SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número214Democracia intra-partidária, filiados e elites intermédias: o caso do Partido Socialista portuguêsTempos Difíceis: As Pessoas Falam sobre a sua Vida e o seu Trabalho índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.214 Lisboa mar. 2015

 

RECENSÕES

JERÓNIMO, Miguel Bandeira, PINTO, António Costa (orgs.)

Portugal e o Fim do Colonialismo. Dimensões Internacionais,

Lisboa, Edições 70, 2014, 264 pp.

ISBN 9789724418223

 

Francisco Carlos Palomanes Martinho*

*Departamento de História, Universidade de São Paulo, Av. Professor Lineu Prestes, 338, Cidade Universitária, Butantã, cep 05508-000 — São Paulo/SP – Brasil. E-mail: fcpmartinho@gmail.com

 

Recentemente publicado, Portugal e o Fim do Colonialismo. Dimensões Internacionais merece acurada atenção. Tema clássico e fundamental entre os historiadores portugueses, o livro consegue, entretanto, apresentar novidades que apontam para perspetivas renovadoras nos estudos a respeito do sistema colonial português. Dividido em 7 capítulos, procura abordar os diversos aspetos da colonização e da descolonização portuguesa focando, sobretudo, o período que vai do final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, até à Revolução Portuguesa e à conjuntura conturbada de 1974-1975.

Parte integrante de um projeto de investigação financiado pela FCT1, o livro está situado na fronteira da chamada nova história política com a história das relações internacionais. Daí a importância, em todos os seus capítulos, da utilização de fontes primárias. Não se trata, pois, de um mero balanço bibliográfico, mas de pesquisa com documentos que, por sua vez, dialogam com a literatura existente sobre o tema. Mas é claro que a utilização de pesquisa em arquivos, por si só, não explica a importância que o livro tem.

O que em primeiro lugar chama a atenção é a escolha metodológica que busca entender as diversas facetas da dinâmica internacional relativamente ao colonialismo português, ampliando os seus agentes para além das clássicas relações entre Estados. O século XX foi próspero, principalmente a partir da sua segunda metade, na criação de agências internacionais, de diversas “Sociedades das Nações”, segundo o espírito kantiano (Kant, 1992) de “comunidade cosmopolita”, que interferiram e influenciaram a forma de agir dos diversos regimes a Oriente e a Ocidente.

Desta forma, como salientam os organizadores na apresentação, “As dimensões internacionais e o fim do império colonial português. Temas, problemas e perspetivas” (pp. 9-14) o trabalho pretende ir além da conhecida dicotomia realismo versus funcionalismo, tão cara às clássicas interpretações acerca das relações diplomáticas. Por outras palavras: entender a história contemporânea das relações internacionais significa, necessariamente, tensionar e redimensionar as interpretações presas às trocas diplomáticas e inter Estados.

É o que fazem os autores do capítulo 1, “O império do trabalho: Portugal, as dinâmicas do internacionalismo e os mundos coloniais” (pp. 15-54), Miguel Bandeira Jerónimo e José Pedro ­Monteiro. Preocupados com a temática do trabalho nas colónias, os autores ressaltam que o foro deliberativo a respeito do tema foi mais amplo que os vários Ministérios das Relações Exteriores localizados em Lisboa, Bruxelas, Londres ou Paris. Ao contrário, incorporaram também, para o entendimento dos processos de tomadas de decisões, os agentes políticos localizados nas chamadas “periferias”, bem como aqueles vinculados às diversas agências supranacionais. Portugal, constrangido ou não, via-se compelido a participar nestas agências. E embora a impressão que sobressai seja a de que participou sempre na defensiva, o regime do Estado Novo soube muitas vezes recorrer ao discurso proferido por essas mesmas agências em sua própria defesa. Ainda assim, sobretudo aquando do acelerado processo de independência das ex-colónias inglesas, francesas e belgas, o embate caminhava no sentido da corrosão daquilo a que os autores chamaram de “Estado-Império” português. Mesmo que na segunda metade da década de 1950, o fim do colonialismo em Portugal fosse ainda longínquo, é um facto que a crescente universalização do conceito do trabalho, não mais subdividido arbitrariamente em “trabalho” num sentido amplo para os Estados independentes, e “trabalho indígena” ou “trabalho colonial”, para os territórios coloniais, tivesse gerado um cerco cada vez mais evidente ao modelo atlântico que garantia a sobrevivência da ditadura. E desse modo, ações do regime autoritário português para encontrar um argumento integracionista, como foi a reforma constitucional de 1951, resultam não apenas das negociações entre Estados e respetivas diplomacias, mas da importância cada vez maior desses novos agentes políticos. Ao mesmo tempo, a internacionalização do tema colonial, e a inserção de Portugal neste debate, deve ser vista de forma ambivalente, pois ainda que contribuindo para uma pressão das cada vez mais autónomas instituições internacionais, serviu também para uma presença do regime nos mesmos fóruns onde era criticado. Assim, o regime aproveitava-se de um espaço de manobra que também contribuia para a defesa e prolongamento de seu modelo imperial.

O capítulo 2, “Os Estados Unidos e a descolonização portuguesa” (pp. 55-81) é escrito por Luís Nuno Rodrigues. Como pano de fundo, as tensões entre a prioridade à Europa e a crescente importância de África e Ásia em pleno contexto de Guerra Fria. Por um lado, o arquipélago dos Açores, base militar estabelecida em acordo entre os dois países no ano de 1944 ganhava importância maior ainda no contexto da Guerra Fria. Por outro, Portugal via como determinante para a sobrevivência do regime a continuidade de seu império colonial. Aqui, como de resto em todos os demais capítulos, há evidência de que as políticas americana e portuguesa não obedeceram aos mesmos pressupostos ao longo de cerca de três décadas. A questão africana foi, durante a Guerra Fria, um tema inicialmente secundarizado pelos Estados Unidos. Apenas com a emergência dos movimentos de libertação e os ecos da Conferência de Bandung o governo norte-americano alterou, ainda que com alguma hesitação, os rumos de sua política africana. E esses rumos tornaram-se mais importantes na administração Kennedy quando o medo de “perder a África” para o bloco soviético teve implicações na defesa de políticas negociais com os movimentos de libertação. Ainda assim, na medida em que as questões da bipolaridade ideológica se colocavam, a África era relegada para segundo plano. Principalmente quando das crises do muro de Berlim, de Cuba ou da guerra do Yom Kippur. Estas oscilações aproximavam e distanciavam os Estados Unidos e Portugal. Mas podemos dizer que, de forma geral, os Açores eram entendidos para os norte-americanos como fundamentais no quadro das políticas estratégicas do Atlântico Norte. Neste caso, para descontentamento da diplomacia portuguesa, que gostaria de incluí-lo também no âmbito da defesa dos seus territórios do Ultramar.

O capítulo 3, “Vive e deixa viver: a Grã-Bretanha e o fim do império português (1945-1975)” (pp. 83-110) é da autoria de Pedro Aires de Oliveira. De modo geral, o tema das relações entre Portugal e Inglaterra é abordado levando-se em conta a aliança histórica forjada desde 1373, correndo o risco de se cair numa perspetiva linear inadequada para um período tão alargado, o que o autor aliás reconhece, enfatizando momentos de crise e tensão entre as duas diplomacias. De qualquer forma determinante para a permanência do chamado “Terceiro Império Português”, pelo menos até à década de 1940, a política externa britânica será alterada, sem necessariamente seguir uma linha coerente, mas obedecendo às circunstâncias. No que concerne à descolonização, o autor destaca aspetos importantes e alguns traços de continuidade que devem ser ressaltados. Em primeiro lugar, a defesa de uma saída confederada em detrimento da autonomia unilateral. Em segundo lugar, a leniência do liberalismo britânico frente à ditadura portuguesa. Por fim, mas não menos importante, a marca do pragmatismo no pós-1974: o autor chama a atenção para o papel importante do governo de Londres no processo de independência de alguns territórios, nomeadamente Moçambique, ao mesmo tempo que, no governo trabalhista de Wilson, se optou pelo alinhamento à administração Ford e ao apoio a Suharto aquando da invasão indonésia a Timor-Leste.

Ana Mónica Fonseca e Daniel ­Marcos assinam o quarto capítulo, “Portugal, a RFA e a França: o apoio ­internacional e a questão colonial portuguesa” (pp. 111-133). Para os autores, a despeito da importância incontestada da Guerra Fria, foi a emergência de novos países saídos da desagregação dos impérios coloniais europeus em África e Ásia que marcou decisivamente a cena política internacional. Assim, para um país que se considerava tanto europeu como “Atlântico”, os anos do pós-guerra foram, evidentemente, de apreensão. Por um lado, a ditadura via numa crescente autonomia “terceiro-mundista”, expressa em episódios como Bandung e a crise de Suez, evidências de um avanço soviético em África e na Ásia. Por outro, em nome da defesa dos valores ocidentais e do anticomunismo, impunha-se a proximidade, em larga medida indesejada, com os Estados Unidos e materializada, ainda na década de 1940, com a permissão para a construção da base militar de Santa Maria e a adesão à OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Ainda assim, a pertença ao bloco militar atlântico não garantiu que o mesmo se estendesse às colónias. Daí a ditadura ter continuado a preocupar-se com a integridade dos seus territórios ultramarinos e a adoção de uma política “assimilacionista” (vd. a reforma constitucional de 1951 que transformou as suas colónias em Províncias Ultramarinas). Portanto, é num quadro de intensas dificuldades que Portugal procura tirar proveito da relação de proximidade com a RFA e a França, países aderentes à OTAN. Opção que, de pronto, evitava uma dependência exclusiva frente aos Estados Unidos. No caso da França, ainda que este país tenha optado pela descolonização na década de 1960, a África permanecia como uma área de interesses estratégicos, da qual não abria mão. Ao mesmo tempo, aproveitava-se a ditadura portuguesa do antiamericanismo do general De Gaulle. No caso da Alemanha, Portugal aproveitava-se do esforço do governo de Bonn em manter estável o bloco ocidental num quadro crítico decorrente da existência da República Democrática Alemã. Daí a opção de a RDA em manter-se aliada do Estado Novo quando tiveram início as guerras coloniais, posição da qual se afastará formalmente apenas no início da década seguinte.

O capítulo 5, “A África do Sul face à ‘descolonização exemplar’ portuguesa” (pp. 135-154) é de autoria de Robert McNamara e Filipe Ribeiro de Meneses. Os autores procuram analisar o impacto da Revolução Portuguesa no regime de apartheid sul-africano. Para McNamara e Ribeiro de Meneses, o 25 de Abril terá representado um ponto de inflexão entre a revolução afrikaner que iniciava o seu declínio, e a revolução negra em processo de ascensão. Recebido o 25 de Abril com surpresa, como de resto sucedeu em relação às potências ocidentais, o governo sul-africano teve dificuldades em perceber qual seria a melhor política para a defesa de seus interesses internos. O resultado foi um crescente isolamento, juntamente com a Rodésia, no espaço geopolítico da África Austral, enquanto assistia contrafeito, à importância crescente da OUA (Organização da Unidade Africana).

Thiago Carvalho assina o capítulo 6, “O Brasil e o fim do império português” (pp. 155-178). Neste capítulo o autor mostra as alterações na política externa do Brasil e de Portugal em decorrência da chamada “questão colonial”. Ainda que a “descoberta da África” pelo Brasil tenha começado já no pós-guerra, foi nas décadas de 1960 e 1970 que o alinhamento com a política colonial portuguesa se dissolve gradativamente em função do projeto nacional-desenvolvimentista dos militares brasileiros. Adotava-se, assim, a afirmação de uma política africana autónoma e distante dos interesses do governo de Lisboa. E mais: após o 25 de Abril, apesar dos discursos em torno da unidade lusófona, é um facto que, na prática, as prioridades estratégicas de um e de outro país raramente foram convergentes. Permanecia, como ressalta o autor, mais a retórica dos afetos do que ­propriamente a adoção de políticas convergentes.

Por fim, no sétimo e último capítulo, “As primeiras décadas de Portugal nas Nações Unidas. Um Estado pária contra a norma da descolonização (1956-1974)” (pp. 179-215), Bruno Cardoso Reis analisa a relação portuguesa com uma crescente política anticolonial nas Nações Unidas. Partindo da noção de Portugal como um Estado pária, o autor demonstra que esta condição não era determinante para o impedimento de algum sucesso no âmbito das relações internacionais. O que significava a existência de alguma dinâmica propositiva, mesmo frente à maioria que lhe era hostil. Por isso, destaca o autor que não foi apenas a denúncia crescente da ONU contra o colonialismo que determinou as diversas respostas de Portugal à descolonização. O Estado Novo português, e sua recusa ao fim do colonialismo, também foram elementos que condicionaram de forma fundamental as dinâmicas da ONU e a “consolidação normativa da descolonização”.

Portugal e o Fim do Colonialismo. Dimensões Internacionais é, assim, um livro atual, que adota perspetivas renovadoras sobre temas clássicos, tanto do ponto de vista historiográfico como do ponto de vista teórico. Coerente nas temáticas e abordagens escolhidas, o livro também abre caminhos novos de investigação. Aponta a presença de múltiplos agentes nos processos de consolidação e derrube do modelo colonial e nega-se a repetir a conhecida querela do que chamaria de “protagonismo absoluto” dos movimentos de libertação. Creio, pois, estarmos a falar de uma referência fundamental para estudantes e pesquisadores interessados nas dinâmicas da política internacional, em particular a portuguesa, do pós-1945 aos nossos dias.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

KANT, I. (1992), A Paz Perpétua e outros Opúsculos, Lisboa, Edições 70, 1992.         [ Links ]

 

NOTAS

1 “Portugal is a not Small Country”: the End of the Portuguese Colonial Empire in a Comparative Perspective (FCT-PTDC/HIS-HIS/108998/2008).

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons