SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número222Varela Gomes: “Que outros triunfem onde nós fomos vencidos”O Futuro da Representação Política índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.222 Lisboa mar. 2017

 

RECENSÃO

JORGE, Cecília e COELHO, Rogério Beltrão

Roque Choi: Um Homem, Dois Sistemas. Apontamentos para uma Biografia,

Macau, Livros do Oriente, 2015, 221 pp.

ISBN 9789996575020

 

Moisés Silva Fernandes*

* Instituto Confúcio,Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, Edifício da Biblioteca, Alameda da Universidade, 1600-214, Lisboa, Portugal. E-mail: moises.fernandes@confucio.ulisboa.pt

 

Roque Choi, (崔乐其, Cui Leqi), um interprete-tradutor de Macau foi crucial para individualidades tão importantes junto da administração portuguesa de Macau, como Pedro José Lobo (羅保博,Luo Baobo) e Ho Yin (何贤, He Xian).Estamos na presença de uma eficaz e edificante obra biográfica de Cecília Jorge e Rogério Beltrão Coelho, baseada nas seis entrevistas que José Pedro ­Castanheira conduziu a Roque Choi, em setembro e novembro de 1999. No período de 54 anos, isto é, entre 1945 e 1999, foi um dos homens fundamentais na intermediação entre Portugal, a administração ­portuguesa local, os representantes da República Popular da China e os delegados da República da China (Formosa/Taiwan).

Roque Choi iniciou-se nos estudos no ensino básico na Escola da Associação de Beneficência Tung Sin Tong (同善堂, Caridade Conjunta], em cantonense, e na Escola Central, onde estudou português. Aos 15 anos de idade foi para o Seminário de S. José, de Macau, para aprofundar o seu português com o Pe. António André Ngan Im-ieoc (颜儼若, Yan Yanruo), que foi mais tarde o vigário-geral da diocese de Macau, entre 23 de agosto de 1966 e 19 de abril de 1976. Ao mesmo tempo que continuava a estudar cantonense, a língua materna da província chinesa de Guangdong, instruiu-se no mandarim, idioma oficial da China continental, e aprendeu inglês, francês e espanhol, graças à formação dos padres jesuítas. Todavia, no Seminário de S. José, confidencia, “[n]ão me adaptei” […] “Julgava que era uma coisa santa […]. Não gostei mesmo nada” (Ibid., p. 30).

Em 1938 começou por ser praticante ou aprendiz no Serviço de Fazenda da administração portuguesa local. Uns anos mais tarde, foi fiscal de impostos. Quando se iniciou a Guerra do Pacífico, fora da região conhecida como a Segunda Guerra Mundial, Roque Choi foi um dos diretores mais jovens da Associação de Beneficência Tung Sin Tong, “mas não podia falar” (Ibid., p. 61), porque o trabalho foi-lhe arranjado por Joel Choi, seu pai. Tudo isto contribuiu para que ele fosse considerado pelos chineses como sendo de uma “classe privilegiada” (Ibid.).

Macau não foi invadido pelos japoneses, como sucedeu ao território de Timor português, tomado pelos nipónicos, no dia 19 de fevereiro de 1942, mas teve que se relacionar com o “governo fantoche” niponense de Guangzhou, designadamente vendendo “muitos e velhos canhões de aço” (p. 66) e barcos, negócios em que estiveram sempre presentes Ho Yin e Stanley Ho (何鴻燊, He Hong) (Ibid., pp. 63 e 71), dois importantes homens que viriam a marcar o período do pós Guerra do Pacífico. Finalmente, antes da Guerra do Pacífico chegar ao seu termo, as forças armadas dos EUA bombardearam Macau (Ibid., pp. 71 e 77), pelo menos cinco vezes, devido ao comportamento do governador de Macau, comandante Gabriel Maurício Teixeira, e à sua notória amizade com os japoneses, o que lhe veio a trazer enormes dissabores com os nacionalistas chineses no período após a Guerra do Pacífico.

Entre 1945 e 1949, Macau esteve sempre no fio da navalha, porque o território era reivindicado pelas forças nacionalistas chinesas. Quando Roque Choi decide ir trabalhar no comércio e contrabando de ouro, embora a tempo parcial, conta que um dia foi chamado por Pedro José Lobo para resolver o caso da retirada da bandeira nacionalista, trocada pelo estandarte português, junto do posto chinês (Ibid., p. 70). Chan Mao Chi, que era então muito abonado, persuadiu os militares nacionalistas chineses a recuar, após uma avultada quantia de dinheiro ter sido transacionada entre os militares e ele. A partir desse momento, Roque Choi passou a ser o secretário pessoal de Pedro José Lobo, que foi fundamental na sua instrução: “diplomacia, política, tudo. Foi o meu grande mestre” (p. 71).

Como não pagavam suficientemente bem na função pública de Macau em 1950, Roque Choi começou a conduzir a sua vida particular no comércio e contrabando do ouro, tendo sido convidado por Ho Yin para seu secretário pessoal. ­Tiveram de lidar com as celebrações dos dias nacionais da República Popular da China, o dia 1 de outubro, e da República da China, no dia 10 de outubro, e em simultâneo foi instituído o Clube Hong Lok (康乐俱乐部 Alegria e Saúde) que “[e]ra um clube privativo, dirigido por Ho Yin” (p. 86). “Era lá que se concentravam os dirigentes de várias seitas, onde se fumava ópio ou tomava outras coisas, como pílulas, heroína ou cocaína. Com o fim de facilitar a missão de Ho Yin, até se dava droga de graça” (Ibid.). Durante os 30 anos em que não houve relações diplomáticas entre Portugal e a República Popular da China, ou seja, entre 1949 e 1979, a administração portuguesa sempre dependeu de Roque Choi para interpretar e traduzir Ho Yin, que só falava em cantonense.

Mas o período designado como a “Grande Revolução Cultural ­Proletária”, que ficou conhecido no mundo e em Macau como os incidentes “1,2, 3” de 1966, foi particularmente duro para a administração portuguesa. Esta foi apeada do “poder” pela direção ­regional do Partido Comunista chinês em Macau e pela gerência da agência noticiosa Xinhua she (新华通讯社) de Hong Kong, passando a ser um mero carimbo de borracha (pp. 129-136), e tendo ainda que pagar à “Comissão dos Dezanove”, constituída pela elite político-comercial chinesa afeta a Pequim, o preço de MOP$ 2.058.424,00. A única instituição internacional era a igreja católica, e em especial o bispo de Macau, D. Paulo José Tavares (戴维理, Dai Weili), que se recusou a ­assinar qualquer documento, e ­ consequentemente, não se ­ submeteu a nenhum ditame da elite político-comercial de Macau alinhada com a China continental. Como Roque Choi afirma ele “[e]ra o governador ideal para a época. Tinha um génio europeu, ocidental, que não era agressivo. Tinha muita paciência” (Ibid., p. 93). O brigadeiro Nobre de Carvalho, governador de Macau, sofreu ao longo de 1966, 1967 e 1968 imensas injúrias das organizações maoístas, o que levou a República Popular da China, através de Kei Fung (祁烽, Qi Feng), que trazia consigo instruções bem específicas de Zhou Enlai (周恩来), primeiro-ministro da China, em agosto de 1968, a tecer as seguintes afirmações: “não deve haver oposição às receitas do Governo de Macau. As taxas, as contribuições, etc., devem continuar a ser pagas” (­Fernandes, 2006, p. 298). Caso discordassem destas, “podem e devem expor as suas razões. Mas devem sempre pagar” (Fernandes, 2006, pp. 298-299). Para reforçar este ponto recordou que “[e]m Macau existe o sistema capitalista, como é óbvio, e é esta situação que se tem de aceitar” (­Fernandes, 2006, p. 299).

A partir de 1972, Roque Choi passou a ser membro do Conselho de Administração do Banco Heng Seng (恒生银行, Realmente Próspero), na qualidade de vice-presidente deste banco comercial, que, aliás, tinha sido uma casa de câmbios do comércio e contrabando de ouro, na década de 1960. Este banco acabou por ser adquirido pela Sociedade de Turismo e Diversões de Macau (STDM), em 1990, quando Ho Yin já tinha falecido. Stanley Ho tornou-se o presidente do Conselho de Administração e Roque Choi passou a ser presidente da Assembleia Geral. Todavia, acaba por se demitir em 2002 (Jorge e Coelho, 2015, pp. 136-137).

Para além de banqueiro, teve uma intensa participação cívica, nomeadamente ao lado dos consumidores, dos diabéticos, de várias associações chinesas, como deputado na Assembleia Legislativa e vogal do Conselho Consultivo dos vários governadores de Macau, tendo cessado funções em 1999.

Espera-se que depois desta biografia ­surjam outras sobre O Cheng-peng (柯正平, Ke Zhengping), O Lon (26607;麟, Ke Lin), Ho Yin, Pedro José Lobo, Carlos d’Assumpção (宋玉生, Song Yusheng), Ma Man-kei (马万祺, Ma Wanqi), Chui Tak-kei (崔德祺, Cui Deqi) e Fok Ying Tung (霍英東, Huo Yingdong), Stanley Ho e o Y.C. Liang (梁潤昌, Liang Runchang), entre muitos outros, em português, chinês ou em inglês, realizadas por jornalistas de investigação ou por académicos.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FERNANDES, M.(2006),Macau na Política Externa Chinesa, 1949-1979, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais.         [ Links ]

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons