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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.216 Lisboa set. 2015

 

RECENSÃO

BAIÔA, Manuel

O Partido Republicano Nacionalista (1923-1935): “Uma República para todos os Portugueses”,

Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2015, 526 pp.

ISBN 9789726714470

 

António José Queiroz*

*Universidade Católica Portuguesa, Centro de Estudos do Pensamento Português, Rua Diogo de Botelho, 1327, 4169-005 Porto, Portugal. E-mail: ajqueiroz@sapo.pt

 

Esta obra de Manuel Baiôa é uma adaptação da sua tese de doutoramento, intitulada Elites e Organizações Políticas na Primeira República. O Caso do Partido Republicano Nacionalista (1923-1935), defendida a 21 de junho de 2012 na Universidade de Évora.

Do corpus original, atendendo à sua extensão, faltam alguns capítulos, que, porém, são disponibilizados na internet (p. 28).

O objeto deste estudo é o Partido Republicano Nacionalista (PRN), uma das formações políticas de caráter conservador que procuraram, sem êxito, ser alternativa ao Partido Republicano Português (PRP).

A contextualização do tema em ­análise é feita de forma clara e pormenorizada na “Introdução”. A par de breves, mas esclarecedoras considerações, sobre a bibliografia surgida nas últimas décadas sobre os partidos e outras formações políticas da I República, o autor coloca algumas questões pertinentes, às quais responde com rigor em dois capítulos, que qualifica como de “cariz narrativista” (p. 27).

No primeiro, intitulado “O Partido Republicano Nacionalista e o processo político (1923-1926)”, descreve “o papel do PRN nas principais instituições políticas e na conjuntura da I República”; no segundo, a que chamou “Decadência e dissolução do Partido Republicano Nacionalista (1926-1935)”, analisa “a desagregação do PRN durante a Ditadura Militar e o Estado Novo”, acompanhando também o percurso das elites nacionalistas “no regime autoritário” (pp. 27-28).

São muitos e variados os méritos deste estudo. Desde logo uma meticulosa reconstituição do processo de formação, implantação, fraturação e desaparecimento do PRN, tendo como pano de fundo a história dos anos finais da I República, da Ditadura Militar e dos inícios do Estado Novo. Um desses méritos é o de permitir uma análise comparativa com a praxis política do PRP. Ao fazer-se esse exercício, abrir-se-ão seguramente novas vias para entender a verdadeira natureza do regime e do seu principal sustentáculo a nível partidário.

De facto, pese embora alguns ensaios sobre a I República venham focando o papel revolucionário protagonizado pelo PRP, particularmente entre 1910 e 1919, certo é que as práticas violentas e antidemocráticas que lhe são imputadas (com toda a propriedade, diga-se) não foram exclusivas deste partido. Bastaria lembrar, por exemplo, o consulado sidonista e o breve período da Monarquia do Norte para perceber que, quanto às referidas práticas, os democráticos não foram os únicos protagonistas.

Não se enganava, pois, João Camoesas quando afirmava (em 1948, num texto que destinou a uma revista “oposicionista” que nunca chegou a sair) que o PRP fora “acima de tudo uma escola popular de acção política” que servira de modelo a “todas as tentativas de organização partidária, fossem elas no centro, nas direitas ou nas esquerdas (“Fisionomia verdadeira da República de Portugal”, fl. 3-4).

Partido de notáveis, nascido nos inícios de 1923 de um acordo parlamentar entre liberais e reconstituintes, a que haveriam de juntar-se posteriormente reformistas e sidonistas (entre outros), o PRN, pela sua heterogeneidade, só por circunstâncias extraordinárias é que poderia ser uma alternativa viável ao PRP, pese embora a sua força e aparente coesão em algumas zonas do interior do país, nomeadamente em Évora (p. 27).

Quando o partido surgiu, as clivagens internas ficaram imediatamente à vista: Álvaro de Castro, da ala reconstituinte, pretendia que o PRN fosse “radical”; Ginestal Machado e Barros Queiroz, da ala liberal, queriam-no conservador, o que levaria o monárquico Morais de Carvalho a declará-lo desde logo “inútil”, lembrando que não podia haver “partidos republicanos conservadores” e os que houvera apenas tinham servido “para fortalecer a corrente democrática” (p. 65).

Havendo, pois, na génese do PRN, uma inequívoca indefinição ideológica, os germes da dissensão não demoraram muito a iniciar o seu trabalho de fragmentação partidária. Não se estranha, pois, o fracasso da breve experiência governativa do PRN em finais de 1923. Na tomada de posse, aliás, foram evidentes as divergências entre o chefe do executivo, Ginestal Machado, e Álvaro de Castro, a propósito do titular da pasta das Colónias (p. 133). Daí à cisão foi um passo. Em março de 1926, nova cisão aconteceria, desta vez protagonizada por Cunha Leal. Nada que não tivesse sido antecipado por um político arguto e experiente como ­Bernardino Machado, que em devido tempo profetizara “conflitos e cisões a breve trecho no seio dos nacionalistas”. A razão era simples: o “grupo tinha marechais em demasia para um número tão diminuto de soldados” (p. 27).

Como seria de esperar, Álvaro de Castro e Cunha Leal arrastaram consigo um conjunto apreciável de fiéis, quer a nível nacional, quer a nível local, enfraquecendo de forma significativa o PRN, impedindo-lhe (também por isso, mas não só) quaisquer veleidades de vitória no campo eleitoral.

Em ano de ida às urnas, no seu manifesto de 2 de abril de 1925, os nacionalistas afirmavam a necessidade de que o poder não fosse “monopólio dum partido em ditadura permanente” (p. 226). Pura retórica, como não tardaria a ver-se quando o Directório do PRN aceitou que os seus candidatos estabelecessem “acordos com quaisquer organismos políticos”. A estratégia nacionalista, anunciada por Ginestal Machado, era só uma: aceitar “todos os acordos que forem reputados necessários aos altos interesses do partido” (p. 265). Daí que, com o propósito de derrotar monárquicos e esquerdistas, o Directório apresentasse às comissões políticas de Lisboa uma proposta de coligação com o PRP e o Partido Socialista (p. 265).

Apesar de algumas vozes internas se fazerem ouvir, alertando para a impossibilidade de o PRN ser uma “verdadeira alternativa de poder ao PRP, quando se coligava com ele na capital e noutros círculos” (p. 267), os dirigentes nacionalistas ignoraram esse apelo. Diga-se, porém, que não foram exceção: quando tocava a dividir o bolo eleitoral, a ética e os princípios ideológicos eram convenientemente ignorados, como o demonstram as situações de “engenharia eleitoral” em que todas as forças concorrentes acabavam por se envolver.

A par de inúmeros acordos “lícitos”, maioritariamente com o PRP, os nacionalistas participaram igualmente nos chamados “acordos ilícitos” em que os votos eram antecipadamente repartidos sem que os eleitores fossem às urnas. Em Vila Nova de Famalicão, por exemplo, um desses acordos foi firmado com democráticos, radicais, católicos, monárquicos e representantes da União dos Interesses Económicos (p. 294).

Em maior ou menor grau, as eleições na I República, tal como na Monarquia Constitucional e no Estado Novo, foram todas fraudulentas. Foi preciso esperar pelas Constituintes de 1975 para que houvesse finalmente em Portugal eleições democráticas, livres e justas. A não ser por mera curiosidade histórica, ou para efeito de estudos “científicos”, comparativos (ou não) com outras realidades sociológicas, de pouco vale, pois, esgrimir os números relativos a eleitores e votantes desses períodos, sabendo-se, como se sabe, da existência de inúmeras falsificações do recenseamento eleitoral, acordos ilícitos, compra de votos, violência eleitoral, controlo das mesas de voto e outras fraudes nas assembleias de apuramento e nas comissões de verificação de poderes, situações que Manuel Baiôa não deixa de referir (p. 291). Em boa verdade, de todas essas “eleições” ficam apenas ­ilusórias estatísticas que registam, em maior ou menor escala, o número de figurantes em sucessivas e vergonhosas farsas eleitorais.

Não era, pois, nesse campo que os nacionalistas (e não só) conseguiriam derrotar os democráticos, cuja organização e implantação no terreno era bem superior à dos seus adversários. A experiência de 1921, com a vitória dos liberais (que organizaram o processo eleitoral), foi caso único. O PRP não voltaria a permiti-lo. Não só porque tinha mais trunfos nesse jogo viciado, mas porque, partido-camaleão que era, conseguia apresentar-se sempre com várias “caras”, conforme a utilidade do momento. Daí ter formado governos de feições conservadoras, moderadas e radicais e ter sido em simultâneo, não raras vezes, poder e oposição.

A alternativa ao governo dos democráticos teria, pois, de passar pela via revolucionária. Para os nacionalistas isso ficaria claro no seu III congresso, em março de 1925 (p. 221). Pouco tempo depois, alguns dos seus mais destacados militantes estariam envolvidos nos golpes militares de 18 de abril e 19 de julho de 1925. O mesmo sucederia no movimento militar de 28 de maio de 1926. O PRN falhou, porém, o objetivo de se tornar “no partido conservador do novo regime” (p. 471).

Após o referido movimento, e suas sequelas, dirigentes e militantes nacionalistas (a exemplo do que sucedeu com outros republicanos) seguiram diferentes caminhos: a maioria abandonou a política, dedicando-se às respetivas atividades profissionais; não faltou, porém, quem aderisse ao Estado Novo e quem se juntasse à oposição (p. 471).

Neste seu notável estudo, Manuel Baiôa restitui à memória coletiva dos portugueses a história de uma das mais importantes agremiações partidárias dos finais da I República. Entre as suas variadas leituras, poderá também fazer-se a seguinte: a de que são precipitadas as conclusões de alguns historiadores que procuram dar uma visão maniqueísta desse período, classificando-o como uma revolução permanente, uma luta sem tréguas entre “santos” (monárquicos e republicanos conservadores) e “pecadores” (democráticos). Ora, aquilo que nos mostra o estudo de Manuel Baiôa é que a presença quase contínua do PRP no poder também se deveu à colaboração efetiva ou tácita de outros forças políticas, nomeadamente do PRN.

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