SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número222Justiça transicional e clivagem esquerda/direita no parlamento português (1976-2015)A captação do social e as armadilhas do método: aprendendo com Ruth Cardoso e seu jeito de ser índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.222 Lisboa mar. 2017

 

DOSSIÊ: CIÊNCIAS SOCIAIS CRUZADAS

Ciências Sociais Cruzadas. Ensaios Brasileiros/Ensaios Portugueses

Organizadora: Susana de Matos Viegas*

*Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Avenida Prof. Aníbal de Bettencourt, 9, 1600-189, Lisboa, Portugal. E-mail: susanadematosviegas@gmail.com

 

Os artigos que compõem este dossiê resultam de um seminário realizado em junho de 2013 no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, no âmbito das comemorações do ano Brasil-Portugal. Convidámos cientistas sociais brasileiros e portugueses para um exercício de reflexão contemporânea sobre um artigo ou um livro de um autor clássico nas ciências sociais brasileiras e portuguesas. A proposta envolveu leituras cruzadas no Atlântico: os portugueses escolheriam um autor brasileiro e os brasileiros um autor português. O projeto de publicação iniciou-se no número 214 da Análise Social (março de 2015) com a publicação do artigo de José de Souza Martins sobre Adolfo Coelho e de José Luís Cardoso sobre Celso Furtado.

O presente dossiê conjuga as últimas contribuições para este exercício cruzado. O primeiro artigo, de José Machado Pais, traz à contemporaneidade a visão não modernista pioneira de Ruth Cardoso sobre o papel da juventude na mudança social. José Machado Pais mostra de forma original como Ruth Cardoso ultrapassou o paradigma da mudança social estancado no conceito de “aculturação” que marcou o pensamento do seu orientador Egon Schaden, desenvolvendo uma reflexão epistémica sobre a multiplicidade de agentes da história, entre os quais destaca “o potencial de inovação e criatividade dos jovens e o papel relevante que deles poderíamos esperar nos novos movimentos sociais” (Machado Pais, este dossiê, p. 121).

O segundo artigo, de Renato Lessa, é sobre Adérito Sedas Nunes, o fundador desta revista e do Instituto de Ciências Sociais. O artigo desenvolve um olhar sofisticado sobre a rutura epistémica operada por Sedas Nunes para fazer emergir um pensamento sociológico que tinha como propósito “contribuir para que alguma coisa mudasse na sociedade portuguesa, e para que mudasse designadamente a própria maneira de as pessoas verem a sociedade portuguesa” (Nunes, 1989 cit. in Lessa, este dossiê, p. 148). A leitura cruzada entre este artigo de Renato Lessa e o de José Machado Pais leva-nos a identificar proximidades entre as reflexões epistémicas de Ruth Cardoso e as de Sedas Nunes. De facto, como nos diz Renato Lessa, para Sedas Nunes a reflexão e inflexão do regime ditatorial passaria por “um longo processo de inspeção, cujo foco de observação é o social. A demarcação com relação ao regime, portanto, não releva da política. Há aqui a operar um mecanismo metódico de ordem das razões: do desvelamento do social chega-se à crítica do regime; da crítica do regime chega-se à democracia” (Lessa, este dossiê, p. 146).  Esta postura aproxima-se do projeto científico de Ruth Cardoso retratado por José Machado Pais, já que nos mostra como esta antropóloga postula ser o conhecimento científico a transformar o olhar dos próprios cidadãos sobre a realidade social, transformação essa resultante não de qualquer postura política ou ideológica prévia, mas da cientificidade dos métodos e das teorias das ciências sociais.

O terceiro artigo, da autoria de Cristiana Bastos, reflete sobre a influência precoce de Gilberto Velho em Portugal nos finais da década de 1970, num entendimento das ciências sociais sobre a cidade e a vida urbana. Cristiana Bastos mostra-nos, através de uma escrita que incorpora um testemunho pessoal, a forma como o livro de Gilberto Velho A Utopia Urbana (Zahar, 1973) influenciou uma geração de antropólogos que nos finais da década de 1970 (após a Revolução de 1974) eram estudantes universitários em Lisboa. Neste artigo, Cristiana Bastos analisa o papel que este livro teve na abertura de um campo de investigação sócio-antropológica sobre a cidade e a vida urbana à época inimaginável, dadas as ainda insípidas ciências sociais pós-ditadura em Portugal. Mais ainda, como nos lembra neste texto: “Naquele tempo não havia sequer internet e as viagens transatlânticas eram muito caras e raras para antropólogos portugueses ou brasileiros” (este dossiê, p. 164). A circulação e influência intelectual entre cientistas sociais no Brasil e em Portugal aprofundava-se, no entanto, malgrado essas escassas vias de comunicação.

Em suma, podemos dizer que o dossiê contribui para o aprofundamento do conhecimento de autores clássicos sob perspetivas cruzadas no Atlântico – alcançando já a esse nível um viés inovador -, mas também para uma reflexão ao mesmo tempo contemporânea e histórica sobre a construção do pensamento das ciências sociais no Brasil e em Portugal.

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons