218493.

 

 

 

O debate sobre a crescente personalização da política é extremamente pertinente e atual. A imagem e perfis dos candidatos e líderes políticos são cada vez mais discutidos nas sociedades contemporâneas, facto atribuível, entre outros aspetos, ao processo de individualização. Os executivos são nomeados segundo os respetivos líderes e as campanhas eleitorais são cada vez mais centradas nos candidatos. Nos meios de comunicação social, os recorrentes debates televisivos entre líderes alteraram a forma como estes são avaliados pelos eleitores (Kriesi, 2012, p. 828). As características individuais dos políticos são avaliadas, as suas personalidades analisadas e a popularidade dos mesmos junto do eleitorado é frequentemente medida.

 

Os líderes têm, de facto, conquistado um lugar central no que respeita à comunicação política devido aos efeitos interrelacionados das inovações tecnológicas mediáticas e das mudanças organizacionais dos próprios partidos. Tal tornou os líderes políticos cada vez mais visíveis e, consequentemente, sujeitos a um constante escrutínio por parte do público. Uma das principais consequências do processo reside nas transformações na forma como os seguidores (eleitores) entendem e avaliam os líderes. […] O foco ubíquo dos media em líderes individuais – e nos líderes enquanto indivíduos – de facto conferiu ao público a capacidade de os julgar como pessoas, assim possibilitando a aplicação de enquadramentos/molduras cognitivas normalmente empregues na vida quotidiana ao processo de avaliação dos líderes [Garzia, 2011, p. 698].

 

Mas que impacto terão as avaliações dos líderes no voto? Os regimes políticos estão a tornar-se mais individualizados e presidenciais? Estarão os líderes a assumir um papel preponderante face aos partidos políticos? E em caso afirmativo, que tipo de avaliações são feitas: com conteúdo político ou com base apenas na imagem mediática da personalidade? Estas são algumas das questões abordadas nestas obras que, para além da sua grande atualidade, reúnem os resultados de recentes investigações de especialistas na área dos líderes políticos, constituindo um acréscimo fundamental para o conhecimento científico sobre o fenómeno que nos propomos debater, sintetizando de forma crítica os respetivos contributos para o estudo da personalização da política.

As obras aqui analisadas refletem diferentes abordagens, e diversos pontos de partida e de chegada relativamente ao fenómeno. Se o volume editado por Poguntke e Webb (2005) e a obra de Amanda Bittner (2011) espelham um posicionamento mais favorável à existência deste processo, a de Lauri Karvonen (2010) deixa transparecer maior ceticismo. Já o volume editado por Aarts, Blais e Schmitt (2011) compila perspetivas muito heterogéneas. Em todo o caso, todos eles constituem um excecional contributo para o aprofundamento desta temática e para uma reflexão sobre a sua complexidade teórica e metodológica por parte de autores com um historial de investigação significativo neste domínio. Além disso, têm o mérito de capitalizar resultados de estudos anteriores, integrando o conhecimento já produzido sobre o tema, reforçando assim a sua atualidade e valor.

Várias investigações têm vindo a ser desenvolvidas nos últimos anos no sentido de aferir a importância dos líderes para o comportamento eleitoral. Em Platform or Personality?, Amanda Bittner (2011) identifica cinco grandes temas de estudo nesta área. Em primeiro lugar, os estudos sobre as fontes de informação, ou seja, o enquadramento mediático dos candidatos e temas políticos e o papel dos meios de comunicação social em aspetos decisivos da campanha eleitoral, como debates e discursos; as questões relacionadas com a seleção partidária dos líderes e respetivo impacto eleitoral; os traços de personalidade que os eleitores mais valorizam nas suas avaliações dos líderes; os tipos de fatores que influenciam a avaliação dos candidatos (de natureza sociodemográfica, ideológica, partidária, etc.); por último, o impacto dos líderes nas escolhas partidárias e nos resultados eleitorais.

No entanto, perspetivas demasiado restritas aos contextos analíticos em causa, abordagens teóricas e metodológicas distintas e desconexas dão origem a resultados que são frequentemente contraditórios e, por isso, inconclusivos relativamente à existência de uma clara tendência geral no sentido da personalização. São comuns estudos parcelares com enfoque apenas num país, num ato eleitoral, num tipo de sistema eleitoral, que incidem sobre diferentes questões de investigação e reúnem um grande volume de informação detalhada sobre um determinado contexto, mas que resultam em alguma dispersão ao nível dos resultados. Perde-se a avaliação consistente do impacto da evolução ao longo do tempo e dos contextos dos efeitos dos líderes no voto.

A obra editada por Poguntke e Webb (2005) reúne os contributos de um conjunto de especialistas, convidados a avaliar o grau de presidencialização dos respetivos países. Por presidencialização entende-se o processo mediante o qual os regimes políticos se têm vindo a tornar mais presidenciais na sua prática operacional, sem existir, na maioria dos casos, uma alteração na sua estrutura formal, ou seja, no seu regime político (Poguntke e Webb, 2005, p. 1). Assim, nos regimes presidencializados os líderes dispõem de uma maior autonomia e de mais recursos de poder, assistindo-se a uma personalização do processo eleitoral. A análise dos especialistas é feita segundo uma grelha analítica fornecida pelos autores, explicitada no capítulo introdutório, que assenta no que denominam as três faces da presidencialização: a face executiva, a face partidária e a face eleitoral, todas elas reforçadas, através da presidencialização, por fatores externos à estrutura formal do regime político. A face executiva implica um aumento da autonomia governativa do líder por via de cedências formais de poder em seu favor, como o poder de nomear ou de tomar decisões unilaterais (Poguntke e Webb, 2005, p. 8). A face partidária envolve uma mudança no poder intrapartidário em benefício do líder. A face eleitoral pauta-se pela crescente atenção dada aos líderes no período de campanha eleitoral, uma cobertura mediática essencialmente concentrada nos líderes e pela influência acrescida dos mesmos nos comportamentos eleitorais.

Em The Personalisation of Politics: a Study of Parliamentary Democracies, Karvonen (2010) centra-se apenas em democracias parlamentares, justificando não fazer sentido analisar o grau de personalização de regimes que na sua essência a promovem, como o presidencialismo. A investigação divide-se em quatro capítulos, abrangendo as instituições políticas, os candidatos, líderes, eleitores e os meios de comunicação social. Baseia-se exclusivamente em dados de fontes secundárias muito diversas: expert surveys, os próprios dados do estudo de Poguntke e Webb (2005), o European Voter Database, estatísticas de imprensa e das campanhas eleitorais, entre outras. Embora refira em vários momentos que não é sua intenção proceder a uma análise comparativa, acaba por sofrer da mesma lacuna que aponta ao estudo de Poguntke e Webb (2005), nomeadamente a fragilidade das conclusões que possam ser retiradas de dados que provêm de fontes distintas e não comuns a todos os casos analisados. As conclusões de Karvonen (2010) são um pouco ambíguas na medida em que suportam a tese da personalização em algumas dimensões (é o caso da dimensão mediática, em que observa uma maior concentração dos meios de comunicação social nos líderes políticos enquanto indivíduos) e a refutam noutras (por exemplo, refere que os efeitos de líder no voto são uma mera repercussão dos efeitos da identificação partidária).

Em Political Leaders and Democratic Elections, os editores Aarts, Blais e Schmitt (2011) têm como objetivo “preencher o que acreditam ser uma enorme (e injustificada) falha na literatura”: avaliar o impacto dos líderes no voto (2011, p. 2). Para tal, utilizam estudos eleitorais de nove países, numa perspetiva cronológica longitudinal (1970-2000) combinada de 68 atos eleitorais e, em alguns casos, dados do Comparative Study of Electoral Systems (CSES).2 O livro tenta responder a um conjunto de interrogações recorrentes nos estudos sobre efeitos de líder: porque deveriam os líderes influenciar as decisões de voto? Quando e em que circunstâncias esses efeitos se fazem sentir com maior intensidade? Em que contextos institucionais? Para que tipo de eleitores? O alargado conjunto de especialistas sobre efeitos de líder possibilita uma abordagem da personalização nas suas múltiplas dimensões, atendendo à pluralidade de contextos políticos, institucionais, mediáticos e eleitorais, o que contribui para o enriquecimento desta obra como um todo.

Platform or Personality? constitui um estudo aprofundado de Amanda Bittner (2011), que procura responder a uma série de questões relativamente às quais a autora não encontra respostas satisfatórias na literatura existente, e nas quais em grande medida nos revemos. Inconformada perante a fragmentação de estudos sobre líderes políticos, desenvolve um estudo comparativo longitudinal sobre as avaliações dos líderes, recorrendo a dados de estudos eleitorais de um conjunto de países. Elege como dimensões de análise fundamentais os traços de personalidade dos líderes e as suas dimensões, os fatores que explicam as avaliações dos líderes e o impacto eleitoral das mesmas. Analisa a influência das características dos eleitores nas avaliações dos líderes, os estereótipos partidários, o impacto dos traços de personalidade dos líderes nas eleições e a influência dos contextos institucionais nos efeitos de líder. A reflexão prévia sobre as potencialidades e limitações dos estudos anteriores assume-se como um elemento crucial para a obra, na medida em que não apenas justifica como valoriza muitas das opções metodológicas tomadas.

Um ponto relativamente consensual entre os autores numa temática pautada por discordâncias diz respeito às potenciais causas das hipotéticas transformações no sentido de uma personalização da política. Poguntke e Webb (2005) apontam várias causas para a presidencialização da política, nomeadamente: a internacionalização da política contemporânea, que transfere o poder para os chefes de governo (e alguns dos seus colegas mais restritos), deixando aos ministérios e parlamentos uma margem estreita para intervir em decisões tomadas noutro local entre os líderes e as instâncias internacionais; a complexificação do Estado, que confere ao líder um papel mais central na coordenação e articulação dos diferentes organismos que o compõem; as mudanças estruturais nos meios de comunicação social, com a disseminação da televisão a partir dos anos 60, a sua posterior privatização e o enfoque personalizado nos líderes que veio a desenvolver, no intuito de reduzir a complexidade dos temas políticos, facto que acabou por ser também explorado pelos próprios atores políticos; por último, a erosão das clivagens políticas tradicionais, com o “fim da ideologia”, questiona as clássicas determinantes de voto a longo-prazo e abre a possibilidade à consideração das características individuais dos candidatos políticos nos comportamentos eleitorais devido ao vazio ideológico deixado.

Também Karvonen (2010) identifica as profundas mudanças nas estruturas sociais como um fator potencialmente fomentador da personalização da política. Concebe o “fim da ideologia” como um elemento fundamental no desalinhamento partidário, crescente volatilidade eleitoral e desenvolvimento dos partidos eleitoralistas catch-all. Inserida no processo de individualização da vida social, conforme descrito por Bauman (2001), dá-se uma transformação nos interesses do eleitorado, agora mais concentrado em aspetos individuais. Neste sentido, as campanhas eleitorais e os meios de comunicação social conquistam uma importância acrescida na medida em que se focam prioritariamente em atores políticos individuais e nos seus traços pessoais.

A dimensão mediática da personalização da política é aquela que para os diversos autores surge como mais diretamente observável e consensual. Vários dos autores destacam o carácter funcional da personalização da política à própria natureza dos meios de comunicação social, particularmente à televisão. As campanhas eleitorais e a cobertura mediática tornaram-se mais personalizadas, com os líderes a evidenciarem-se como a face visível dos partidos, permitindo uma abordagem mais individualizada dos conteúdos informativos em entidades concretas – líderes – e não abstratas – partidos.

A análise de Karvonen (2010) sobre a influência mediática revela claramente uma concentração mais evidente dos meios de comunicação social nos líderes políticos ao longo dos últimos anos. Estes são atualmente mais discutidos e publicitados do que os partidos e são apresentados com base nas suas características pessoais em vez dos laços coletivos dos partidos em que se encontram inseridos.

Na sistematização final que Poguntke e Webb (2005) fazem dos dados recolhidos pelos autores dos diferentes capítulos da sua obra, registam um aumento da cobertura mediática dos líderes em todos os contextos analisados (exceto o espanhol, em que sempre foi elevado, e o francês, que manteve também uma tendência já de si elevada). As estratégias de campanha eleitoral cada vez mais centradas nos líderes também são uma constante em todos os contextos analisados (com as mesmas exceções, somadas à do Canadá, contexto em que as campanhas também foram sempre muito centradas nos líderes).

Na mesma linha, o capítulo de Dieter Ohr na obra editada por Aarts, Blais e Schmitt (2011) demonstra que para alguns países e alguns indicadores existem indícios de que as campanhas eleitorais e o tratamento mediático dos conteúdos políticos se tornaram mais centrados nos candidatos. Isto sucede mesmo nos contextos parlamentares em que os partidos políticos ainda mantêm uma posição forte, como é o caso da Suécia, em que se regista um aumento da cobertura dos líderes políticos em notícias televisivas entre 1979 e 1999. Também no caso alemão se confirma um aumento da cobertura mediática dos candidatos a chanceler em jornais de referência (1949-2005) e na televisão (1990-1998). Ainda assim, subsistem diferenças substanciais a este nível face ao regime americano no qual, por exemplo, os autores encontram um aumento do rácio de menções de candidatos vs. partidos de 1.7 para 5.6 entre 1952 e 1996.

Neste panorama de crescente personalização da cobertura mediática dos conteúdos políticos, é legítimo equacionar-se o impacto dos líderes para os indivíduos mais expostos a notícias televisivas. Na mesma obra, Gidengil (Aarts, Blais e Schmitt, 2011) procedeu a uma avaliação dos efeitos de líder com base nas características dos eleitores, no pressuposto de que estes seriam superiores nos indivíduos que assistem a mais conteúdos televisivos noticiosos, o que apenas se verificou num dos nove países analisados.3 Este é um aspeto apenas referido por Gidengil (Aarts, Blais e Schmitt, 2011) nas obras analisadas, e que poderia ganhar com um maior aprofundamento.

Mas que impactos terá esta personalização da dimensão mediática nos comportamentos eleitorais? Estarão a aumentar os efeitos de líder no comportamento eleitoral?

Holmberg e Oscarsson, autores do terceiro capítulo do livro editado por Aarts, Blais e Schmitt (2011), declaram-se céticos relativamente ao que consideram “um dos mitos mais populares do nosso tempo, nomeadamente, que na era da televisão e das imagens visuais, os líderes políticos se tornaram mais poderosos e que a política se tornou mais personalizada” (2011, p. 35). Contudo, após a análise empírica concluem que existem efeitos de líder na maioria dos sistemas políticos estudados, especialmente nos caracterizados por sistemas maioritários, em contraste com os sistemas de representação proporcional (menos polarizados), com efeitos mais reduzidos: onde os partidos são menos importantes, os líderes tendem a ser mais importantes.

Uma ideia frequentemente salientada por diversos autores sustém que a personalização da política não depende apenas da existência de efeitos de líder no voto (mais ou menos marcada, a existência de efeitos de líder é facto relativamente consensual entre os autores da área) mas implica uma crescente importância desses mesmos efeitos ao longo do tempo. Holmberg e Oscarsson (Aarts, Blais e Schmitt, 2011) não encontram evidências nesse sentido. Na mesma obra, tanto Aardal e Binder como Nadeau e Nevitte (Aarts, Blais e Schmitt, 2011) reforçam a inexistência de um aumento dos efeitos de líder nas últimas décadas. Os dois últimos autores, em particular, identificam mesmo uma tendência inversa à personalização, e na sua perspetiva os efeitos de líder têm vindo a decair progressivamente nos últimos anos. Ao analisar os efeitos de líder no voto ao longo de três períodos distintos (1950-1970; década de 80; 1990-2001) concluíram que nos anos 90 estes eram significativamente menos decisivos do que nas décadas antecedentes.4

Karvonen chega a conclusões semelhantes. Relativamente aos líderes, os dados demonstram que a sua importância para a escolha partidária não tem aumentado ao longo do tempo. Os eleitores não formam opiniões mais fortes do que no passado no que respeita aos líderes e são os eleitores mais alinhados partidariamente os mais suscetíveis aos efeitos de líder. Assim, o autor entende que os efeitos de líder são, em grande parte, consequência dos efeitos partidários e por isso não devem ser levados em conta. Isolar os efeitos de líder dos efeitos dos partidos é, de facto, uma dificuldade metodológica recorrentemente apontada pelos investigadores nos estudos da área mas tal não significa uma impossibilidade que justifique o seu desprezo.

Amanda Bittner (2011) observa tendências contrastantes. Nos dados analisados pela autora para o contexto norte-americano, o impacto das avaliações de líderes sobrepõe-se ao das variáveis sociodemográficas ou das atitudes perante political issues, sendo mesmo por vezes superior ao da ideologia e identificação partidária. O efeito líquido das características dos líderes pode chegar aos 10%, como sucedeu em 1972 com o candidato republicano Richard Nixon nos EUA. Ainda assim, estes 10% conquistados por Nixon não se revelaram decisivos para o desfecho das eleições, uma vez que os republicanos venceram por uma margem muito superior: 23,2%. Este exemplo é elucidativo do debate que persiste mesmo no que respeita ao conceito de efeitos de líder. Autores como Anthony King (2002), por exemplo, argumentam que só se pode falar de efeitos de líder quando estes se assumam como decisivos para os resultados eleitorais. Embora se possa reconhecer alguma validade neste argumento ele coloca-nos perante um paradoxo: os 10% que Nixon conquistou em 1972 ou os 2,6% de Clinton em 1996 não são considerados efeitos de líder porque a margem de vitória foi superior; mas nas particularmente disputadas eleições americanas de 2000, os 0,4% de George W. Bush já são considerados efeitos de líder porque os resultados eleitorais foram extremamente próximos (Barisione, 2009, p. 491).

Poguntke e Webb (2005) também reconhecem uma tendência para um crescimento dos efeitos de líder no comportamento eleitoral na maioria dos casos analisados (concretamente na Bélgica, Finlândia, Alemanha, Israel, Itália, Países Baixos, Portugal, Reino Unido e EUA). Apenas o Canadá regista uma tendência inversa, ainda que apenas com um ligeiro recuo da dimensão eleitoral da presidencialização, sem prejuízo das outras dimensões, que mantêm um elevado grau de personalização num contexto já de si especialmente presidencial. Considerando as restantes dimensões do conceito de presidencialização (executiva e partidária), Margaret Thatcher, Tony Blair e Silvio Berlusconi são lideranças políticas exemplificativas do conceito, tendo imprimido um cunho fortemente personalístico nos seus governos parlamentares. Os primeiros exerceram o centralismo das suas lideranças fundamentalmente através da “acumulação de funções, recursos e poderes” (Poguntke e Webb, 2005, p. 33), tornando-os mais do que meros primus inter pares. O italiano essencialmente através do “caso extremo de controlo partidário” levado a cabo sobre o partido por si fundado, Forza Itália, concebido e desenvolvido como um partido pessoal (Poguntke e Webb, 2005, pp. 97-98).

Assumindo esta relevância dos efeitos de líder, importa saber para quem, de que forma e em que circunstâncias os líderes se assumem como influentes nas escolhas eleitorais. André Blais (Aarts, Blais e Schmitt, 2011) salienta que as características pessoais dos líderes podem operar como pistas para os eleitores em situações de escassez de informação, por exemplo, no que toca a questões sobre as quais não existe um posicionamento partidário claramente definido. Por outro lado, são um importante preditor do comportamento dos eleitores em situações imprevisíveis e por isso ausentes de programas ou debates partidários (crises, guerras, etc.).

A hipótese frequentemente avançada na literatura de que os efeitos de líder possam fazer sentir-se de forma mais intensa nos eleitores indecisos porque, em princípio, estarão menos estruturados ideológica e partidariamente e decidirão o voto em época de campanha eleitoral é refutada pela investigação de Gidengil (Aarts, Blais e Schmitt, 2011). Tal não se confirmou em nenhum dos atos eleitorais analisados, pelo contrário nos casos dos Países Baixos (1998), Canadá (2000), Espanha (2000), Austrália (2001) e Reino Unido (2001) os eleitores que decidiram mais cedo o seu voto foram os mais influenciados pelas avaliações dos líderes. Além disso, nas eleições de 1998 nos Países Baixos e nas de 2000 em Espanha, Canadá e EUA foram os eleitores mais identificados partidariamente os mais suscetíveis aos efeitos de líder, o que põe em causa o argumento do desalinhamento partidário funcionar a favor da personalização.

Amanda Bittner constatou a existência de estereótipos partidários segundo os quais os eleitores julgam os líderes, independentemente da identificação partidária. Estes estereótipos dependem de características que os eleitores atribuem como específicas dos partidos. Os líderes conservadores são percecionados como mais competentes, os líderes de esquerda têm melhores avaliações de carácter – os dois traços apontados pela autora como mais relevantes para a avaliação dos líderes.

Ao contrário do que se poderia esperar, esta associação não é feita pelos indivíduos menos sofisticados que seguem estereótipos por não terem acesso a outras fontes de informação, a tendência é ainda mais acentuada nos indivíduos politicamente mais sofisticados. Esta associação não se reflete meramente na avaliação dos líderes: os eleitores mais sofisticados têm maior probabilidade de traduzir essas mesmas avaliações estereotipadas nas suas decisões de voto. Estes eleitores, para além de considerarem um maior número de variáveis nas suas escolhas eleitorais, fazem-no com um impacto superior ao dos eleitores menos sofisticados. Não estaremos, portanto, perante um eleitorado desalinhado que recorre a avaliações dos líderes políticos por não ter acesso a outro tipo de informação política e que forme avaliações desprovidas de conteúdo político.

Ainda na obra de Bittner, é merecedor de destaque o facto de o impacto eleitoral das avaliações do carácter dos líderes surgir como superior às avaliações de competência. Globalmente, este impacto das avaliações é mais elevado nos grandes partidos do que nos pequenos.

No último capítulo de Political Leaders and Democratic Elections, Ohr e Oscarsson (Aarts, Blais e Schmitt, 2011) analisam o impacto dos traços de personalidade dos líderes num âmbito mais alargado do que Bittner, que propõe uma sistematização dos diversos traços em duas categorias centrais: competência e carácter. Ohr e Oscarsson debruçam-se sobre traços associados à performance politicamente relevantes, como as capacidades de liderança, confiança, credibilidade e empatia. Embora o modelo utilizado seja algo simplista na medida em que para além dos traços referidos apenas inclui a identificação partidária, os autores concluem que, controlando esta, todas os traços desempenham um papel importante nas avaliações globais dos líderes e nas decisões de voto de uma forma relativamente homogénea nos três sistemas políticos analisados pelos autores: EUA (1988-2008), Austrália (1993-2007) e Suécia (1988-2006), que embora seja o contexto com um enquadramento institucional menos favorável à personalização demonstrou grande impacto das características dos líderes. Mais ainda, identificam a valorização de determinados atributos em particular dependendo do contexto em análise: se na Suécia a credibilidade é uma característica particularmente importante, nos EUA a liderança e a empatia são mais valorizadas (embora a confiança se tenha revelado o traço mais importante na análise que os eleitores fizeram de Clinton em 1996) e na Austrália todas assumem um peso similar.

Por outro lado, os autores deste capítulo fazem ainda uma análise de traços politicamente menos relevantes, exclusivamente no que respeita às eleições alemãs (1998): aparência convincente, vida familiar e atratividade física. Apenas significantes no caso da vida familiar de Schroeder, estes traços revelam-se menos importantes do que os associados à performance. Ainda que restringida a uma eleição em particular, esta distinção parece-nos extremamente pertinente para perceber o teor das avaliações de líder e as suas consequências para a democracia. Se os líderes importarem para os eleitores por características ligadas à sua performance política não há motivo para que as eleições passem a ser percebidas como “concursos de beleza” desprovidos de conteúdo político. Possivelmente, assim se explica que sejam os eleitores mais sofisticados os que mais recorrentemente têm sido apontados como considerando os efeitos de líder.

Relativamente ao enquadramento institucional, seria expectável que em regimes presidenciais os efeitos de líder sobre o voto assumissem uma maior preponderância. O capítulo de Martin Wattenberg (Aarts, Blais e Schmitt, 2011) destaca a prevalência do carácter iminentemente personalizado das eleições americanas, embora não descarte uma aproximação por parte dos sistemas parlamentares num curto-prazo. No mesmo sentido, Curtice e Hunjan (Aarts, Blais e Schmitt, 2011) salientam as diferenças de importância dos líderes entre os regimes presidenciais e os parlamentares, mesmo no que toca a sistemas maioritários. Sobre os regimes parlamentares, tanto Nadeau e Levitte como Holmberg e Oscarsson (Aarts, Blais e Schmitt, 2011) registam maior influência dos efeitos de líder nos sistemas maioritários do que nos de representação proporcional. Já Bittner (2011) salienta que o cariz mais proporcional dos sistemas eleitorais e um número reduzido de partidos em competição (remetendo para uma relação eleitor-líder mais estreita e uma maior proximidade ideológica entre os partidos) confere maior ênfase aos líderes nas decisões de voto. Além disso, o desenho institucional do sistema eleitoral parece ter mais influência no voto para os líderes dos partidos de esquerda.

Estes casos ilustram como apesar dos valiosos contributos dados por estas obras para a compreensão de um fenómeno tão complexo, persiste o problema da incongruência das conclusões alcançadas. Não deixa de ser interessante que estudos sobre objetos tão similares, e por vezes com origem nas mesmas bases de dados, produzam resultados tão contrastantes entre si.

 Lauri Karvonen (2010) rejeita que estejamos perante uma evidente tendência geral no sentido da personalização da política, embora os resultados obtidos pela sua investigação sejam ambíguos e deixem a porta aberta à possibilidade de estarmos apenas no início de um processo já em curso. Em todo o caso, parece-nos uma tese, de facto, discutível e que carece de um maior aprofundamento, dada a divergência entre académicos e resultados das respetivas investigações.

Partilhamos da visão de Amanda Bittner (2011) acerca da elevada fragmentação dos estudos neste domínio, que abrangem um leque muito vasto de contextos e dimensões analisadas, obstando a generalizações. Na nossa opinião, das obras analisadas esta é a que espelha uma maior coerência, do quadro teórico à metodologia e, consequentemente, aos resultados. A tentativa de sintetização de dados de mais de uma centena de inquéritos de cerca de 35 estudos eleitorais internacionais com questões sobre líderes políticos parece-nos bem conseguida e o argumento da bidimensionalidade dos traços de personalidade (carácter e competência) bastante válido. Contudo, deixa de parte alguns fatores que poderiam ser relevantes e que são abordados nas restantes obras, nomeadamente no que respeita ao papel dos meios de comunicação social e à dimensão institucional, alvo de maior atenção por parte de Poguntke e Webb (2005) e Karvonen (2010), abordando questões tão relevantes como o aumento dos poderes executivo e partidário dos líderes políticos (aspeto também visado por Wattenberg no livro organizado por Aarts, Blais e Schmitt, 2011). Aliás, devido à distinção conceptual entre presidencialização e personalização (esta última mais direcionada para a face eleitoral da presidencialização), poucos estudos têm versado sobre o que Poguntke e Webb chamam a face partidária e executiva.

The Presidentialization of Politics (Poguntke e Webb, 2005) encontra-se bem estruturado. Apresenta a tese da presidencialização no capítulo inicial, definindo o presidencialismo, as suas principais características, as várias faces da presidencialização e possíveis causas e consequências da presidencialização da política. Dá a conhecer a inovadora grelha analítica que enformará a exposição dos autores nos capítulos seguintes. Ao fazê-lo, assegura alguma coerência e estruturação nos capítulos seguintes, colmatando a inexistência de dados comuns a todos os contextos estudados com o que mais tarde os autores designariam de um “equivalente funcional” (Poguntke, Webb e Kolodny, 2012, p. 83), tendo em consideração a compreensão dos indicadores enquadrados nos contextos particulares. Assim, embora os autores não se baseiem todos nas mesmas fontes de dados, o que na crítica que lhes é feita por Karvonen (2010) impede que se possa considerar um estudo comparativo, o estudo não perde grande potencial e mantém a possibilidade de proceder a comparações credíveis entre os contextos analisados. Aliás, essa mesma sistematização das conclusões dos vários capítulos é efetuada com sucesso pelos editores no capítulo final, captando de forma holista os resultados dos vários capítulos e revestindo a obra de coerência interna.

O volume de Aarts, Blais e Schmitt (2011) teria ganho em seguir uma lógica semelhante à do livro editado por Poguntke e Webb (2005). Uma opção dessa natureza conferiria à obra maior solidez nas suas conclusões globais, em detrimento de uma súmula de resultados avulsos de cada capítulo, por vezes sem uma ligação muito clara entre si. No entanto, tal tarefa é naturalmente mais simples num volume em que a generalidade dos capítulos concorre no mesmo sentido e sob uma grelha muito estruturada, do que numa obra como Political Leaders and Democratic Elections, em que existem perspetivas tão diversas e por vezes mesmo conflituantes entre os autores convidados sobre dimensões que em certos casos se sobrepõem. Embora parte substancial do valor da obra resulte dessa mesma diversidade de perspetivas sobre o mesmo objeto e suas dimensões, ficam por dar respostas mais claras a algumas das questões levantadas no capítulo introdutório por André Blais. Por exemplo, os resultados de Aardal e Binder e de Nadeau e Nevitte (Aarts, Blais e Schmitt, 2011) apontam para um decréscimo e uma reduzida influência dos efeitos de líder no voto, ao passo que os de Holmberg e Oscarsson (Aarts, Blais e Schmitt, 2011) são reveladores da importância desses mesmos efeitos de líder, ainda que concluam não estarem em crescimento acentuado.

Porém, cremos que a obra sobreviveria às críticas de Karvonen (2010) uma vez que, ao contrário de Poguntke e Webb (2005), assenta num conjunto de dados estandardizados para todos os autores (embora nem sempre seja claro quais os dados que estes estão a utilizar nos respetivos capítulos, se os de estudos eleitorais nacionais, se os do CSES), num período temporal claramente definido. Além disso, como era declaradamente intenção dos editores, os capítulos não são específicos de cada país, mas transversais a vários contextos, dado que o objetivo central da obra é compreender variações dos efeitos de líder no tempo e entre casos. No entanto, ao contrário de todas as outras, a conclusão geral a retirar do volume de Aarts, Blais e Schmitt (2011) não é explicitada em momento algum nem surge como evidente ao leitor.

A problemática da personalização da política sai largamente enriquecida pelos contributos teóricos e empíricos destas quatro obras, da máxima importância para a investigação na área. Não obstante, exige-se uma maior clarificação de questões que continuam a gerar respostas ambivalentes. Assim, justifica-se um maior aprofundamento da investigação desenvolvida neste âmbito num futuro próximo de modo a melhor compreender a influência do papel dos líderes políticos nas sociedades contemporâneas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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NOTAS

1 Este ensaio foi desenvolvido no âmbito do projeto de investigação “A Personalização da Política no Século XXI – um Projecto de Pesquisa sobre Eleições Democráticas” (PTDC/CPJ-CPO/120295/2010), financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, no qual o autor é bolseiro de investigação.

O autor agradece a Marina Costa Lobo e ao referee anónimo da Análise Social as sugestões e comentários ao texto.

2 Nos casos em que essa informação está disponível. O Módulo 1 do CSES inicia-se em 1996.

3 Apenas se verificou no caso da Espanha. Além desse, os países analisados foram os EUA, Reino Unido, Canadá, Austrália, Alemanha, Suécia, Países Baixos e Noruega.

4  Os países estudados foram Austrália, Canadá, Alemanha, Países Baixos, Noruega, Espanha e Suécia.

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