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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.222 Lisboa mar. 2017

 

ARTIGO

Saúde pública nas Constituintes (1821-1822): ruturas e continuidades1

Public health in the Constituent Assembly (1821–22): continuity and change.

 

Laurinda Abreu*

* Departamento de História, Universidade de Évora, Largo dos Colegiais 2 — 7000 Évora, Portugal. E-mail: lfsa@uevora.pt

 

RESUMO

Assinada em 23 de setembro de 1822, a Constituição da Nação Portuguesa determinava que a “conservação, fundação e aumento” das instituições assistenciais ficaria sob responsabilidade das Cortes e do Governo, com exceção das tuteladas pelas câmaras, entidades a quem competiria promover a saúde pública. A formulação do texto da Constituição assinalava o fracasso da Comissão de Saúde Pública, que não conseguia ver aprovadas as suas ideias reformistas, mormente a do controlo municipal da assistência e da saúde. Para trás ficava mais de ano e meio de debates e um considerável número de petições, discutidas nas Cortes ou apenas analisadas pela Comissão. É sobre este universo que se debruça o presente texto, que se propõe questionar as ideias apresentadas como revolucionárias pelos liberais no âmbito da saúde pública à luz das experiências vividas nas décadas anteriores.

Palavras-chave:saúde pública; Cortes Constituintes; Comissão de Saúde Pública; Pina Manique.

 

ABSTRACT

 

Signed on 23rd September 1822, the Constitution of the Portuguese Nation stated that the Cortes (Constituent Assembly) and the government would be responsible for the “preservation, establishment and increase” of welfare institutions, with the exception of those controlled by the local councils, which would be responsible for the area of public health. The wording of the Constitution indicated the failure of the Public Health Commission, which had been unable to obtain approval for its reformist ideas, in particular municipal control of welfare and health. This was the outcome of more than a year and a half of debates and numerous petitions discussed in Parliament or simply analyzed by the commission. The aim of this study is to examine this field and question the ideas presented by the liberals as revolutionary in the public health sphere in light of the experiences of previous decades

Keywords: public health; Constituent Assembly (1821-22); Public Health Commission; Pina Manique.

 

O PESO DA TRADIÇÃO: ENQUADRAMENTO INSTITUCIONAL

 

Criadas, pela revolução de 1820, as condições para o exercício do direito de petição 2, o país mobilizou-se para enviar os seus protestos e reivindicações às Cortes Constituintes. Nas palavras de Luís António Marques Prezado de Lacerda, médico do partido de Silves, os portugueses, que antes “devoravam em segredo seus desgostos, nem ousavam levantar, para queixar-se, a voz àqueles que os governavam porque sempre os achavam surdos a seus rogos” (Oliveira, 1992, p. 56), demonstravam grandes esperanças na rápida resolução dos seus assuntos e até mesmo na capacidade de influenciar o novo quadro legal e normativo em preparação.

Através de uma figura de estilo com forte carga simbólica, Luís de Lacerda afirmava a Revolução Liberal como o começo de um tempo novo, omitindo, para além da informação que as memórias da Academia Real das Ciências de Lisboa iam divulgando, que pouco antes, entre 1813 e 1817 (Crespo, 1990, pp. 22-75), médicos e cirurgiões haviam produzido mais de 1600 relações (“contas”), no âmbito da portaria de 24 de outubro de 1812, muitas delas publicadas no Jornal de Coimbra, onde constavam “desgostos” e “rogos” idênticos aos que ele agora enunciava.3 Ao fazê-lo, o médico enfatizava o domínio do sistema há muito instalado e, pelo menos num ponto, tinha razão: tal como estavam configuradas, as estruturas assistenciais e de saúde remontavam já ao século XVI, a maioria desenvolvida a partir de processos iniciados anteriormente. Assim acontecia com os hospitais, as misericórdias 4, a Provedoria da Saúde (a quem competia a vigilância sanitária, o controlo dos lazaretos e quarentenas) e com as entidades do físico-mor (regimento de 1515, reformado em 1521) e do cirurgião-mor (regimento mais tardio mas com competências delineadas na mesma altura), o primeiro vigiando a composição e preços de venda dos medicamentos, e ambos a regulação da atividade dos empíricos, incluindo os exames de habilitação para o exercício das diferentes profissões de saúde. Iniciado em 1568 e expandido no início do século seguinte, o financiamento de bolsas de estudo pelos municípios para formar médicos e boticários na Universidade de Coimbra, ou sob a sua responsabilidade no caso dos boticários – mecanismo que ficou conhecido pelo nome do local que guardava as referidas verbas, a Arca dos médicos e dos boticários –, profissionais depois recrutados pelos concelhos para servirem gratuitamente os pobres, concluía as ofertas nas áreas da assistência e da saúde, que tinham levado cerca de um século a organizar, e que se mantinham sem alterações substantivas em 1821.5

Num mercado altamente concorrencial6, rapidamente o campo foi tomado pelos interesses dos diferentes agentes que nele atuavam, entre todos o físico-mor e a universidade, que mostravam saber resistir a qualquer tentativa de limitação de poderes e privilégios. No início do século XVIII, o sistema estava já exangue, num país onde apenas existia um hospital de referência, o Hospital de Todos os Santos (Lisboa), com as misericórdias descapitalizadas em resultado de más gestões administrativas e depreciação de rendimentos, as instituições de controlo sanitário desatualizadas, e um curso de medicina exclusivamente teórico, que se ressentia da fuga de elites médicas à perseguição religiosa e política. Do exterior, médicos como Luís António Verney ou António Ribeiro Sanches alertavam para o atraso nacional nos múltiplos sectores que integravam a saúde pública, dando a conhecer a corrente neo-hipocrática, que ­mostrava a relação entre a doença e as circunstâncias ambientais (Bourdelais, 2001, p. 11), e apelando à elaboração de novos projetos de legislação sanitária em harmonia com o avanço do conhecimento médico.

Luís de Lacerda não só silenciava estas vozes como as reformas, implementadas ou enunciadas, pela Intendência Geral da Polícia, entre 1780 e 18057, e pela Junta do Protomedicato, entre 1782 e 1809 8, bem como a intervenção da Junta de Saúde Pública, entre 1813 e 1820 (Crespo, 1990, p. 189), esta no contexto da dinâmica gerada no seio da Academia das Ciências, pontualmente em articulação com a Universidade de Coimbra. Nas últimas décadas de Setecentos, o país procurava operacionalizar a ideia de saúde pública em voga em vários países europeus, assente numa conceção de medicina preventiva baseada em princípios racionais e científicos, com carácter utilitário e prático. Para os reformadores sociais, o avanço civilizacional e o desenvolvimento da saúde pública eram movimentos concomitantes (Berge, 1992, pp. 11-12), segundo a lógica rousseauniana (Coleman, 1974, pp. 399-421),9 e para o êxito de ambos era essencial a intervenção do Estado.10

A mudança iniciou-se, de facto, nos primeiros meses de 1780, quando o novo Intendente Geral da Polícia, Diogo Inácio de Pina Manique, pôs em marcha um vasto processo de reformas sanitárias, ao mesmo tempo que tentava redesenhar o mapa assistencial do país a partir da disseminação do exemplo da Casa Pia de Lisboa, onde o apoio era concedido a troco de formação profissional ou reconversão de comportamentos. Combinando princípios da França pré-revolucionária com algumas das suas propostas sociais implementadas depois de 1789 e os ideais subjacentes ao conceito germânico de polícia médica – segundo o qual “a segurança interna do Estado era objeto da ciência geral da polícia e que uma parte considerável dessa ciência implicava a aplicação de determinados princípios a favor da saúde das populações” (Tribe, 2010, pp. 101-102) –, aprofundado por Johann Peter Frank 11, Pina Manique concretizou várias ideias defendidas por iluministas e higienistas, algumas delas ­remontando a Ribeiro Sanches, contando para isso com a ajuda do seu sobrinho-neto, Manuel Henriques de Paiva.12 Dentre outras realizações da Intendência Geral da Polícia, destaca-se a organização do primeiro cordão sanitário militar terrestre em Portugal, em 1804, desenhado no seio da Junta de Inspecção sobre as Providencias para a Peste, também de 1804, embrião da Junta de Saúde Pública fundada em 1813.13

Simultaneamente, o Protomedicato14tentava pôr alguma ordem no mundo dos empíricos, obrigando-os a renovar as suas licenças e a submeter-se a exames, procedimento continuado depois de 1809, quando o físico-mor e o cirurgião-mor retomaram a sua autonomia após a extinção do organismo que tinham integrado. A defesa e a promoção da saúde das populações eram igualmente tópicos centrais do programa científico da Academia Real das Ciências, onde se reuniam diversas personalidades culturais, profundamente envolvidas na produção e divulgação de conhecimento que pudesse ser posto ao serviço do desenvolvimento do país.15

Já nada restaria destas medidas em 1820? Seria generalizado o sentimento de estagnação expresso por Luís António Marques Prezado de Lacerda? Iria a Assembleia Constituinte preencher as expectativas reformadoras geradas pela Revolução Liberal? Que reformas eram reclamadas pelo país em termos de saúde pública?

 

NO PLENÁRIO E NAS COMISSÕES DE SAÚDE PÚBLICA: ATORES E QUESTÕES

 

Reunidas pela primeira vez em 24 de janeiro de 1821, as Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa começaram os trabalhos parlamentares ordinários no início de fevereiro, constituindo, logo no dia 8, as primeiras comissões especializadas, entre elas a de Saúde Pública, a mais pequena de todas. Como explica Benedicta Maria Duque Vieira (1993, p. 4), as comissões permanentes parlamentares eram órgãos técnicos de apoio ao plenário, escolhidos pelos deputados. A Comissão de Saúde Pública era composta por quatro médicos (Francisco Soares Franco; João Alexandrino de Sousa Queiroga; João Vicente da Silva; Henrique Xavier Baeta; e um magistrado, Luís António Rebelo da Silva), vindo a ser presidida por Soares Franco, o menos votado dos cinco elementos.16 Em 22 de dezembro de 1821, com a chegada dos deputados do Ultramar, a Comissão alarga-se e integra Cipriano José Barata de Almeida, José Lino Coutinho e Custódio Gonçalves Ledo.17 Na segunda legislatura, a nova comissão, eleita a 3 de dezembro de 1822, seria reduzida a três elementos, dois deles estreantes – os médicos José Inácio Pereira Derramado e Custódio Gonçalves Ledo –, mantendo-se Soares Franco na presidência.18 Foi a estes homens que, no primeiro liberalismo, coube a responsabilidade de alterarem o quadro nacional das políticas de saúde pública.

A 24 de fevereiro de 1821 a Comissão de Saúde Pública recebia do Parlamento os primeiros documentos para análise: um ofício do ministro secretário de Estado dos Negócios da Marinha, que remetia uma consulta da Repartição de Saúde Pública e dois livros sobre o seu melhoramento, e uma memória de José Lopes Matos sobre o mesmo assunto.19 A partir de então, a comissão ver-se-ia confrontada com uma torrente de documentação 20, que rapidamente revelaria a complexidade do trabalho que iria enfrentar. O facto de, em conformidade com as tendências europeias, a Comissão de Saúde Pública também integrar os assuntos ligados à assistência – o que revela uma muito alargada noção de saúde pública, como bem explicita Luísa Tiago de Oliveira 21 – dava uma dimensão gigantesca à tarefa, que, como a de outras comissões, comportava decisões políticas com importantes impactos económicos.

É este universo que se tentará acompanhar de seguida, procurando, através dele, conhecer um pouco melhor como Portugal fez a transição do Antigo Regime para o liberalismo. Dada a diversidade dos objetos tratados, optou-se por uma divisão de conteúdos, separando as queixas e as petições das reformas propostas. O principal núcleo documental utilizado é constituído pelos debates parlamentares que versaram questões de assistência e saúde no triénio de 1821-1823, complementado com vários dos textos transcritos por Luísa Tiago de Oliveira em A Saúde Pública no Vintismo, isto é, a documentação atribuída à Comissão de Saúde Pública, no mesmo período, custodiada no Arquivo Histórico Parlamentar da Assembleia da República.22

 

PROBLEMAS ANTIGOS, NUM NOVO CONTEXTO POLÍTICO: AS QUEIXAS DAS POPULAÇÕES

 

O que de imediato sobressai das petições enviadas ao Parlamento, não obstante as especificidades inerentes às diferentes temáticas, é a antiguidade dos problemas reportados. Assim acontecia com a rivalidade profissional que há séculos opunha médicos a cirurgiões e ambos aos seus inferiores hierárquicos, sobretudo, no último caso, aos que se faziam passar por cirurgiões sem terem realizado exames nem adquirido licenças para o exercício da função (Abreu, 2013, pp. 318-331). Duas petições podem resumir todas as outras: a “memória reformatória” endereçada por um autodenominado “cirurgião filantrópico”, António José Teixeira (Oliveira, 1992, pp. 124-138), e a “opinião de reforma da clínica médica e cirúrgica”, assinada pelo médico Manuel Joaquim Moreira23: o primeiro acusava os seus concorrentes, muitos deles trabalhadores rurais analfabetos, de usarem a lanceta com a mesma precisão com que manobravam o arado, tratando doentes e animais pelos mesmos métodos; o segundo denunciava a intolerável intromissão dos cirurgiões na prática médica. Cirurgião e médico queixavam-se da falta de apoio do Estado, que não valorizava a respetiva profissão, mas enquanto o último encontrava aí a justificação para a escassez de médicos, e consequente domínio dos cirurgiões, o cirurgião culpava o governo central por entregar os tão requisitados partidos camarários a quem mais pagasse pelas cartas profissionais, com frequência parentes, amigos e vizinhos dos examinadores, nomeados pelo cirurgião-mor.

Já as memórias de índole sanitária e higienista evidenciam, entre outros problemas, o fardo suportado por populações como as de S. Julião do Tojal, Benavente e Coruche, ano após ano sujeitas ao descontrolo das inundações dos rios e às “agoas putridas (…), cujos miasmas pestiferos derramão as doenças, e a morte”24, perante a indiferença das autoridades (Abreu, 2013, p. 303). Benavente e Coruche estariam mesmo em risco de desaparecer em menos de 60 anos, informavam, se não houvesse uma intervenção rápida do Governo; também os habitantes de Alcântara já haviam perdido a conta às vezes que se tinham queixado dos fornos de cal.25 Velhos eram também os problemas sanitários dos centros urbanos, mormente os de Coimbra e Lisboa, cujas ruas tinham um “nojento aspecto e cheiro”, onde tudo “fermenta e se apodrece mais ou menos conforme a sua natureza e tempo que ali estiverem”, arruinando a saúde dos mais pobres, não dos fidalgos, que residiam em casas de campo com jardins.26

Na documentação relativa à assistência, encontram-se quatro tópicos predominantes: mendigos, expostos, misericórdias e hospitais; menos representadas, mas com informação importante, as prisões. Relativamente às instituições, sobressai um conjunto alargado de queixas contra as suas administrações, salientando-se as do Hospital de S. José e do Hospital da Luz, em Lisboa, e as dos hospitais de Sintra, Guarda, Elvas27 Penela (Oliveira, 1992, pp. 196-197) e hospital e Misericórdia de Montemor-o-Novo.28 Também as Santas Casas do Porto, Leiria, Braga, Estremoz, Lamego, Lousã, Pereira, Celorico da Beira, Abrantes e Faro29 foram alvo de acusações variadas, quase sempre relacionadas com a gestão patrimonial. Sobre os cuidados prestados aos doentes, apenas se fizeram ouvir, e de forma bastante ruidosa, os internados no Hospital de S. Lázaro, também em Lisboa.30

Entre mendigos e expostos, o domínio absoluto foi dos últimos, ainda que os primeiros continuassem a demandar a sociedade sob os mesmos pressupostos que, nos finais da Idade Média, tinham levado à conceção do perfil de pobre merecedor, em sentimentos que se dividiam entre a compaixão31 e a aversão, esta última expressa, entre outros, pelo médico de Penafiel, António de Almeida32 e pelos 75 lavradores de Santarém, denunciando os jornaleiros por preferirem a mendicidade ao trabalho, a que só recorriam “em algum dia, quando tem maior necessidade”.33

Sob diferentes formas, a questão das crianças abandonadas foi abordada mais de 30 vezes. Tendo entrado no Parlamento por uma memória, organizada em 32 artigos, da autoria do abade de Santa Comba de Fornelos, José de Azevedo Sá Sotomaior e Abreu, remetida à Comissão de Saúde Pública em 26 de fevereiro de 1821 (Oliveira, 1992, pp. 178-181)34, rapidamente o palco foi tomado pelas câmaras municipais, salientando-se, entre todas, as de Braga, Guimarães, Porto, Lisboa, Leiria, Montemor-o-Novo, Portalegre, Estremoz, Castro Marim, Silves e Tavira.35 Como de imediato se verificaria, o fenómeno do abandono convocava uma multiplicidade de sectores e prestava-se a aproveitamentos emocionais, como o do deputado Carlos Honório de Gouveia Durão, que dissertou sobre um Alentejo “habitad(o) por lobos” enquanto os espanhóis continuavam “a comprar expostos portugueses a 800 réis cada um”36, argumento que recuperava os fantasmas já enunciados por Pina ­Manique décadas antes (Abreu, 2013, pp. 239-283). De todas as representações, a mais impressiva foi remetida pela câmara do Porto, não tanto pelo pormenor no historial do processo, que recuava a 1519, quando D. Manuel I lhe entregou os expostos mediante comparticipação financeira dos hospitais da cidade, mas sobretudo pelos 60 contos de réis que dizia gastar anualmente com este serviço assistencial (Oliveira, 1992, pp. 175-178), verba só ultrapassada pela câmara de Lisboa, que, por essa altura, despenderia 70 contos com as crianças abandonadas.37

No conjunto, o país que se apresentava ao Soberano Congresso – na análise da distribuição geográfica da documentação da Comissão de Saúde Pública, Luísa Tiago de Oliveira verificou que a maioria era proveniente da Estremadura (com Lisboa), seguida do Minho, o que poderá refletir, no primeiro caso, a proveniência geográfica da própria comissão (Oliveira, 1992, pp. 10 e 13) – dizia não possuir instituições assistenciais capazes de responder às suas necessidades, nem efetivas regulações em saúde pública ou qualquer outra medida de disciplinamento do sector. Uma característica é comum a todos os documentos: a quase ausência de vestígios das experiências sociais e sanitárias desenvolvidas entre 1780 e 1805 pela Intendência Geral da Polícia, instituição que ainda se encontrava em funções em 1821. Como explicar semelhante omissão, sobretudo no caso das elites que se dirigiam à Constituinte e das que nela tinham assento? Sabendo-se que a elisão do passado faz parte de qualquer processo revolucionário, estar-se-ia em presença de uma consciente decisão ideológica ou de um mero desconhecimento do passado próximo do país?

 

DO PAÍS ÀS CORTES CONSTITUINTES – O DOMÍNIO DO JÁ EXPERIMENTADO

 

A maioria das petições enviadas às Constituintes tinha uma vertente reformista, muitas vezes registada no título do próprio documento, que podia ser circunscrita a um tema específico, e, nessa situação, quase sempre visava a procura de efeitos imediatos, ou configurar reformas estruturais, de longo alcance. Num momento em que se preparava a Constituição, foram muitos os portugueses que procuraram entrar no debate político e influenciar os destinos da nação. Algumas destas petições suscitaram reações dos deputados, que por sua vez também apresentaram propostas autónomas, nomeadamente os membros da Comissão Eclesiástica.38 Algumas das ideias geradas neste movimento, não muitas, encontram-se expressas no Projeto de Regulamento Geral de Saúde Pública apresentado pela respetiva comissão em 13 de outubro de 1821, que pretendia ser o quadro normativo a aplicar a todo o sector; são estes documentos que de seguida se examinarão, procurando-se identificar as soluções alvitradas para resolver problemas sociais e de saúde pública já muito antigos, alguns deles seculares. Refletiriam as inovações que então circulavam pela Europa? Advirta-se que a abordagem privilegiará as ideias em detrimento dos casos particulares39, ainda que estes possam ser invocados para melhor se compreender o que esteve em causa.

 

TANTAS SOLUÇÕES QUANTOS OS PROBLEMAS

 

A análise das propostas reformistas dirigidas às Constituintes mostra que, regra geral, o remetente é autocentrado, uma característica que Benedicta Maria Duque Vieira (1993, pp. 30 e ss.) já tinha assinalado nas petições dirigidas à Comissão da Justiça Civil. Do conjunto de documentos relativos às profissões e às instituições, apenas duas ideias se salientam, não pela inovação, mas por configurarem alterações de fundo: precisamente da parte de António José Teixeira e de Manuel Joaquim Moreira, o cirurgião e o médico atrás mencionados; o primeiro a propugnar pelo ensino público e gratuito da cirurgia em todos os hospitais com capacidade para comportar semelhante serviço, num esquema similar ao defendido pelo Protomedicato em 1804; e o segundo a sugerir o abandono do ensino livresco, substituindo-o por uma formação universitária assente na transmissão do conhecimento adquirido pela prática clínica, repetindo o que Ribeiro Sanches havia escrito na década de 60 do século precedente.40 No restante, os peticionários, quer os dos estratos mais baixos da população – facilmente identificados pelas imperfeições da escrita ou pelas expressões populares usadas, mesmo que às vezes se notem vestígios de um saber letrado, talvez do pároco local –, quer os possuidores de algum grau académico e/ou condição social mais elevada – categoria que, muitas vezes, fazem questão de exibir em textos muito adjetivados, ornados de citações dos clássicos, em latim – apresentam, exceto em raríssimas situações, sugestões que revelam um domínio limitado da informação. Ainda assim, são importantes as tendências que se conseguem alinhar nestas petições. Por exemplo, os documentos relativos a questões profissionais evidenciam uma propensão bastante clara: os detentores de menores recursos sociais e económicos pugnam pela defesa da ordem instituída e propõem maior eficácia nos mecanismos de controlo da sua aplicação, enquanto os mais fortes se empenham na alteração dos quadros dominantes. Duas situações extremas destas vivências colhem-se nos testemunhos das parteiras de Odivelas, solicitando que o cirurgião-mor retomasse a sua “correição”, uma vez que estavam a sofrer a concorrência ­desleal de parteiras não encartadas (Oliveira, 1992, pp. 141-142), enquanto, no lado oposto, os poderosos comerciantes de drogas de Viana do Castelo procuravam a suspensão das visitas do físico-mor, por as considerarem um atentado à sua liberdade pessoal.41

Mais amplas do ponto de vista dos beneficiários e até do conhecimento que transmitem, são as propostas de índole sanitária e assistencial, com projetos elaborados para sistemas de esgotos e recolha do lixo, há muito usados em “todas as cidades limpas e de boa polícia”42, pontuados com outros bastante singelos, como a do soldado que defendia uma melhor gestão da distribuição da água (e dos 3300 aguadeiros que serviam nos 22 chafarizes de Lisboa), e socorro aos fogos (Oliveira, 1992, pp. 147-151).43 Entram também neste núcleo as sugestões de drenagem e secagens de campos e pântanos e de fiscalização dos produtos alimentares deteriorados, como o bacalhau e a manteiga, adquiridos por jornaleiros e “gente pobre que compra os generos por serem mais baratos, sem attenção á sua péssima qualidade”.44

No campo assistencial, a maioria dos planos de combate à mendicidade segue o pendor moralista de um texto da autoria de um “amigo da humanidade muito versado em instituições economicas e de policia”45, com grande grau de probabilidade o comerciante alemão Bento Guilherme Klingelhoefer, disposto a eliminar os vícios portugueses da preguiça e da ociosidade (­Oliveira, 1992, pp. 186-189) através de uma instituição que reproduzia o modelo inicial da Casa Pia (não mencionada) e as orientações ali seguidas desde a sua criação, em 1780. As propostas de fundação de Casas Pias em Évora e ­Coimbra, apresentadas pelo deputado José Ferrão de Mendonça e Sousa em 13 de agosto de 182146, entram, precisamente, nesta linha. Noutro sentido, a questão das crianças abandonadas foi quase em exclusivo abordada na perspetiva do financiamento, concretamente procurando meios alternativos às fintas ou à derrama, que os municípios se recusavam a aplicar devido, afirmavam, ao estado de pobreza das populações. A solução passava, na maioria das vezes, por empréstimos provenientes dos cofres das sisas, como sugeria a câmara do Porto47, embora outras alternativas fossem apresentadas48 Leiria, por exemplo, ­pretendia um tratamento idêntico ao que, em 28 de maio de 1813, havia sido concedido às 13 vilas dos coutos de Alcobaça por um período de 20 anos.49 Foram, justamente, as recomendações sobre expostos aquelas que mais espaço encontraram no Projeto do Regulamento Geral de Saúde Pública.50

 

O PROJETO DO REGULAMENTO GERAL DE SAÚDE PÚBLICA

 

Abrindo com a ambiciosa afirmação de que “é muito mais útil prevenir a desenvolução das moléstias do que passar pelo penoso trabalho de as tratar” (Oliveira, 1992, pp. 65-66), o Projeto do Regulamento Geral de Saúde Pública começava por justificar a necessidade de uma nova Junta de Saúde Pública, um organismo centralizado para substituir todas as entidades que continuavam a atuar no campo – Desembargo do Paço, físico-mor e cirurgião-mor e a Junta que superintendia sobre o porto de Belém – e implementar uma “polícia médica do interior do reino”. Na confrontação com projetos anteriores, reconhece-se o modelo da Junta de 1813, que, por sua vez, tinha raízes na Junta de 1804, como atrás referido, e as competências do Protomedicato (1782-1809), que agora a Comissão de Saúde Pública estendia às instituições assistenciais, e o seu esboço das escolas de cirurgia, de 23 de maio de 1800, ainda que num formato mais restrito. Seguia igualmente de perto, mesmo em relação à formação médica, várias orientações do Tribunal e Colégio de Medicina – o organismo que Ribeiro Sanches havia idealizado (inspirado no modelo inglês) em 1763. No terreno, o Projeto de Regulamento assentava em duas figuras principais: os inspetores de saúde das comarcas e os médicos dos partidos, os primeiros com funções de fiscalização sobre todas as áreas que competiam à saúde pública, os segundos, os verdadeiros agentes de saúde pública, forneceriam aos inspetores as informações necessárias aos seus relatórios. A valorização dos médicos dos partidos era uma das novidades do Projeto de Regulamento; a outra era o controlo municipal da saúde pública, que tinha nas câmaras “as autoridades natas a que se deve confiar a criação dos expostos, o bom serviço dos hospitais e a polícia da saúde”, ainda que “debaixo das vistas do inspector da comarca” (Oliveira, 1992, p. 71). Falhava, no entanto, no planeamento de substruturas municipais, uma das bandeiras do movimento de saúde pública francês que então explodia, o que não seria fácil de executar tendo em conta a reduzida base patrimonial de muitos dos municípios portugueses.

Quanto a medidas concretas, a ênfase voltava a cair nos expostos: 42 artigos, para 17 artigos relativos aos hospitais, 21 para a polícia médica, 14 para os portos, 7 para o lazareto e 5 para o quadro penal. Para além de uma declaração de princípios a remeter para a Revolução Francesa (Lynch, 2003, pp. 171 e ss.) – “os homens [expostos] deverão ser atendidos como filhos da Nação em todos os empregos ou ofícios municipais, que as câmaras proverem” –, a visão da Comissão de Saúde Pública sobre aquele que era o maior flagelo nacional do ponto de vista humanitário é confusa, mais centrada no controlo de situações fraudulentas cometidas pelos pais e pelos funcionários das Rodas do que nas crianças, o que era um notório retrocesso em relação às políticas executadas por Pina Manique desde 1783. A determinação de financiar a assistência aos expostos com rendas das misericórdias e de outras instituições afins expressava um pensamento que em muito extravasava o fenómeno do abandono, perfilando uma orientação clara quanto à relação do Estado com as confrarias, sobretudo com as Santas Casas, cuja reforma e subordinação às câmaras municipais aparece incluída neste mesmo capítulo.

Sobre os hospitais duas ideias sobressaem: por um lado, a intenção de os submeter à tutela municipal, também responsável pela sua fundação nas vilas onde não os houvesse, o que presumia uma capacidade financeira que as câmaras não tinham; por outro, a redução destes espaços a locais para pobres sem família, onde o cuidar se sobrepunha ao curar. É, aliás, em consonância com esta ideia que, no mesmo capítulo, se abre lugar à regulação da assistência aos mendigos, como Luísa Tiago de Oliveira já havia referido.51Na senda das propostas setecentistas de Ribeiro Sanches, optava-se por hospitais de médio porte (sugerindo a divisão do Hospital de São José), limitando o tratamento das doenças crónicas aos de maiores dimensões; todos os hospitais que não possuíssem mais de 100$000 réis de renda deviam ser encerrados, no que também era uma muito direta referência ao autor do Tratado da Conservação da Saúde dos Povos. Maior atenção era concedida ao serviço da saúde dos portos do mar, ilhas atlânticas incluídas, e lazaretos, mas, no essencial, igualmente sem alterações substantivas em relação às estruturas e procedimentos criados entre os séculos XVI e XVIII.

É no sector da polícia médica, que incorporava já a Ordem das Cortes à Regência, de 5 de maio do mesmo ano de 1821, que se depara com a sugestão mais anacrónica de todo o regulamento, a levantar algumas suspeições sobre interesses não propriamente de saúde pública: contratadores de aguardentes, licores e vinagres e importadores de drogas para uso médico ou em tinturaria ficavam isentos de licenças para a comercialização dos seus produtos e da fiscalização das autoridades, enquanto o pequeno comércio era severamente escrutinado pelos almotacés e médicos do partido. Sobre as restantes questões sanitárias, das águas estagnadas às epidemias, à proibição dos enterros nas igrejas, às precauções com a morte aparente, repetia-se o que já se tinha discutido nas décadas finais de Setecentos, na Intendência Geral da Polícia, na Academia das Ciências e na imprensa periódica, sem se aduzir nada de novo.

No geral, pelo Projeto de Regulamento perpassam várias influências, mais ou menos desgarradas, mormente da Memória enviada do Rio de Janeiro à Junta da Saúde Pública, em 1817, por Luís António Ribeiro da Silva (Crespo, 1990, pp. 216-218), e do programa social e sanitário de Pina Manique, o ausente mais presente no documento. Soares Franco, tendo-se graduado graças a uma bolsa de estudo atribuída por Pina Manique, conheceria a sua atuação, mas, até tendo em conta o seu percurso político (Câmara, 1989, pp. 5-20), terá optado por não o mencionar. Embora se tratasse de uma proposta de regulamento e não de um plano, nota-se a falta de uma visão holística do país e de um pensamento informado sobre o que se passava além-fronteiras, quer se tratasse da assistência, das profissões médicas, ou do higienismo52 – a forma entusiástica como a Comissão acolheu as sugestões do arcebispo da Bahia defendendo os enterros em cemitérios públicos (Oliveira, 1992, pp. 158-160)53, ou a de um anónimo sobre “o perigo dos enterros precipitados” (Oliveira, 1992, pp. 160-163)54, como se fossem a última inovação, é por demais reveladora do nível de conhecimentos sobre os assuntos que pretendiam regular (Abreu, 2013, pp. 305-308). Mostrava-se reformista nas questões de autoridade e de atribuição de responsabilidades (médicos e câmaras), porém sem ideias novas no que tocava às propostas de saúde pública, num país onde as populações continuavam a fazer abaixo-assinados a favor dos curandeiros (Oliveira, 1992, pp. 144-145).

À semelhança da Comissão da Justiça Civil, e à exceção do seu presidente, Soares Franco, formado em Coimbra em 1797 e lá professor, redator da Gazeta de Lisboa (1808-13), médico da câmara real (1809-13) e membro da Academia das Ciências em 1810, onde integrou a Instituição Vacínica, autor de vasta obra sobre uma multiplicidade de assuntos, a Comissão de Saúde Pública não tinha em 1821 (como não teria em 1822) figuras com currículo verdadeiramente relevante do ponto de vista profissional ou intelectual: médicos de ­província, a João Alexandrino de Sousa Queiroga e a João Vicente da Silva (ambos formados em Coimbra, o primeiro em 1815, o segundo em 1806, a exercerem respetivamente em Beja e Vila Viçosa) não se conhece qualquer produção teórica sobre a especialidade que representavam, o mesmo acontecendo com o magistrado Luís António Rebelo da Silva. Ao contrário, Henrique Xavier Baeta, bacharel em Coimbra em matemática, reconhecido médico pelo Protomedicato em 25 de setembro de 1801 devido à formação em Edimburgo em 180055, tem alguma obra no campo médico e a experiência adquirida na Junta de Saúde Pública entre 1814 e 1817.56

Contudo, mais do que a inexistência de produção científica significativa, é de destacar o elevado absentismo dos membros da Comissão de Saúde Pública quer nas reuniões deliberativas dos pareceres a levar a plenário, quer nas sessões onde os mesmos pareceres eram votados – apenas Soares Franco esteve presente em todas elas: se nos primeiros quatro meses das Cortes pelo menos quatro dos cinco membros da Comissão foram assíduos, a partir de junho foram mais as ausências do que as presenças. Com autorização para não comparecerem por motivo de doença, João Vicente da Silva e Luís António Rebelo da Silva faltam sistematicamente.57 A chegada dos deputados do ultramar, em 22 de dezembro de 1821 normal"58, pouco ou nada alterou a situação: Cipriano José Barata de Almeida e José Lino Coutinho intervieram ativamente nas Cortes, mas na defesa dos interesses do Brasil, não dos da Comissão, onde raramente se encontram em simultâneo. Por seu turno, Custódio Gonçalves Ledo, não participou na elaboração de nenhum dos pareceres da Comissão, ainda que tivesse apresentado em plenário a proposta de extinção da visita da saúde do porto de Lisboa59. A partir de fevereiro de 1822 foi a vez de Henrique Xavier Baeta e João Alexandrino de Sousa Queiroga se ausentarem por períodos prolongados, também alegando motivos de saúde60, fazendo com que algumas decisões da Comissão tivessem sido tomadas apenas por dois deputados – um deles Soares Franco61

 

AS DINÂMICAS DO SOBERANO CONGRESSO E AS REAÇÕES DO PAÍS

 

O quadro em que se movia a Comissão de Saúde Pública estava, apesar de tudo, mais atualizado do que o da maioria dos deputados que se pronunciaram sobre as questões em análise. Desde o desejo do aparecimento de “um Marquez de Pombal constitucional (…), salvas as suas crueldades, e despotismos”62, que travasse a vagabundagem, à proposta de transformar os pobres em denunciantes, oferecendo-lhes metade dos bens apreendidos, “porque se vai a fazer dos mendigos outros tantos guardas”, à recusa da vacinação por duvidarem da sua utilidade, chegando a pôr em risco o que restava da Instituição Vacínica – muito a custo Soares Franco conseguiu convencer a Assembleia a autorizar o financiamento da comissão de Lisboa, a única que ainda se encontrava em funcionamento63, lamentando que, ao contrário dos parlamentos inglês, francês, austríaco, espanhol ou berlinense, o português ameaçasse cancelar a maior descoberta do século XVIII para a preservação da espécie humana, ou à desvalorização dos problemas de saúde dos habitantes de Alcântara – que se resolveriam, diziam, pelo aumento da altura das chaminés dos fornos de cal64 –, é a visão mais tradicionalista que impera nos debates das Constituintes.

Conseguiu, no entanto, a Comissão de Saúde Pública fazer passar a ideia da importância dos inquéritos como instrumento para intervenções bem-sucedidas, nomeadamente a nível legislativo, um indicador significativo da consciência que tinham do desconhecimento sobre a situação do país. Porém, as Cortes revelavam-se pouco sensíveis à dimensão social da saúde e aos aspetos sanitários e higienistas: interessou-lhes, antes, conhecer os rendimentos das misericórdias65; os gastos camarários com os partidos (médicos, cirurgiões, boticários) e expostos e o valor anual dos sobejos das sisas e das derramas (para pagamento dos partidos e das amas66); o número dos hospitais, gafarias e albergarias<67; o estado das cadeias68 e o universo dos mendigos: quantos eram, de onde vinham, sexo, idade, estado de saúde e capacidade para o trabalho.69 Não se sabe o caminho que tomou a informação que logo começou a chegar ao Parlamento: por exemplo, este último inquérito foi solicitado em 11 de agosto e, em 26 de outubro, Tomar, Viana, Lamego, Ourique, Vila Real, Guarda, Viseu70 e Trancoso<71 já tinham respondido, enquanto os corregedores das comarcas de Torres Vedras, Barcelos, Moncorvo e Ericeira eram questionados sobre as razões do seu atraso.72 O mesmo terá acontecido com as respostas sobre os partidos, registadas em fevereiro do ano seguinte, sendo as comarcas em falta instadas a responderem de imediato e Campo Maior pressionado para apresentar o mapa dos expostos relativo aos anos de 1808 a 1820.73 É quase certo, no entanto, que incapacidades logísticas e até mesmo a falta de tempo para analisar os dados terão tornado de pouca utilidade o esforço despendido.

Enquanto a Comissão aguardava o agendamento do debate do Projeto de Regulamento, o país agitava-se e reagia contra algumas das medidas planeadas. Da documentação recebida merece ser realçado, não só pela abrangência das objeções, mas também por serem as mais sensíveis, o texto de João José da Costa, médico partidista em Braga (Oliveira, 1992, pp. 89-104). Dentre as críticas produzidas constava o grau de responsabilização que passaria a recair sobre médicos e câmaras, a decisão de manter as boticas na posse das viúvas dos boticários (mulheres indefesas que ficariam à mercê de boticários pouco escrupulosos, um tópico recorrente na documentação) e o propósito de isentar os homens casados da derrama para o financiamento das crianças abandonadas – quando, na sua opinião, eles e os eclesiásticos seriam “com grande probabilidade os próprios pais de cinco partes do número dos expostos”.74 Poderá também ter sido em reação ao Projeto de Regulamento que um conjunto de médicos organizou em Coimbra, em 18 de novembro de 1821, uma conferência sobre saúde pública. Embora se desconheça quase tudo sobre este evento e a sua relação com a Comissão do Ramo da Saúde Pública, entidade que tinha acabado de substituir a Junta de Saúde Pública (a de 1813) e a quem o governo solicitou a análise dos pareceres produzidos na sequência da dita conferência, este parece resultar de uma decisão deliberada no sentido de suscitar a discussão sobre assuntos pouco desenvolvidos no Projecto de Regulamento. Igualmente se ignora que tipo de ligação terá existido entre as duas comissões, a parlamentar e a governativa (que integrava alguns deputados), mas o certo é que ao vincar o carácter marcadamente local dos pareceres, e esclarecendo que apenas se pronunciaria sobre assuntos de interesse geral, a Comissão do Ramo de Saúde Pública não deixava de desvalorizar o trabalho dos médicos reunidos em Coimbra, embora ela própria não acrescentasse nada de novo aos documentos recebidos, antes seguisse com grande proximidade as opiniões expendidas por José Feliciano Castilho75, designadamente sobre pântanos, expostos, mendigos, cadeias, hospitais, limpeza das ruas e veterinária.

Entretanto, continuavam a chegar petições, grande parte sem resposta ou entretida num jogo sem fim à vista, com as Cortes a transferirem para o Governo o ónus da decisão final e este a solicitar informações adicionais a um país que clamava por hospitais76 – em Alvorninha, Guimarães, Oeiras (Brasil),77 Póvoa do Varzim 78, Seia e Coja79, Moncorvo80 Vila Franca de Xira81, Faro82,Monchique e Lagos 83, por cadeias 84– Lisboa 85,Viseu 86, Porto87, Pinhel, Moncorvo, ­Trancoso, Beja, Lamego, Mértola, Proença-a-Velha e Santa Margarida, Guarda 88, Tavira 89, Leiria90 e Castro Marim 91 – e, sobretudo, por soluções para os expostos, assunto que ocupou nove da meia centena de pareceres apresentados pela Comissão de Saúde Pública em plenário.

À medida que as discussões prosseguiam, o tópico dos expostos mostrava-se cada vez mais enredado. Um elemento bastante polémico tinha sido introduzido, poucos dias antes da apresentação do Projeto de Regulamento, por Manuel Gonçalves de Miranda: garantia o deputado por Trás-os-Montes que as câmaras municipais estavam a inflacionar os custos atribuídos aos expostos (“e aqui he aonde mettem a mão”); segundo os seus cálculos, o número das crianças abandonadas não excederia um terço das indicadas nos pagamentos, sendo a mesma criança contabilizada em várias Rodas, daqui decorrendo que “a despeza que se faz com expostos talvez chegasse para pagar um exercito de doze mil homens”.92 Ora, como compaginar semelhantes suspeitas com soluções de aplicação geral, ainda mais quando a Comissão propunha o aumento de responsabilidades das câmaras na área da saúde pública? A Roda do Porto em muito terá concorrido para as dúvidas que ficavam a pairar nas Cortes, com a própria Comissão a afirmar-se “horrorizada quando vê que tendo em 20 annos entrado nesta fatal administração 31 900 infantes, tenhão falecido 20 974!! Desgraçada proporção!! Não, isto não he um instituto para salvar a vida, he um cemiterio para engolir os míseros expostos”.93Ao desperdício das vidas humanas juntava-se a desconfiança de que os vereadores estariam a sonegar informação financeira, não sabendo explicar, por exemplo, o destino de 811.612$813 réis. No leque das irregularidades encontrava-se ainda o pagamento das assinaturas dos oficiais camarários que despachavam os processos dos expostos, além de outros “criminosos abusos”.94 O facto de várias câmaras se terem apressado a responder ao inquérito de 20 de outubro de 1821, mostrando o fardo que representava a assistência sobre os seus magros orçamentos, poderá estar relacionado com o clima de suspeição instalado. Céleres em transferir culpas, as câmaras punham em causa a idoneidade de muitas misericórdias, da Guarda95 a Montemor, Angra do Heroísmo, Seia, Portalegre e Elvas 96, elas sim, gastavam indevidamente verbas que pertenciam aos pobres, opinião que era partilhada pelo ministro dos Negócios do Reino (Oliveira, 1992, pp. 62-63).

Embora defendendo que uma lei geral para a criação dos expostos evitaria “os inconvenientes que se gastão quando se querem tomar medidas particulares”97, o que, como lembrava Soares Franco, só seria possível depois da aprovação do Regulamento de Saúde Pública, a pressão do momento levava à aprovação de soluções casuísticas 98, consensualizadas entre os deputados, ora autorizando empréstimos a partir do sobejo das sisas, ora a utilização de rendimentos de confrarias e capelas ou de bens nacionais, sempre com a salvaguarda de que seriam medidas “temporarias e interinas”. Desta excecionalidade beneficiaram Tavira99, Leiria, Silves, Castro Marim, Proença-a-Velha, Santa Margarida (comarca de Castelo Branco), Póvoa do Varzim 100, Ovar 101 e Vila de Pereira.102Continuando um processo cujas origens remontavam ao governo pombalino, o diploma de 15 de janeiro de 1822, pelo qual as Cortes ordenavam a comutação dos encargos pios que ainda oneravam as misericórdias em rendimentos aplicáveis à assistência, reservando apenas o necessário para a “decente sustentação do culto divino” (Oliveira, 1992, p. 201), não pode deixar de ser considerado uma vitória do poder local e, pelas razões indicadas, um sucesso da Comissão de Saúde Pública. Foi a única lei com carácter geral que a Comissão conseguiu impor.

 

TEMPORALIDADES DESENCONTRADAS

 

Quando se procuram razões que ajudem a explicar o malogro do projeto social e sanitário que Pina Manique procurou desenvolver entre 1780 e 1805, duas se sobrepõem a todas as outras: ausência de suporte governamental – o apoio de D. Maria I não foi suficiente para que o seu governo assumisse a saúde pública como uma função social do Estado – e a falta de interesse dos médicos, que recusaram envolver-se em funções que não se coadunavam com o que consideravam ser o seu estatuto social e, muito menos, serem reduzidos à condição de oficialato régio. Nem todos os médicos tiveram a mesma postura, obviamente, e é justo que se realce a ajuda que o intendente recebeu, entre outros, dos médicos da câmara real e, muito particularmente, de Manuel Joaquim Henriques de Paiva. Todavia, a oposição liderada pela corporação que os representava, a Universidade de Coimbra – veja-se o caricato processo desencadeado pela universidade quando o intendente quis que os professores da Faculdade de Medicina analisassem a situação sanitária da cidade perante as queixas dos moradores contra os problemas de saúde pública criados pelos porcos que deambulavam pelas ruas103 –, em muito terá contribuído para bloquear as propostas apresentadas pelo intendente, nomeadamente a que atribuía aos médicos uma função social, que previa a prestação de assistência gratuita aos pobres. Foram os ministros régios e os funcionários da Intendência Geral da Polícia e não os médicos que, por ordem de Pina Manique, acompanharam os testes com uma nova quina no Hospital do Espírito Santo, em Setúbal; promoveram a alimentação artificial dos expostos nas Rodas e obrigaram as câmaras a apoiar estas crianças; disseminaram informação sobre os perigos da morte aparente e sobre as máquinas de “ressuscitar asfixiados”; tentaram forçar os enterros fora das igrejas; perseguiram comerciantes que vendiam produtos deteriorados e organizaram a ajuda às populações flageladas pelas epidemias de “febres pobres”, entre várias outras medidas. Também sem envolvimento explícito dos médicos terão ocorrido as experiências sociais na Casa Pia, onde mendigos, prostitutas e pequenos criminosos eram “recuperados”, casados e enviados para o Alentejo e Algarve, para aí se reproduzirem e contribuírem para o desenvolvimento do território.104

Volvidas as Invasões Francesas, assiste-se à emergência de uma nova classe de jovens médicos, que, a partir da Academia Real das Ciências105, procurou ganhar protagonismo e favorecimento junto do poder político; entre eles, encontram-se médicos graduados com o apoio das bolsas de estudo concedidas por Pina Manique e pela Arca dos Médicos e Boticários. Soares Franco, o presidente da Comissão de Saúde Pública, um dos bolseiros do intendente, como mencionado, terá sido o principal promotor do Projeto de Regulamento Geral de Saúde Pública, que, na sua perspetiva, iria revolucionar o sector em Portugal; todavia, não só estava longe de ser um documento social e ­profissionalmente mobilizador, como havia um manifesto desencontro entre as reformas administrativas que pressupunha e a realidade do país, cuja complexidade não era valorizada. Por outro lado, ao contrário da situação vivida décadas antes, em 1821, e apesar de o ambiente intelectual ser muito mais propício, os médicos não foram capazes de atrair os reformadores políticos para o seu campo e convencê-los da importância dos seus argumentos.

Na Constituinte, vários debates iniciados à volta de temas de saúde pública acabaram por se centrar mais na área do direito e da lei, de resto um traço comum às primeiras revoluções liberais do ocidente europeu (Vieira, 1993, p. 11). É certo que não se notam posições contraditórias quanto aos princípios e às funções sociais que competiam ao Estado: o direito à vida e à saúde era por todos considerado um direito natural, que o governo devia proteger; o mesmo se passava com a necessidade de colocar a erradicação da pobreza na agenda política e a condenação do regime anterior pelo pouco cuidado com o bem-estar dos povos. À semelhança do que ocorrera em 1789 no Parlamento em França (Shapiro e Markoff, 1998), também a maioria dos deputados portugueses se mostrava hostil aos mendigos e às instituições que os apoiavam, mas defendia apoio específico aos pobres. Os debates a propósito das crianças abandonadas mostram bem a partilha de ideais humanitários. Contudo, num país devastado pela miséria, como financiar este serviço público? E aqui a discussão tomba para a preservação do direito de propriedade, um dos pilares do liberalismo. Ou, como lembrava João Maria Soares Castelo Branco, já na segunda legislatura, no final de janeiro de 1823, “se a causa da humanidade a favor dos expostos he sagrada, a causa da propriedade sobre que se funda o systema constitucional e a existencia da mesma sociedade, não he (…) menos sagrada”.106

As longas discussões sobre a questão das crianças abandonadas revelariam as dúvidas que acometiam os deputados no momento de decidir entre os valores humanitários – e, como expectável, as amas foram um ponto central desta discussão107 – e os princípios ideológicos. Concordando o Soberano Congresso que os expostos eram filhos da nação e “á nação pertence o sustentalos”, como afirmava José Lino dos Santos Coutinho, deputado pelo Brasil108(e até dar-lhes direito de voto109, poderia aplicar-se-lhes as rendas dos bens nacionais? Ou mesmo os bens da Igreja e das instituições com elas conotadas, como as misericórdias e outras irmandades, sendo bens particulares? Se era relativamente consensual que o património da Igreja deveria ter uma utilização “mais cristã”, com que base jurídica o mesmo seria entregue às câmaras para custear as despesas dos expostos110? E como articular tal desiderato com as Ordenações do Reino, que determinavam que às terras competia cuidar dos expostos? Mas, assim sendo, e o exemplo do Porto era extensível a todo o país, deveriam os cidadãos ser onerados com “os fructos da imoralidade” dos vizinhos que lançavam os seus filhos na Roda da cidade111? Poderiam circunstâncias precisas – como relatos de crianças comidas por cães e porcos112, o aumento dos abortos ou da mortalidade dos expostos em Rodas transformadas em “matadouros” ou “açougues” 113 – justificar a derrogação da lei do reino, como pretendiam as câmaras?

Para fora do estrito campo das políticas de saúde pública resvalaria também o debate quando as Cortes quiseram definir as competências das câmaras nesta área. Os mais liberais, liderados por Soares Franco, pugnavam por um Estado minimalista, enquanto outros, mais estatais, consideravam que ao poder central competia organizar as reformas e assumir o controlo dos mecanismos de saúde pública. Uma semana depois de a Comissão de Saúde Pública apresentar o seu programa, o “Projecto de decreto sobre a provisória formação das camaras” assinalava que ao poder local competia zelar pela “salubridade, commodidade, ornato, e outras obras publicas, inspecção sobre cadeas, expostos, escolas, arvoredos, agricultura, industria, transportes, aboletamento de tropas, etc. Quanto aos hospitaes, misericordias e outros estabelecimentos que estiverem a cargo de algumas corporações ou prelados, não se deverá innovar causa alguma”.114 Em termos práticos, enviava-se uma mensagem à Comissão: zelar e inspecionar não significava ter a responsabilidade direta sobre os mecanismos sanitários e assistenciais115, o que deitava por terra o princípio basilar em que assentava o Projecto de Regulamento. Ou seja, o direito impunha-se sobre a saúde pública e forçava a manutenção da ordem vigente.

Reconhecendo a derrota, num parecer lido a 26 de agosto de 1822 (datado do início do mês), quando já se preparava a assinatura da Constituição, ­Soares Franco, aproveitando um ofício do secretário de Estado dos Negócios do Reino solicitando “promtas providencias”, propunha que fosse elaborado “um regulamento para a administração de hospitaes, expostos, misericordias, etc (…) na primeira occasião opportuna, visto formar uma parte muito essencial da administração publica em todas as províncias”.116 Opinião reforçada pela Comissão do Ramo da Saúde Pública no final de setembro, alertando para a degradação das condições do sector por ausência de regulamentação e fiscalização, e consequente urgência de um Plano Geral de Saúde.117No texto da Constituição, manifestamente vago, as Cortes deixavam praticamente intocada a área da saúde pública e, assim, anulavam o Projecto de Regulamento sem sequer o levar à discussão: também aqui, os deputados preferiam evitar compromissos e, mais ainda, soluções radicais.

Mais do que uma derrota pessoal do truculento Soares Franco118, envolvido em simultâneo em reformas tão distintas como as da agricultura e da administração, mais do que o confronto entre dois modelos assistenciais119, creio que na Assembleia Constituinte o que verdadeiramente esteve em causa foi o facto de, tal como tinha acontecido em França, os deputados considerarem que as reformas jurídicas e políticas eram prioritárias. Eventualmente, talvez estivesse no espírito de alguns que delas emanariam as soluções para os problemas de saúde pública, e as discussões em torno da reforma das câmaras permitem ir nesse sentido. Seria, aliás, importante conhecer a posição do poder local a este propósito: o pouco que se sabe é que, em maio de 1821, às Constituintes chegavam ecos das queixas dos municípios contra a Corte no Rio de Janeiro, que estaria a apropriar-se das suas competências nomeando diretamente para os “empregos de saúde”. Mas sentir-se-iam preparados para assumir os encargos previstos no Projeto de Regulamento? Fizeram-se ouvir através dos deputados?

Por outro lado, há também que reconhecer a fragilidade demonstrada pela Comissão de Saúde Pública em todo este processo, um facto que não pode ser dissociado da inexistência de uma classe de higienistas em Portugal, isto é, um grupo de especialistas provenientes de diferentes áreas, da estatística à administração pública, engenheiros, arquitetos, entre outros profissionais, com capacidade para abarcar a complexidade das questões de saúde pública e depois produzir conhecimento sobre ela. Ainda que os membros da Comissão tivessem em mente modelos estrangeiros, e ocasionalmente os referissem, careciam de sustentação teórica que os ajudasse a hierarquizar os tópicos e os passos a dar, por exemplo sobre a uniformização de regras, a profissionalização dos agentes e a investigação das doenças epidémicas e endémicas. Por aqui tinha começado a França em 1770 (Berge, 1992, p. 10), com o forte apoio da Sociedade Real de Medicina, criada entre 1776-1778. Por aqui tinha tentado enveredar Pina Manique, seguindo os passos de Turgot (Clement, 2005, pp. 725-745). Num país onde existia uma única universidade, que ao longo da sua história nunca conseguira formar médicos em quantidade suficiente para que se pudessem afirmar como uma classe profissional (recorde-se que a Sociedade de Ciências Médicas só seria fundada a 1 de dezembro de 1822120), à Comissão de Saúde Pública faltava quase tudo, desde legislação apropriada aos veículos especializados que difundissem informação, apesar do investimento da Academia das Ciências e do Jornal de Coimbra. Faltava-lhe também a pressão exercida pela urbanização e pela industrialização, elementos impulsionadores das transformações de fundo nas políticas de saúde pública que estavam a acontecer em outros países. Faltava aos seus membros, acima de tudo, comprometimento com os assuntos para que tinham sido eleitos: por exemplo, alguns deles nunca defenderam no Parlamento uma única ideia sobre a área em que, supostamente, eram especialistas, como foi o caso de João Vicente da Silva ou João Alexandrino de Sousa Queiroga.

A lacuna ao nível da formação de higienistas em Portugal não deixa de ser reveladora do fraco impacto que parece ter tido o livro que tem sido considerado o grande sinal de modernidade da época: o Tratado da Polícia Médica de José Pinheiro de Freitas Soares, de 1818. Com um título próximo da obra magistral que lhe servia de fonte – System einer vollständigen medicinischen Polizey, de Johann Peter Frank –, a que juntou contributos do livro póstumo de Mahon, Médecine légale et Police médicale (1801), adaptando ideias de ambos à realidade portuguesa e traduzindo outras integralmente, o Tratado da Polícia Médica, para além da pouca originalidade, como intuído por Carlos Subtil e Margarida Vieira, ficava muito aquém dos autores mencionados na abrangência dos temas tratados (Subtil; Vieira, 2012, pp. 179-187). Era, apesar de tudo, um trabalho de fôlego, na linha das preocupações que dominavam os médicos do início de Oitocentos, que atualizava o conhecimento nacional em muitíssimas áreas (Subtil, 2013, pp. 109-113) e que, de certa forma, completava os objetivos de outro livro, os Elementos da policia geral de hum estado, de João Rosado de Villalobos e Vasconcelos, também ele uma tradução adaptada à situação portuguesa, neste caso da versão espanhola de Grundsätze der Policeywissenschaft, de 1756, de Johann Heinrich Gottlob von Justi. A notória secundarização do papel dos médicos, reduzidos por Freitas Soares a funcionários administrativos sob a tutela dos juízes da saúde, figuras não médicas, poderá ajudar a explicar o facto de o Tratado da Polícia Médica não ter feito escola. Na data da sua publicação, um ano depois de suspensa a recolha de informação médica e sanitária, eram já bem visíveis as dificuldades da Junta de Saúde Pública criada em 1813. Como relata Jorge Crespo, a Junta não conseguiu ultrapassar o carácter temporário de resposta às crises epidémicas, nem intervir nas doenças endémicas, tão ou mais mortais que aquelas mas continuando, social e politicamente, desvalorizadas. As críticas ficavam implícitas na portaria a instituir a sua sucessora, a Comissão do Ramo da Saúde Pública (1820), portaria que também liquidava quaisquer expectativas que tivessem presidido à decisão de mudar os responsáveis pela saúde pública em Portugal (Oliveira, 1992, p. 29, nota 26).

O contexto socioeconómico e político do início de Oitocentos em parte permite compreender o atraso com que Portugal desencadeou uma verdadeira reforma da saúde pública, todavia nada diz sobre as posições assumidas pelos principais agentes que intervieram no sector. É difícil entender, por exemplo, que na Assembleia Constituinte tenham sido apresentadas como inovadoras propostas amplamente discutidas na Gazeta de Lisboa e no Jornal Enciclopédico nos finais do século XVIII, quase todas então experimentadas pela Intendência Geral da Polícia. Relativamente às sugestões apresentadas pelas camadas mais baixas da população, poder-se-á estar em presença de efetivo desconhecimento das medidas sociais e sanitárias projetadas por Pina Manique, uma vez que, à exceção dos expostos, nenhuma outra teve impacto nacional.121

A preeminência dos expostos quatro décadas depois de o intendente ter ordenado ao poder local que cumprisse o que estava estipulado nas Ordenações do Reino pode ser lida como um êxito de Pina Manique, mas este não se teria registado se as comunidades locais não tivessem interesses diretos a defender. Interesses humanitários, sem dúvida, mas também, talvez, outros menos altruísticos, como alguns deputados acusavam em 1821. No início dos anos 20 de Oitocentos, a proteção aos expostos continuava a ser o único sector assistencial cujos gastos eram compulsivamente cobrados sobre as rendas municipais e sobre as populações. Recorde-se que as soluções financeiras apresentadas pelas câmaras para acudir às crescentes despesas com as crianças abandonadas eram custeadas pelas sisas e seus sobejos ou, em alternativa, pelo património da Igreja e irmandades ou pelos bens públicos, o que pode ser lido como uma tentativa de apropriação de novas rendas por parte dos concelhos. Num país composto por municípios, cada um defendia os seus próprios interesses, não tendo sido captado qualquer esforço no sentido de conjugarem posições que, eventualmente, pudessem fortalecer as suas pretensões quanto à assistência aos expostos. Quando visualizada a informação resultante de um inquérito mandado realizar pela portaria de 7 de julho de 1827, com o objetivo de conhecer todas as instituições assistenciais existentes no país, orçamentos e património, o peso financeiro dos expostos é avassalador, sobretudo se se ponderar a sua relação com a demografia ou com os rendimentos das populações. Em várias localidades gastava-se mais com a Roda do que com o hospital e a misericórdia juntos, noutras a Roda era mesmo a única instituição assistencial existente. Só um profundo conhecimento da história local e das suas dinâmicas poderá ajudar a compreender estes dados. Afinal a quem servia o sistema organizado por Pina Manique?

 

 

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A documentação sobre saúde pública produzida no contexto do primeiro liberalismo tem um inegável interesse histórico, como já foi afirmado por diversos autores, mas aguarda ainda um estudo que a relacione com as políticas anteriores, quer as empreendidas pela Junta de Saúde Pública, quer, sobretudo, com as políticas sociais e sanitárias de Pina Manique. Só numa perspetiva relacional se conseguirá efetivamente avaliar o desempenho da Comissão de Saúde Pública e o modo como tentou colocar o tema na agenda das políticas estatais e medicalizar a sociedade, em benefício da riqueza e do bem-estar da nação. Ao fazê-lo, a Comissão procurava revalorizar o papel do médico, não só em termos sociais como também sociopolíticos: já não era apenas a saúde individual que estava em jogo, mas a conservação do coletivo nacional, principiando pelos mais numerosos, os pobres e os marginais. Neste processo, os médicos tornar-se-iam as figuras centrais, à semelhança do que acontecia em França desde 1776, a partir da Real Sociedade de Medicina (Berge, 1992, p. 11), e as expectativas seriam, também aqui, de que a ligação entre o poder político e a medicina capitalizasse a favor de ambos. Porém, faltou quase tudo à Comissão para conseguir impor o seu ponto de vista, a começar por um consistente suporte académico e científico especializado, mas também um suporte ­histórico, que lhe explicasse que as questões sociais e de saúde eram, igualmente, questões de ordenação das comunidades, a maioria configurada em torno das elites que governavam as misericórdias e as câmaras, e que qualquer mudança na organização e administração dos recursos assistenciais teria implicações profundas não só na tessitura do poder local como nos rendimentos das instituições em causa – uma preocupação transversal a muitas outras reformas que estiveram em discussão, quer nas Cortes extraordinárias, quer nas legislativas de 1822-1823.

O que se pode reconhecer quando a análise se centra exclusivamente no vintismo é que as diferenças políticas presentes na composição das Cortes se refletiram em posições ideológicas difíceis de conciliar no que concerne à forma de resolver os problemas de saúde pública. As diferentes abordagens à pobreza, por exemplo, são outros tantos indicadores das tensões que continuavam a dominar a sociedade, desde as que a entendiam como um fenómeno multifacetado a exigir soluções complexas, simultaneamente disciplinadoras e estruturadoras, às que a reduziam a comportamentos morais e éticos reprováveis, como a ociosidade. Nesta conformidade, ainda que, no geral, deputados e peticionários admitissem que a doença e a morte eram tributos pagos à falta de higiene e ao domínio de profissionais de saúde incompetentes, está para se saber quantos, dentre eles, reconheceriam que a doença e a saúde, tal como a pobreza, tinham substratos sociais e não eram uma mera característica inerente à condição humana. Mesmo dentre os médicos, quantos conheceriam os trabalhos que estavam a ser produzidos na Europa demonstrando a correlação entre pobreza, doença e as taxas de mortalidade, obras que os homens da segunda metade de Setecentos mostraram conhecer tão bem? Ainda que a análise de conteúdos dos debates nas Cortes não esteja concluída, o que se evidencia na forma como determinados assuntos de saúde pública foram tratados é a ausência de referências a competências médicas. Apesar de os valores da Revolução Francesa dominarem os discursos, o primeiro liberalismo não foi capaz de, no que à saúde pública diz respeito, assumir a rutura total com o passado, condição prévia a essa mesma reforma, embora lançasse as suas bases122 Em janeiro de 1823, Soares Franco, numa discussão a propósito do financiamento dos expostos do Porto, assumia a necessidade de apresentar novo projeto, porém, muito mais cauteloso que em outubro de 1821, salvaguardava: “julgo que não devem dar-se nelle senão as bases gerais e mandar para o Governo para fazer um regulamento”123, o que veio a acontecer em 1836.124

 

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Recebido a 01-09-2015. Aceite para publicação a 08-03-2016

 

NOTAS

1 O título deste texto é inspirado no livro de Oliveira (1992), A Saúde Pública no Vintismo: Estudos e Documentos, Lisboa, Sá da Costa, obra da maior relevância para a história da saúde pública em Portugal pelo manancial de documentação transcrita. Integra-se num projeto que visa estudar a construção das “profissões de saúde” em espaço nacional até 1826, quando foram criadas as Escolas Médico-Cirúrgicas e se alterou o paradigma da formação médica – projeto que tem contado com a colaboração de Luís Carlos Gonçalves, também autor dos mapas aqui apresentados. Cumpre-me agradecer à Doutora Margarida Sobral Neto a leitura crítica da versão inicial do texto. CIDEHUS – UID/HIS/00057/2013 (POCI-01-0145-FEDER-007702).

2Sobre o direito de petição, v. Subtil (1994, p. 173).

3785 contas enviadas por médicos, 882 por cirurgiões. Sobre este universo e suas vicissitudes, consulte-se Crespo (1990, p. 298).

4É abundante a bibliografia sobre as misericórdias e não seria possível aqui identificá-la na sua totalidade. Destaca-se, contudo, para este período inicial, a obra de Isabel dos Guimarães Sá e, para fases mais tardias, a de Maria Marta Lobo de Araújo e de Maria Antónia Lopes, nomeadamente, desta última autora (2000 e 2008, pp. 131-176) e, ainda, com José Pedro Paiva (2008, pp. 7-36). Na área específica do higienismo, Pereira e Pita (1993, pp. 437-559).

5 Uma hipótese de análise desta problemática, em Abreu (2014, pp. 67-97).

6 O que não era uma idiossincrasia nacional. Para outros espaços europeus, veja-se, por exemplo, Lindemann (2001).

7 Algumas pistas sobre a intervenção social e sanitária deste intendente, em Abreu (2013).

8 Sobre a institucionalização da saúde pública em Portugal, v. Alves e Carneiro (2014, pp. 27-43).

9Para mais bibliografia sobre esta temática, Porter (1999, pp. 9-21).

10Um “Estado de polícia”, na formulação de Subtil (2013, pp. 90-137).

11 O médico herdeiro das políticas económicas designadas por mercantilistas ou por “cameralismo na sua forma mais politicamente orientada, especificamente alemã”, nas palavras de Rosen (1974, p. 122). Sobre o caso português v. Cunha (2010, pp. 1-11).

12Conforme profusamente demonstrado em Abreu (2013).

13 No contexto da epidemia de febre-amarela que então lavrava na Andaluzia. A Junta de Inspecção sobre as Providencias para a Peste estava autorizada a “tomar todas providências necessárias, usando os meios disponíveis de modo a evitar a propagação da dita peste para o reino”. Nascia dotada de autoridade para “promover ordens e de que estas sejam respeitadas por todas as instituições e pessoas do reino”, com poderes punitivos em caso de desobediência. Era composta pelo presidente da câmara de Lisboa (sob cuja tutela estava a Provedoria-mor da Saúde), o general da infantaria, o almirante e o vice-almirante da armada real e o Intendente Geral da Polícia. Cf. Abreu (2017) (no prelo).

14Sobre as muitas limitações deste organismo, v. Abreu (2013, pp. 107-130).

15 Da vasta bibliografia sobre esta instituição destaca-se a obra de Cardoso (1989). Aguarda-se, todavia, uma aprofundada análise dos textos produzidos no âmbito da Academia das Ciências sobre assistência e saúde relacionando-os com as práticas sociais e sanitárias da Intendência Geral da Polícia.

16Diario das Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portuguesa (doravante DC), DC, n.º 10, 08-02-1821, p. 65. A reorganização das comissões ocorrida em junho não afetou a de Saúde Pública, embora João Vicente da Silva estivesse ausente da sessão. DC, n.º 102, 12-06-1821, p. 1200.

17DC, n.º 257, 22-12-1821, p. 3505.

18Para 1822, Câmara dos Senhores Deputados da Nação Portugueza (doravante CSD), n.º 6, 03-12-1622, p. 53. Também, Oliveira (1992, p. 5).

19 DC, n.º 22, 24-02-1821, p. 155.

20 Sobre as características desta documentação, veja-se Oliveira (1992, pp. 5-13).

21 Idem, ibidem, p. 4. Quando, em dezembro de 1822 um deputado propôs que a “beneficência” tivesse comissão própria, a ideia foi rejeitada pelo parlamento, CSD, n.º 6, 03-12-1822, p. 53.

22 Outra hipótese de organização da documentação em Oliveira (1992, pp. 8-12).

23 Idem, ibidem, pp. 109-123. Note-se que a Comissão considerou a “Opinião” “pouco aplicável”.

24 Assunto recorrente na documentação da Intendência Geral da Polícia desde 1780, este problema foi apresentado em Cortes pela Comissão da Agricultura, DC, n.º 42, 24-3-1821 p. 351.

25 n.º 96, 04-06-1821, p. 1117. Também, Crespo (1990, pp. 226-227) e ainda Abreu (2013, p. 304).

26 Nas palavras de Diogo Maria Gallard, cônsul-geral de Portugal em Sevilha, Oliveira (1992, pp. 152-158).

27 Respetivamente, Hospitais de S. José: DC, n.º 88, 24-05-1821, p. 1011; DC, n.º 133, 21-07-1821, p. 1607; DC, n.º 152, 14-08-1821, p. 1895; Luz: DC, n.º 94, 01-06-1821, p. 1085; Sintra: DC, n.º 87, 23-05-1821, p. 1003; Guarda: DC, n.º 193, 06-10-1821, p. 2535; Elvas: DC, n.º 87, 23-05-1821, pp. 997 e 1007; DC, n.º 164, 30-08-1821, p. 2083; DC, n.º 7, 05-02-1822, p. 92.

28 DC, n.º 54, 04-10-1822, p. 687; DC, n.º 108, 20-06-1821, pp. 1285 e 1294; DC, n.º 173, 11-09-1821, p. 2243; DC, n.º 54, 04-10-1822, p. 687.

29 Respetivamente, Porto: DC, n.º 52, 07-04-1821, p. 499; DC, n.º 56, 12-04-1821, pp. 558-559; DC, n.º 103, 14-06-1821, p. 1216; Leiria: DC, n.º 68, 01-05-1821, p. 745; DC, n.º 69, 02-05-1821, pp. 757-775; DC, n.º 193, 06-10-1821, pp. 2544 e 2558; DC, n.º 227, 16-11-1821, p. 3110; Braga: DC, n.º 87, 23-05-1821, pp. 994 e 1008; DC, n.º 130, 18-07-1581, p. 1581; Estremoz: DC, n.º 182, 22-09-1821, p. 2376; Lamego: DC, n.º 195, 09-10-1821, p. 2573; DC, n.º 195, 9-10-1821 p. 2586; Lousã: DC, n.º 96, 04-06-1821, p. 1104; Pereira: DC, n.º 149, 10-08-1821, p. 1853; Celorico da Beira: DC, n.º 178, 18-08-1821 pp. 2321-2322; Abrantes: DC, n.º 184, 25-09-1821, p. 2404; Faro: DC, n.º 111, 25-06-1821, pp. 1328 e 1341; DC, n.º 148, 09-08-1821, p. 1829; DC, n.º 157, 21-08-1821, pp. 1970-1971 e 1982.

30n.º 156, 20-08-1821, p. 1947. Um exemplo em Oliveira (1992, pp. 182-183).

31 Como a expressa pelo padre Domingos Lopes Furtado, DC, n.º 121, 07-07-1821, p. 1463.

32 DC, n.º 172, 10-09-1821, p. 2206; DC, n.º 199, 13-10-1821, p. 2635.

33 DC, n.º 236, 27-11-1821 p. 3237.

34 DC, n.º 22, 26-02-1821, p. 155.

35 Respetivamente: Braga: DC, n.º 40, 22-03-1821, pp. 328 e 336; DC, n.º 54, 10-04-1821, p. 534; DC, n.º 87, 23-05-1821, pp. 994 e 1008; DC, n.º 130, 18-07-1581, p. 1581; DC, n.º 152, 14-08-1821, p. 1898; Guimarães: DC, n.º 129, 17-07-1821, pp. 1575-1576; Porto: DC, n.º 56, 12-04-1821, pp. 558-559; Lisboa: DC, n.º 67, 30-04-1821, p. 734; DC, n.º 155, 18-08-1821, p. 1933; Leiria: DC, n.º 68, 01-05-1821, p. 745; DC, n.º 69, 02-05-1821, pp. 757 e 775; Montemor-o-Novo: DC, n.º 80, 15-05-1821, pp. 912-913; DC, 108, 20-06-1821, pp. 1285 e 1294; DC, n.º 173, 11-09-1821, p. 2243; DC, n.º 57, 16-07-1822, pp. 843-844; DC, n.º 54, 04-10-1822, p. 687; Portalegre: DC, n.º 115, 30-06-1821, p. 1392; Estremoz: DC, n.º 182, 22-09-1821, p. 2376; Castro Marim: DC, n.º 184, 25-09-1821, p. 2407; Silves (mais tardia), DC, n.º 60, 18-04-1822; Tavira: DC, n.º 87, 23-05-1821, p. 1003.

36 DC, n.º 139, 30-07-1821, p. 1689.

37 Segundo Ferreira Borges, “syndico da camara de Lisboa”, DC, n.º 155, 18-08-1821, p. 1933.

38 Um facto também referido por Oliveira (1992, nota 25, p. 29).

39Perspetiva de abordagem que se pode encontrar em Subtil (2015).

40 Para a análise da obra deste autor, v. Araújo (2000, pp. 35-85).

41 DC, n.º 35, 15-03-1821, p. 277. Uma contestação bem-sucedida, como adiante se verá (DC, n.º 72, 05-05-1821, pp. 796-797).

42 Sobre os projetos para o saneamento de Lisboa do embaixador francês, Marquês de ­Bombelles, v. Crespo (1990, pp. 223-226).

43 De José de Sousa do Amaral, antigo soldado do Segundo Batalhão de Atiradores de Lisboa, DC,n.º 46, 30-03-1821, p. 391.

44 DC, n.º 105, 16-06-1821, p. 1235.

45 DC,n.º 40, 22-03-1821, pp. 328-329.

46 DC, n.º 151, 13-08-1821, pp. 1867-1868.

47 DC, n.º 56, 12-04-1821, p. 558. Também, Oliveira (1992, pp. 175-178).

48 Para Tavira, DC, n.º 195, 09-10-1821, pp. 2580-2581.

49 DC, n.º 69, 02-05-1821, p. 757.

50 DC, n.º 199, 13-10-1821, pp. 2639-2649. Na obra de Luísa Tiago de Oliveira encontra-se nas pp. 65-89. Foi esta transcrição que seguimos.

51 Previa ainda três grandes hospícios no país e outros tantos hospitais para gafos (Lisboa, Coimbra e Porto), Oliveira (1992, p. 79).

52 É longa a bibliografia sobre esta temática. Entre outros, para além dos trabalhos de Dorothy Porter (1999), destaca-se o texto de Duff (1993, pp. 200-206).

53 No Parlamento, DC, n.º 167, 03-09-1821, pp. 2132-2133. Tornou-se Projeto-lei, debatido em 4 de outubro (DC, n.º 191, 04-10-1821, pp. 2509-2510).

54 Apresentado à Comissão de Saúde Pública em 16 de outubro, DC, n.º 201, 16-10-1821, p. 2668.

55 ANTT, CHR. D. Maria I, liv. 66, fls. 5-5v.

56 Para os percursos profissionais e produção científica destes parlamentares foram consultados, nas respetivas entradas, as obras: Castro (1996); Castro, Cluny, Pereira (dir.) (2002).

57 João Vicente da Silva pediu licença para se ausentar a 12 de abril (DC, n.º 56, 12-04-1821, p. 565) e Luís António Rebelo da Silva a 23 de maio (DC, n.º 87, 23-05-1821, pp. 985 e 1004).

58 DC, n.º 257, 22-12-1821, p. 3505.

59DC, n.º 10, 10-05-1822, pp. 136-138.

60 Após a saída dos deputados do Brasil apenas um parecer foi assinado por mais de três membros (DC, n.º 20, 26-08-1822, p. 238).

61 Por exemplo: DC, n.º 50, 02-04-1822, p. 699; DC, n.º 72, 25-10-1822, p. 886. Para além do Diario das Cortes Geraes e Extraordinarias… e da Câmara dos Senhores Deputados… foi ainda consultado a obra Galeria dos Deputados das Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa de Gorjão (1822).

62 DC, n.º 169, 05-09-1821, p. 2164. Embora a afirmação não fosse proferida pelos deputados, a discussão que se lhe seguiu, aprovou-a.

63 Ainda que com atividade reduzida: DC n.º 36, 16-03-1821, pp. 280-281.

64 DC, n.º 96, 04-06-1821, p. 1117.

65 Seria esse o caso de Leiria, DC, n.º 69, 02-05-1821, pp. 757 e 775.

66 DC, n.º 205, 20-10-1821, p. 2723.

67 DC, n.º 49, 03-04-1821, p. 451.

68DC, n.º 175, 13-09-1821, pp. 2262-2264.

69DC, n.º 150, 11-08-1821, p. 1856.

70 DC, n.º 210, 26-10-1821, p. 2805.

71 DC, n.º 216, 03-11-1821, p. 2911.

72 DC, n.º 221, 09-11-1821, p. 3009.

73 DC, n.º 65, 24-04-1822, p. 950.

74 Oliveira (1992, pp. 97-101).

75 O único a mencionar as experiências de alimentação artificial promovidas por Pina­Manique.

76 Os hospitais militares ficaram fora desta pesquisa.

77 DC, n.º 253, 18-12-1821, p. 3450; DC, n.º 251, 15-12-1821, p. 3419; DC, n.º 37, 14-09-1822, p. 435.

78 DC, n.º 173, 11-09-1821, p. 2221; DC, n.º 197, 11-10-1821, pp. 2609-2614; DC, n.º 236, 27-11-1821, p. 3234; DC, n.º 242, 04-12-1821, p. 3315; DC, n.º 50, 02-04-1822, p. 699; n.º 51, 03-04-1822, p. 719; DC, n.º 3, 03-05-1822, p. 41.

79 DC, n.º 8, 07-02-1822, p. 99. Em 31 de agosto de 1822 tomaram-se várias resoluções relativas a hospitais, albergarias e gafarias, recolhimentos, DC, n.º 25, 31-08-1822, p. 316.

80Hospital para socorro dos trabalhadores indigentes, DC, n.º 74, 28-10-1822, p. 905.

81 22-10-1822, n.º 69, 22-10-1822, p. 864.

82 DC, n.º 111, 25-06-1821, p. 1328; DC, n.º 140, 31-07-1821, p. 1699; DC, n.º 148, 09-08-1821, p. 1829; n.º 157, 21-08-1821, pp. 1970-1971 e 1982.

83 Respetivamente, DC, n.º 47, 31-3-1821, pp. 398-399; DC, n.º 75, 09-05-1821, p. 841.

84 DC, n.º 42, 22-03-1822, p. 568; DC, n.º 43, 23-03-1822, p. 585. A situação calamitosa dos presos suscitou a proposta de abrir as cadeias através de um perdão geral. DC, n.º 146, 07-08-1821, p. 1812.

85 Em julho de 1822 retoma-se a secular discussão sobre a obrigação da Misericórdia de ­Lisboa alimentar os presos das Cadeias do Limoeiro e do Castelo, DC, n.º 50, 08-07-1822, p. 732.

86 DC, n.º 144, 04-08-1821, p. 1782. A partir de dezembro, vários comerciantes solicitam isenção do imposto sobre o vinho aplicado à reedificação da cadeia da cidade, um indicador da decisão tomada, DC, n.º 253, 18-12-1821, p. 3452.

87DC, n.º 146, 07-08-1821, p. 1812; DC, n.º 157, 21-08-1821, p. 1968; DC, n.º 188, 29-09-1821, p. 2453; DC, n.º 195, 09-10-1821, p. 2571; DC, n.º 223, 12-11-1821, p. 3049; DC, n.º 240, 01-12-1821, p. 3295; DC, n.º 14, 13-02-1822, p. 183; DC, n.º 50, 02-04-1822, p. 688; DC, n.º 60, 18-04-1822, pp. 849 e 863; DC, n.º 12, 17-05-1822, p. 172; DC, n.º 56, 15-07-1822, p. 820.

88 Respetivamente, Pinhel (DC, n.º 260, 28-12-1821, p. 3536; DC, n.º 20, 22-02-1822, p. 266) Moncorvo (DC, n.º 30, 07-03-1822, p. 394), Trancoso (DC, n.º 52, 09-04-1822, pp. 721 e 735), Beja (DC, n.º 64, 23-04-1822, p. 921), Lamego (DC, n.º 14, 20-05-1822, p. 195), Mértola (DC, n.º 78, 02-11-1822, pp. 968-969), Guarda (n.º 63, 23-07-1822, p. 911).

89 DC, n.º 87, 23-05-1821, p. 1003; DC, n.º 157, 21-08-1821, pp. 1970-1971; DC, n.º 195, 09-10-1821, pp. 2580-2581; DC, n.º 12, 12-02-1822, p. 157.

90 DC, n.º 69, 02-05-1821, pp. 757-758.

91 DC, n.º 12, 12-02-1822, pp. 157-158.

92 DC, n.º 193, 06-10-1821, p. 2540.

93CSD, n.º 20, 27-01-1823, p. 592.

94Faz notar que em 1803 tinham gasto 38.160$234 com 1407 expostos e 33.237$442 em 1808 para menos 20 crianças, CSD, n.º 20, 27-01-1823, p. 593.

95DC, n.º 253, 18-12-1821, p. 3459.

96Respetivamente: DC, n.º 57, 16-07-1822, p. 845; DC, n.º 44, 26-03-1822, p. 629; DC, n.º 63, 23-07-1822, p. 924; DC, n.º 258, 24-12-1821, p. 3508.

97 DC, n.º 12, 12-02-1822, pp. 157-160.

98 Situação já identificada por Câmara (1989, p. 202).

99 DC, n.º 224, 13-11-1821, p. 3055; DC, n.º 12, 12-02-1822, p. 167.

100 Respetivamente, Leiria (DC, n.º 227, 16-11-1821, p. 3110); Silves (DC, n.º 59, 18-07-1822, p. 864); Castro Marim (DC, n.º 184, 25-09-1821, p. 2407); Proença-a-Velha (DC, n.º 218, 06-11-1821, p. 2966); Santa Margarida (DC n.º 236, 27-11-1821, p. 3234); Póvoa do Varzim (DC, n.º 236, 27-11-1821, p. 3234).

101 CSD, n.º 13, 17-01-1823, p. 500.

102 DC, n.º 62, 20-04-1822, p. 892 e DC, n.º 18, 24-05-1822, pp. 270-271.

103 Sobre este caso e alguns dos motivos que terão impedido a concretização de várias medidas idealizadas por Pina Manique, v. Abreu (2013, pp. 389-403).

104 Idem, ibidem, pp. 169-203.

105 Sobre esta aproximação veja-se a dissertação de doutoramento de Silva (2015).

106 CSD, n.º 20, 27-01-1823, p. 595.

107 Radicalizando-se as opiniões: seriam, de facto, mulheres inocentes e mal pagas, à mercê de todo o tipo de perigos, mormente da sífilis, ou antes, assassinas sem escrúpulos, que deviam ser multadas por cada exposto que deixassem morrer? CSD, n.º 20, 27-01-1823, p. 601.

108 DC, n.º 12, 12-02-1822, p. 158.

109Discutido em 30 de maio de 1822 (DC, n.º 22, 30-05-1822, p. 324), com decisão favorável em junho seguinte, para os expostos nascidos em Portugal, DC, n.º 38, 21-06-1822, p. 520.

110 DC, n.º 33, 11-03-1822, p. 438.

111 CSD, n.º 20, 27-01-1823, pp. 601-602.

112DC, n.º 12, 12-02-1822, p. 160.

113 CSD, n.º 13, 17-01-1823, p. 501.

114 DC, n.º 209, 25-10-1821, pp. 2795-2976.

115 Assunto novamente discutido em março do ano seguinte. DC, n.º 33, 11-03-1822, pp. 432-436.

116 DC, n.º 20, 26-08-1822, pp. 237-238.

117 A 30 de setembro de 1822. Oliveira (1992, pp. 105-107).

118Por uns pares apelidado de “egoísta”, “cobarde” e “inconsistente”, Câmara (1989, p. 10).

119 Tese defendida por Câmara (1989, pp. 196-198).

120Presidida por José Pinheiro de Freitas Soares, seis dias depois substituído por Soares Franco. Extinta em 1823, só voltou na década seguinte, novamente sob a presidência de Soares Franco, Câmara (1989, pp. 211-212).

121Sobre as implicações da reforma da assistência aos expostos decretada por Passos Manuel em 19 de setembro de 1836 é imprescindível a, supra citada, obra de Maria Antónia Lopes.

122 Segundo a opinião, entre outros, de Subtil (2015, pp. 288 e ss).

123 CSD, n.º 20, 27-01-1823, p. 603.

124 Sobre este o decreto de 19 de setembro de 1836, e a sua relevância para a assistência no século XIX, consultem-se as supra citadas obras de Maria Antónia Lopes.

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