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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.213 Lisboa dez. 2014

 

DOSSIÊ

Desvendando o teatro: criatividade, públicos e território

 

Os Editores

Vera Borges*, Pedro Costa* e Claudino Ferreira**

*DINÂMIA’CET, ISCTE-IUL, Av. das Forças Armadas, s/n — 1649-026, Lisboa, Portugal. E-mails: vera.borges@iscte.pt e pedro.costa@iscte.pt

**CES,Universidade de Coimbra, Colégio de S. Jerónimo, Largo D. Dinis, Apartado 3087 — 3000-995 Coimbra, Portugal. E-mail: claudef@fe.uc.pt

 

A inspiração para este dossiê surgiu no colóquio internacional organizado pelo ICS-ULISBOA, DINÂMIA’CET-IUL e CES-FEUC, em novembro de 2012, no qual se reuniram equipas destes e de outros centros, bem como colegas, alunos, profissionais do espetáculo, jornalistas e decisores políticos.1 Duas importantes key-note conferences, proferidas por L. Karpik (École des Hautes Études, Paris) e A. Markusen (University of Minnesota, USA), lançaram as linhas centrais do debate. Discutiu-se o teatro, a criatividade, os seus públicos e a relação com os territórios, focando a análise nas suas dinâmicas e dilemas atuais, e nos desafios teóricos e metodológicos que o teatro e as artes colocam, nomeadamente à sociologia, à economia e aos estudos urbanos.

Os artigos que integram este dossiê pretendem contribuir para o desenvolvimento de algumas destas questões. Como manter, tornar sustentáveis as organizações culturais, a atividade artística, os artistas e as suas equipas? Que estratégias nacionais e internacionais podem ajudar a levar mais longe o nome dos grupos de teatro e dos territórios a que eles estão associados? Que públicos temos nos teatros portugueses e no mundo? O que fazem hoje os teatros para recrutar os seus públicos? Em nome de que objetivos e projetos pretendem recrutá-los? Quais são as consequências deste tipo de dinâmicas para o “enobrecimento” de um território, para a sua sustentabilidade cultural, e para a qualidade de vida das pessoas que o habitam e usam?

Muitos dos desafios e problemas que se colocam hoje às artes, e ao teatro em particular, prendem-se com as suas organizações culturais, cada vez mais dinâmicas e diversificadas, sujeitas a fortes constrangimentos, mas encontrando novos caminhos na sua ação; com os seus artistas e profissionais da cultura, crescentemente qualificados, trabalhadores por projeto, empresários da sua carreira, profundamente ligados aos projetos coletivos e às suas dinâmicas locais; com os seus públicos, muito variados e heterogéneos, à procura de uma arte mais próxima e colaborativa; com os seus trabalhos, da “escrita de palco” à construção de uma cidadania ativa, sujeitos a uma pluralidade de formas de avaliação e de reconhecimento (v., para o caso francês, o artigo de D. Urrutiaguer, neste dossiê) − e as suas implicações nos mecanismos de intermediação, também eles em progressiva desmultiplicação; e, finalmente, os seus contextos específicos com orientações diversas, enquadradas pela necessária flexibilidade dos instrumentos das políticas públicas definidas para este setor.

Em geral, as organizações culturais, os grupos de teatro e os seus artistas reinventam dia-a-dia a sua missão (Ferreira, 2013; Costa, Borges e Graça, 2014; Borges, no prelo), as suas trajetórias locais e profissionais, os seus discursos sobre a arte e os objetos ou as performances, eventos, exposições que produzem, os modos de trabalhar e apresentar os resultados finais, em grande parte pela introdução de inovações nos processos e nos materiais utilizados, mas também nos dispositivos de apresentação e nas formas de divulgação do(s) teatro(s). Como afirmou L. Karpik na sua conferência, o teatro vive da “proximidade territorial” dos seus grupos e das suas audiências; e uma das suas singularidades é a divulgação, mais limitada do que em outras áreas artísticas, e muito dependente das “redes de relações informais”. A mesma informalidade que caracteriza certos clusters de criação, produção e participação no teatro, no nosso país (Borges e Lima, neste dossiê). É assim que os públicos também se reinventam no teatro e na sua participação cultural. A reinvenção dos públicos faz-se de formas cada vez mais próximas dos artistas, dos seus contextos e espaços de performatividade, sejam eles teatros, cineteatros, espaços ao ar livre, como demonstrou A. Markusen na sua conferência, e no texto que aqui publica com A. Brown.

Por seu turno, as encruzilhadas, desafios e dilemas vividos na arte e no teatro são experienciados por todos nós, investigadores das artes e da cultura (v. Alexander e Bowler, 2014) que procuramos novas abordagens para as “velhas” questões, as quais nos recolocam dilemas de fundo em relação às lógicas de pesquisa (Borges, Costa e Graça, no fórum), e nos obrigam a encontrar respostas para novos desafios, como aqueles descritos no artigo de Dias e Lopes, neste dossiê.

Por fim, as principais linhas de discussão que se abriram durante o colóquio, a par da investigação que cada um de nós tem vindo a realizar, a observação de contextos e processos de produção artística e teatral, permitem-nos elencar três elementos fundamentais para o entendimento (e a ação) desses desafios e tecer algumas considerações finais sobre cada um deles:

 

i    A arte é motor de desenvolvimento cultural durável (Unesco, 2013), não apenas como meio instrumental para a obtenção de diversos outros propósitos mais gerais de desenvolvimento – muitas vezes subjacentes a modelos de “organização económica nos quais a vida social precisa de ser justificada pelo mercado ou em termos utilitários” (­Alexander e Bowler, 2014, p. 8) – mas, a arte (o teatro) deve ser encarada essencialmente como um fim em si mesmo e como um dos propósitos últimos da noção de desenvolvimento sustentável;

ii   A criatividade alimenta e move os artistas e as suas equipas, profissionais e/ou amadoras, independentemente das múltiplas configurações contextuais,  organizacionais e socioculturais subjacentes às dinâmicas de estruturação e evolução deste setor. Mas a criatividade alimenta naturalmente, também, os seus públicos mais ativos (não são necessariamente em maior número, mas são mais comprometidos), dos mais jovens aos segmentos seniores, com novos modos de participar e de se relacionar com as artes e com os contextos de fruição e co-criação artística;

iii   Os territórios acolhem as experiências artísticas e teatrais, as suas organizações e os seus artistas, moldam e estruturam necessariamente as práticas criativas, de intermediação e de fruição no setor, não só pela via da sua localização, mas sobretudo pela territorialidade dos processos económicos e sociais que lhes estão na base, a qual ganha particular relevância no quadro do atual “capitalismo cognitivo-cultural” e da forma como ele molda o ressurgimento do espaço urbano e a importância das dinâmicas criativas na cidade (Scott, 2008, 2014).

 

As implicações de uma abordagem sociológica que conjuga e associa estes três elementos pode levar-nos mais longe na avaliação de políticas públicas na cultura e na criação de novas propostas mais adequadas aos seus ­intervenientes e ao funcionamento dos mundos das artes, mas sugere-nos ­também a exigência profunda de realizar, individualmente ou em equipa, muitos mais estudos e análises sobre as atuais mudanças sociais e económicas, e sobre a forma como a arte, o teatro, os seus artistas, os seus públicos e territórios se adaptam, fortalecem, são vulneráveis mas participantes ativos e implicados nas transformações das sociedades contemporâneas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ALEXANDER, V.D., BOWLER, A.E. (2014), “Art at the crossroads: the arts in society and the sociology of art”. Poetics, 43, pp. 1-19.         [ Links ]

BORGES, V. (no prelo), “Le théâtre se fait dans le quartier. Une étude des troupes portugaises à vocation locale”. Revue Registres, Paris, Presses Sorbonne ­Nouvelle.         [ Links ]

COSTA, P., BORGES, V. e GRAÇA, S. (2014), “Structural change and diversity in theatrical groups: an empirical study in the Lisbon area”. Portuguese Journal of Social Sciences, 13 (1). Disponível em http://pjss.iscte.pt/index.php/pjss/article/view/146 [consultado em 20-11-2014].         [ Links ]

FERREIRA, C. (2013), “Os teatros e as políticas públicas para a cultura e o território. Questionamentos com base na realidade portuguesa”. In C. Fortuna, et al. (orgs.), Cidade e Espetáculo. A Cena Teatral Luso-brasileira Contemporânea, São Paulo, Editora PUC, pp. 105-122.         [ Links ]

SCOTT, A.J. (2008), Social Economy of the Metropolis: Cognitive-Cultural Capitalism and the Global Resurgence of Cities, Oxford, Oxford University Press.         [ Links ]

SCOTT, A.J. (2014), “Beyond the creative city: cognitive-cultural capitalism and the new urbanism”. Regional Studies, 48 (4), pp. 565-578. DOI: https://dx.doi.org/10.1080/00343404.2014.891010         [ Links ]

UNESCO (2013), Creative Economy Report (special edition): Widening Local Development Pathways, United Nations/UNDP/UNESCO. Disponível em http://www.unesco.org/culture/pdf/creative-economy-report-2013.pdf [consultado em 20-11-2014].         [ Links ]

 

NOTAS

1 O colóquio, realizado no ICS-ULISBOA em 15 de novembro de 2012, contou ainda com duas sessões de trabalho mais amplas e uma mesa redonda. A primeira sessão de trabalho, subordinada às questões das “lógicas organizacionais, criatividade e públicos”, teve contributos de C. ­Ferreira e P. Abreu (CES-FEUC), J.T. Lopes e S.J. Dias (IS-FLUP), M. Perestrelo, P. Costa, C. Latoeira e G. Teixeira (DINÂMIA’CET-IUL) e R. Gomes (ICS-ULISBOA), moderados por J.L. Garcia (ICS-ULISBOA). A segunda sessão de trabalho, dedicada às “instituições, públicos e território”, organizou-se em torno das contribuições de A. Carvalho (DGArtes), H. Santos (FEUP) e V. Borges (DINÂMIA’CET-IUL e ICS-ULISBOA), P. Costa (DINÂMIA’CET-IUL) e S. Graça (DGArtes), com moderação de P. Guerra (IS-FLUP). Finalmente, a mesa redonda, subordinada ao tema “as instituições culturais na dinamização territorial” contou com a presença de J.L. Ferreira (Teatro São Luiz), M. ­Oliveira (FL-UL), C. Caeiro (Teatro Aberto), C. Galhós (Expresso) e com o comentário de I. Conde (CIES-IUL).

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