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Análise Social
versão impressa ISSN 0003-2573
Anál. Social no.218 Lisboa mar. 2016
RECENSÃO
PAULINO, Vicente (org.)
Timor-Leste nos Estudos Interdisciplinares ,
Díli, Unidade de Produção e Disseminação do Conhecimento do Programa de Pós-Graduação e Pesquisa da UNTL, 2014, 264 pp.
ISBN 9789899898103
Moisés Fernandes*
*Universidade de Lisboa, Instituto Confúcio, Faculdade de Letras, Edifício da Biblioteca, Alameda da Universidade 1600-214 Lisboa, Portugal. E-mail: moises.fernandes@confucio.ulisboa.pt
Foi editado pela Universidade Nacional de Timor Lorosae (UNTL), em novembro de 2014, um livro sobre Timor-Leste que se destaca, não só por ser uma das primeiras obras interpretativas gerais sobre o país, mas também por constituir uma interessante abordagem multidisciplinar. O livro está dividido em três partes. Na primeira, examina-se o desenvolvimento histórico, político e económico de Timor. A segunda parte debruça-se sobre diversos campos empíricos de estudo, enquanto a terceira realça os deveres sociais da família, da escola e da universidade.
A primeira parte inclui um conjunto de artigos sobre política e economia. Lúcio Sousa apresenta um capítulo sobre a etnografia do Timor português entre 1894-1917, discutindo as teorias do colonialismo à luz deste caso. Fernando Augusto Figueiredo, num texto sobre A reocupação portuguesa em 1945: voltar como amigos ricos, analisa a profunda conflitualidade entre três responsáveis pelo governo de Timor português: o governador (Ferreira de Carvalho), o comandante-chefe das forças expedicionárias de Moçambique (o brigadeiro Roque de Sequeira Varejão) e o encarregado do governo (Óscar Ruas) . Também o mesmo Lúcio de Sousa publica um capítulo sobre a evolução da economia do café em Timor (1815-1975), que faz par com um outro sobre a agricultura familiar e a produção de café, onde também se abordam questões demográficas como a evolução do número de habitantes e o número de famílias no período entre 1916 e 2010.
A segunda parte incide sobre Timor--Leste: um panorama nos diversos campos de estudos e contem estudos de Irta Sequeira Baris de Araújo sobre a arte e paisagem timorenses nos versos de Ruy Cinatti. Nas palavras deste autor ser poeta significa ser simples (p. 117), o que equivale também a uma identificação com a natureza dos timorenses, que serão sempre um homem como eu (p. 119). Sabina da Fonseca analisa a recente poesia timorense a partir de dois livros, A Voz Fagueira de Oan Timor (1993), de Fernando Sylvan e Meu Mar Poemas e Pinturas (1998), de Xanana Gusmão.
O capítulo de Vicente Paulino, sobre [o]s média e a afirmação da identidade cultural timorense, mostra como embora nos finais de 1887 comece a haver uma tipografia da igreja católica, só em 1948 é que esta começa a editar uma revista (Seara). Mas seria aqui que mais tarde, a partir de 1970, que o movimento nacionalista timorense começaria a publicar textos emancipadores. Em fevereiro de 1973 é encerrada pela PIDE. Tudo o resto foram ou hebdomadários do governo colonial (A Voz de Timor, a partir de 1960) ou publicações da guarnição militar portuguesa (A Província de Timor, 1964). Contudo, seria sobretudo através da televisão que se geraria uma efetiva solidariedade universal relativamente a Timor-Leste, assim como a consolidação da identidade cultural do país.
O poder municipal e a constituição de 2002 são analisados por Jaime Valle. Este investigador mostra como ainda só são eleitos os administradores do concelho (faltando ainda os presidentes de câmaras, as câmaras municipais e assembleias municipais). Contudo, estruturas tradicionais como os sucos e os conselhos de suco, que são eleitos, integram plenamente o poder local, aí desempenhando o papel de estruturas administrativas de base, de fundamental importância (p. 163).
A terceira parte do livro destaca os papéis e deveres sociais da família, escola e ensino universitário (p. 195). Miguel Maia dos Santos e Vicente Paulino veem no ensino básico e na família uma relação recíproca, mostrando, p. ex., como é comum ainda os pais timorenses acompanharem os seus filhos no caminho de casa para a escola. Filipe Couto e José Pinto Casquilho estudam o contexto do desenvolvimento do Ensino Secundário Técnico-Vocacional (ESTV) em Timor-Leste. O ensino secundário foi inaugurado em 1952, com o Colégio-Liceu Dr. Francisco Machado. Em 1960, passou a Liceu e abdicou do termo colégio. Em 1964 foi criada a Escola de Enfermagem, dois anos depois a Escola Comercial e Industrial em Díli, e quatro anos depois estabelecia-se a Escola Prática de Agricultura, confiada aos Salesianos. Em 2010 existiam 6452 estudantes nestes ramos de ensino. Desde 2014 eram já 7248 estudantes (p. 224). Díli tem cinco escolas de ESTV e frequentam-na 3294, perto de 45% dos estudantes, em 2014, seguida por Baucau.
Após a Administração da ONU em 1999, foram países como o Brasil e Portugal, e agências internacionais como a ONU, UNICEF, UNESCO e o Banco Mundial, que ajudaram a estabelecer o ensino em Timor. Contudo, e apesar de um crescimento das competências do corpo de professores, segundo mostra Manuel Belo de Carvalho não estão definidos critérios rigorosos no seu recrutamento; por incrível que pareça, estes são escolhas dos partidos.
Eugénio Alves da Silva escreve sobre os cargos e os deveres sociais da universidade estatal nos países em desenvolvimento e neste caso a UNTL. Para ele, uma universidade deve ter cinco funções estratégicas: formação de capital intelectual, investigação, inovação, modernização e difusão (pp. 255--259). Segundo Alves da Silva: a universidade timorense é uma instituição demasiado importante, útil e dispendiosa pelo que não pode ser negligenciada, menosprezada ou abandonada. Logo, constitui responsabilidade social do meio que a acolhe, do governo e dos cidadãos.
Apesar de esta obra não focar áreas como a sociologia política, a ciência política ou a política externa de Timor--Leste, é um trabalho pioneiro pois pela primeira vez a universidade estatal de Timor-Leste publica em língua portuguesa. Resta esperar que mais obras comecem a ser editadas pela futura Imprensa da UNTL.