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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.220 Lisboa set. 2016

 

RECENSÃO

LINZ, Juan

Autoritarismo e Democracia,

Lisboa, Livros Horizonte, 2015, 304 pp.

ISBN 9789722418010

 

Carlos Gaspar*

*Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa, Rua de D. Estefânia, 195, 5.º Dt.º — 1000-155, Lisboa, Portugal. e-mail: c.gaspar@ipri.pt

 

É um feito notável reunir num único volume um conjunto de ensaios que tornam possível uma iniciação à vasta obra de Juan Linz, cuja investigação constitui um marco incontornável na ciência política moderna: foi o que conseguiu fazer Pedro Tavares de Almeida, responsável pela publicação de Autoritarismo e Democracia, a primeira coleção portuguesa de textos de Linz, enquadrada por um prefácio erudito de António Costa Pinto.

Juan Linz, Professor de sociologia e de ciência política em Columbia e em Yale, teve uma vida tão interessante como a sua obra e que determinou, frequentemente, as escolhas dos seus temas de investigação. Nasceu em Bona, em 1936, numa família católica, filho de pai alemão e de mãe espanhola, que o educou sozinha depois da morte acidental do marido. Em 1932, partem para Madrid mas, quatro anos depois, apanhados pela guerra civil, regressam à Alemanha, onde vivem a experiência da repressão nazi. Depressa voltam a Espanha e, em 1937, instalam-se em Salamanca, a capital de Franco, onde Juan Linz milita na juventude na Falange Espanhola das JONS. No fim da guerra, recomeça os seus estudos, matricula-se na Faculdade de Direito e na Faculdade de Ciências Políticas e Económicas da Universidade Complutense e forma-se em Direito. Em 1948, Francisco Conde, catedrático de Direito Político, convida-o para integrar o novo Instituto de Estudios Politicos e ajuda-o a obter uma bolsa do Ministério dos Negócios Estrangeiros para completar os seus estudos nos Estados Unidos. Em 1950, Linz vai para a New School of Social Research, ao mesmo tempo que é aceite no Departamento de Sociologia da Universidade de Columbia, onde faz o seu doutoramento com Seymour Martin Lipset.

É o início de uma nova fase: o cavalheiro espanhol que se tornou num intelectual europeu vai passar a ser um cientista político norte-americano. Linz pertence a uma nova geração brilhante de investigadores de filiação weberiana que vai marcar a ciência política moderna e que inclui, além de Lipset, Samuel Huntington, Reinhard Bendix, Shmuel Eisenstadt, David Apter, Joseph LaPalombara, Gabriel Almond, Stein Rokkan e Giovanni Sartori.

Os temas de investigação de Linz evoluem gradualmente. Os primeiros trabalhos são estudos de sociologia política, incluindo a sua tese, The Social Bases of Political Diversity in Western Democracies. No mesmo registo, nos anos seguintes, vai analisar as elites e os grupos de interesses na Espanha. Em 1964, a publicação de “An Authoritarian Regime: the Case of Spain” marca a viragem para a ciência política, com o primeiro enunciado da sua teoria dos regimes, cuja segunda versão – “Totalitarian and Authoritarian Regimes” – publicada em 1975 no Handbook of Political Science, editado por Fred Greenstein e Nelson Polsby, se vai tornar uma referência obrigatória. Em 1978, publica, com Alfred Stepan, The Breakdown of Democratic Regimes, onde inicia os estudos sobre a democracia, que dominam as suas investigações nos 30 anos seguintes.

A coletânea portuguesa reúne ensaios políticos relevantes, começando com o texto crucial e pouco conhecido de 1964 – “Um regime autoritário – o caso da Espanha”. Os restantes, publicados nos anos 1990, são versões atualizadas dos seus temas fundamentais: “A crise das democracias” retoma a linha do Breakdown of Democratic Regimes; “Transições à democracia” e “A consolidação democrática” tratam dos novos regimes; “Presidencialismo ou parlamentarismo: faz alguma diferença ?” – elabora sobre as condições institucionais da estabilidade democrática; “Regimes políticos e direitos humanos: uma perspetiva histórica e comparada” – regressa a um tema crucial da classificação dos regimes, nomeadamente a questão complexa do terror totalitário. A escolha é notável e resume a problemática dos estudos políticos de Linz, as traduções são rigorosas e, por vezes, de grande qualidade.

A sua principal contribuição para a ciência política é a tipologia dos regimes, que parte da experiência espanhola. Linz critica o modelo de análise que definia um continuum entre dois polos – o polo democrático e o polo totalitário – e no qual se deviam encaixar, tant bien que mal, todos os sistemas políticos. Pelo contrário, Linz considera indispensável separar três tipos de regimes – totalitários, autoritários e democráticos – e reconhecer que os regimes autoritários não podem ser vistos ou como totalitarismos falhados, ou como regimes modernizadores cujo desenvolvimento antecipa a democratização. A sua classificação, que se torna uma referência consensual na ciência política, está expressa no texto original de 1964, onde se definem os regimes autoritários como um tipo autónomo: ao contrário das democracias, nos regimes autoritários existe apenas um “pluralismo limitado”; ao contrário das democracias e dos totalitarismos, os regimes autoritários temem a participação e a mobilização política; ao contrário dos totalitarismos, os regimes autoritários não têm uma “ideologia elaborada” da qual depende a sua legitimidade.

Nos ensaios posteriores de 1975 e de 2000, Linz alarga e completa o modelo original. Desde logo, faz uma distinção entre regimes tradicionais, ou “sultanísticos”, e os regimes modernos e insiste na diferenciação entre ditadura e autoritarismo. Por outro lado, elabora uma classificação dos regimes autoritários para distinguir entre os regimes burocráticos-militares (pretorianos), o “estatismo orgânico” (corporativistas), os pós-democráticos mobilizacionais (fascistas) e os pós-totalitários, incluindo os autoritarismos pós-comunistas. Por fim, reconhece a importância crucial da ideologia como a forma de legitimação das “ideocracias”: a rotinização ideológica é o fator crucial de mudança nos regimes totalitários e, com o fim do comunismo, “o curso do totalitarismo fechou o círculo, desde o impulso inicial ideológico-utópico até à perda de legitimidade ideológica”.

Em 1975, Linz é pessimista sobre a possibilidade de um futuro democrático e sobre a mudança dos regimes comunistas: as suas investigações passam a concentrar-se nos estudos sobre a democracia, que começam sob o signo das transições pós-democráticas, nomeadamente as crises paralelas da República espanhola e da República de Weimar. Porém, as mudanças em Portugal e na Espanha impõem a continuação das suas investigações sob o signo da consolidação democrática pós-autoritária e, depois do fim da Guerra Fria, pós-totalitária.

No ensaio sobre “A crise das democracias”, Linz enquadra a queda dos regimes democráticos nos anos trinta como uma “crise de legitimidade que tinha raízes ideológicas mas também era o resultado da evolução histórica, da I Guerra Mundial e do seu impacto sobre o sistema político europeu”: a vaga anti-democrática no período entre as duas guerras é um “parentesis histórico” que interrompe “o processo de transformação política e social iniciado no século XIX”. A retoma desse processo abre caminho às transições pós-autoritárias, cujo caso paradigmático é a “ruptura pactada” na Espanha pós-franquista, um modelo seguido tanto na América Latina, como nas transições pós-comunistas na Polónia e na ­Hungria. As condições de sucesso estão bem ­identificadas: primeiro, o compromisso de realizar eleições; segundo, a qualidade e a racionalidade dos responsáveis políticos; terceiro, a continuidade do Estado que deve manter intacto o monopólio da violência; quarto, uma conjuntura internacional positiva.

A questão seguinte é como consolidar as transições democráticas. Não há consenso sobre os critérios que possam decretar a consolidação da democracia e a prudência recomenda uma “concepção minimalista”, que exige apenas uma situação em que “nenhum dos atores políticos considera haver alternativa aos processos democráticos de chegar ao poder e nenhuma instituição tem direito a vetar a acção dos governantes democraticamente eleitos”. O tema parece inesgotável, talvez por não ser possível declarar definitivamente consolidado nenhum regime político, mesmo no caso das democracias.

De certa maneira, é mais interessante estudar a qualidade das democracias e as condições da sua estabilidade. Neste registo, a bête noire de Linz são os regimes presidenciais, ou presidencialistas, nomeadamente os regimes sul-americanos, que tentam imitar o modelo da República norte-americana com resultados desastrosos - a sua descrição dos malefícios do presidencialismo é uma antecipação vertiginosa da última crise brasileira.

O tema está esboçado no ensaio original sobre a queda das democracias: a combinação dramática entre a concentração do poder presidencial, que pode unir a oposição parlamentar contra o Chefe do Estado e bloquear o sistema político, e a rigidez da duração do mandato presidencial, que impede a resolução das crises de sucessão, faz com que nos regimes presidenciais “quase por definição, as crises de governo se tornem crises de regime”. Não é evidente nem que a concentração de poder presidencial estimule a paralisia do sistema, nem que os procedimentos sucessórios não possam funcionar – funcionaram bem nos Estados Unidos, mesmo se têm funcionado mal no Brasil. Mas, mais importante, é fazer, como Manuel de Lucena, a distinção entre regimes presidenciais – o sistema constitucional único dos Estados Unidos, assente na separação de poderes entre o Presidente e o Congresso – e regimes presidencialistas, como na V República francesa, onde o chefe do Estado não tem os poderes formais do presidente norte-americano, mas tem mais poderes efetivos, quando a Assembleia Nacional é dominada pela maioria presidencial.

Nos últimos anos, o otimismo de Linz era temperado por uma preocupação com o regresso dos nacionalismos e, também, com a necessidade de melhorar a qualidade institucional das democracias. Os responsáveis políticos, os “engenheiros políticos” e os cientistas políticos podem responder tanto melhor aos problemas dos regimes democráticos, novos e velhos, mais ou menos consolidados, se conhecerem bem o legado de Juan Linz.

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