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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.220 Lisboa set. 2016

 

ARTIGO

A “nova dívida” – 1796-1803. A difusão de uma nova política financeira1

The “new debt” – 1796-1803. The diffusion of a new financial policy

 

*Universidade Nova de Lisboa, DCSH, Instituto de História Contemporânea, Av. de Berna, 26-C - 1060-061 Lisboa, Portugal. E-mail: fernando.dorescosta@gmail.com

 

RESUMO

 

A “nova dívida” – 1796-1803. A difusão de uma nova política financeira.Apresentam-se neste artigo os resultados da investigação sobre o lançamento dos dois primeiros empréstimos da administração régia (“públicos”) que apresentaram em Portugal as novas características da dívida inspiradas nas políticas financeiras inovadoras na Europa dos anos finais do século XVIII. Nesses anos, e nos primeiros anos do século seguinte, o recurso ao crédito pela administração régia portuguesa mudou de forma, através da introdução do sistema de dívida titulada. Esta “nova dívida” fundou-se em inovações tributárias, socialmente orientadas para as rendas e os consumos das classes superiores. Ao mesmo tempo, procurou-se a instalação de uma administração independente da dívida, vista como uma garantia suplementar dadas aos emprestadores. O objetivo era a construção política da credibilidade financeira do Estado, modelo que os governantes “ilustrados” perseguiam.

PALAVRAS-CHAVE: dívida pública; títulos; credibilidade do Estado; inovação fiscal.

 

ABSTRACT

 

This article presents the results of research on the primary sources regarding the arrangement of the first two loans by the royal administration in Portugal, which incorporated new features inspired by the European financial policies of the late 18th century. At that time and in the early 19th century the Portuguese “public” debt took on a new character, now resorting to bond issues. This “new debt” reflected the fiscal innovation of taxing the revenues and consumption expenditures of the upper classes. As the creation of a new bank was unsuccessful, an independent administration was put into place instead, tasked with establishing the financial credibility of the State.  The undertaking met with favor among enlightened politicians.

KEYWORDS: public debt; bonds; State credibility; fiscal innovation.

 

O tema deste artigo é a introdução do sistema de dívida titulada em ­Portugal nos anos finais do século XVIII e nos primeiros anos do século XIX, época de incerteza política e militar. A criação da chamada “nova dívida” fundou-se em inovações tributárias, socialmente orientadas para rendas e consumos das classes superiores, cujas receitas estavam especificamente destinadas aos novos encargos. Paralelamente, procurou-se a instalação de uma administração independente da dívida, vista como uma garantia suplementar dadas aos emprestadores. O propósito era a construção política da credibilidade financeira do Estado. Era um modelo que os governantes “ilustrados” perseguiam. A obtenção dos efeitos previstos era bem mais complexa.

Apresentam-se os resultados da investigação sobre o lançamento dos dois primeiros empréstimos da administração régia (“públicos”), que em Portugal apresentaram as novas características da dívida inspiradas nas novas políticas financeiras na Europa da época dos anos finais do século XVIII. Sendo a resposta às dificuldades de uma época de crise política e militar no âmbito de uma situação de crise financeira, perseguiram o propósito de fundação da credibilidade, essa entidade etérea e frágil. Procuravam-se os resultados da chamada “revolução financeira” ocorrida em Inglaterra (Dickson,1967, pp. 3-14). Embora suscitando muita polémica e debates sobre a sensatez que deveria conduzir a uma limitação do endividamento, a dita revolução permitia praticamente os “prodígios” (para o senso comum da época) que David Hume descrevia: “Public securities are with us become a kind of money, and pass as readily at the current price as gold or silver.”Osseus detentores “can dispose of them or pledge them to a banker in a question of a quarter of an hour” (Hume, 1752, pp. 4-5). Para a sustentação dos novos encargos haveria que recorrer a novos tributos e estes recaíram sobre rendimentos socialmente isentos e sobre consumos luxuosos. A exploração dos registos dos emprestadores possibilitou uma caracterização social dos grupos chamados à participação e uma avaliação do nível de sucesso das operações. As experiências de inovação no campo do “crédito público” difundiram-se na Europa desses anos finais do século XVIII e iniciais do século XIX e foram recolhidas por homens “esclarecidos” como Rodrigo de Sousa Coutinho, mas a criação do crédito revelou-se um fenómeno complexo. Este é o percurso proposto neste artigo.

A abertura em novembro de 1796 do empréstimo que ficará significativamente conhecido como o “primeiro”, iniciando o recurso à emissão da chamada “nova dívida”, ligou-se estreitamente às ameaças políticas e militares que se pressentiam nesses meses. A possibilidade de um conflito bélico conduziu à procura de receitas extraordinárias que sustentassem uma mobilização geral do exército. Na sequência do tratado de Santo Ildefonso de 19 de agosto desse ano, a Coroa portuguesa foi intimada a fechar os portos à frota britânica. No horizonte passou a estar a possibilidade de um conflito com a Coroa de ­Espanha, levada, por força do tratado com a República Francesa, a uma imposição desse bloqueio pelas armas. Na prática, o governo de Manuel Godoy apenas virá a fazer a guerra a Portugal em 1801 de forma limitada e durante um breve período de semanas. A pressão era francesa, mas a orientação no terreno era de Madrid. Contudo, desde outubro de 1796, o governo de Lisboa enfrentou uma situação ambígua, de paz precária, e que se prolongou, com altos e baixos [Pedreira e Costa, 2006].

 

CARACTERÍSTICAS DA NOVA DÍVIDA

 

Com a “nova dívida” alterou-se o modo de representação dos títulos de dívida pela administração régia, abandonando-se a forma de padrões de juro assentados, forma que tinha uma longínqua origem no século XVI (Gomes,1883). A dívida tomava uma forma “moderna”, através de títulos e não de assentamentos. O seu traço fundamental era a fácil transmissão. Os padrões de juro estavam inscritos numa “estação fiscal”, como se dizia, sendo equiparados a bens de raiz e a sua transação era feita com as formalidades inerentes a estes bens. Uma parte deles estava inclusivamente integrada em vínculos, não sendo transacionável. As apólices da “nova dívida”, pelo contrário, podiam passar de um proprietário a outro por meio de um simples endosso e ser assimiladas a letras de câmbio. Essa era a primeira garantia que o alvará de 13 de março de 1797 definiu para o “primeiro empréstimo”. Além desta, determinava o alvará que os credores da Fazenda por tenças, juros, ordenados e outras poderiam requerer esse pagamento através de apólices, gozando um juro de 6%. Este alvará definia um aumento geral do juro de 5% (que seria a regra definida) para 6%, pois inicialmente apenas se previa este juro suplementar de 1% e durante o período de 15 anos para o primeiro proprietário que entregasse dinheiro efetivo. Também aos que concorressem com 40 contos e aceitassem o juro de apenas 5% seriam atribuídas gratificações de honra, que não se explicitavam.

Mais relevante do que esta mudança de forma, era a garantia de que gozava o empréstimo nas receitas dos novos impostos que eram então instituídos. O empréstimo pôde ser apresentado por isso mesmo como um adiantamento sobre as receitas que destes iriam resultar. Tais tributos foram uma importante inovação fiscal, se tivermos em conta a raridade com que se efetuaram tais modificações da carga tributária durante o Antigo Regime e principalmente se se atender a que incidiram sobre os rendimentos até então protegidos pelas tradicionais isenções fiscais do clero e da fidalguia. Impuseram-se uma décima sobre os rendimentos eclesiásticos e um quinto sobre os bens da Coroa e uma décima sobre os rendimentos das comendas das Ordens Militares. Podemos considerar que há nesta escolha dos alvos das novidades fiscais uma dimensão “subversiva” da “constituição” do Antigo Regime. Esta carga social foi bem entendida na época.

Esta iniciativa corresponderia a uma alteração parcial na relação débil entre a fiscalidade régia e o seu “território”, característica da estrutura das finanças da monarquia portuguesa que há muito foi assinalada (­Godinho,1968). A Coroa, alimentando-se sobretudo da exploração dos réditos fiscais proveniente do comércio intercontinental, não criou uma pressão mais exigente no “interior” do reino, proveniente de uma preocupação com o valor dos rendimentos que eram aí tributados, deixados em grande parte livres para o usufruto das classes dominantes. Existiria consequentemente um amplo espaço potencial de expansão fiscal “interna”. Estes novos tributos combatiam, ao mesmo tempo, os efeitos de mal-estar inerente à desigualdade fiscal. Havia sinais de uma contestação da posse de consideráveis fortunas rentistas pelas casas da primeira nobreza e do alto clero. Não sendo recente, é o próprio D. Rodrigo de Sousa Coutinho, em carta de 11 de junho de 1797 para o marquês de Ponte de Lima, que comprovou essa incomodidade social ao afirmar que, se fossem convenientemente cobrados os novos tributos, tornar-se-ia possível legitimar eventuais novos tributos sobre o povo, tendo-se atenuado o referido mal-estar.2 Esta ilegitimidade da posse secular e hereditária como donatários dos rendimentos de bens da Coroa e Ordens sem uma contrapartida de serviços militares ou outros é aliás documentável desde o século XVII (Santos, 1973, pp. 391-393). A concentração das remunerações da Coroa nas casas da nobreza titular por serviços que tinham sido dos seus antepassados era posta em causa (Costa, 1998). Também há muito tempo que era vista de modo negativo a imobilização nos patrimónios das instituições eclesiásticas de um grande número de bens e rendas. D. Rodrigo de Sousa Coutinho iniciará a possibilidade de disposição desses bens e seus rendimentos (Cardoso, 1989; Silva, 2002-2006).

Constatamos que estas opções de política financeira que afetavam os rendimentos da fidalguia e do alto clero não eram acompanhadas no campo político por propostas de tipo liberal, embora mais tarde tenha sido o regime liberal vitorioso em 1834 que as veio a consagrar de modo mais amplo, embora essa amplitude tenha sido em grande parte involuntária (Martins da Silva, 1997; Costa, 1988). Pelo contrário, no caso do futuro conde de Linhares (título que receberá em 1808), a defesa da inovação fiscal e da moderna orientação do crédito coexistia pacificamente com a defesa do governo de inspiração pombalina e “absolutista”, a linha que afrontava a maior influência da fidalguia de Corte.

 

OS DOIS PARTIDOS NA CORTE DE D. JOÃO

 

D. Rodrigo de Sousa Coutinho, secretário de Estado da Fazenda em 1801, depois de o ter sido da Marinha e Ultramar desde 1796, ansiando pelo lugar de “primeiro-ministro” do Príncipe D. João, e o duque de Lafões, o mais destacado elemento da primeira nobreza, marechal general, comandante supremo de todos os exércitos, nomeado ministro assistente ao despacho nos primeiros dias de 1801, após a morte do marquês de Ponte de Lima, estavam em aberta colisão e desse confronto temos uma notável notícia que se reporta ao ano de 1800.3 A crer nesta informação, os dois homens ter-se-ão afrontado até a extremo ponto sobre a incursão da Coroa na isenção tradicional da fidalguia.

O relato do encontro é feito por D. Rodrigo na primeira pessoa. Fora ele a casa do duque e este, afirmando querer reduzi-lo à razão, tratara-o “o mais singularmente possível”. Dissera o duque de Lafões que o que iria dizer era uma prova de amizade e que se lhe desagradasse podia bater-se com ele [entenda-se, em duelo]. Afirmara depois que Sousa Coutinho só tinha cometido asneiras, que queria arruinar o reino e que havia contra ele um ódio universal, ­circulando sobre ele versos ou sátiras, que era comum circularem manuscritas como “pasquins”. Ele era a causa da continuação da guerra.4

Mais ainda, afirmava que este “fazia perder o Reino o que Elle tinha de bom que era o não haver impostos”. Ainda mais, que na marinha nada tinha feito e ela de nada servia, que fora ele que se lembrara das más operações como a das apólices, “que a Junta que se reunia em Caza do Marquez” (referindo-se com certeza à Junta Provisional do Real Erário) era o seu “vituperio”, que era ridículo falar do seu desinteresse porque este era um dever e não um merecimento.

A este discurso do duque, relatava D. Rodrigo que respondera com moderação e lhe dissera que estava pronto a bater-se (pedindo para tal autorização), “salvo o ridiculo que rezultaria de ver bater hum Duque idozo, e hum Ministro e Secretario do Estado”. A Europa “toda” o lisonjeava por aquilo que o duque chamava “asneiras” e que “dezejava o aumento das Rendas Reaes, e por meio de tributos menos onerozos do q. aquelles q. opprimião a Nação Portugueza sem serem produtivos”. A Europa julgaria diferentemente do duque a operação das apólices e que não era culpa sua se essa operação não tivesse surtido melhor efeito. A junta que se reunia em casa do marquês provava que ele queria que a verdade chegasse ao trono. O ponto em que o duque muito insistira tinham sido os elogios feitos ao marquês de Pombal, a que D. Rodrigo dizia ter respondido que ainda maiores faria no momento atual. O duque censurara muito a conduta do rei D. José. Por fim, dissera que o governo existente era uma anarquia e que era um muito mau governo, “mas que isto só me dizia em confidencia, honra que provavelmente me concedeo de par com os seos Jacobinos que o guião.” Ilustra este episódio espantoso o conflito de “partidos” no interior do governo joanino, de que deu conta Domingos Vandelli no seus escritos (Pedreira e Costa, 2006). O duque de Lafões, anti-pombalino, acusava o futuro conde de Linhares, de subverter a ordem social do reino fazendo-o perder o que tinha de benéfico – não ter impostos – e considerava o governo da altura uma “anarquia”, sendo ele um homem “guiado por jacobinos”, termo usado obviamente sem rigor e apenas para desqualificar o duque pelo seu conhecido convívio com indivíduos franceses.

D. Rodrigo de Sousa Coutinho era um admirador de Pombal, defensor do exercício de um governo “absoluto”, ou seja, de um governo centralizado num primeiro ministro, e criador de tributos que afetavam a primeira nobreza e o estado eclesiástico. Sabemos que assim o fizera já Pombal através da criação da caixa das comendas vagas. Nesta, acumulavam-se os rendimentos das ­comendas que, devido à ausência de uma renovação habitual da posse pelas casas de Grandes, se transformavam em fontes de rendimento régio (Monteiro e Costa, 2000).

 

A CONSTRUÇÃO DO CRÉDITO

 

Através destes novos tributos criava-se a garantia “real” (ou seja, em dinheiro efetivo obtido de receitas regulares) que permitiria uma operação de crédito em grande escala. D. Rodrigo de Sousa Coutinho foi o inspirador do modelo do primeiro empréstimo5, embora não fosse o único a apresentar ao governo esse tipo de propostas, encontrando-se também nos múltiplos escritos de Domingos Vandelli (Cardoso, 1988; Vandelli, 1994; BNP, cod. 9909). Na referida carta de Sousa Coutinho partia-se da afirmação (aparentemente banal) de que as despesas extraordinárias apenas se poderiam cobrir com fundos extraordinários. Como estes eram necessariamente muito limitados quando procurados pela via dos impostos, era indispensável servir-se dos empréstimos, fossem pactuados de antemão como em Inglaterra ou por meio de obrigações em papel com vencimento de juro e em pagamento das dívidas que se contraiam, a hipótese que considerava.6

Acrescentava, contudo, um importante esclarecimento: não falava

 

do Papel moeda forçado como os bilhetes da America na ultima Guerra, os assignados em França ou os Bilhetes de S. M. Sarda, porque este recurso traz atraz de si tão sinistras consequencias que certamente não julgo que possa lembrar senão na ultima extremidade [Vührer, 1886; Houssay, 1907; Bonney, 2013].

 

Concluía que era sobre empréstimos “em dinheiro ou sobre Papel que reprezente huma divida” que se deveriam procurar os recursos necessários. O primeiro meio deveria ter maiores favores, mas o segundo era aquele sobre o qual deveria repousar a “confiança”. Afastando o recurso ao papel-moeda, colocava, a par do acolhimento de dinheiro efetivo (ou seja, moeda metálica), o de papéis representando dívidas correntes, deste modo reconhecidas e regularizadas, que a construção da confiança não permitiria deixar esquecidas. Esta opção definiria as características do “primeiro empréstimo” e seria depois por alguns criticada. Como tudo isto dependia do “restabelecimento do Credito Publico”, Sousa Coutinho enunciava as garantias que deveriam ser dadas aos emprestadores que, uns meses depois, viriam a ser consagradas pelo já citado alvará de 13 de março de 1797.

Mas uma notável divergência entre o plano de Sousa Coutinho e o que se estabeleceu deve ser assinalada. A administração autónoma da dívida que era pensada no seu projeto estaria muito para além do que viria a ser a Junta dos Juros, que, sendo inicialmente uma comissão transitória, se transformaria em “instituição”. Previa-se que os 30 negociantes encarregados da arrecadação e pagamento se formassem em banco público em seu proveito, para antecipação de juros, para rebate de papel régio dado em pagamentos, para depósito de negociantes que transferissem a sua contabilidade, grandes operações de banca e transporte e venda de diamantes. Ficariam com o privilégio de não se poder estabelecer no reino outro banco com mais de seis sócios (Funchal, 1908, pp. 241-250). Sousa Coutinho detalhará este projeto, nele incluindo uma lista dos membros que previa que integrassem o banco (Macedo, 1963). O banco não era um elemento acessório na construção do crédito. Este, sendo uma operação que conseguia atribuir valor aos papéis, com uma “magia” que fascinava os contemporâneos, impunha um sistema que sustentasse essa credibilidade através de um desconto, a prova do reconhecimento desse valor puramente fictício. Sem o banco, toda a operação estaria comprometida, pelo menos parcialmente. As receitas consignadas, se não fossem desencaminhadas, garantiam os juros, mas faltava a realidade do “capital”.

Não se constituindo o banco, a Junta dos Juros permaneceria em funcionamento. Havia sido encarregada transitoriamente de receber as dotações e de fazer o pagamento dos juros, sendo composta por dois destacados negociantes, uma garantia suplementar para os detentores de apólices, e ainda pelo tesoureiro geral e pelo escrivão da tesouraria geral dos juros. Até 1808, passaram pela Junta os grandes negociantes e capitalistas Jacinto Fernandes Bandeira, António Francisco Machado, Sebastião António da Cruz Sobral, José Pinheiro de Sousa Caldas e Gaspar Pessoa Tavares de Amorim.

 

O PRIMEIRO EMPRÉSTIMO

 

As emissões efetuadas no âmbito do primeiro empréstimo, de apólices grandes e de papel moeda (estas contra o parecer de Sousa Coutinho e antes que tomasse a condução da Fazenda) foram as seguintes7 (v. Quadros 1 e 2).

 

 

 

Aparentemente, vistos os números sem crítica, a abertura do empréstimo teria sido um êxito. O valor global das apólices emitidas é muito ­significativo, ultrapassando largamente o montante que fora definido ­inicialmente pela lei. Podemos compará-lo com o total das receitas do Erário Régio na época. A receita média dos sete anos entre 1797 e 1803 foi de 8338,5 contos.8

Poder-se-ia imaginar a existência de largas somas de dinheiro que procuravam uma colocação e que aceitavam os cofres públicos como destino. A ser verdade, isso teria decisivas e inesperadas consequências na avaliação das relações entre a Coroa e as classes detentoras de fortunas. Mas esta visão superficial desvanece-se quando verificamos quais são os seus pressupostos: o do mercado, um local de encontro de vontades em equivalência e em que se tomavam decisões de investimento; o da própria noção de empréstimo, tomado no sentido que mais frequentemente lhe damos.

Com efeito, a emissão das apólices foi pensada desde o início como uma operação de capitalização de dívidas. O “primeiro empréstimo” foi uma operação com três dimensões. Apenas uma delas, a menos importante, constituiu um empréstimo efetivo, ou seja, a troca de dinheiro por papéis de dívida com garantias e compromissos da administração régia. Mas a maior parte correspondeu à emissão de apólices como capitalização de uma dívida corrente acumulada, feita pela troca de documentos representativos desta por apólices com juro. O montante da entrada desse tipo de papéis é muito superior à do dinheiro. Assim, entre junho e dezembro de 1797, de um total de 919 871 298 réis das apólices emitidas, apenas 56 962 547 réis, pouco mais de 6%, corresponde a entradas em dinheiro.9 Afinal, verificamos que este não afluiu aos cofres. Emprestar aos cofres públicos não era uma opção “racional” de colocação de dinheiro efetivo e a tradicional desconfiança não se desvanecera. A “racionalidade” a que me refiro é a estritamente económica (ou oiko-nómica, a que se refere ao benefício da “casa”); a desconfiança tradicional decorria de a administração se encontrar em tempos anteriores em constante bancarrota e incumprimento, do qual se não podia recorrer.

 

PAPEL-MOEDA

 

Esta revelação de que, sob a aparência de um empréstimo, se passou a troca de dois tipos de papéis evidencia a coerência subjacente à emissão, feita a par, de “apólices grandes” e de “apólices pequenas”, ou seja, de papel-moeda. Apesar de todas as queixas, fundadas, quanto à falta de esclarecimento desta medida no âmbito da política financeira, recaindo sobretudo sobre o marquês de Ponte de Lima na Junta do Comércio [Ratton, 1813, pp. 134-135; 155; 333], e da obscuridade em que foi tomada, existe nela uma coerência pragmática. Na falta de receitas efetivas, a solução de emissão de papel para pagamentos aparece como uma forma fácil de satisfação, ou melhor, de dilação, das despesas públicas. Não apenas se titulavam as dívidas avultadas através das “apólices grandes”, como se pagavam as pequenas dívidas com apólices de pequenos valores nominais. O vencimento de um juro nas apólices pequenas representaria o reconhecimento de um “capital” nessa dívida, pelo que não haveria uma verdadeira diferença entre os dois tipos de apólices. Entende-se a razão que conduziu a que o papel moeda fosse criado como parte integrante do primeiro empréstimo. Correspondia à emissão de apólices para os pagamentos diários.

A falta de esclarecimento dos autores da emissão de papel-moeda confirmava-se. A advertência de Sousa Coutinho, ainda secretário de Estado da Marinha e sem ter a seu cargo os assuntos das finanças, mas tentando nelas influir com os seus pareceres, não fora ouvida pelo seu antecessor, o marquês de Ponte de Lima. As consequências da circulação dos dois tipos de apólices, grandes e pequenas, eram muito diversas. A emissão de papel moeda desorganizava a circulação e criava tensões sociais. Passava a ser a primeira preocupação dos governantes no domínio financeiro até 1835. Vários projetos de eliminação da sua circulação seriam apresentados nas décadas de 1820. Aliás, seria um plano de amortização do papel moeda que estaria na origem do Banco de Lisboa de 1821, o primeiro banco criado em Portugal e origem do banco central emissor.

Sendo recusado ou aceite com grande relutância como meio de pagamento nas compras e pagamentos efetuados pelos que tinham sido forçados a tomá-lo por via dos ordenados ou outros pagamentos feitos no Erário, o papel-moeda impunha aos que estavam forçados a compras de subsistência a sua troca por metal através dos especuladores que a faziam com um desconto crescente sobre o seu valor nominal. A quebra assim efetuada no poder de compra dos homens comuns criava um óbvio mal-estar social, agravado por se viver um período de grande subida dos preços (Godinho, 1955). O negócio especulativo da compra e venda de papel moeda prosperava e celebrizavam-se os seus agentes mais diretos: os chamados “malteses”.10 As enormes emissões de papel-moeda continuaram, como referido, até ao final de 1799. A derrapagem financeira terá conduzido ao reconhecimento da incapacidade do marquês de Ponte de Lima e à constituição de uma Junta Provisional do Erário, destinada a encontrar colegialmente soluções para o problema financeiro.11

A terceira dimensão do primeiro empréstimo ligou-se precisamente a uma primeira tentativa para minorar os efeitos da emissão do papel-moeda. Propunha-se pelo decreto de 23 de janeiro de 1801, nos primeiros dias do governo financeiro de Sousa Coutinho, a troca deste por apólices grandes, hipótese que tinha sido formulada pela Junta Provisional uns meses antes. Os detentores de grandes quantidades de papel-moeda seriam levados por “comodidade”, como se dizia, a efetuar a troca, sendo possível ao Erário recolhê-lo. O artigo 3.º do decreto determinava que “irremissivelmente” fosse “queimado para mais não entrar no giro”. As emissões efetuadas desde o início de 1801 até ao seu encerramento no início de 1803 atingiram um valor superior a 2844 contos, o que corresponderia a um pouco mais de um quarto do total de papel moeda a circular, cerca de 10 693 contos. Acontece porém que apenas uma parte das entradas terão resultado dessa operação, tal como foi assinalado pelos autores da coleção de contas de 1836.12

Mais de três quartos das apólices terão correspondido a emissões sem contrapartida, feitas ainda no âmbito da capitalização de papéis de dívidas correntes. Entre as de particulares, avulta uma do destacado capitalista ­Joaquim Pedro Quintela, no valor de 45 536 160 réis. A grande maioria, pela irregularidade dos seus valores nominais, evidencia a operação de troca destes papéis por apólices. Uma pequena parte poderá eventualmente corresponder a entradas de papel-moeda para troca ou até de metal. A única receita disponível (para ser usada em operações de pagamento de dívidas) teve origem nas organizações tradicionais de imobilização de fortunas e de crédito, confrarias, irmandades e misericórdias, fundos de caixas de órfãos e de heranças. A operação de troca de papel-moeda por apólices terá sido um fracasso, que se traduziria na marcha das amortizações.

Com a exceção da amortização feita a 23 de abril de 1801, pouco depois de Sousa Coutinho tomar a condução das finanças, destruindo-se quase 553 contos de papel-moeda, as demais são insignificantes. Esta terá sido o único resultado da operação de troca. A maioria dos capitalistas terá optado pelos lucros que o papel moeda proporcionava através do desconto. Para mais, a compra de papéis de dívida com desconto, trocados por apólices que eram aceites para pagamentos no Erário pelo seu valor nominal, era um bom negócio; do mesmo modo, o papel-moeda era um negócio excelente pois permitia diminuir significativamente o valor dos pagamentos, sobretudo enquanto o papel venceu juro.

 

 

Do mesmo modo, não podemos atribuir à ação política de Sousa Coutinho a amortização que se verificou de apólices grandes. A amortização dos títulos de dívida não tinha nesta época nenhuma forma regular de amortização, como um calendário de “reembolso do capital” ou de um mercado de compra de apólices. Silveira Pinto confirmou em 1839 esta característica, mas desvendava o modo do seu progressivo desaparecimento de circulação: “como o Artigo 10.º do Alvará de 13 de Março de 1797 mandava receber as apólices grandes como dinheiro em muitos pagamentos deu-se um meio incerto de amortisação” [Pinto, 1836, p. 6]. Esta é a chave da significativa amortização de apólices, contrastando com o que verificou nos empréstimos posteriores. O montante das amortizações até 1803 foi superior aos 1334 contos, um pouco mais de 21% do total das apólices emitidas.13 Quando foi encerrado, uma parte do empréstimo fora já anulada, mas apenas como resultado da operação de reconhecimento de dívidas correntes em papel com juro admissível em pagamentos feitos ao Erário.

 

 

Estas apólices chegavam ao Erário aceites nos pagamentos como dinheiro. No livro de contabilidade das espécies classificavam-se expressamente como apólices “para queimar”.
14

Podemos concluir que muito se esconde sob a noção, aparentemente simples, de empréstimo. O “primeiro empréstimo” não constituiu, no essencial, uma captação de dinheiro pelo Estado aos particulares para alimentar os seus cofres de meios para as suas despesas. Os livros de registo consultados não permitem saber com rigor qual o montante de dinheiro efetivo entrado. Pertence ao domínio da capitalização de dívidas, forma de substituição dos pagamentos regulares por papéis de crédito, aos quais se pretende garantir credibilidade através dos juros e da admissão nos pagamentos fiscais.

Esta orientação não foi uma exceção na administração da dívida régia portuguesa desta época. Considerando o período até 1834, são assinaláveis 15 operações de dívida depois dos chamados segundo e do chamado terceiro empréstimo de 1817-1818. Seis são explicitamente operações de consolidação de dívidas correntes: letras do comissariado de 1814-1816; papel-moeda e títulos de dívida; dívida entre agosto de 1820 e setembro de 1822; dívida da Marinha e dívida aos empreiteiros do palácio da Ajuda. Três outras são efetuadas pelo Banco de Lisboa: de dois mil contos em 1823; de mil contos em papel moeda e de 2400 contos em 1827. Duas pelo capitalista conde da Póvoa e uma outra pela Junta do Porto em 1808. Apenas os restantes podem eventualmente pertencer ao domínio da “captação de capitais”: o de valor nominal de mil contos de 1827 (na verdade, apenas 589,5 contos); o de 1010,5 contos de 1828 e o de dois mil contos de 1830.

 

O MERCADO AUSENTE

 

O que este panorama confirma é a ausência do mercado, local ideal de um encontro de vontades. O primeiro empréstimo manteve a aparência dos empréstimos ditos “voluntários” e não dos “forçados”. Estes eram os que resultavam de um constrangimento explícito à participação, com a repartição de somas destinadas a cada “emprestador”. Eram pois formas de tributação extraordinária de determinados grupos. Mas também nos “voluntários”, caso do “primeiro”, não eram decisões propriamente económicas (em sentido estrito), as respeitantes ao património, que levavam à entrega de dinheiro. Os emprestadores eram pressionados (não forçados) a fazerem as suas contribuições. Essa pressão traduziu-se publicamente nas páginas da Gazeta. Na edição de 10 de janeiro de 1797 publicou-se, por determinação régia, uma representação datada de 4 desse mês assinada pelos “principaes e mais distinctos Negociantes da Praça de Lisboa” que depois de mostrarem o desvelo pelo “Real Serviço” concluíam com expressões que demonstravam a sua “lealdade e amor patriotico”. Assim, “pois que VA se recusa generosamente às offertas parciaes que se tem feito por alguns dos seus Membros, o que fez sustar em muitas outras que se intentavão”, tinham a honra “de se offerecerem a VAR juntos em corpo, à proporção dos seus cabedaes, e até com as suas pessoas em massa, sacrificando mesmo as proprias vidas”, como era habitual nestas circunstâncias afirmar.

Constatamos que o governo recusara as “ofertas parciais” dos negociantes e disso se dera publicidade na edição da Gazeta de 8 de novembro de 1796, a propósito da que fora feita pelos negociantes Bento José Pacheco e filhos, que tinham oferecido “os seus navios ‘Amizade e Santo António’ e ‘Resolução e Nossa Senhora da Graça’ e, em caso de guerra e enquanto esta durasse, a manutenção de uma companhia de soldados. A notícia foi publicada para que se soubesse que essa via não era aceite pela Coroa. Os negociantes referidos, Pacheco e filhos, fariam entrar mais tarde 40 contos em dinheiro nos cofres do empréstimo. Os membros do grupo negocial e capitalista de Lisboa tentaram escapar, por meio destes oferecimentos parciais que cada um definiria, a uma contribuição mais efetiva. Os seus oferecimentos iniciais seriam plenamente voluntários e tomados como serviços feitos à Coroa, presume-se. Mas o grupo foi forçado a mostrar outra disponibilidade como “corpo”. Também no âmbito do chamado “segundo empréstimo” se irão encontrar mais provas da pressão exercida pela administração para que os indivíduos entrassem no empréstimo.

Em conclusão, as noções estritas, hoje comuns, de tributação e de empréstimo são ambas incapazes de caracterizar a relação entre o Erário e os negociantes e os emprestadores em geral. Os negociantes não são formalmente obrigados a contribuir – tal seria um exercício estritamente tributário – mas não decidem “livremente” fazê-lo. Alguns não o fazem, pura e simplesmente. A maior atração era o estatuto de “serviço” que poderia ser associado ao empréstimo. Emprestar à Coroa era algo que permitiria criar um desequilibro na balança de um sistema de trocas de serviços por remunerações, honoríficas e económicas. Nalguns casos, a participação nos empréstimos podia ser uma obrigação informal dos capitalistas que beneficiavam dos lucros dos contratos da Coroa (Costa, 1992b)

 

AS INOVAÇÕES TRIBUTÁRIAS

 

Tal como já referido, a possibilidade da “nova dívida” fundou-se num conjunto de inovações tributárias e o empréstimo era apresentado como uma antecipação dos novos tributos. Criaram-se sucessivamente três caixas na Junta dos Juros destinadas à recolha separada dos rendimentos dos novos tributos ­aplicados ao primeiro empréstimo, aos juros e amortização do papel-moeda e ao segundo empréstimo (que se referirá mais à frente). Estas caixas para a acumulação de receitas consignadas eram, como dito, uma garantia dada aos emprestadores. As novas receitas não poderiam ser desviadas do seu propósito inicial, sendo recebidas, contabilizadas e administradas de forma separada.

Os novos tributos da primeira caixa recaíram, como atrás se indicou, sobre os rendimentos que eram em grande parte os da primeira nobreza e do clero, constituindo desse modo uma inovação que tinha uma propositada carga política e social. Os bens agora tributados, os bens da Coroa e das ordens militares e os bens eclesiásticos, nunca haviam deixado de ter estatutos jurídicos próprios e, ao mesmo tempo, de serem vistos pela opinião comum como bens que tinham um propósito social específico, diferente dos bens comuns e patrimoniais dos particulares. Por isso, como já relatado, o inspirador desta orientação, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, entrou em choque com as classes superiores da sociedade.

Uma décima eclesiástica estivera prevista durante a Guerra da Restauração, obtendo instruções para a sua arrecadação por portaria de 5 de novembro de 1641 [Ribeiro, 1818, p. 239] Mas nunca teve aplicação e no regimento de 9 de maio de 1654 foi substituída por um oferecimento de 150 mil cruzados pelo estado eclesiástico. Anteriormente, nos tempos da união das Coroas ibéricas sob os reis da Casa de Áustria, uma bula de 1629 autorizara a tributação do clero no real de água por seis anos até 200 mil cruzados anuais e em 1634 fora a Igreja forçada a um donativo de 233 mil cruzados por uma só vez. Apesar destas contribuições forçadas episódicas, o clero não perdeu a sua autonomia e salvaguardava o seu estatuto próprio. Mesmo no período pombalino, a décima lançada sobre os bens detidos pelos eclesiásticos foi suspensa por uma ordem de 15 de março de 1763, clarificada por outra de 12 de abril de 1764.

A décima eclesiástica finalmente imposta pela carta régia de 15 de outubro de 1796 refere-se aos bens verdadeiramente eclesiásticos, tal como os definiu o decreto de 24 de outubro. Mas os sinais de resistência manifestavam-se e disso dava notícia um aviso de 3 de março de 1798 mandando que fosse lançada e cobrada pelos bispos com maior exatidão.

A situação excecional vivida no reino era naturalmente invocada na referida carta régia de 15 de outubro de 1796 para justificar a incursão na esfera isenta. Para a preparação da defesa afirmava-se a necessidade do concurso das pessoas e dos bens de todos os vassalos e sendo em benefício de todos obrigava a todos em geral e em especial os eclesiásticos “por não sofferem os perigos e fadigas da guerra”. Era pois necessário e justo que pagassem a décima como os seculares. Contudo, o lançamento era deixado aos próprios. Embora se reclamasse do “direito inauferível” do poder régio de se servir dos bens do reino e domínios, querendo imitar a piedade e moderação dos reis predecessores, deixava-se à hierarquia a perceção de uma décima de todos os bens proporcionada à que pagavam os vassalos seculares, encarregando-se da cobrança e esperando que a fizessem com a “suavidade” que o Príncipe louvaria. Esta insistência sobre a moderação e suavidade deixavam uma larga margem aos prelados e intacta a sua autoridade e o segredo sobre as suas rendas. Esta orientação foi posta em causa por Jacinto Fernandes Bandeira em nome da Junta dos Juros. A 12 de fevereiro, uma nova Carta Régia colocava como objetivo a redefinição do valor da contribuição. Sendo voz corrente que o que pagavam estava muito longe da décima dos seus rendimentos, a Carta régia declarava que a décima que entrara nos cofres não correspondia por diminuta ao que devera produzir se fosse extraída e paga de todos os rendimentos dos eclesiásticos. Era de esperar que os que recebiam mais de 100 mil réis pagassem exatamente a décima, sendo de esperar que cobrando-se nessa conformidade, excederia uma terça parte do que atualmente produzia. Algumas das respostas a esta Carta confirmaram que se tinham mantido isenções particulares.

As prestações viriam a ser aumentadas, não porque tivesse tido lugar uma avaliação dos rendimentos, mas pela aceitação do pagamento de mais uma terça parte do valor anterior, tomada literalmente do teor da Carta régia, ou seja, por implícita composição entre as partes. Os bens monásticos não eram equiparados a bens da Coroa, pagando apenas décima, mas estava implícita a possibilidade de uma disponibilização pela administração régia do “capital” por eles imobilizado. A resistência ao pagamento dos novos impostos pelo corpo eclesiástico e, em particular, pelas Ordens monásticas era previsível. Praticamente, a administração régia dispunha de poucos meios de pressão. Um deles, a ameaça de uma investigação dos livros para um cálculo dos rendimentos efetivos, daria alguns resultados. Um aviso de 19 de junho de 1801 dirigido ao provedor da comarca de Leiria ordenava a suspensão dos exames de que tinha sido incumbido “para fixar a verdadeira importancia” com que a congregação de S. Bernardo havia de contribuir anualmente. Com mais dez mil cruzados, a congregação mantinha os segredos dos seus réditos. Um primeiro acordo, de 4 de novembro de 1796, fixou em 16 contos a contribuição anual, mas era mantida uma ressalva sobre o seu caráter provisório, continuando as diligências para a fixação da sua “verdadeira importância”. Idêntico foi o procedimento que se seguiu com as demais corporações monásticas.

Estes sinais de resistência levar-nos-iam a prever uma contribuição irregular, mas não foi o que se verificou. No final de 1807, quando a situação do reino estava prestes a sofrer uma completa mudança com a presença napoleónica, quase todas as ordens monásticas haviam entregue os valores das prestações convencionadas. O montante global das primeiras prestações era de quase 50 contos e o das segundas um pouco mais de 62 contos, tendo acrescido 24,3% no global. As três grandes ordens, com 32 e depois 42,2 contos, faziam entrar 64% e depois 68% do total. Entre 1799 e 1807, esta contribuição ­monástica correspondeu à transferência de 557 contos para a administração régia.

Esta décima parece ter-se aproximado do seu valor nominal. O rendimento global da ordem de S. Bernardo, em tempo de preços elevados (a evolução dos preços levando a grandes flutuações nas avaliações das rendas), deve situar-se próximo dos 200 contos, o que parece ser confirmado por ser este o valor considerado em 1810 para efeito da aplicação da tributação extraordinária da terça parte das rendas imposta pela portaria de 2 de agosto desse ano (BNP, Cod. 6437, f. 237). O tributo convencionado em 1801 estaria próximo da décima parte do rendimento da ordem, mas estaria nesse caso longe da décima e do quinto – já que os monges cistercienses detinham avultados bens da Coroa – embora a casa central de Alcobaça tivesse a seu cargo o pagamento de 5 200 000 réis, que é provavelmente mais de um décimo das receitas, que seriam de 35 500 mil réis na média dos anos de 1795-1798 (Pereira, 1986, p. 631). O panorama modificou-se, como era previsível, depois de 1807.

Outro tributo paralelo era o do “quinto dos bens da Coroa”, ou seja a quinta parte do rendimento desses bens. Permanecendo com um estatuto jurídico próprio e sendo identificados fundamentadamente na perceção comum como os bens que os reis doavam aos que reclamavam serviços excecionais, nomeadamente os feitos militares da sua primeira nobreza, deveriam ser objeto de uma tributação especial. Mas os bens da Coroa eram uma componente importante das receitas das casas da primeira nobreza (Monteiro, 1998). Uma parte deste tributo estava incluída nas prestações atrás referidas das ordens monásticas enquanto donatários dos bens da Coroa que faziam parte dos seus patrimónios. A outra parte, imposta sobre os bens detidos pelos restantes donatários, ficou à cobrança dos corregedores e provedores das comarcas e provedorias onde se localizavam os bens. O modo de lançamento não está bem documentado. Os oficiais régios terão efetuado o levantamento dos bens da comarca a seu cargo, como uma lista dos bens da de Aveiro datada de 2 de Agosto de 1797 (Costa, 1992a, pp. 106-107), e lançado a quinta parte do rendimento desses bens. Significativamente, na citada lista de Aveiro incluíam-se bens de duvidosa natureza ou cuja natureza não se conhecia. Embora não se tivesse verificado uma patrimonialização destes bens, havia casos em que se perdera a informação sobre a origem dos bens em causa. Ocorreram também algumas dúvidas quanto ao âmbito de aplicação: alguns provedores listaram também comendas e capelas. As primeiras, bens das ordens militares, permaneceram – com hesitação – fora do domínio dos bens da Coroa. As capelas apenas foram tributadas no âmbito das leis sobre a dívida pública na década de 1820. Um corregedor, o de Bragança, perguntava se os bens da Casa de Bragança na parte em que era donatária, deveriam ser considerados, assim como os bens dos ausentes e confiscados. Um outro ponto de dúvida referia-se aos preços convencionados para as avaliações das prestações recebidas em espécie através dos quais se poderiam diminuir substancialmente os valores a pagar.

Temos uma geografia dos bens da Coroa feita a partir dos lançamentos entre 1796 e 1807. Mais de 60% das receitas tem origem na prestação da Universidade e em quatro comarcas, Aveiro, Porto, Santarém e Coimbra. Parece haver alguma coincidência com a geografia dos direitos de foral (Monteiro, 1989, pp. 259-271) mas trata-se de realidades diferentes. Até 1807, mais de 240 contos passaram por esta via dos donatários para a administração régia. Conclui-se que rendimentos significativos das ordens monásticas e dos beneficiários dos bens da Coroa passaram para a esfera da administração régia, sustentando o pagamento dos encargos de um novo tipo de dívida, a que se pretende garantir credibilidade.

Um montante de cerca de 800 contos destes dois novos tributos – sem considerar o montante da décima das comendas – passou dos cofres da primeira nobreza e do estado eclesiástico para os da administração régia, sustentando a nova dívida. Era uma incursão no espaço das rendas assentes sobre a atividade produtiva interna em que o Estado tinha uma escassa penetração e que se deslocavam das nobrezas eclesiástica e secular para o domínio régio e deste para o dos emprestadores.

 

O SEGUNDO EMPRÉSTIMO

 

Um segundo empréstimo foi aberto por decreto de 7 de março de 1801, quando Sousa Coutinho já se encontrava à frente da condução da política financeira. Seguia de muito perto o plano que apresentara em 6 de dezembro de 1798 (Funchal, 1908, pp. 151-153) e, prevendo-se a obtenção de doze milhões de cruzados, chegou a uma emissão de apenas um pouco mais de cinco milhões. Defendido em 1798 como alternativa à criticada emissão de papel moeda, a conjuntura internacional impunha de novo, em março de 1801, a procura de receitas extraordinárias. Estava iminente a “Guerra das Laranjas”, único conflito bélico até 1807. Ao contrário do primeiro, este segundo empréstimo destinava-se à obtenção de receitas disponíveis sem a capitalização de papéis de dívida.

Consignados aos seus encargos foram criados os chamados “novos impostos”, que vão constituir a dotação da 3.ª caixa da Junta dos Juros, vigorando desde 1 de julho de 1801, sem privilégios, seculares ou eclesiásticos, todos derrogados para este efeito. São oito os novos tributos:

 

1. Sobre o algodão e o açúcar: 200 e 100 réis.

2. Sobre os chapéus de consumo.

2. 3% sobre todas as mercadorias até então isentas.

3. 3% sobre as rendas dos prédios urbanos de Lisboa e do Porto, além da décima.

4. 9600 réis sobre cada parelha de bestas de sege e liteira para uso particular e 4800 réis no caso de serem para aluguer.

5. 4000 réis sobre cada cavalo sem praça em regimento ou uso na agricultura.

6. 1000 réis sobre cada besta de carga maior.

7. 800 réis sobre cada criado que não fosse de agricultura.

 

Tratava-se de fazer recair a sustentação dos encargos resultantes do novo empréstimo sobre produtos e consumos de “luxo”, orientação coerente com a da dotação da caixa do primeiro empréstimo. Ao contrário de um imposto genérico sobre consumos que atingisse a gente comum, pretende-se abarcar apenas um certo domínio social. A tributação das manufaturas indica que para o legislador estas pertenciam ao campo dos produtos de luxo e não ao de uma atividade produtiva que devesse ser protegida por alguma das razões que viriam em épocas mais tardias a ser invocadas.

Os detalhes sobre a aplicação dos “novos impostos” foram alvo de esclarecimento por um alvará de 30 de julho. No que dizia respeito aos 3% sobre as fábricas, por exemplo, havia-se estabelecido de início um sistema que impunha a aposição de um selo real nas mercadorias pelo ministro encarregado disso que para esse efeito se deslocaria mensalmente. Se os fabricantes necessitassem de vender mercadorias posteriormente manufaturadas seriam obrigados a convocá-los às suas custas. Previa-se que, no caso das fábricas situadas a muitas léguas da residência do superintendente da décima, poderia ser o magistrado local a desempenhar a sua tarefa. Este método, insustentável para os fabricantes, acabou por ser abandonado. O rigor inicial foi seguido por um compromisso. Um decreto de 11 de maio de 1804 determinou que pudesse ser o tributo pago através de uma avença ou encabeçamento. Isso explicará provavelmente a evolução verificada nas receitas, com uma notável quebra precisamente no segundo semestre de 1804. Somos tentados a ver nisto a confirmação de uma “lei” da inovação fiscal: a determinação do valor real de um tributo numa taxa efetiva que era o resultado de uma composição com os tributados que distanciava a taxa aplicada efetiva da taxa nominal inicial. Essa composição era uma inevitabilidade face à fraqueza da rede de administração e à pressão social da conveniência dos tributados. O que dispunham as leis que instituíam e regulavam os detalhes da tributação tinha de passar pelo teste da execução e, depois disso, adaptar-se à “realidade”. Não podemos, consequentemente, considerar que esta regra da “silenciosa negociação” foi o resultado da ordem política de tipo dito liberal. Pelo contrário, com esta nova ordem política (tomada pela sua doutrina e não pelas suas práticas, onde foram frequentes tais negociações) procurava-se a obtenção de um efeito de legitimidade que diminuísse os efeitos das assinaladas resistências a quaisquer inovações, reduzindo a necessidade de uma inevitável composição, o que não quer dizer que esse propósito fosse atingido.

 

O PERFIL SOCIAL DOS EMPRESTADORES

 

Quem participou nos novos empréstimos? Qual a importância dos negociantes e capitalistas, previsivelmente o grupo social que era chamado a fazê-lo? Podemos ter uma imagem da distribuição regional dos subscritores de apólices?

Uma primeira abordagem possibilitada pelas listas de participantes nos empréstimos permite uma abordagem da distribuição regional no caso do segundo empréstimo.15 Existiu uma preocupação de obtenção de contribuições em todo o território e os corregedores e os provedores foram incumbidos de exercer uma pressão local sobre os mais ricos nas várias regiões. Os resultados eram acompanhados, sendo feitos mapas do seu estado em dezembro de 1801 e em março de 1802.16

Monsenhor Horta, na sua crítica à orientação financeira do governo, confirma a existência da pressão política. Relatou que o “emprestimo titulavasse voluntario, mas nas Provincias onde os executores do novo plano forçavão os Accionistas de suas amiassas, repartirão se lhe foros de nobreza e novos despachos sem outros servissos. Na Corte e seu termo seguiosse hum plano ainda menos consertado, chamando-se accionistas ao novo emprestimo por Cartas Ministriaes dando lugar a comprometerse o nome de SA escapandosse cada hum impunemente de obedecer”. Estes seriam “arbitrios muito ariscados” (BNP, Res., Mss, Cx. 22, n.º 4, doc. n.º 3).

Dois mapas da época referiam-se à evolução desta distribuição regional das entradas, evidenciando deste modo esse objetivo. Os mapas sobre o “Estado do Real Emprestimo”, respeitantes a dezembro de 1801 e a março de 1802, incluíam a informação sobre o número de “acções” (é o termo usado na altura) subscritas em cada comarca, o seu valor global e o ponto de situação da subscrição faseada, tal como estava prevista, havendo somas por entrar nos cofres, representadas por letras (ou seja, promessas de entradas futuras). No final de 1801, de um pouco mais de 2068 contos, estavam por realizar quase 573 contos em letras. Na verdade, em março de 1802 tinham sido emitidas apenas 6638 ½ ações no valor global de 1 593 240 000 réis. No registo das entradas nos cofres foi feita, à margem dos nomes e quantias, a proveniência local dos emprestadores, em geral, a comarca e por vezes o concelho (AJCP, 1741 – recolha feita em 1989). Inevitavelmente, as regiões “Lisboa” e “Porto” estão sobrevalorizadas nos registos. Os homens ricos nas províncias tinham relações com as grandes cidades e podiam fazer entrar o seu dinheiro nos cofres por essa via.

Dispomos de alguns casos em que nos chegou informação sobre a forma como o empréstimo foi recebido e tratado a nível local. Em Vila Viçosa, no dia 23 de maio de 1801, o empréstimo foi o assunto que conduziu à convocação de uma “assembleia do Clero, Nobreza e Povo, a fim de cada um contribuir com o que pudesse”. Desta reunião resultou a decisão sobre a eventual participação de nove indivíduos, sendo alguns identificados como lavradores. Um deles é Manuel Gonçalves “da Fonte Grande” que “disse que já tinha dado voluntariamente 12 contos” (Espanca, 1983, p. 38). Aparece com efeito nos registos como um dos primeiros emprestadores logo no ano de 1796, referido como lavrador de Vila Viçosa. Também no segundo empréstimo participou com 8 160 000 réis (ATC, ER, 2160). Era também rendeiro da comenda de Nossa Senhora de Monforte, pela qual pagou décima do primeiro semestre de 1797 (AJCP, 1741). Constitui um exemplo de um lavrador e capitalista local que participou no grupo dos grandes emprestadores. Mas é um caso pouco comum. O valor da sua participação encontra-se muito acima das entradas feitas pelos homens através dos magistrados nas comarcas. Na verdade, dos outros oito potenciais emprestadores de Vila Viçosa, apenas três surgem nos registos. Podemos depreender que os outros não obedeceram.

A pressão feita à escala de Lisboa, que é referida por Horta, pode ser exemplificada pelo “aviso para o real empréstimo” recebido pela Casa da Moeda mas que foi genericamente endereçado a todas as “corporações do reino” em 12 de maio de 1801 e assinada por D. Rodrigo de Sousa Coutinho. Neste se declarava que o Príncipe Regente esperava que os “Ministros e mais Pessoas sugeitas a este Tribunal hajão de concorrer para o novo Emprestismo […] com o maior numero de acçoens que permitirem as faculdades de cada hum dos seus Empregados”. Isto porque “alem do Interesse Publico”, resultaria o aumento da segurança das suas rendas. Uma lista dos “Offerentes e quantias” se faria subir à “Real Prezença de Sua Alteza Real” que teria isso como muito recomendado.17A pressão é informal, não se trata de uma ordem, mas de uma “sugestão”. Contudo, a elaboração de uma lista de subscritores era assaz clara. Dessa “informalidade” se esperavam resultados.

No tratamento das listas, a ausência de referência de comarca ou de concelho foi tomada como correspondendo às entradas feitas em Lisboa, com o risco assinalado de uma sobrevalorização. Também a designação “Porto” abarca um âmbito muito mais alargado que a comarca do Porto, o que se evidencia por nela se encontrarem várias instituições eclesiásticas de Braga e de Coimbra. Em apenas três comarcas teria havido uma subscrição de mais de 100 “acções”: o Porto, com 1078 ½, Vila Real, com 252, e Évora com 134 ½. Todas as demais são inexpressivas. Sem considerar o “Porto”, foram subscritas apenas 1589 ações no total, menos de 19%. A suscitação de uma participação regional terá sido um fracasso e a diversificação dos emprestadores assaz limitada. Não é de crer que esta proporção de participações tenha uma correspondência com a distribuição efetiva da riqueza disponível.

Esta imagem de concentração da riqueza líquida é reforçada pela hierarquia dos emprestadores.18 Uma pequena parte destes abarca uma muito ampla fração do empréstimo. No caso do primeiro empréstimo, consideradas as entradas efetivas de dinheiro que tiveram lugar até março de 1797, verificamos que 27 dos 228 participantes abarcaram 75% do valor global. Os sete indivíduos que entregaram 40 contos ou mais foram responsáveis por mais de 40% do total.

A proveniência geográfica apresenta-se muito simples. Apenas cinco nomes são referidos a outras localidades para além de Lisboa e do Porto. O mais destacado é o já atrás referido Manuel Gonçalves de Vila Viçosa. Dois outros são de Viana, um de Coimbra e outro de Évora. Os homens do Porto são 125 dos 182 elementos que fazem subscrições inferiores a três contos, mas estão ausentes no grupo que fez as entregas de grandes valores. A maior soma veio da Misericórdia da cidade e o negociante mais destacado, João Salgado de Almeida, contribuiu com quatro contos.

Todos os grandes participantes no empréstimo são negociantes de Lisboa, pertencendo ao grupo que publicitou na Gazeta, como acima referido, a sua disponibilidade para atender às exigências da Coroa. No entanto, alguns dos membros desse grupo não aparecem no empréstimo e encontramos alguns casos de emprestadores que não tinham assinado o papel publicado, caso de Jacinto José de Castro. Mas dele faziam parte os elementos cruciais da entrada de dinheiro efetivo. Com a entrada de 40 contos ou de somas superiores encontramos os célebres grandes capitalistas da cidade de Lisboa (França, 1983; Pedreira, 1995): Quintela, com 60 contos, mas sem renunciar ao juro suplementar de um por cento, manifestando desta forma (como podemos presumir) o desprezo pelas honras prometidas, Caldas, com quase 46 contos, ­Bandeira com 40. Além ­destes, Jacinto José de Castro, com 50 contos, a segunda maior subscrição, Bento José Pacheco e filhos, José Pinheiro Salgado e Gaspar Pessoa Tavares, com 40 contos cada. Confirma-se deste modo a presença deste grupo dos capitalistas “muito ricos”. Das entradas superiores a dez contos, três são institucionais: as das direções das Obras das Águas Livres, da Misericórdia do Porto e do Colégio dos Nobres. Dos 15 participantes individuais, onze foram de negociantes de Lisboa.

Mas não houve um comportamento padronizado dos negociantes. ­Confrontado com o já citado projeto de banco elaborado por D. Rodrigo de Sousa Coutinho no ano de 1797 temos a confirmação do alheamento de uma parte muito importante, uma larga maioria, dos participantes previstos para a reunião imaginada do capital do banco. De um grupo de 71 – excluídos os nomes ilegíveis e os não identificados e ainda as companhias seguradoras e as de comércio extintas – apenas 14 efetuaram entradas no cofre do empréstimo. Estes 14 seriam apenas 23,6% do capital projetado do banco, mas no empréstimo foram responsáveis por 47,1% das entradas. Ainda que o plano do ministro possa criar alguma distorção da hierarquia interna do grupo, o crédito potencial estará certamente sub-representado no empréstimo. Uma parte permaneceu à margem das pressões para integrar o empréstimo.

Mas, complementarmente, no outro lado da operação, o da capitalização de papéis de dívida, encontramos também alguns notáveis negociantes Mais do que papéis de dívidas da Coroa às suas pessoas, este será previsivelmente o resultado da sua atividade de desconto de papéis, uma atividade corrente dos capitalistas.19 Neste campo, coexistem com outros detentores tradicionais (e porventura agentes de desconto) de papéis de dívida: a Misericórdia do Porto e as irmandades do Santíssimo Sacramento da freguesia de Nossa Senhora dos Mártires e do Senhor Jesus dos Passos da Graça. Segue-se um membro da nobreza titular, a marquesa do Louriçal, que recebe a avultada quantia de 5 800 000 réis em apólices, de que se serve de imediato para pagamentos a terceiros. Em três anos, 20 das 25 apólices foram usadas para pagamentos vários e duas aparecem no padrão de juros n.º 54. Alguns daqueles a quem a marquesa passou as apólices, virão a usá-las para o mesmo efeito. Podem ser, ao mesmo tempo, meios de pagamento e de entesouramento. Do primeiro empréstimo ressaltam, em conclusão, duas dimensões complementares: uma forte concentração das contribuições que foram decisivas para o montante obtido; o desinteresse de uma parte importante do corpo de negociantes pela operação.20

Vejamos em que medida o segundo empréstimo confirma esta imagem (AJCP, 1741). Se o número total de intervenientes foi de 3114, o número dos que subscreveram dez ou mais ações foi de apenas 115 (3,7%) abarcando mais de 53% do total. Se considerarmos os 225 emprestadores de cinco ou mais ações, a importância da sua contribuição sobe para quase 63%.

A larga maioria dos intervenientes – 78% – tomou apenas uma ou meia ação. Há apólices subscritas em nome de vários indivíduos em associação. Realça-se o peso diminuto dos medianos. O número dos que obtêm duas foi de 321 e entre três e nove foram apenas 250 (AJCP, 1741; Costa, 1992a, p. 170). O empréstimo evidencia a presença da “elite” dos grandes capitalistas. Cada um dos grandes capitalistas: Bandeira, Caldas e Sobral subscreve 500 ações, ou seja, 120 contos. Perto deles, Quintela com 94 560 000 réis. No conjunto, entregaram 454 560 000 réis, 22,2% do empréstimo. Algumas comparações permitem contextualizar este valor: 455 contos correspondia aproximadamente ao valor de um ano de receitas da décima do reino (antes de ser relançada). Os rendimentos anuais das grandes casas da primeira nobreza estão muito longe dos 120 contos: o mais elevado, o dos marqueses de Marialva em 1803-1807 foi de menos de 32 contos (Monteiro, 1991, pp. 374-378). As grandes e mais ricas ordens monásticas, as de S. Bernardo e de S. Bento, poderiam ter, nas conjunturas de preços elevados, o rendimento anual bruto avaliado em cerca de 200 e de 100 contos, respetivamente.

A circunstância dos três grandes capitalistas terem entregue a mesma e tão “redonda” soma leva-nos a imaginar que foi sugerido aos cabeças do contrato do tabaco a entrega de um valor que se encontra próxima das avaliações mais modestas dos lucros anuais do referido contrato. Isso não significa que esteja próximo do valor de lucros, que se desconhece. Aliás, imagina-se que houvesse uma sugestão de contribuição (que não era uma doação, gratuita), não uma imposição. Mas D. Rodrigo de Sousa Coutinho denunciara, pouco antes da sua chegada ao topo da hierarquia financeira, as prorrogações contratuais que favoreciam especialmente este grupo (Costa, 1992b). Sabemos que reunia longamente com os negociantes da praça de Lisboa.21Em 1808, nas instruções (que têm incontestavelmente a marca da sua redação) ao bispo e junta do Porto, indicava com toda a clareza que procurassem ver se poderiam “sem injustiça, incorporar na Corôa o contracto do tabaco, fazendo sessar a grande perda que a Minha Real Fazenda sofria pelas imensas fortunas que algumas familias augmentarão com semelhantes contractos e que era tudo tirado rigorosamente da minha Real Fazenda” (Capela, 1992, pp. 137-138).

Mas, no segundo plano, destacam-se outros capitalistas (Costa, 1992a, p. 178). Foi possível identificar como negociantes 464 participantes no segundo empréstimo, sendo 385 portugueses e 79 estrangeiros (nestes se incluindo a Feitoria inglesa do Porto), responsáveis pela entrada de 1 186 320 000 réis, 58% do empréstimo. Dos portugueses, 270 são de Lisboa e 110 do Porto, emprestadores de 71,5% e 36,4% do valor das respetivas regiões (recordando-se o que abarcam). Se tomados como grupo, apresentam – como seria de esperar – um peso decisivo, mas a sua participação foi muito desigual, não apenas entre as duas regiões (em Lisboa estão os grandes capitalistas) mas no interior do grupo. Grande número não teve uma participação marcante. A maioria subscreveu apenas uma ou duas ações. Mais acentuadamente no Porto, onde apenas 19 indivíduos tomam mais de duas. Para além do caso de Manuel ­Lourenço Mendes que faz entrar quase 40 contos, a presença seguinte foi a de Mello, Neiva e Cia., negociantes e rendeiros de numerosas comendas, com 4 800 000 réis.22 Isto indiciará a forte hierarquia de riqueza no interior do grupo, mas articula-se por certo com a diversidade de decisões perante a aquisição de apólices.

Tal leva-nos a perguntar se a hierarquia dos negociantes e capitalistas que é detetada nas listas de participação nos empréstimos se aproximaria da hierarquia de riqueza no interior do grupo?

Podemos comparar a hierarquia no interior do grupo dos negociantes tal como se manifesta nos empréstimos com outras imagens dessa mesma hierarquia produzidas de modo diverso, as de duas imposições feitas sobre o corpo de negociantes, uma pelo ocupante napoleónico no final de 1807 e outra pela repartição da contribuição de defesa em 1810; podemos ainda confrontar estas imagens com a hierarquia dos acionistas do Banco de Lisboa em 1821 (Peres, 1971, pp. 71-72), como aproximação à sua representatividade face à distribuição da riqueza no seu interior.

Ao comparamos estas três “imagens”, verificamos uma notável coerência entre elas e, ao mesmo tempo, um contraste nítido com essa hierarquia no caso do segundo empréstimo (Costa, 1992a, pp. 185-189).

Comprova-se que no empréstimo de 1801-1802 houve uma presença excecionalmente elevada do grupo dos grandes capitalistas. Não se trata para nós de fazer uma opção por uma ou outra das “imagens” como mais “verdadeira”, mas da determinação da “verdade” de cada uma. A “verdade” específica do empréstimo é a relação privilegiada, revelada nesse “peso excessivo”, de um pequeno grupo com as solicitações da administração régia. Era o outro lado dessa relação. O lado organizador desta era o do acesso aos contratos régios (Costa,1992b).

 

 

A DIFUSÃO DE UMA NOVA POLÍTICA E OS SEUS LIMITES

 

Em conclusão, os dois primeiros empréstimos, correspondendo à necessidade política e militar de um maior recurso ao crédito em tempo de um risco de conflito bélico latente, traduziram ao mesmo tempo a modificação do modo de emissão de dívida em apólices e alargada por meio de inovações fiscais que se fizeram recair sobre os rendimentos das classes superiores, os eclesiásticos e a primeira nobreza, complementarmente, sobre consumos considerados luxuosos.

O montante de “juros” (a dívida de tipo antigo) pago durante o período 1764-1776 foi em média de 381,26 contos (Tomaz, 1988, p. 380). Esse valor seria nos anos 1796-1802 de cerca de 323 contos, mas o pagamento atrasado fazia com que houvesse em dívida cerca de 712 contos em 1802 (ATC, CA, Cx. n.º 86, doc. 2, 3, 15; Costa, 1992a, p. 37). Os juros da “nova dívida” alcançariam em média nos anos 1803-1807 os 775,7 contos, a julgar pelas despesas das três caixas da Junta dos Juros (AJCP, L.º s. n.º – balanços semestrais da Junta dos Juros; Costa,1992a, p.133). Os encargos com o endividamento régio teriam triplicado com a “nova dívida”. Se comparados com a média de receitas anuais dos anos 1797-1803 – 8338 contos (ATC, CA, Cx. n.º 85, doc. 5, p. 32) – temos uma dívida cujos encargos anuais correspondem a 9,3% da receita. A antiga dívida correspondia a menos de 4%. Se considerarmos uma avaliação da “renda nacional” proposta pelo Principal Sousa (que deve naturalmente ser tomada como muita cautela) em 80 mil contos – “pelo menos” – a partir da avaliação do dízimo global em 8 mil contos, o encargo conjunto de ambas as dívidas seria de 1100 contos e, capitalizando esta a 5% (22 mil contos), seria 27,5% da “renda nacional”. Muito longe dos padrões de endividamento britânico.

No campo financeiro, a nova dívida de 1796-1803 foi guiada pelo objetivo de criação de credibilidade, essa chave misteriosa do domínio financeiro. Tradicionalmente, um pedido de empréstimo vindo da administração régia era visto com grande desconfiança, já que previa que as condições com que procuraria cativar os homens endinheirados não seriam cumpridas e eles perderiam, parcial ou totalmente, o seu cabedal. A bancarrota era vista como quase certa e a perda do dinheiro cedido inevitável.

Contudo, a possibilidade de fundamentar um crédito regular existia e a Inglaterra exemplificava-o. Os papéis eram aceites e transacionados entre particulares porque se acreditava que o seu valor se poderia sempre realizar. Isto explica porque foram várias as dimensões do primeiro empréstimo, incluindo a titularização da dívida corrente acumulada (dívida que era a prova de que a administração não cumpria os pagamentos a seu cargo) e a emissão de apólices para pagamentos, que não geravam receita, mas apenas despesa. Isto a par da emissão de papel-moeda, que produziu efeitos muito negativos. D. Rodrigo de Sousa Coutinho, conhecedor do que acontecia na Europa, foi o inspirador desta orientação (com a exceção da introdução do papel-moeda) e como ministro de D. João, o agente da difusão da política financeira inovadora. Mas os resultados obtidos por determinadas políticas em certos Estados, caso da Grã-Bretanha, não se verificariam noutros. A construção do crédito, além de ser um processo longo, impunha um ambiente económico e político favorável.

Num parecer de 1804, monsenhor Horta, criticava a orientação financeira dos anos anteriores. Ao primeiro empréstimo unira o governo tantos esforços e tantos sacrifícios de interesse e honra e de contabilidade que pusera em muita desconfiança a execução das suas promessas.23 O “excesso” de garantias associadas à operação seria deste modo, paradoxalmente, um fator de agravamento das desconfianças tradicionais. Os capitalistas vê-las-iam como uma forma capciosa de os convencerem. O governo, concluía, teria feito o que se chamava “prodigalizar os motivos de confiança”. Incalculável seria o prejuízo deste arbítrio pelo qual comprara “tão cara a prevenção que quiz inculcar da boa fé deste emprestimo que hé dificultozo dezignar a grandeza do juro que corresponde ao capital recebido”. Deste ponto de vista, a operação de ­credibilização teria tido elevadíssimos custos: se forem tomados em consideração os valores disponíveis obtidos por esta via e o juro pago globalmente pelas apólices resultantes de qualquer uma das várias dimensões, o juro efetivo era exorbitante. Mas este argumento pressupõe que as dívidas correntes reconhecidas e trocadas por apólices não seriam pagas. De outro modo, esta era uma operação de capitalização dessas dívidas e ficava em dúvida a taxa de juro. Tal como assinalava Horta, atribuíra-se um juro de 6% a dívidas que o não impunham (o que seria um outro sinal de um comportamento pródigo). Outra crítica recaía sobre a conjugação de remunerações de graça e pecuniárias sem economizar em nenhuma delas e desvalorizando ambas.

A acusação de Horta à política financeira dos primeiros anos do século XIX era a de ser guiada por um falso “esclarecimento” sobre os assuntos financeiros. Dava relevo às dimensões político-sociais da confiança. No governo despótico era a autoridade o fundamento da tributação e nos constitucionais o fundamento era a confiança. Nestes, sendo sempre a utilidade pública o fundamento das leis, a confiança era a única forma de mobilizar o povo para se dispor a cooperar na sua própria utilidade. A eficácia da confiança seria tão poderosa que transmitia segurança ao crédito do administrador que tributava, confiança ao povo que era tributado e caução aos mutuantes que emprestarem ao Estado os fundos exigidos. Esta construção constitucional da confiança era, pela sua componente política e social, diversa da perspetiva de D. Rodrigo de Sousa Coutinho. Todos estes homens da época estavam fascinados pelo crédito em Inglaterra. Uns anos mais tarde, em 1822, os membros de uma comissão de melhoramento do comércio escreviam: “O maximo de numerario de Inglaterra […] he de 25 milhões de libras esterlinas, e a sua divida sobe a 540 milhões, o que faz exceder vinte vezes o valor do numerario; tanto pode hum capital imaginario todas as vezes que o Credito tem voga” (Memoria, 1822, p. 79). Sobrevalorizavam o papel da representação política, que, no caso inglês, muito longe da limpidez, idealizavam.24 Os caminhos para a construção do “capital imaginário” eram mais complexos.

O autor de um opúsculo publicado em Londres distinguia os papéis que eram “crédito circulante” dos que eram “papel moeda”: os primeiros assentavam na confiança e os segundos na autoridade. Eram deste último tipo, “paper money”, os papéis que, como diz, circulavam na Rússia ou na Áustria da época (Huskisson, 1810). Não é o valor nominal dos papéis que diferencia os dois géneros, é a fonte da sua “autoridade”. O ministro “esclarecido” de D. João não desconhecia esta diferença, mas não bastava promover a ­importação dos ­aspetos formais das experiências de crédito bem sucedidas noutros países para a obtenção de resultados. Os ingleses tinham um século de experiência de papel bancário aceite como convertível em dinheiro metálico. Um sentimento deste tipo não se criava em poucos anos. Para mais, o reconhecimento por titularização da “dívida pública” corrente foi uma medida que pode ter tido o efeito contrário ao que era desejado. A ausência do banco planeado modificou todo o quadro de aplicação, no qual não tinha um papel dispensável. Em todo o caso, a “nova dívida” dos anos 1796 e 1803 foi uma alteração de vulto, algo de pouco frequente na história financeira portuguesa, pela introdução de inovações tributárias que tinham inscrita uma marca de distribuição dos ónus abarcando as classes superiores e que praticamente podiam sustentar regularmente os novos encargos. Contudo, na “nova dívida” de 1796-1803 ressalta a relação privilegiada entre o grupo dos grandes capitalistas, detentores dos contratos régios, nomeadamente o do tabaco, e a administração.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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Recebido a 09-04-2015. Aceite para publicação a 19-01-2016.

 

NOTAS

1 Este artigo apresenta de forma sintética alguns dos resultados de uma investigação que conduziu à redação de uma dissertação de Mestrado em Economia e Sociologia Históricas concluída em 1992 [Costa, 1992a] e defendida em março de 1993. Tendo permanecido quase totalmente inédita [alguns resultados foram publicados – Costa, 1992b], foi e continua a ser citada como trabalho de referência no estudo deste período, caso das sínteses de Lains e Silva, 2005, vol.1, Costa, Miranda e Lains, 2011 ou Cardoso e Lains, 2013.

2 BNP, Reservados, Cod. 805, f. 186. Sobre o pensamento de Sousa Coutinho: Cardoso (1989); Silva (2002-2006).

3 Memorial sobre os insultos dirigidos a D. Rodrigo de Sousa Coutinho pelo duque de Lafões – s.d. – ANTT, ANRJ, 32, f. 183, identificado como “Relação do q. hontem me succedeo com o Duque, e q. necessita providencia”.

4 Sobre a posição do duque no que respeita à guerra em 1800-1801, v. Monteiro e Costa (2006, pp. 93-131).

5 Minuta de carta ao marquês de Ponte de Lima, AHU, Reino, Cx. 2655.

6Sobre a “revolução financeira” britânica: Dickson ( 1967); O’Brien (1988).

7 Costa, 1992a, p. 59.

8Arquivo do Tribunal de Contas [ATC], Cartórios Avulsos [CA], cx. n.º 85, n.º 5, 32; Costa, 1992a, 20-21. A média ilude uma muito ampla variação anual que vai dos 6442,8 contos em 1798 e os 14418,7 em 1801.

9 ATC, Erário Régio [ER], L.º 2163-2166.

10 Uma caixa de desconto, através da associação secreta de dez grandes capitalistas, foi criada para tentar combater, sem êxito, os especuladores: Costa (1992a), pp. 123-129.

11 O espaço disponível não permite detalhar os seus trabalhos. V. Costa (1992a).

12Collecção de contas da commissão interina da Junta do Credito Publico até 10 de Setembro de 1836, Lisboa, 1836.

13Collecção de contas da commissão interina da Junta do Credito Publico até 10 de Setembro de 1836, Lisboa, 1836, mapa AA n.º 10.

14 Arquivo da Junta do Crédito Público [AJCP], L.º 938 [1988-1989].

15 AJCP, Livro n.º 1741 – Registo das entradas efetivas no empréstimo.

16 ATC, CA, Cx. 86, docs. 9 e 9A.

17Arquivo Histórico da Casa da Moeda, L.º 1048, livro de registo geral n.º 11, fls. 214.

18 ATC, ER, 2160-2161; Costa (1992a, pp. 164-178).

19 Os detentores de papéis de dívida por resultado de desconto eram beneficiados pois viam os papéis reconhecidos pelo seu valor nominal, vencendo juro e sendo aceites pela Fazenda régia por esse mesmo valor.

29 Houve também obviamente outras contribuições de instituições e de indivíduos que não eram capitalistas e negociantes. Caso de elementos da hierarquia eclesiástica. A hierarquia política está ausente, com exceção da princesa Carlota Joaquina que entrega 2 400 000 réis.

21 ATC, CA, Cx. 70, carta de Manuel da Costa Ferreira para D. Rodrigo de Sousa Coutinho em 6 de fevereiro de 1801.

22 AJCP, L.º 1992 – registo da entrada da décima das comendas.

23 BNP, Reservados, Mss. cx. 72, n.º4, doc. n.º 3.

24 Alguns autores apresentam na época imagens em contraste: Zimmerman (1799, p. 27).

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