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Análise Social

Print version ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.218 Lisboa Mar. 2016

 

Resposta daqui da Província

João Teixeira Lopes

*Universidade do Porto, Faculdade de Letras, Departamento de Sociologia e Instituto de Sociologia, Via Panorâmica, s/n — 4150-564 Porto, Portugal. e-mail: jmteixeiralopes@gmail.com

 

Victor Pereira, na réplica à resposta sobre a recensão que elaborou a respeito do meu livro Geração Europa? Um Estudo sobre a Jovem Emigração Qualificada para França, acusa-me de não ter cultura de recensão crítica e de ter exacerbado a reação ao seu texto, que o próprio considera pouco crítico. Creio que esta posição é epistemologicamente arrogante, por dois motivos: em primeiro lugar, pretende limitar o meu campo de possibilidades na receção ao que escreveu. Ora, os textos não vivem apenas das intenções dos autores e prolongam-se, enquanto forem lidos e interpretados, num diálogo infinito que é também uma luta, sempre ilusória, pela fixação do sentido. Julgaria Pereira que eu me furtaria a essa luta? Não faz parte do meu património de disposições, para utilizar uma expressão cara a Lahire. Aliás, estas ocasiões ativam e mobilizam ainda mais disposições que em mim estão geralmente acordadas: envolver-me, ir à luta, argumentar. Não apenas para me sentir vivo (como pessoa e como cientista), não apenas para investir no reconhecimento das minhas pesquisas, mas também por imperativo político mais vasto. Participar, tomar partido, contestar, partilhar, abdicar de falsas neutralidades. Tenho-o feito na ciência, procuro confirmá-lo noutras esferas de vida.

Em segundo lugar, Pereira fala como estrangeirado, senhor que habita o campo científico francês e que corrige os indígenas daqui por serem provincianos e pouco dados quer a polémicas científicas, quer a estudos que rompam com o nacionalismo metodológico. Poderia falar-lhe de dezenas de investigações comparadas e transnacionais de colegas meus, rotinizados em práticas científicas, com uma intensa componente de reinvenção e adaptação metodológicas, fortemente empenhados no desabar de (falsas) fronteiras.

Com António Firmino da Costa e Bernard Lahire, por exemplo, trabalhámos sobre os Percursos de Estudantes no Ensino Superior, colhendo, com grande proveito, os frutos da experiência deste autor francês sobre as matrizes de socialização plurais de tal nível de ensino em França; sociólogo tão desconfiado quanto nós do que Braudel apelidava de barreiras alfandegárias do saber.

Mas tal desconfiança pelas artificiais divisões do trabalho científico nunca invalida o esforço da prudência. Pela minha parte, renunciaria a pronunciar-me em arenas científicas sobre o campo de estudos francês das migrações, porque não possuo o domínio das condições teóricas de produção dos conceitos e das relações entre conceitos que aí se forjam, nem tampouco dos seus múltiplos usos em contextos diversos de pesquisa. Se assim o faço, o mesmo aconselho para situações homólogas.

Enfim, são reveladoras, as polémicas. Permitem-nos perceber, desvendar e (auto e hetero) objetivar percursos e contextos da nossa socialização como cientistas e, acima de tudo, enquanto atores sociais.

Esta foi, em síntese, uma excelente oportunidade para encetarmos um diálogo. Agradeço sem hipocrisia a Victor Pereira o sincero desejo de que o meu estudo seja lido. Aproveito para lhe comunicar que já foram publicados, em 2015, dois novos livros de uma equipa coordenada pelo meu colega Rui Gomes, em que ativamente participei: Fuga de Cérebros (Lisboa, Bertrand) e Entre o Centro e a Periferia (­Coimbra, Universidade de Coimbra), ambos explorando as potencialidades da metodologia dos “retratos sociológicos” proposta por Bernard Lahire e que tantas pontes estabelece com a história social dos indivíduos. Fico pois, à espera, com genuína expectativa, de novas recensões de Victor Pereira, pois a vida (e a luta) continua.

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