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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.222 Lisboa mar. 2017

 

ARTIGO

Justiça transicional e clivagem esquerda/direita no parlamento português (1976-2015)

Transitional justice and left-right cleavage in the Portuguese parliament (1976-2015)

 

Filipa Raimundo*

*Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Avenida Prof. Aníbal de Bettencourt, 9 — 1600-189 Lisboa, Portugal. E-mail: filipa.raimundo@ics.ulisboa.pt

 

RESUMO

 

Este artigo analisa o comportamento dos partidos políticos parlamentares durante o processo de tomada de decisão sobre como lidar com o passado autoritário em Portugal entre 1976 e 2015. O objetivo é analisar a importância da clivagem esquerda/direita vis-à-vis outros fatores explorados pela literatura. Através deste estudo procuramos perceber em que medida é que a iniciativa e o apoio dado às medidas de justiça transicional no parlamento podem ser explicados com base na ideologia dos partidos proponentes. A principal conclusão é que a ideologia por si só não explica o comportamento dos partidos e que fatores como a clivagem governo/oposição e os legados da transição ajudam a explicar os padrões identificados.

Palavras-chave: justiça transicional; iniciativas legislativas; partidos políticos; parlamento; Portugal.

 

ABSTRACT

 

This article analyzes the behavior of parliamentary parties during the decision-making process on how to deal with the authoritarian past in Portugal from 1976 to 2015. The goal is to examine the importance of the left-right cleavage vis-à-vis other factors explored in the literature. Through this study we aim to understand the extent to which party ideology explains the initiative and the support given to transitional justice initiatives in parliament. The main conclusion is that ideology on its own does not explain party behavior and that other factors such as the government/opposition cleavage and the legacies of the transition help explain the observed patterns

Keywords: transitional justice; legal initiatives; political parties; Parliament; Portugal.

 

INTRODUÇÃO

 

Depois da terceira vaga de democratizações, as políticas de justiça transicional tornaram-se não apenas parte dos processos de mudança de regime, como parte das políticas que são (ou podem ser) repetidamente colocadas na agenda ao longo da democracia consolidada (Elster, 2004; Golob, 2008; Horne, 2009; Collins, 2010; Raimundo, 2012). Se no início dos anos 90 do século XX, os estudos existentes apontavam fundamentalmente para a importância dos fatores associados à ação dos atores no processo mais amplo de mudança de regime (Huntington, 1991; Welsh, 1996; Williams, Fowler and Szczerbiak, 2005), tornou-se necessário identificar outros fatores, para além do modo de transição, que permitissem explicar diferentes abordagens sobre como lidar com o passado autoritário após o período de democratização. Com algumas exceções (Szczerbiak, 2002; Calhoun, 2004; Grodsky, 2008; Aguilar, 2008a; Nalepa, 2010; Pinto e Morlino, 2011) esta literatura tende a dedicar pouca atenção ao perfil político-ideológico dos decisores no processo de adoção de políticas de justiça transicional. O nosso argumento é que a análise do perfil político-ideológico, assim como das preferências dos decisores, é fundamental para compreender a razão pela qual as democracias aplicam ou rejeitam determinadas políticas de ajuste de contas com o passado em detrimento de outras.

Estudos recentes demonstram que a capacidade institucional dos atores nacionais com vontade política para propor e implementar medidas de justiça transicional é um fator determinante para explicar diferentes estratégias e políticas nacionais para lidar com o passado (Raimundo, 2012). Contudo, poucos estudos se dedicaram a identificar quem são os atores com “vontade política” nesta matéria. Podemos assumir que esta vontade política tende a ser representada por atores que recusam que o passado autoritário “caia” no esquecimento. Esses tenderão provavelmente a ser mais ativos na elaboração de propostas de medidas de punição (como a incriminação, o saneamento ou a restrição dos direitos políticos dos responsáveis pelo regime anterior), de reparação (quer financeira, quer da reintegração profissional das vítimas da ditadura), de investigação (sobre a repressão e a responsabilidade política pela violação de direitos humanos) e de memorialização (de quem integrou a oposição, dos atos de resistência, da luta pela democracia). Neste sentido, torna-se importante investigar em que medida é que a ideologia é um fator relevante para explicar as opções tomadas pelos atores políticos.

Este artigo analisa o comportamento dos partidos políticos parlamentares portugueses durante os momentos de tomada de decisão sobre como lidar com o passado autoritário entre 1976 e 2015. A principal questão a que tentaremos dar resposta é a seguinte: quão relevante é a ideologia para explicar o comportamento dos partidos parlamentares em matéria de justiça transicional em Portugal? O objetivo é perceber em que medida é que a clivagem esquerda/direita influencia a decisão de apresentar, apoiar ou recusar medidas para lidar com o passado autoritário no parlamento e se outros fatores podem ajudar a explicar o comportamento dos partidos.

O artigo está organizado da seguinte forma. Na primeira parte apresentamos um enquadramento teórico a partir do qual formulamos as nossas expectativas. Na segunda, apresentamos os métodos e dados utilizados e explicamos as características do caso português. Nas secções seguintes analisamos as leis e as iniciativas legislativas existentes e testamos as teorias previamente apresentadas. O artigo conclui com algumas considerações acerca da relevância da clivagem esquerda/direita para explicar o comportamento dos partidos políticos portugueses em matéria de justiça transicional em Portugal vis-à-vis os outros fatores analisados.

 

A JUSTIÇA TRANSICIONAL E A CLIVAGEM ESQUERDA/DIREITA

 

Sabemos ainda muito pouco acerca do perfil político-ideológico dos decisores e do seu papel explicativo no processo decisório em matéria de justiça transicional. Existem diversos estudos que apontam para o papel determinante dos movimentos sociais na decisão de introduzir ou alterar políticas de justiça transicional (Arthur, 2009; McEvoy e McGregor, 2008), mas fica por explicar quem são os atores político-institucionais que transformam essas reivindicações coletivas em propostas e promessas políticas e porquê. Outros estudos apontam para a importância da linguagem dos direitos humanos ou para os princípios da democracia liberal nos avanços verificados neste domínio (Calhoun, 2004), mas fica por explicar em que medida é que esses são fatores necessários ou suficientes e de que forma é que eles são partilhados pelos atores políticos envolvidos no processo decisório. Saber quem são os atores com capacidade institucional para mudar as políticas de justiça transicional e o que explica as suas preferências e vontade política para introduzir essas mudanças é, assim, um objetivo por cumprir.

O caso português sugere, por um lado, que a clivagem esquerda/direita pode ser um fator importante e, por outro lado, que os partidos poderão ter um comportamento distinto dependendo de estas medidas serem discutidas durante a fase de incerteza da transição democrática ou durante a consolidação e estabilização das instituições. A investigação existente sobre justiça transicional durante a transição portuguesa revela que os partidos políticos representados na Assembleia Constituinte (1975-1976) dividiram-se entre aqueles que se manifestaram a favor de medidas punitivas de justiça transicional, à esquerda do espectro político, e aqueles que adotaram um silêncio estratégico, à direita do espectro político (Raimundo, 2015b). O comportamento dos últimos explica-se particularmente com base no enviesamento do espectro político durante os anos da transição. Mas o comportamento dos partidos de esquerda, para lá da posição favorável ao ajuste de contas, apresenta diferenças significativas. Ainda não sabemos se estes padrões se mantêm após a consolidação da democracia, mas estas conclusões permitem-nos verificar que os partidos políticos situados à esquerda e à direita do espectro político apresentaram um comportamento distinto, ainda que não polarizado, sobre as questões do passado, mostrando que a ideologia é um fator importante para explicar o comportamento dos partidos parlamentares em Portugal, pelo menos nesta fase da mudança de regime. É possível que o realinhamento do espectro político no final dos anos 1970 tenha alterado o padrão de comportamento dos partidos de direita, mas a expectativa é que ele se mantenha distinto dos partidos de esquerda.

Essa expectativa mantém-se quando consideramos a literatura sobre os países pós-comunistas, em relação aos quais existem alguns estudos nesta área. Esta literatura mostra que no contexto pós-comunista tanto os partidos com origem na oposição à ditadura, como os partidos herdeiros do regime anterior apresentaram por vezes comportamentos não coerentes com as expectativas, tendo em conta a sua ideologia. No primeiro caso, isso deve-se ao fator “esqueletos no armário”, isto é, à existência de dissidentes comunistas que terão colaborado com os serviços secretos antes de integrarem a oposição ao regime. Como consequência, partidos que se esperaria que apoiassem certas medidas de justiça transicional, dada a sua ideologia, não o fizeram, com receio que isso lhes fosse prejudicial (Nalepa, 2010). No caso dos segundos, essa incoerência traduziu-se na intenção de punir os indivíduos que colaboraram com os serviços secretos durante o regime, apresentando iniciativas legislativas nesse sentido, mesmo que isso representasse uma autopunição.1 Esse fenómeno tem sido interpretado como uma “ação preventiva” iniciada quando estes partidos se encontram no governo. Neste segundo caso, ao anteverem uma derrota eleitoral nas eleições seguintes, os partidos pós-comunistas tentam evitar a perseguição política por parte do partido melhor posicionado para vencer as eleições, aprovando medidas moderadas de ajuste de contas com o passado, esperando desta forma encerrar o assunto (Nalepa, 2010, p. 213).

Os estudos existentes sobre o regime autoritário português e sobre os partidos políticos que emergiram depois da transição sugerem que a teoria dos “esqueletos no armário” e da “ação preventiva” poderão não ser úteis para explicar o caso português. Apesar da importância que a polícia política teve durante o regime de Salazar e Caetano, e não obstante a sua extensa rede de informadores, a (quase) ausência do fenómeno de dissidência no caso português – mesmo tendo em conta a chamada Ala Liberal, considerada uma “semi-oposição” (Fernandes, 2007) – faz com que o efeito “esqueletos no armário” não seja esperado em Portugal. Da mesma forma, a ausência de partidos pós-salazaristas faz com que nenhum partido com representação parlamentar em Portugal seja herdeiro do regime anterior ou defenda o status quo ante, pelo que não deverá temer a adoção de medidas punitivas ou sentir-se particularmente atacado por elas. Isso fará com que a ideologia possa ser um fator mais importante em Portugal (e porventura na Europa do Sul) do que na Europa de Leste. Por outras palavras, em Portugal espera-se que os partidos à esquerda do espectro político votem de forma positiva e coerente as propostas de medidas punitivas de justiça transicional, por não terem nada a temer; e espera-se que os partidos de direita não apresentem medidas autopunitivas, mas que também não se apresentem como forças de bloqueio perante as propostas da esquerda, e que em alternativa se abstenham, por não lhes ser eleitoralmente favorável votar ao lado da esquerda sobre questões relacionadas com a memória histórica e a narrativa do passado.

Se as expectativas no que toca às teorias do “esqueletos no armário” e da “ação preventiva” são negativas, outros fatores identificados em contextos pós-autoritários poderão ter uma maior capacidade explicativa. A teoria da “ação preventiva” admite ao mesmo tempo que a clivagem governo/oposição pode ser importante, algo que é explorado por outros autores. Um estudo recente sobre o caso espanhol sugere que em Espanha o comportamento do maior partido de esquerda (PSOE), herdeiro da luta antifascista, resulta de uma instrumentalização do passado decorrente do facto de a justiça transicional se ter transformado numa arma de competição política, fazendo com que a política partidária a este nível seja menos influenciada pela ideologia e também menos coerente do que seria de esperar. Por outras palavras, o PSOE terá apresentado e apoiado medidas enquanto partido da oposição que mais tarde teve relutância em aprovar enquanto partido de governo (Aguilar, 2008b, pp. 427-428). Tendo em conta as semelhanças entre Espanha e Portugal relativamente ao seu passado autoritário e à matriz ideológica do maior partido de esquerda (o PSOE e o PS, respetivamente), é de esperar que o mesmo comportamento se verifique em Portugal.

Um outro fator que, de acordo com a literatura, poderá ajudar a explicar o comportamento dos partidos é o legado da transição. A literatura sobre Portugal demonstra que depois de cerca de dois anos de transição, a esquerda ficou fraturada entre os “perdedores” da transição – o PCP – e os “vencedores” da transição – o PS (Louçã, 2016). Esse foi um legado com consequências duradouras para a democracia portuguesa e com implicações ao nível quer da formação de governos, quer da criação de alianças à esquerda (Pinto e Raimundo, 2014). Durante 40 anos de democracia não houve diálogo ao nível nacional entre os principais partidos de esquerda, o que poderá refletir-se também na predisposição para assumirem a mesma posição em matéria de justiça transicional. Assim, a tendência já identificada nos estudos anteriores para uma diferenciação no comportamento dos partidos dentro da esquerda deverá ser confirmada. Espera-se, contudo, que esse efeito possa ser mitigado durante os governos do PSD. De acordo com um estudo recente, durante esses governos terá havido uma estratégia de “silenciamento” da memória do autoritarismo através da construção de uma “memória negativa da Revolução que procura bloquear a expressão da memória da resistência” (Loff, 2015, p. 64). Consequentemente espera-se que a esquerda se apresente menos alinhada do que a direita no seu comportamento de voto em matéria de justiça transicional, exceto durante os governos do PSD.

 

OS MÉTODOS E OS DADOS

 

Este artigo analisa e compara o comportamento dos partidos políticos no parlamento português entre 1976 e 2015 relativamente às iniciativas legislativas sobre justiça transicional, com o intuito de perceber qual a importância da clivagem esquerda/direita. Através desta análise procurámos, em primeiro lugar, identificar quem são os partidos com “vontade política” para ajustar contas com o passado. Neste contexto, definimos “vontade política” como a decisão de apresentar iniciativas legislativas.2 Em segundo lugar, procurámos identificar quem são os partidos que apoiam e rejeitam aquelas iniciativas. Assim, incluímos apenas partidos que estiveram pelo menos cinco anos no parlamento, de forma a termos um número suficiente de observações.

Tendo em conta que existe uma diferença temporal de dois anos entre a entrada em funções do parlamento e o início da transição (sobre o qual falaremos adiante), houve necessidade de analisar também a legislação publicada entre 1974 e 1976 com o intuito de ponderar as expectativas relativamente ao posicionamento dos partidos políticos. Assim, comparámos o número de leis publicadas até 1976 com o número de iniciativas discutidas no parlamento depois de 1976, considerando a orientação geral da justiça transicional em ambos os casos. O pressuposto é o de que quanto maior o número de leis aprovadas antes da entrada em funções da AR e quanto maior for a enfâse sobre os responsáveis e colaboradores do regime durante os primeiros anos, menor será a tendência para a polarização do debate no parlamento e, consequentemente, menor será a expectativa sobre a importância da clivagem esquerda/direita.

Neste sentido, procedemos a uma recolha de dados relativos ao período 1974-20153 a partir de três fontes: 1) o arquivo das iniciativas legislativas, disponível no sítio oficial da Assembleia da República (AR) ( http://www.parlamento.pt), complementada pelos dossiês das iniciativas legislativas dos anos 1976 a 1997 (indisponíveis na íntegra na página oficial) depositados no Arquivo da AR; 2) o arquivo dos debates da Assembleia da República, também disponível no sítio oficial da AR; e 3) a base de dados de legislação oficial disponível através do sítio http://dre.tretas.org/about/. Em ambos os casos – iniciativas legislativas e legislação publicada – aplicámos a técnica de recolha apelidada “bola de neve”, partindo de palavras-chave extraídas da literatura e de conclusões de investigações anteriores (Raimundo, 2012).

A partir daquela recolha construímos duas bases de dados, uma constituída por 102 diplomas legais4 e outra por 36 iniciativas legislativas. No primeiro caso, codificámos o ano de publicação e o corpo emissor; no segundo caso, codificámos a autoria e a situação do partido proponente enquanto governo ou oposição. No primeiro caso, a unidade de análise são as leis (em sentido lato); no segundo caso, a unidade de análise são as votações em plenário. Numa parte da análise, o número de casos não corresponde ao número de iniciativas por duas razões: primeiro, as iniciativas que foram votadas conjuntamente foram consideradas apenas um caso e, segundo, as iniciativas que foram votadas quer na generalidade, quer na votação final global foram consideradas dois casos, já que os partidos não votam necessariamente da mesma forma nos dois momentos. Na fase da generalidade, os diplomas são integralmente da responsabilidade dos grupos parlamentares que os subscrevem, antes da discussão na especialidade, o que nos permite avaliar qual a recetividade de cada partido em relação às propostas, tais como elas foram apresentadas pelas bancadas parlamentares que os assinam. A fase da votação final global é a fase em que os diplomas regressam ao plenário, vindos da comissão parlamentar competente, onde por vezes existem processos de fusão entre iniciativas semelhantes. Diferentemente da votação anterior, o que aqui está em causa não é tanto a recetividade face às propostas originais dos partidos, mas sim em que medida é que os partidos estão dispostos a dar o seu apoio aos diplomas tal como eles foram aprovados na comissão competente e que irão constituir as leis que definem a forma como o Estado pune, repara, investiga e/ou divulga os legados do autoritarismo em Portugal. Entre a votação na generalidade e a votação final global as iniciativas são discutidas e possivelmente alteradas dentro da comissão competente e são também sujeitas a votação, contudo essa votação não foi analisada por falta de dados sobre o comportamento de voto dos partidos. Para além disso, as propostas de resolução são submetidas a uma votação única em plenário, designada por votação deliberação. Optámos por comparar diretamente as várias votações já que, apesar daquelas diferenças, elas são comparáveis nos aspetos que interessam à nossa análise. Por fim, tanto no caso da legislação como das iniciativas legislativas codificámos cada caso com base em quatro eixos: “investigação e verdade”, “justiça e reconciliação”5,“educação e memorialização” e “reparação e reconhecimento”, e isso permitiu-nos comparar os dois tipos de dados.

O caso português foi escolhido por constituir um bom laboratório para testar as teorias acima apresentadas. Apesar de o regime autoritário ter ­recorrido pouco ao terrorismo de Estado, a democracia portuguesa encontra-se entre as que aplicaram uma maior diversidade de medidas de justiça transicional desde o início da transição (Olsen, Payne e Reiter, 2010). Entre as medidas adotadas em Portugal para lidar com o passado inclui-se, em sentido lato: o exílio forçado do primeiro-ministro e do chefe de Estado; o julgamento de 2667 funcionários e informadores da principal instituição repressiva; o saneamento dos colaboradores do regime, tanto no sector público como no privado; uma comissão de investigação com características semelhantes às de uma comissão de verdade; diversas medidas de reconhecimento e reparação das vítimas, incluindo a amnistia aos presos políticos, desertores e refratários, a reintegração de indivíduos afastados da função pública, e a compensação financeira por diversas ações de luta e resistência; e ainda algumas ações de memorialização e preservação de locais simbólicos (Raimundo, 2015a). Ainda que muitas daquelas medidas tenham sido adotadas de forma ad-hoc (como o exílio forçado), a grande maioria foi enquadrada por legislação aprovada desde o primeiro dia da transição, o que nos permite analisar quando e quem aprovou que medida. Para além disso, a rápida institucionalização e relativa estabilidade do sistema partidário ao longo de quarenta anos facilita a análise longitudinal do comportamento dos partidos face ao seu posicionamento na escala esquerda/direita.

A análise do comportamento dos partidos inicia-se em 1976 porque durante os dois primeiros anos da transição portuguesa não existiu uma assembleia legislativa composta por representantes do povo. A Assembleia Constituinte, que vigorou entre abril de 1975 e abril de 1976, não possuía poderes legislativos, apenas constitucionais, e as forças políticas nela representadas foram sujeitas aos chamados “Pactos MFA/Partidos”, que no essencial pretendiam reduzir a atuação dos partidos políticos e assegurar os poderes dos militares que conduziram a transição (Rezola, 2007).

O parlamento só reabriu como “Assembleia da República” na sequência das eleições de abril de 1976. A decisão de analisar o comportamento dos partidos parlamentares ao longo de 40 anos resultou também do facto de quatro dos partidos que têm sido eleitos consecutivamente desde 1976 concentrarem 80 a 90% dos votos (Jalali, 2007). À esquerda destacam-se o Partido Socialista (PS) – fundado em 1973 por antifascistas, socialistas e republicanos e inspirado e apoiado pela social-democracia europeia – e o PCP – um partido marxista-leninista ortodoxo fundado em 1921, que sobreviveu na clandestinidade durante todo o Estado Novo. Para além do PS e do PCP, há a referir dois outros partidos de esquerda. Até 1983, esteve representado na Assembleia da República um partido de extrema-esquerda chamado União Democrática Popular (UDP), com um deputado; a partir de 1999, um partido com origem na UDP e em outros pequenos partidos trotskistas e maoístas, o Bloco de Esquerda (BE), conseguiu obter representação parlamentar em todas as eleições legislativas. Do outro lado do espectro político, a elite que se apresentou marcadamente à direita durante a transição não conseguiu vingar, quer por ausência de estratégia, quer por falta de liderança ou de coesão interna, quer ainda pelo contexto revolucionário (Marchi, 2012). Houve no fundamental um partido que permitiu que alguns ex-elementos da elite política da ditadura se mantivessem na cena política nacional: o Centro Democrático Social (CDS), criado em julho de 1974. Já os membros da chamada “semi-oposição”, representada pela Ala Liberal, que durante os anos 1968-1974 utilizou os seus lugares na Assembleia Nacional para tentar forjar um processo de liberalização do regime, na sua grande maioria fundaram ou aderiram a um novo partido de centro-direita, o Partido Social Democrata (PSD) (Fernandes, 2007). Assim, outro aspeto importante é o facto de a esquerda se caracterizar pelo seu passado de oposição à ditadura, enquanto a direita não representa uma corrente pós-salazarista.

Por fim, é igualmente importante ter em conta que a transição democrática foi marcada por um dualismo na organização do poder político (Fernandes, 2009). Civis e militares partilharam o poder político; legitimidade revolucionária e democrática coexistiram. Isto contribuiu para a coexistência de instituições com poderes sobrepostos e com diferentes entendimentos sobre as políticas a seguir, nomeadamente em áreas como a justiça transicional. Só em 1982 é que se procede a uma revisão constitucional que pôs fim a esse período de exceção e se concluiu a transição e consolidação democráticas (Linz e ­Stepan, 1996).

 

UMA VISÃO GERAL SOBRE AS LEIS E OS EIXOS DA JUSTIÇA TRANSICIONAL

 

Antes de entrarmos diretamente na questão da ideologia, é importante perceber qual o peso relativo que o parlamento teve e tem tido no âmbito da justiça transicional em Portugal. Em que medida é que a AR, ao iniciar funções dois anos depois do início da transição democrática, tentou manter ou alterar o tipo de políticas de justiça transicional adotadas até então? Este aspeto é importante para perceber em que medida é que o comportamento dos partidos é uma reação a iniciativas que tentam introduzir mudanças significativas sobre o rumo da justiça transicional ou que pretendem manter no essencial a mesma linha de orientação adotada até então. Para além disso, também nos permite verificar se o eixo que é habitualmente mais polarizador – justiça e reconciliação – esteve em destaque na AR ou não. A figura 1 compara o peso relativo de cada um dos eixos da justiça transicional no caso da legislação e das iniciativas legislativas. A leitura do gráfico sugere que ao nível da legislação existe uma maioria de leis no eixo “justiça e reconciliação”, embora no ­parlamento esse eixo tenha sido menos importante do que os eixos “reparação e reconhecimento” e “investigação e verdade”. Ou seja, o tipo de leis que se prevê que conduzam a maior polarização – no eixo justiça e reconciliação – não são aquelas sobre as quais os partidos incidiram no parlamento.

 

 

Para compreendermos melhor esta questão, a figura 2 mostra a legislação sobre justiça transicional por corpo emitente. Esta análise mostra que mais de metade da legislação foi aprovada por instituições militares (JSN, CR, CCEMFA)6 e provisórias (para além das anteriores, os governos provisórios). Isto significa que as leis e resoluções7 aprovadas pela AR constituem, em termos puramente quantitativos, uma percentagem reduzida da legislação publicada até hoje neste domínio: 16 por cento.8 Isto sugere que o papel da AR neste processo foi relativamente diminuto e, juntamente com a análise da figura 1, leva-nos a considerar que os temas em debate não tendem a ser geradores de grande polarização ideológica. Dito isto, veremos em seguida qual a importância da ideologia no comportamento dos partidos parlamentares.

 

 

 

AS INICIATIVAS LEGISLATIVAS SOBRE A JUSTIÇA TRANSICIONAL

 

De acordo com os dados recolhidos, o número de leis aprovadas pela AR constitui menos de metade das iniciativas legislativas apresentadas pelos deputados das diversas bancadas parlamentares ao longo de 40 anos de democracia. Entre 1976 e 2015, os grupos parlamentares da UDP, PCP, BE, PS, PSD e CDS apresentaram quer a título individual, quer conjuntamente, um total de 36 iniciativas legislativas relacionadas com o passado, incluindo projetos de lei e de resolução enquanto o executivo apresentou uma única proposta de lei. A primeira foi apresentada em Dezembro de 1976 e a mais recente em junho de 2015. Ainda que não existam dados que nos permitam apresentar uma análise comparada, podemos afirmar que a atividade parlamentar sobre temas de justiça ­transicional em Portugal entre abril de 1976 e agosto de 2015 foi pouco intensa, mas constante, contrariando a tese veiculada pela literatura dos anos 1990 e 2000, segundo a qual as questões relativas ao passado não democrático se resolvem durante a transição à democracia (Huntington, 1991; Elster, 2004).

A figura 3 apresenta o número das iniciativas apresentadas e aprovadas, por bancada parlamentar.9 Somando as iniciativas apresentadas pelos partidos à esquerda do espectro político (22) e aquelas apresentadas pelos partidos à direita (7), podemos concluir que os partidos de esquerda têm sido mais ativos na apresentação de iniciativas legislativas nesta matéria do que os partidos de direita, o que vai ao encontro das nossas expectativas. Os dados revelam que os dois partidos que mais propostas apresentaram até à data foram o PS e o PCP, ambos partidos de esquerda. À esquerda do PCP, o número de propostas é muito inferior, mas isso não nos permite retirar grandes conclusões sobre a vontade política destes partidos em legislar sobre esta matéria, já que o número de anos de experiência parlamentar, tanto no caso da UDP como do BE, é muito inferior ao do PS e do PCP. Mais surpreendente é o facto de o terceiro partido com o maior número de iniciativas ser o CDS, o partido mais à direita.

 

 

A análise dos debates parlamentares revela uma dupla estratégia por parte do CDS: por um lado, uma estratégia de desincentivo à divulgação da memória através da tentativa de regulação do acesso aos arquivos; por outro lado, uma estratégia de não oposição às medidas apresentadas pela esquerda. No primeiro caso, a estratégia do CDS observa-se nas propostas apresentadas relativamente aos arquivos, que visavam limitar a sua consulta, criminalizar o seu uso indevido, e devolver aos proprietários os documentos apreendidos pelo Estado Novo; no segundo caso, o CDS não se opõe às iniciativas dos partidos de esquerda mas em troca reivindica a inclusão da memória e do legado da transição. Fá-lo por duas vezes, primeiramente em relação a uma iniciativa do PCP que visava impedir a constituição de partidos de ideologia fascista, em que o CDS sugere que se impeça a constituição de partidos que defendam toda e qualquer forma de “totalitarismo”, numa alusão clara às alegadas intenções do PCP durante a transição; em segundo lugar, fá-lo em relação a uma iniciativa que visava a reparação das vítimas do Estado Novo, da autoria do PS, propondo que esta seja alargada também às vítimas da transição (dos processos de saneamento, das detenções e do exílio a que foram forçados em consequência da perseguição política durante o período de radicalização), mesmo que a título simbólico. Depois de votar contra a iniciativa original, a bancada parlamentar do CDS chega mesmo a apresentar uma declaração de voto com o intuito de clarificar que não se tratou apenas de “um voto contrário, mas uma especial censura política a este branqueamento da nossa história recente”. Este comportamento está próximo do que é descrito pela tese do silenciamento da memória (Loff, 2014), ou seja, uma tentativa de passar uma imagem negativa da transição. Assim, preferimos interpretar este comportamento do CDS como uma consequência do “duplo legado”, o do autoritarismo e o da transição (Pinto, 2006).

Uma outra tendência evidenciada pela leitura do gráfico é a de que os partidos mais próximos dos extremos ideológicos apresentam maior dificuldade na aprovação das suas iniciativas nesta área. Tanto no caso da UDP como do CDS, a taxa de sucesso foi zero. Curiosamente, a maior taxa de sucesso é a do PSD, sendo que nestes casos tratou-se de iniciativas que foram discutidas conjuntamente com outros e que resultaram em leis que refletem uma posição geral.

Contrariamente às nossas expectativas, entre as 36 iniciativas apresentadas ao longo dos 40 anos de democracia existiram seis propostas conjuntas que envolveram partidos à esquerda e à direita do espectro político, o que à partida contraria a importância da ideologia. Para além disso, essas seis propostas foram na sua quase totalidade apresentadas entre 1982 e 1990, ou seja, nos anos imediatamente a seguir à consolidação da democracia. Isto reforça a conclusão anterior, uma vez que seria de supor que a predisposição dos partidos para apresentarem medidas conjuntas diminuísse com o realinhamento do espectro partidário ao centro.

Para além da questão da autoria, coloca-se também a questão do voto. A figura 4 identifica a percentagem de iniciativas que foram rejeitadas e que caducaram, assim como aquelas que foram aprovadas por unanimidade e por maioria.10 Os dados mostram que a maioria das iniciativas foi aprovada por unanimidade. Essa percentagem é de 50 por cento nas votações na generalidade e de 55 na votação final global. A análise individual das iniciativas que foram submetidas a estas duas votações mostra que os consensos não se formam nem se quebram no interior das comissões parlamentares. Regra geral, as iniciativas que são votadas por unanimidade na generalidade, voltam a sê-lo na votação final global, e as iniciativas que não gozam de unanimidade na primeira votação, são aprovadas por maioria na segunda votação. No caso da votação deliberação, referente às resoluções e outras iniciativas não de lei, a percentagem de aprovação por unanimidade é de 75 por cento. Em qualquer dos casos, este padrão indica que a ideologia não pesa muito no momento de aprovar este tipo de legislação. O mesmo tipo de conclusão pode ser extraída da análise do número de iniciativas rejeitadas, que é quase nulo, constituindo apenas 10 por cento dos casos na fase da votação na generalidade. Nos restantes casos, não há registo de votos contra que tenham levado à rejeição das iniciativas.

 

 

Nas secções seguintes apresentamos um conjunto de análises que nos permitem compreender em que medida é que os fatores extraídos da literatura ajudam a explicar o comportamento dos partidos parlamentares no caso português.

 

ALGUÉM SE OPÕE?

 

A percentagem de iniciativas rejeitadas apresentada na figura 4 é muito marginal e surge de ambos os lados do espectro político: num caso tratou-se de uma iniciativa do CDS que foi rejeitada por uma maioria constituída pelas bancadas do PS e do PCP; no outro caso tratou-se de uma iniciativa do BE que foi rejeitada por uma maioria constituída pelas bancadas do PSD e do CDS. Este último caso ocorreu em 2012, durante o governo de coligação PSD/CDS marcado por uma elevada crispação e polarização ideológica. Contudo, em 2015, durante esse mesmo governo, houve duas propostas de resolução que foram aprovadas no eixo “educação e memorialização” com o voto favorável dos partidos da esquerda e a abstenção da direita.

O tipo de diploma não parece ser um aspeto despiciendo para compreender a razão pela qual a direita se posiciona raras vezes contra este tipo de medidas: quase metade das medidas aprovadas nesta área são resoluções da AR, ou seja, têm uma importância muito inferior às leis, já que as resoluções constituem tomadas de posição do órgão legislativo, mas não vinculam o governo. Neste sentido, a opção por não rejeitar as iniciativas pode ter mais a ver com o tipo do que com o conteúdo da iniciativa. Esta ideia fica reforçada com o exemplo de 2015, um caso em que, de acordo com a imprensa, o governo já se havia manifestado contrário à iniciativa antes da sua chegada ao parlamento em forma de petição. Ambas as resoluções referidas resultaram de uma petição que reclamava a concretização de um “tributo aos mártires do século XX” na antiga sede da PIDE, no Porto, apresentada pela União dos Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP), uma associação ligada ao PCP, depois de cinco anos de conversações falhadas com a instituição militar e com o governo.11 Apesar da abstenção dos partidos do governo (PSD e CDS) em 2015, é sabido que o executivo composto por estes partidos já se havia manifestado contrário a esta iniciativa, como fica claro através de um despacho de 2012 em que o Ministério da Defesa afirmava não ser oportuno “qualquer evento deste tipo em instalações militares”.12

A percentagem reduzida de iniciativas rejeitadas não traduz necessariamente a existência de poucos votos contra, já que eles podem ser apresentados em situações em que exista uma maioria a favor. O que se verifica através da leitura da figura 5 é que os partidos políticos à esquerda do espectro político apresentaram menos votos contra e abstenções do que os partidos à direita. Um dos casos em que mais uma vez o PCP votou contra ilustra a tese do “duplo legado”, já que se tratou de uma proposta de inquérito parlamentar “ao eventual desvio de informações e documentos dos arquivos da PIDE/DGS para o KGB”, apresentada pelo PSD. Tratando-se de um tema relativo ao passado autoritário, a iniciativa coloca em causa o PCP como principal detentor da memória do autoritarismo, condenando o seu papel durante a transição. Através da análise dos debates parlamentares é possível verificar que o PS teve alguma dificuldade em saber como se posicionar. Se por um lado votou com a direita a favor da iniciativa, por outro lado afirmou não querer apoiar “objetivos espúrios e circunstanciais de chicana política ou de julgamento simplista de uma fase complexa da nossa história recente” (DAR, 2/3/1995, p. 1638) Quanto aos partidos de direita, verifica-se uma grande coerência entre os dois partidos. Emitiram exatamente o mesmo número de votos contra e abstenções, perante os mesmos tipos de medidas, com maior incidência para as propostas sobre “justiça e reconciliação”. Há duas conclusões a retirar daqui. Em primeiro lugar, confirmando as expectativas, a direita parece estar mais coesa e uniforme nas suas posições relativamente à justiça transicional do que a esquerda. Em segundo lugar, a direita não parece estar particularmente interessada em bloquear este tipo de iniciativas já que, como se pode ver pela figura 5, sempre que um dos partidos vota contra o outro abstém-se. Estes dados parecem contrariar a tese do silenciamento da memória. De facto, as seis leis que foram aprovadas por maioria, conseguiram os votos a favor da esquerda e a conjugação entre um voto contra e uma abstenção à direita. Por outras palavras, a ausência de voto a favor por parte dos partidos de direita não inviabilizou a aprovação dos diplomas. Estes resultados sugerem que os fatores associados aos cálculos custo/benefício não parecem explicar o comportamento dos partidos.

 

 

A INSTRUMENTALIZAÇÃO DO PASSADO? A CLIVAGEM GOVERNO/OPOSIÇÃO

 

A figura 6 exibe o número de iniciativas apresentadas pelos partidos do “arco da governação” até 2015 (PS, PSD e CDS) distinguindo entre os períodos em que estiveram no governo e os períodos em que estiveram na oposição. Os dados indicam que só o PSD não apresentou mais iniciativas legislativas durante os anos em que esteve na oposição, quando comparados com os anos em que esteve no governo, ao contrário do que sucede com o PS e o CDS. Contudo, é necessário ter em conta o facto de o CDS ter estado no governo por um período de tempo inferior ao dos dois maiores partidos, concretamente 137 meses (maioritariamente em coligação com o PSD), contra os 204 e 250 do PS e do PSD, respetivamente. Contudo, o número de observações não permite extrair grandes conclusões.

 

 

Em seguida, analisamos o comportamento dos partidos de fora do “arco da governação” até 2015 (UDP, BE, PCP), diferenciando entre os períodos de governos do PS e do PSD + PSD/CDS (figura 7). Uma vez que a UDP, o BE e o PCP se situam todos à esquerda do espectro político, e tendo em conta que todos os governos de direita foram governos maioritários, é provável que aqueles partidos tenham percecionado que a probabilidade de verem as suas iniciativas aprovadas seria inferior durante os governos PSD ou PSD/CDS do que durante os governos PS. Neste sentido, esta análise possibilita uma outra forma de olhar para a questão da instrumentalização do passado por parte da esquerda, verificando se os partidos tentam retirar dividendos nesta matéria, forçando os governos do outro lado do espectro político a posicionar-se sobre o passado autoritário. O que se percebe analisando a figura 7 é que só existe uma estratégia claramente diferenciada, a do PCP, já que o número de iniciativas apresentadas por este partido mais do que duplica quando a direita está no governo.

 

 

Até agora constatámos que os partidos de esquerda foram os que mais iniciativas apresentaram, os que menos votaram contra e se abstiveram, e que votaram favoravelmente, juntamente com a direita, a maioria das iniciativas que foram aprovadas. Quererá isto dizer que esta esquerda, que saiu fragmentada da transição democrática, superou o legado da transição no momento de “legislar sobre o passado”? E como explicar o comportamento da direita no caso das iniciativas aprovadas por unanimidade? A secção seguinte dará resposta a estas questões.

 

APROVAÇÃO POR UNANIMIDADE E ALIANÇAS INTRABLOCO: QUAL O LEGADO DA TRANSIÇÃO?

 

Como referimos anteriormente, o número de iniciativas aprovadas por unanimidade é contrário às nossas expectativas. Por um lado, esperava-se que esquerda e direita não votassem no mesmo sentido; por outro lado, a hipótese de o legado da transição – dos perdedores e vencedores – apontava para uma esquerda fraturada e com comportamentos distintos. O número de iniciativas aprovadas por unanimidade põe em causa estas duas ideias, assim como a tese do silenciamento da memória, já que a maioria destas leis foi aprovada durante os governos do PSD. É portanto necessário compreender melhor este comportamento dos partidos com o auxílio da análise qualitativa.

As iniciativas votadas por unanimidade cobrem todos os eixos da justiça transicional. No eixo “reparação e reconhecimento” surgem duas propostas assinadas por todas as bancadas parlamentares relativas à trasladação dos restos mortais do candidato presidencial assassinado pela PIDE em 1965, ­Humberto Delgado, e uma proposta de reparação das vítimas da revolta de dia 18 de janeiro de 1934, uma revolta encetada por sectores anarcossindicalistas na Marinha Grande, e que foi apresentada pelo PCP. O facto de Delgado ser uma das poucas vítimas mortais do regime, e seguramente a mais conhecida, denota a ausência de controvérsia entre esquerda e direita sobre a narrativa do passado.

No eixo “educação e memorialização” surge uma resolução aprovada em 2008, que apesar de ser oficialmente da autoria de todas as bancadas parlamentares partiu de uma iniciativa do PS, e recomendava que o governo divulgasse a memória da luta pela democracia junto das gerações mais jovens.13As negociações foram encabeçadas por um “militar de Abril”, deputado pelo PS, que considerava que qualquer legislação neste âmbito só teria sentido se fosse aprovada por unanimidade, uma posição pouco comum nestes domínios.14 Segundo aquele deputado, a unanimidade esteve mais ameaçada pela intenção do PCP de apresentar a sua própria iniciativa – algo que chegou a concretizar, tendo posteriormente retirado em detrimento da do PS – do que pela relutância dos partidos de direita em fazer aprovar por unanimidade uma lei desta natureza.

No eixo “justiça e reconciliação” surge mais uma vez uma iniciativa do PS, desta vez relativa aos julgamentos dos funcionários e colaboradores da ­polícia política. Esta iniciativa emerge em resposta à decisão do CR de em 1976 (já depois da aprovação da Constituição) fazer uso dos seus agora limitados poderes legislativos para legislar sobre uma matéria que estava sob a jurisdição militar.15O decreto-lei do CR permitia que os tribunais considerassem sete atenuantes extraordinárias das penas previstas pela lei de incriminação (para além das 23 circunstâncias previstas no artigo 39.º do Código Penal).16 O preâmbulo da lei fazia alusão à necessidade de abandonar a legitimidade revolucionária e promover a consolidação da democracia, não permitindo que as lutas políticas se sobrepusessem ao Estado de Direito (Raimundo, 2007). Isso levou a que a bancada do PS apresentasse um projeto de lei que dava voz a reivindicações da sociedade civil e anulava as duas atenuantes mais controversas do decreto-lei do CR.17 Foi essa iniciativa, que visava enfrentar o poder políticos dos militares, que foi votada por unanimidade.

Os restantes dois diplomas aprovados por unanimidade dizem respeito aos arquivos da polícia política. É interessante notar que a questão dos arquivos tem sido uma das mais polémicas em democracias pós-autoritárias, fundamentalmente nos países pós-comunistas, dividindo habitualmente a esquerda e a direita. No caso português, este foi o único tema, entre as propostas aprovadas por unanimidade, em que a votação não refletiu o nível de controvérsia que os debates parlamentares revelam. Sobre a questão dos arquivos há a registar: uma iniciativa do CDS semelhante a uma ideia defendida pelo PS durante a Constituinte; um projeto de lei do governo PS/PSD; uma proposta conjunta envolvendo partidos do PCP ao PSD, e propostas individuais de quase todas as bancadas parlamentares.

Assim, os debates parlamentares confirmam que todos os casos de aprovação por unanimidade refletem ausência de clivagem ideológica. E quando não há unanimidade? Isso é um resultado de uma fratura ideológica? A figura 8 apresenta os dados relativos aos votos favoráveis dos grupos parlamentares do PCP, PS, PSD e CDS, segundo a origem dos diplomas.18 Através deste gráfico podemos analisar com que frequência é que cada um dos partidos votou favoravelmente as iniciativas vindas de outras bancadas parlamentares.

 

 

A figura mostra padrões de comportamento simétricos entre o PCP, por um lado, e o PSD e o CDS, por outro. Ou seja, o PCP apresenta um comportamento de voto em progressão descendente começando nas suas próprias propostas e terminando nas do CDS. No caso do PSD e do CDS, a tendência é idêntica, começando por votar favoravelmente as suas próprias iniciativas e decrescendo à medida que avançamos para a esquerda. O partido que foge a esta tendência é o PS, que tanto apoia as iniciativas da esquerda, como as da direita. Isto significa que os partidos de direita votam de forma muito idêntica enquanto os partidos de esquerda têm comportamentos de voto distintos.

 

CONCLUSÃO

 

O presente artigo analisou as iniciativas legislativas em matéria de justiça transicional em Portugal entre 1976 e 2015 procurando perceber quão relevante é a ideologia para explicar o comportamento dos partidos parlamentares em relação à justiça transicional em Portugal. A análise das teorias mostrou que para além da ideologia há outros fatores que ajudam a explicar o comportamento dos partidos.

A literatura existente sugeria que fatores como os cálculos custo/benefício, ou a clivagem governo/oposição, se poderiam sobrepor à ideologia. Testámos ambos os fatores analisando os votos contra e abstenções, por um lado, e o estatuto dos partidos no momento em que apresentaram as iniciativas, por outro. No primeiro caso, dada a ausência de “esqueletos no armário” e de partidos pós-salazaristas que pudessem beneficiar de “ações preventivas”, não se esperava que os cálculos custo/benefício se sobrepusessem à ideologia. Concluímos que nem a esquerda rejeitou medidas que seria de esperar que apoiasse, nem a direita aprovou medidas autopunitivas. No segundo caso, dadas as semelhanças com o caso espanhol, esperava-se que a clivagem governo/oposição pudesse ser relevante. Concluímos que o PS apresentou um número ligeiramente superior de iniciativas quando esteve na oposição e que o PCP apresentou um número significativamente superior de iniciativas durante os governos de direita. Estes resultados sugerem que a clivagem governo/oposição é relevante, mas o reduzido número de observações obriga-nos a alguma reserva em relação aos resultados.

Por último, analisámos a hipótese do legado da transição, segundo a qual a esquerda portuguesa estaria fraturada e por conseguinte os partidos não apresentariam um padrão comum de comportamento. Para tal, analisámos os votos a favor em cada uma das iniciativas. A conclusão a que chegámos é que o comportamento de voto do PS é distinto do do PCP. A análise qualitativa parece confirmar que o legado da transição é muitas vezes mais impactante do que parece supor.

Assim, a clivagem esquerda/direita tem algum impacto, mas moderado. O “duplo legado” parece gerar mais controvérsias do que o passado autoritário quando se legisla na área da justiça transicional. A direita utilizou efetivamente a memória da transição durante o processo legislativo, quer no conteúdo das suas propostas, quer através da forma como justificou o seu voto, e isso traduziu-se em dois aspetos: primeiro, na tentativa de penalizar o PCP pelo seu papel na transição – foi o caso da tentativa de alargar a proibição de constituição de partidos fascistas a todo o tipo de “totalitarismos” – e segundo, na tentativa de evidenciar os excessos e injustiças cometidos nesses anos – foi o caso da reivindicação para que as vítimas dos saneamentos, detenções e exílio durante a transição fossem compensadas.19

 

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Recebido a 22-06-2015. Aceite para publicação a 28-04-2016

 

NOTAS

1É importante notar que os partidos pós-comunistas com capacidade de vencer eleições nacionais são, na maior parte dos casos, os partidos reformados e mais moderados, não aqueles que recusaram alterar a sua ideologia e a sua imagem.

2A decisão de não incluir na análise as iniciativas não-legislativas prende-se com o facto de essa pesquisa ter produzido menos resultados, sendo por isso mais limitada nas conclusões que nos permitia extrair.

32015 foi o ano em que o legado da transição foi quebrado pela constituição de acordos bilaterais entre PS e PCP, e PS e BE que viabilizaram a constituição de um governo minoritário PS.

4Foram excluídos os diplomas relacionados com as questões da Guerra Colonial, descolonização e transição democrática por se considerar que não têm relação direta com o legado do Estado Novo enquanto regime não-democrático ou com o passado autoritário enquanto tal.

5O eixo “justiça e punição” não inclui apenas medidas para introduzir ou aumentar a punição contra os responsáveis e colaboradores do regime anterior, inclui também medidas que têm por objetivo reduzir o tipo ou a intensidade da punição ou mesmo reverter o processo.

6Entre abril de 1974 e março de 1975, a JSN assumiu grande parte do poder legislativo e atribuiu a um Conselho composto pelos Chefes de Estado Maior das Forças Armadas (CCEMFA) capacidade legislativa em matérias respeitantes a assuntos internos ou relativos à estrutura e organização das Forças Armadas. Após os acontecimentos do dia 11 de março de 1975, a JSN foi dissolvida e substituída pelo Conselho da Revolução (CR), que não só herdou os seus poderes legislativos (e os do CCEMFA) como assumiu a função de segunda câmara com poderes de fiscalização das normas constitucionais e das leis ordinárias (Magalhães, 1995; Rezola, 2007). Só em abril de 1976, com a aprovação da Constituição e a eleição direta do presidente da República e do primeiro governo constitucional, é que o poder político dos militares foi significativamente subalternizado, apesar da persistência de importantes prerrogativas até 1982 (Linz e Stepan, 1996). Essas prerrogativas incluíam a exclusividade do poder legislativo sobre assuntos relativos às Forças Armadas a nível doméstico (organização, funcionamento e disciplina) e a nível internacional (ratificação de acordos internacionais através de decretos-lei), assim como o estatuto de garante da constitucionalidade das leis, incluindo a possibilidade de declarar inconstitucionais os diplomas emanados do parlamento que não servissem a revolução.

7Entre os diplomas aprovados, o número de resoluções é superior ao número de leis. Tendo em conta que as resoluções não constituem atos normativos, o parlamento parece privilegiar a decisão de não vincular o governo nalgumas matérias, especialmente no eixo “memória e verdade”, como veremos adiante.

8Referimo-nos à legislação no sentido amplo do termo, incluindo leis, decretos-lei, resoluções e resoluções da AR, por órgão emitente.

9Neste gráfico não estão contempladas três leis do Orçamento Geral do Estado (Lei n.º 49/86, Lei n.º 101/89 e Lei n.º 75/83) onde constam artigos relativos à reparação e reconhecimento dos presos políticos da colónia penal do Tarrafal por não resultarem de iniciativas legislativas específicas. Estão também incluídas iniciativas que caducaram ou foram retiradas antes mesmo de terem sido votadas. Para além disso, houve duas iniciativas que deram origem à mesma lei (Lei n.º 46/78).

10Para além destas situações existem ainda casos de iniciativas que foram retiradas ou cujo desfecho não é conhecido mas essas não foram submetidas a votação por isso não constam deste gráfico.

11 Petição 503/XII/4 “Solicitam a intervenção da Assembleia da República para a concretização do “Tributo aos mártires do século XX” no local onde funcionou a sede da PIDE, no Porto”.

12 https://www.publico.pt/politica/noticia/exercito-oposse-ao-nucleo-museologico-sobre-a-pide-no-museu-militar-do-porto-1633555# (consultado em abril de 2016).

13 Resolução da Assembleia da República n.º 24/2008 (DR 122 Série I, 26-6-2008), Divulgação às futuras gerações dos combates pela liberdade na resistência à ditadura e pela democracia.

14Entrevista à autora, Lisboa, julho de 2011.

15Os julgamentos dos funcionários e colaboradores da polícia política decorreram em Tribunal Militar, como havia sido definido pela Lei n.º 8/75.

16Decreto-lei n.º 349/76 de 13 de maio (DR I Série, n.º 112, de 13-5-1976, p. 1066), Precisa as tipificações criminais, e regula a atenuação extraordinária, constantes do n.º 2 do artigo 2.º, do artigo 3.º, da alínea b) do artigo 4.º e dos artigos 5.º e 7.º da Lei n.º 8/75, de 25 de julho.

17Projeto de Lei n.º 28/1: Relativo a alterações do Decreto-Lei 349/76, de 13 de maio (incriminação e julgamento dos agentes responsáveis da PIDE/DGS) (suplemento n.º 50/I/1 4-12-1976 (pp. 7-7).

18Os dados relativos à UDP e ao BE não são diretamente comparáveis com os dos outros partidos uma vez que, em 40 anos de atividade parlamentar, aqueles só tiveram representação parlamentar durante sete e 16 anos, respetivamente. Por esse motivo, as análises que apresentamos abaixo não contemplam estes dois partidos. Sobre o processo legislativo em ­Portugal ver (Leston-Bandeira, 2000; Calca, 2015).

19Esta investigação teve o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior através da bolsa SFRH/BPD/86702/2012. A autora gostaria de agradecer aos colegas António Araújo, Cristina Leston-Bandeira, Guya Accornero, Jorge Fernandes, Octavio Amorim Neto e Riccardo Marchi, bem como aos autores dos dois pareceres anónimos, pelos comentários a versões anteriores deste artigo, que muito contribuíram para a melhoria do mesmo.

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