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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.220 Lisboa set. 2016

 

RECENSÃO

MARCHI, Riccardo (coord.)

As Direitas na Democracia Portuguesa. Origens, Percursos, Mudanças e Novos Desafios,

Alfragide, Texto Editores, 2016, 424 pp.

ISBN 9789724750361

 

Joaquim Dias*

*Universidade Nova de Lisboa, FCSH, Departamento de Estudos Políticos, Av. de Berna, 26-C — 1069-061 Lisboa, Portugal. E-mail: jjdias@netcabo.pt

 

Como obra que analisa as direitas na democracia portuguesa, este livro organizado por Riccardo Marchi oferece-nos uma imagem variada e bem definida acerca das suas origens, percursos e novos desafios. Definida em 11 ensaios da responsabilidade de autores em diferentes áreas científicas e abordagens metodológicas, esta obra apresenta várias perspetivas sobre a direita na democracia em Portugal. Faremos um breve resumo da obra por capítulos e uma sugestão final.

Comecemos pelo primeiro. Depois de Abril de 1974, a ascensão da direita em Portugal é relatada como um fenómeno com características híbridas, ou seja, que encontrou mecanismos para se distanciar do imaginário autoritário do regime do Estado Novo. Uma “nova direita” identificada com valores pós-modernos e que combinava a tradição com a modernidade, recuperando por um lado a simbologia associada ao estatuto de prestígio das classes altas com passado histórico, com primazia para o legado da nobreza que rejeitava o conceito de “novo-riquismo”, enquanto por outro lado se identificava com o ideário neoliberal e com o crescimento económico que esteve muito em voga nos anos 80. Estamos no período de Ronald Reagan e de Margaret Thatcher e do aparecimento de uma nova classe alta embalada pelo setor financeiro, de que faziam parte os famosos, mas já esquecidos, yuppies. Em parte, a emergência desta marca ideológica – por mais efémera que possa parecer – contribuiu também para despolitizar a memória do passado, e recuperar e enriquecer a história do Estado Novo.

No segundo capítulo, a perspetiva comparada da opinião pública de direita antes e depois da crise de 2008 revela acima de tudo a persistência da baixa polarização política da opinião pública portuguesa e o impacto residual da crise de 2008 nesta matéria. Seria desejável, em abono da qualidade da democracia em Portugal, que a sociedade civil fosse mais politizada. Por que é que uma transição para a democracia com um traço tão revolucionário atingiu um estado de consolidação com estas características? Reflexos da despolitização de quase 40 anos de autoritarismo? Como curiosidade, podemos perceber que a chamada de temas fraturantes para a agenda política, como foi o exemplo do caso do casamento homossexual, contribuiu para administrar o antagonismo entre direita e esquerda e ajudou a construir pontes na gestão do conflito social.

No capítulo seguinte, a análise dos programas e manifestos eleitorais e de governo do PPD/PSD e CDS/PP ao longo da democracia portuguesa revela o cuidado com que ambos se aproximaram ideologicamente mais à direita ao longo do período. Cuidado, sobretudo devido à tensão entre compatibilidade e diferenciação política e ideológica entre ambos. Decerto que o percurso teve em consideração diversas condicionantes como os resultados eleitorais, mudança de líderes, coligações possíveis e a adesão à CEE em 1986. No entanto, como vimos no capítulo anterior (e de certa forma também está plasmado no capítulo V), o PPD/PSD apresenta-se como um partido muito mais estruturante na sociedade portuguesa, ou seja, com maior apoio do eleitorado – e menos dependente de outros partidos para formar governo – do que o CDS/PP, o que torna este último dependente do primeiro em muitas daquelas condicionantes. Ver-se-á isso melhor no capítulo VI.

No quarto capítulo, a caracterização filosófica da dicotomia entre direita e esquerda segundo a sua origem e percurso na história da modernidade conduzem-nos a um resultado presente que prima pela ausência de ideologia, ou antes, a ideologia da desconstrução. É desse modo caracterizada a hegemonia da esquerda no seu trajeto contra-hegemónico que transformou as sociedades em puros reflexos de uma cidadania sanificada, em contraposição a uma classe política – a que a política decerto passa a pertencer em exclusividade – infecta, o que reduz o campo do político a uma espécie de patogenia.

Em seguida assinala-se o nascimento do PSD num contexto em que o tabuleiro político estava inclinado para a esquerda e definem-se as suas cinco principais dimensões genéticas: (1) defesa da autonomia e da independência da sociedade civil face ao Estado (economia mista e pluralista, mas não Estado mínimo); (2) pragmatismo acima da ideologia; (3) populismo em vez de elitismo; (4) defesa dos interesses nacionais e dos portugueses; (5) reformismo gradualista. Defende-se que a liderança de Pedro Passos Coelho e a sua governação, considerando o resgate português pelas instituições internacionais (troika) como uma oportunidade, alterou a última dimensão genética do PSD, com a tentativa de promover uma revolução de costumes e mentalidades na sociedade portuguesa, algo que é visto mais numa perspetiva revolucionária do que reformista.

No sexto capítulo, destaca-se o per­curso do CDS em relação ao discurso político em busca de variação empírica relacionada com o desempenho eleitoral, mudança de líderes (em estreita relação com a primeira) e ligação com o PSD. O facto de uma perspetiva temporal permitir chegar à conclusão de que os partidos políticos em Portugal se vão tornando menos voláteis no discurso político à medida que decorre o tempo democrático torna mais evidente a dificuldade estratégica com que o CDS se deparou para se institucionalizar ideologicamente. Aparentemente, apenas a adoção de uma tática de “parceria condicionada” com o PSD desde 1991 justificou uma acentuada redução na volatilidade do discurso político do CDS.

No sétimo capítulo, Riccardo­ ­Marchi analisa os movimentos de extrema-direita no regime democrático em Portugal desenvolvendo as dimensões organizativa, eleitoral e programática ao longo do período. Condicionados pela definição do sistema político e partidário nos primeiros anos da democracia, que excluía qualquer ideologia de extrema-direita, a evolução destes partidos (ou movimentos) ao longo do tempo nunca permitiu capitalizar o seu potencial anti sistémico em votos, pelo que as suas propostas programáticas se têm deslocado para o protesto contra a falta de resposta do sistema político em relação aos novos problemas da sociedade.

Protagonista de um dos maiores projetos de mudança institucional e ideológica do CDS e líder deste partido na época, Manuel Monteiro desenvolve ao longo do oitavo capítulo os aspetos doutrinais na origem da proposta de identificar claramente esta organização partidária com a direita, distanciando-o do centro do espectro político. Este capítulo revela uma interessante contradição entre a proposta ideológica de um líder partidário e a narrativa apresentada no capítulo VI acerca da importância das lideranças no CDS no período democrático português e constitui decerto uma lição importante para os estudantes e investigadores em Ciência Política. Em muitos casos, as intenções e propostas dos líderes não conseguem ultrapassar os obstáculos que as contingências relacionadas com os resultados eleitorais, e as táticas e estratégias para os alcançar, lhes impõem. A sua sobrevivência política, quando não a do próprio partido, deve sugerir cautela ao investigador na abordagem utilizada na análise da política partidária.

Utilizando uma tipologia que integra as categorias de conservadora, patrimonialista e liberal para definir as direitas e o Estado face ao mercado, o autor do capítulo nono conclui que as direitas na democracia portuguesa foram condicionadas desde o ponto de partida do regime nas suas versões conservadora e liberal. A primeira porque se identificava com o regime anterior, e a segunda pelo acentuado desequilíbrio à esquerda no período da transição. Como o projeto democrático se consolidou tendo em vista uma aproximação à Europa e com a entrada de Portugal na CEE, criaram-se oportunidades para derivas patrimonialistas com o crescimento do estado social e dos fundos europeus. A presença de Portugal numa organização internacional com um modelo de integração regional tão aprofundado em que predomina a defesa da economia neoliberal ajudou certamente a modificar a forma como as direitas e o Estado se vêm relacionando com o mercado.

Na décima parte desta obra, o cruzamento do binómio direita-esquerda com o fenómeno religioso em Portugal desde as revoluções liberais no século XIX contribui para explicar certas origens da nossa cultura política. Luís Salgado de Matos mostra-nos a importância e os benefícios da criatividade num texto de caráter científico, e alerta-nos para a complexidade contextual dos símbolos e dos valores na definição dos eixos ideológicos ao longo do tempo histórico. Este é um dos capítulos que melhor justifica o cuidado existente em optar por designar o termo “direitas” no plural para o título deste livro.

No capítulo final desta obra desenvolve-se o tema da crise e da reação dos sistemas políticos democráticos. Terãoa direita e a esquerda, como eixo principalda ideologia dos sistemas políticos contemporâneos, argumentos para ultrapassar a crise? Para Joaquim de Aguiar, a crise que enfrentamos está longe de ser mais uma crise, mas sim a grande crise. É apresentada quase como a crise final dos sistemas políticos do mundo ocidental cujo início remonta ao fim da guerra fria. O argumento é que os atores políticos, económicos e sociais não conseguem identificar o caráter sistémico da crise, confundindo a situação com uma sucessão de crises capazes de serem ultrapassadas com medidas provenientes do interior do sistema. O resultado é a formação de um bloqueio entre direita e esquerda, que atuam numa relação meramente reflexiva, incapazes de projetar soluções cuja amplitude permita ultrapassar a crise sistémica em que estão envolvidas.

Como conclusão, sugerimos uma análise comparada que defina o papel das direitas nos sistemas políticos, tendo como ponto de partida o tipo de transição para a democracia. Com efeito, diversos autores que nesta obra deram o seu contributo referem que as características que definem a direita portuguesa foram fortemente condicionadas pelo ambiente vivido na transição revolucionária durante o período do PREC. Seria decerto interessante comparar as direitas dos países da Europa do Sul – particularmente de Portugal, Espanha e Grécia – e relacionar as suas características (e as do próprio sistema político) com o processo de transição para a democracia.1 Na literatura científica sobre a democratização falta aprofundar a relação entre os tipos de transição, a forma como o regime se consolida e desenvolve, e a qualidade da democracia. No entanto, alguns autores desenvolveram o tema para os casos de Portugal e Espanha2, faltando a sua aplicação em profundidade para outros processos de democratização dentro da terceira vaga e também para outros momentos históricos.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BERMEO, N. (2000), A Teoria da Democracia e as Realidades da Europa do Sul.Algés,Difel.         [ Links ]

FERNANDES, T. (2014), “Patterns of civil society after authoritarianism. A comparison of Portugal and Spain, 1970s-2000s”. CES Papers – Open Forum, Center for European Studies at Harvard University.         [ Links ]

FISHMAN, R. (2011), “Democratic practice after the Revolution: the case of Portugal and beyond”. World Politics, 39 (2), pp. 233-267.         [ Links ]

 

NOTAS

1 Para uma discussão interessante sobre este tema e apenas para Portugal e ­Espanha em perspetiva comparada consultar ­BERMEO (2000), A Teoria da Democracia e as Realidades da Europa do Sul, Algés, Difel, pp. 140- -68.

2 V., por exemplo, os casos de FERNANDES (2014) ou de FISHMAN (2011).

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