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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.223 Lisboa jun. 2017

 

ARTIGO

 

Jogando no olho do furacão: o desporto na Casa dos Estudantes do Império (1944-1965)

Playing in the eye of the storm: the sport in the Casa dos Estudantes do Império (1944-1965)

 

Victor Andrade de Melo*

*Departamento de Didatica, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Av. Pedro Calmon, 550, prédio da Reitoria, 8.º andar, sala 801, Cidade Universitária, Ilha do Fundão — CEP 21941-901, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: victor.a.melo@uol.com.br

 

RESUMO

 

Este estudo pretende discutir o papel que desempenhou o desporto no âmbito das iniciativas da Casa dos Estudantes do Império (1944-1965), as motivações que cercaram as experiências com a prática entabuladas pelos seus membros. Como fontes foram utilizados boletins produzidos pelos associados (Mensagem, Mensagem Angola e Meridiano), material de natureza administrativa (relatórios e estatutos), periódicos governamentais (Boletim Geral das Colónias/Boletim Geral do Ultramar) e documentos disponíveis no Arquivo da Torre do Tombo. Ao lançar um olhar sobre o tema, espera-se descortinar mais uma faceta da instituição que, indubitavelmente, ocupa importante espaço na história de Portugal.

Palavras-chave:desporto; colonialismo; África; Portugal.

 

ABSTRACT

 

This study discusses the role that sports played in the scope of the initiatives of the Casa dos Estudantes do Império (1944-1965) and the motivations of the members in the sporting involvement. Sources consulted include student newspapers (Mensagem,Mensagem Angola e Meridiano), administrative material (reports and statutes), government agency magazines ( Boletim Geral das Colónias/Boletim Geral do Ultramar), and documents available in the national Torre do Tombo archives. The study unveils another facet of the institution that undoubtedly occupies an important space in the history of Portugal.

Keywords:sports; colonialism; Africa; Portugal.

 

INTRODUÇÃO

 

O ano era 1943. A Segunda Grande Guerra ainda estava em curso quando um grupo de jovens oriundos de Angola, que em Lisboa estava vivendo para dar continuidade à sua formação escolar (de ensino médio ou superior, civil ou militar), criou uma “casa de estudantes”. O objetivo era oferecer conforto e segurança aos que se encontravam longe de sua terra natal. Nas suas memórias, Sócrates Dáskalos, um dos protagonistas da iniciativa, 1 sugere que eles:

[…] começaram a conhecer-se e a juntar-se com frequência e, ao aperceberem-se de que a sua maneira de ser não conjugava em muitos aspectos com a maneira de ser dos estudantes portugueses, (…) pensaram em criar em Lisboa a sua casa onde pudessem manifestar-se a seu modo [Dáskalos, 2000, p. 3].

No ano seguinte, surgiram iniciativas semelhantes protagonizadas por estudantes oriundos de outros territórios do ultramar (Moçambique, Cabo Verde, Índia e Macau). Ainda em 1944, tendo em conta essas experiências, com apoio do Ministério das Colónias, que tinha à frente Francisco Vieira Machado, e da Mocidade Portuguesa, cujo comissário, à época, e grande estimulador, era Marcello Caetano, reuniu-se numa única instituição esses jovens2: “A Casa dos Estudantes do Império (CEI) foi instalada num bairro de Lisboa situado numa zona nobre em expansão, não longe das Faculdades de Medicina, Direito, Engenharia, junto a uma central de transportes públicos” (Faria, 1997, p. 25).3

A CEI foi concebida para ser gerenciada por uma diretoria eleita pelos associados.4Funcionava com verbas do governo central português, das administrações coloniais, de patrocínios de empresas que atuavam nas províncias, além de algum recurso internamente gerado (com o aluguer da cantina, venda de refeições, realização de eventos, entre outros). Oferecia-se, além de assistência básica de saúde e alimentação (bem como, posteriormente, moradia), um lugar para convívio e acesso a atividades culturais diversas.

Especialmente a partir da transição dos anos 1940/1950, mas de alguma forma desde o início, a Casa foi concebida como uma das estratégias que ­Portugal entabulou para fazer frente às pressões internacionais para que encaminhasse o processo de descolonização. Negando-se a romper os seus laços coloniais, o governo implementou uma série de ações cosméticas tendo em conta argumentar que os territórios em África e na Ásia eram, na verdade, províncias ultramarinas plenamente integradas na nação.5Além disso, havia o intuito de melhor controlar o maior trânsito de oriundos do ultramar na metrópole, uma novidade que preocupava os dirigentes portugueses.

No discurso de Francisco Vieira Machado, proferido quando, junto com Marcello Caetano, visitou as instalações da Casa no seu ano inaugural, percebe-se bem a intencionalidade governamental. Segundo o ministro, “era necessário reunir, agregar todos os rapazes que chegam à metrópole, vindos de todas as colónias africanas e da Índia e Macau”, tendo em vista gerar uma postura de “patriotismo” que contribuísse para uma “mentalidade nacional mais profícua”. Para ele, “cada vez mais as nossas colónias estão integradas no pensamento da metrópole, e é bom reforçar o elo que reúna o escol do Ultramar ao do Continente” (Boletim Geral das Colónias, jan. 1944, pp. 133-134).

Essa expectativa não se cumpriu exatamente como esperado. Faria (1995, p. 18) sugere que se gerou rapidamente uma “consciência associativa muito forte. O programa das iniciativas, a autonomia da gestão, a prática democrática, a mobilização criativa, permitem identificar a CEI como um espaço cultural transnacional consumado”.

Mesmo que tenham sido diversos os interesses dos que integraram a Casa dos Estudantes, no decorrer do tempo no seu interior gerou-se e fortaleceu-se um pensamento anticolonial, bem como perspetivas de articulação política, em consonância com questões que estavam em debate no cenário internacional. Frequentou a instituição uma parte significativa das lideranças das lutas de libertação desencadeadas nas províncias a partir de 1961 (inicialmente em Angola, depois também em Moçambique e na Guiné) (Rosas, 1997). Como bem resume Faria:

Por um lado, existia o escol fundador, mais conotado com uma política conservadora, que teve em si a rara possibilidade de tornar exequível a CEI. Por outro lado, e motivada pelo movimento social, evidenciou-se a tendência que deu forma e conteúdo à CEI, diversa no modelo social e político, voltada para um projeto democrático [Faria, 1997, p. 35].

Há cerca de duas décadas, um número maior de pesquisadores vem dedicando atenção à Casa dos Estudantes do Império, considerada como um importante ponto de inflexão para pensar as peculiaridades do processo de descolonização e do colonialismo português. Os septuagésimo aniversário da sua fundação e o cinquentenário da sua extinção foram celebrados em vários eventos, inclusive alguns destinados a discutir o papel que desempenhou na história de Portugal.6

Nessas reflexões, não tem merecido maior atenção a presença da prática desportiva no quotidiano da CEI, talvez por ser considerado um tema menos relevante frente a outros que se destacam na trajetória da instituição, como as ações políticas de alguns dos seus associados e as iniciativas no âmbito da literatura.7 Tendo em conta essa lacuna, este estudo tem por objetivo discutir o papel que desempenhou o desporto no âmbito das iniciativas da Casa dos Estudantes do Império (1944-1965), as motivações que cercaram as experiências com a prática entabuladas pelos seus membros.

Como fontes, utilizamos prioritariamente os 28 números do periódico editado pelos dirigentes da instituição – Mensagem: Boletim da Casa dos Estudantes do Império, publicado de forma irregular entre 1948 e 1964.8 Além disso, foram consultadas outras produções dos associados (como o Mensagem Angola, boletim lançado pelos membros da secção de Angola da CEI/Lisboa, e Meridiano: Boletim dos Estudantes do Império, produzido pela delegação de Coimbra), material de natureza administrativa (relatórios e estatutos) e periódicos de órgãos governamentais (Boletim Geral das Colónias/Boletim Geral do Ultramar).

Foram também consultados documentos sobre a CEI em fundos da PIDE/DGS disponíveis no Arquivo da Torre do Tombo. Algumas informações foram encontradas em acervos digitais, como o da Fundação Mario Soares. Procurámos ainda dialogar com obras que se dedicaram a discutir a trajetória da Casa ou que de alguma forma tocam no tema.9

Tivemos em conta as diferentes fases da Casa dos Estudantes do Império. Segundo Pires Laranjeiras (1996), até 1952 a instituição funcionou sem grandes conflitos aparentes, ainda que a partir de 1948 já tivesse uma formação não tão “imperial”. Já para Zau (2007), se de início a CEI foi maioritariamente formada por filhos de colonos de altos funcionários da administração colonial – a partir dos anos 1950 passou a contar com mais mestiços, e mais negros na transição para a década de 1960. Sanches aponta algo semelhante:

É certo que a maioria desses estudantes provinha de famílias abastadas, logo brancas, ligadas às grandes propriedades ou empreendimentos coloniais, situação parcialmente alterada com a chegada a partir das décadas de 1940 e 1950 de um grupo de jovens oriundos da pequena burguesia (por exemplo, Amílcar Cabral), formados em seminários católicos (Mário Pinto de Andrade) ou missões protestantes (Eduardo Mondlane) que, não gozando de uma situação de grande privilégio, se afirmariam tanto mais pelo empenho colocado na sua formação, surgindo entre eles os mais importantes membros da oposição ao regime colonial [Sanches, 2013, p. 291].

Faria (1995) sugere que posicionamentos críticos surgiram bem cedo na Casa, com a emergência de contestações ao seu primeiro presidente, do qual se exigia mais transparência e uma explícita postura de defesa dos interesses dos estudantes. Dáskalos (2000) também nos dá a ver que precocemente houve envolvimento dos seus membros com as mais diversas questões políticas. Reforçam esse olhar os estudos de Castelo (2010) e Ferreira (2013).

O que sugerimos é que uma postura política mais explícita se foi tornando mais usual no decorrer do tempo, conforme foi mudando o perfil dos ­estudantes, que tanto se envolveram com as contestações que emergiram no contexto metropolitano quanto tomaram contacto com determinadas causas que se delineavam no cenário internacional.

Passou-se de uma fase de menor contestação (ou ao menos de contestação mais interna) para outra em que houve mais intensa relação de alguns associados com organizações portuguesas de oposição (como o MUD e o PCP) e ideias ligadas à descolonização. Em especial quando a guerra colonial já estava em curso, percebe-se uma afirmação das ideias de negritude e africanidade, etapa marcada pelo lançamento do manifesto “Mensagem ao povo português” (1960), em que se solicitava apoio às decisões da ONU, que condenara a postura de Portugal frente ao ultramar.

O nosso intuito é ver como o desporto esteve presente em cada um desses momentos da trajetória da Casa dos Estudantes do Império. Ao lançar um olhar sobre o tema, espera-se descortinar mais uma faceta da instituição que, indubitavelmente, ocupa importante espaço na história de Portugal.

 

ESPÍRITO DE CORPO E INSERÇÃO SOCIAL

 

O desporto integrou ativamente o quotidiano da Casa dos Estudantes do Império. Já na primeira gestão, que teve como presidente Alberto Marques Mano de Mesquita,10foi prevista a existência de uma “Direção dos Serviços de Desportos e Educação Física” (Casa dos Estudantes do Império, 1944-1945). A valorização da prática fazia jus ao espaço que já ocupava nas anteriores instituições de estudantes, especialmente entre os angolanos.

Esse forte envolvimento dos oriundos de Angola com a prática tinha a ver com o grau de desenvolvimento do desporto na colónia, onde desde o século XIX era valorizado por certos estratos da população, inclusive por uma elite nativa (Marzano, 2010).11 De facto, se as equipas da CEI eram formadas por membros de várias colónias, em alguns casos eram integradas maioritariamente pelos que já traziam certos hábitos desportivos dos seus lugares de origem. Os angolanos eram muito ativos em diversas modalidades, mas no basquete faziam-se ainda mais presentes. Os de Macau e de Moçambique eram a maioria nos selecionados de hóquei sobre patins, muitos também atuando em clubes de Lisboa.

A propósito, no que tange a essa modalidade, vale lembrar que tiveram grande destaque nos campeonatos nacionais as equipas de Moçambique, algumas até mesmo vindo a representar Portugal em contendas internacionais (Melo, Bittencourt, 2013). Mais ainda, muitos atletas dessa colónia integraram a seleção portuguesa. Quando jogavam em Lisboa, era comum que membros da CEI os apoiassem no jogo e os recebessem na instituição.12Era uma forma de manter contacto com a terra natal, uma necessidade muito sentida por alguns estudantes, que por vezes se sentiam mesmo estrangeiros no seu próprio país.

Isto é, deve-se ter em conta que o envolvimento dos estudantes da Casa com a prática desportiva se relacionava em boa parte com uma certa experiência que já possuíam no ultramar, não poucas vezes sendo uma expressão da sua condição privilegiada. Vale a pena lembrar que, àquela altura, ainda que com diferenças entre si, o desporto já se encontrava em pleno desenvolvimento em todas as colónias portuguesas, considerado pelos colonos como indicador de status e distinção, por vezes uma expressão de organização de uma elite crioula, em alguns casos até mesmo espraiada entre os nativos mais populares.13

No pós 2.ª Grande Guerra, em função dos já citados reordenamentos e pressões do cenário internacional, o governo metropolitano passou a prestar mais atenção à prática desportiva das colónias, tanto promovendo mais investimentos e entabulando iniciativas de controlo quanto mais intensamente a mobilizavam tendo em vista construir um sentimento de unidade territorial, uma identificação com os símbolos nacionais, uma visão positiva sobre o império (Domingos, 2011; Melo e Bittencourt, 2012; Melo e Bittencourt, 2013; Melo, 2014).

Na metrópole, o desporto também já estava mais constantemente contemplado nas políticas do Estado Novo. A partir dos anos 1930, a prática passou a ser mobilizada com o intuito de criar consenso ao redor do regime, bem como estabelecer parâmetros de controlo social, inclusive por meio de uma certa visão de aperfeiçoamento eugénico. As intervenções faziam-se sentir no âmbito dos clubes e das competições, do cenário escolar e do tempo livre, por meio de instituições como a Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho, a Direção-Geral de Educação Física, Desportos e Saúde Escolar e a Mocidade Portuguesa.14

Não se deve negligenciar a relação da Casa dos Estudantes com a Mocidade Portuguesa, que tanta atenção dedicava ao desporto (Pimentel, 2007; Vieira, 2008), entendido como uma estratégia para regeneração da raça portuguesa, por isso devendo ser experenciado de forma mediada. Parece claro que o controlo não foi linear e imediato, nem teve o impacto esperado, mas é inegável que o órgão governamental tentou exercê-lo, chegando a considerar que a CEI era um de seus braços (Rosas, 1997; Castelo, 2010).15

Nos momentos iniciais da Casa, houve problemas a interferir na implementação das práticas desportivas. Além da falta de espaço e dificuldade de aquisição de material, não era fácil coordenar os horários dos estudantes para promover os treinos. No primeiro relatório de funcionamento, ao fazer um balanço das suas principais ações, comentou o presidente Alberto ­Mesquita:

Esta direção (desportiva), talvez por só ter começado a funcionar quando os estudos começaram a apertar, pouco ou nada fez. Organizou os campeonatos de King e Bilhar, que não chegaram a terminar. Preparou os planos para os campeonatos de ping-pong, futebol e propunha-se em colaboração com a secção de Macau a organizar o desafio entre seções regionais de hóquei e uma equipa da Casa dos Estudantes do Império [Casa dos Estudantes do Império, 1944/1945, p. 6].

De acordo com Angelo Dias, presidente da seção de Angola na CEI em 1948, os seus “patrícios” estiveram entre os que mais se empenharam em vencer esses obstáculos, conseguindo um local para os treinos, estimulando que os médicos da Casa auxiliassem e acompanhassem os “atletas”, obtendo de comerciantes que tinham negócios com a colónia a doação de material desportivo. Segundo o seu olhar:

[…] conseguimos tornear estes e outros obstáculos com o propósito de fugirmos a uma constrangedora inatividade. Assiste-se então aos redobrados esforços das diversas secções no sentido de concretizarem a tão antiga como útil fórmula “mens sana in corpore sano” [Mensagem Angolana, out. 1948, p. 69].16

De facto, naquele ano percebem-se mudanças. Destinou-se uma boa dotação orçamental para o incremento do desporto. De um total de 96 354$30 previstos para o funcionamento da Casa, para a prática foram reservados 2545$35 (despesa ordinária) e 1184$90 (despesa extraordinária), menos do que para serviços administrativos e assistência, mas superior ao que estava fixado para cultura e serviços de informação (Mensagem, jul. 1948, p. 29).17

Torneios internos passaram a ser realizados com maior frequência, enquanto equipas representativas da Casa disputaram “amistosos” (jogos isolados) e tomaram parte em campeonatos promovidos em Lisboa. O presidente Arnaldo Figueira, no primeiro número da Mensagem (que possuía uma secção exclusiva para o tema), celebrou o novo momento: “Finalmente, o desporto tem tomado grande incremento nestes últimos tempos, estando a interessar vivamente o torneio de futebol, organizado pelo Ateneu Comercial de Lisboa e Clube Internacional de Futebol, em que participa uma equipe da CEI, que tem alcançado brilhantes resultados (Mensagem, jul. 1948, p. 21).

Fundado, em 1902, o Clube Internacional de Futebol é uma das agremiações pioneiras em Portugal, e também das mais ativas, dedicadas ao velho desporto bretão. Ligado às elites lisboetas, tendo origem em grupos de estrangeiros, no início da década de 1920 abandonou as competições oficiais em nome da manutenção da ideia de amadorismo e passou a organizar torneios exclusivos para equipas não profissionais.18 A CEI participou em vários desses eventos, que não eram exatamente populares.

Naquele ano de 1948, os resultados da equipa da Casa foram mesmo empolgantes. Tirando um empate com o Ateneu Comercial, venceu todos os outros jogos, alguns deles por goleada (9 x 0 no Olímpico, 10 no Centro Espanhol). A conquista da Taça “A Bola” foi muito comemorada pelos numerosos adeptos que marcavam presença nas partidas. A vitória foi mais um incentivo para a prática de desportos.

Em certas ocasiões, o estímulo à prática desportiva passou pelas relações de membros da Casa com lideranças das colónias que ocupavam postos de importância. Em 1949, por exemplo, o presidente Telmo Crato Monteiro, ­habitual participante dos torneios de ping-pong, que já no seu programa de candidatura prometia dedicar atenção ao desporto, solicitou ajuda do seu “patrício” cabo-verdiano, o Coronel Sacramento Monteiro, na ocasião Diretor Geral de Desportos de Portugal (Mensagem, jan. 1949).

Vejamos que esse relacionamento não impediu Telmo Crato de tomar parte em algumas importantes ações de contestação, no âmbito tanto da CEI quanto do Centro de Estudos Africanos, bem como de integrar no futuro as fileiras dos conflitos anticoloniais.

Essa não foi a única liderança importante da Casa a ter envolvimento com a prática desportiva. Foi responsável pelo departamento de desporto da secção de Angola, além de goleiro da equipa de futebol, um dos protagonistas dos movimentos literários da instituição: Carlos Ervedosa (Mensagem, jan. 1952). Nessa ocasião, em 1952, quando atuava como presidente da CEI o angolano Acácio Meireles da Cruz, ocupava a vice-presidência um dos mais notáveis líderes das futuras lutas anticoloniais, outro que teve intensa relação com o desporto: Amílcar Cabral.

Desde o tempo em que fora aluno de destaque no importante Liceu Gil Eanes (Mindelo, ilha de São Vicente, Cabo Verde), Cabral esteve envolvido com a prática em agremiações desportivas e associações juvenis. Na CEI, era presença constante nos eventos desportivos, destacando-se pela sua atuação nas equipas de futebol. A sua paixão pela modalidade foi registada na caricatura realizada pelo seu colega de turma no Instituto Superior de Agronomia, José Carlos Sousa Veloso (que anos depois se tornou um conhecido apresentador do programa TV rural na RTP).

Cabral foi retratado de uniforme, meiões e chuteiras, tendo nas mãos livros de Engels, Lenin e Dostoievski. A sua relação com Cabo Verde é explicitada pelas suas lágrimas caindo sobre a representação do arquipélago num globo, também uma referência a um de seus trabalhos sobre a seca naquela província.19

Nesse primeiro momento da Casa, que sentidos teria adquirido o desporto, para além de ser um costume que alguns traziam da sua terra natal e do mais óbvio e de importância de forma alguma negligenciável, o de diversão? No número inicial do boletim Mensagem, na mesma ocasião em que comemorou o incremento das práticas desportivas ao falar da já citada participação de uma equipa da CEI num campeonato de futebol amador, o presidente Arnaldo Figueira observou:

Em boa hora nos inscrevemos neste torneio, porque ele tem contribuído não só para demonstrar a boa categoria e correção de nossos jogadores, mas também para unir ainda mais a nossa massa associativa, que no decorrer do torneio só tem tido um pensamento: a vitória da CEI [Mensagem, jul. 1948, p. 26].

Figueira expressou de forma ocasional uma função que o desporto bem desempenhou na Casa dos Estudantes – contribuir para forjar um espírito de corpo, dimensão importante para uma instituição que era marcada pela heterogeneidade. Ainda que momentaneamente, nas equipas e iniciativas desportivas encontravam-se, reconheciam-se e irmanavam-se jovens de origens e interesses distintos.

O desporto foi também um agente motivador para um maior contacto entre os estudantes da CEI e de outras instituições. Um primeiro intercâmbio dessa natureza parece ter sido realizado em julho de 1948, quando se realizou uma excursão a Coimbra (Mensagem, set. 1948). Entre outras atividades, foram promovidos jogos de basquete e voleibol com equipas da Académica, agremiação que possuía larga tradição desportiva.

Muitos membros da delegação da Casa de Coimbra integraram equipas e mesmo diretorias da Académica. No futuro, os estudantes dessa agremiação e da CEI dividiriam bandeiras políticas em comum. Naquele ano de 1948, tratou-se, contudo, eminentemente de um encontro desportivo, muito celebrado pelos dirigentes de Lisboa por ter logrado sucesso do ponto de vista da confraternização e dos resultados dos jogos, com seus times sagrando-se vitoriosos nas partidas. É bem verdade que a Académica não jogou com seus plantéis principais. De toda forma, o desporto se conformava como um cartão de visitas.

Uma nota interessante é que entre os jogadores de Lisboa se encontrava Daniel Leite, estudante de Educação Física, personagem que se tornaria um dos líderes do desporto em Cabo Verde (de onde era originário) e Angola. Esse é outro aspeto interessante da participação dos estudantes em equipas da CEI – alguns contribuíram com o desenvolvimento da prática nas colónias. Outro exemplo é o cabo-verdiano Antero Barros, que se tornou um dos principais líders desportivos do arquipélago no período colonial e pós-colonial (Melo, 2011a).

O envolvimento com o desporto teve ainda outra importante dimensão – a inserção dos oriundos das colónias na vida social de Lisboa, o reconhecimento de sua existência, algo que foi a princípio até mesmo exaltado e estimulado por órgãos governamentais, que encararam essas ocasiões como uma possibilidade de fazer propaganda da sua suposta contribuição “civilizadora”. Não surpreende que algumas das opiniões positivas sobre as equipas da CEI veiculadas nos jornais lisboetas tenham sido publicadas e celebradas nos boletins da instituição.

Essa efervescência desportiva teve, como todas as atividades da Casa, uma quebra no início dos anos 1950. Certos conflitos emergiram em função de uma maior circulação de ideias e vinculação de alguns atores aos debates políticos da ocasião, sejam os específicos da metrópole, mais ligados às contestações ao Salazarismo, sejam os que diziam respeito às colónias, de caráter tanto reformista quanto de libertação. Deve-se ter em conta que havia articulações entre ambas: tratava-se de lutas imbricadas, como logo perceberam os estudantes da CEI.

Até mesmo por isso, aumentou o controlo sobre a instituição, culminando com a instalação, entre 1952 e 1957, de uma comissão administrativa externa, uma imposição governamental (Pires Laranjeiras, 1996). A PIDE passou a observar mais atentamente não somente as atividades da CEI, como também outras esferas nas quais tomavam parte os seus membros, como o Clube Marítimo Africano e o Centro de Estudos Africanos.

Mudou a dinâmica da Casa. Que impactos seriam sentidos na presença do desporto no quotidiano da instituição?

 

DESPORTO E POLÍTICA

 

Depois de cinco anos sob controlo da comissão administrativa, em 1957 os estudantes reassumem a direção e tentam reestruturar a CEI, enfrentando a desconfiança do governo português e enquadrados por um novo estatuto. Logo se retomou a publicação do periódico interno (renomeado para Boletim – Casa dos Estudantes do Império).20

António Serra assumiu a secção desportiva. A despeito de nos anos de intervenção só terem sido promovidos alguns torneios de ping-pong, na leitura da nova direção persistia o “interesse pela prática do desporto na grande maioria dos estudantes ultramarinos” (Mensagem, nov. 1957, p. 16).

Com o maior investimento do governo metropolitano, mas também e fundamentalmente como um desdobramento do desenvolvimento económico e melhor estruturação urbana observável em algumas colónias,21 percebe-se uma maior estruturação do campo desportivo no ultramar. Esse processo ajuda a entender que se tenha mantido o interesse pela prática entre os estudantes, a despeito da redução de iniciativas promovidas pela Casa.

A partir de 1957, retomou-se na CEI a ideia de criar equipas desportivas (atletismo, judo, futebol, basquete, vólei, hóquei, ping-pong, badminton, ginástica, xadrez, damas), dessa vez com maior preocupação com os aspetos técnicos, manifesta na expectativa de oferta de aulas e palestras de especialistas.

Essas ações teriam algum desdobramento. Em 1960, por exemplo, mesmo reconhecendo-se alguns limites da equipa de futebol da Casa, no boletim exaltou-se o empenho e boa performance dos jogadores, recorrendo-se para tal a uma curiosa imagem, uma repercussão de certa forma de praticar o desporto:

Os passes e os floreios com a bola têm muito de dança, de brasileirismo, o que marca, verdadeiramente nosso estilo de jogar a bola. Ágeis em amolecer, dominar e conduzir o esférico, muito nos lembram os passes de dança tão comuns nos nossos bailes [Mensagem, jan. 1960, p. 26].

Vale lembrar o impacto de certas representações sobre o Brasil tanto entre os que se envolviam com as lutas anticoloniais – perspetivado como uma nação que “emergia como um espaço onde se projetavam os sonhos de uma sociedade marcada pelas limitações marcantes no quadro de exclusão da realidade colonial” (Chaves, 2005, p. 276) 22– quanto entre os que atuavam pela manutenção do império, mobilizando ideias lusotropicalistas (Castelo, 1999).23De toda a forma, no caso da notícia veiculada no boletim, percebe-se que tal vinculação tinha em conta elogiar um futebol cheio de vitalidade, criatividade, liberdade, noções valorizadas no novo quadro contextual da Casa.

A propósito, nessa ocasião desempenharam as funções de técnico e preparador físico dois conhecidos personagens, futuramente ativos partícipes das lutas coloniais: os angolanos Eduardo Santos, que jogara na Académica de Coimbra, e Rui Mingas, que tinha envolvimento com o atletismo do Benfica.24A essa altura, o presidente da CEI era César Milagres Monteiro, de Goa, sendo o responsável pela secção desportiva Higino Pedro Gomes, de Angola, futuro militante atuante na guerra colonial.

Desde 1958, voltou a aparecer uma dotação orçamental para o desporto, a segunda maior rubrica do ano (1 8197;000$00) (Mensagem, jan. 1958). Nesse ano, uma novidade celebrada foi a maior participação das estudantes nas atividades, especialmente nas iniciativas do vólei e do basquete.

Na CEI, foi constante o envolvimento das mulheres com a prática desportiva. Todavia, a princípio, tal participação restringia-se à torcida. Naquela transição para a década de 1960, o maior envolvimento das estudantes na condição de “atleta” corresponde a um maior protagonismo feminino na instituição como um todo, sentido, inclusive, nas direções e em algumas ações, como nas literárias.25Da mesma forma, tratava-se de um indicador de que nas colónias havia maior liberdade e integração quotidiana entre homens e mulheres.26

Tornaram a ser promovidos torneios internos, bem como incentivada a participação das equipas da Casa em “amistosos” e campeonatos organizados na cidade. Com o nome de Estudantinos (Estudantes Ultramarinos), a CEI voltou a tomar parte nos tradicionais eventos de futebol amador do Clube Internacional de Futebol. Mesatenistas participaram das iniciativas da associação lisboeta. Noutras modalidades, percebe-se movimentação semelhante.

A despeito dessa retomada, em algumas esferas desportivas identificam-se efeitos da desmobilização do período da comissão administrativa. Paulo Jorge Teixeira, que se tornou uma das mais ativas lideranças e um dos principais militantes políticos da Casa, em mais de uma ocasião criticou a falta de torcida nos jogos, reivindicando maior atenção ao tema. No boletim chegou a solicitar-se “que os associados compareçam aos prélios, a fim de transmitirem o indispensável apoio aos nossos representantes” (Mensagem, fev. 1958, p. 23). O quadro não se reverteu, mesmo com o bom desempenho das equipas da CEI.

De toda a forma, num momento de grande efervescência da vida festiva – houve muitos bailes, palestras, atividades musicais, saraus, exibições de filmes – a secção desportiva da Casa funcionou com muita intensidade. A prática continuou a ser perspetivada como uma estratégia para fortalecer o espírito de corpo, percebendo-se, contudo, um maior imbricamento com as novas preocupações políticas manifestas por alguns associados.

A ligação entre desporto e política não era uma novidade nas colónias africanas, sendo mesmo do conhecimento dos órgãos de repressão do governo português (Melo, Bittencourt, 2012). Aproveitando o facto de a prática parecer menos suspeita, atores ligados à contestação utilizaram ocasiões desportivas como oportunidade de encontro e articulação (Melo, Bittencourt, 2013; Melo, 2014; Melo, 2015).

Indícios dessas experiências são percetíveis em algumas das iniciativas entabuladas pelos estudantes. Naqueles anos 1950, como uma alternativa perante o facto de ter aumentado o controlo sobre a CEI, isso observou-se não só em jogos e torneios desportivos, como também em passeios e piqueniques, bailes e festas. As agências governamentais estavam atentas a essas ocasiões. Todavia, era mais difícil precisar do que se tratava. Havia a suspeita, mas não tão categórica quanto nas situações políticas mais explícitas (assembleias, manifestações, etc.).27

Articulada com esse aspeto, percebe-se a inserção mais usual da prática nas relações da CEI com outras entidades estudantis. Uma decorrência relevante foi mesmo uma busca de maior proximidade com a delegação de Coimbra, cujas equipas, pelo menos assim sugeriu o seu presidente na época, o guineense Manuel Gardette Correia, demonstravam notável desempenho em função da participação dos seus membros na cena desportiva local: “Muitos de nossos jogadores representam a Académica. São tecnicamente bons elementos, melhores que os da sede, uma vez que praticam o desporto em clubes” (Mensagem, abr. 1958, p. 6).

Se até aqui falamos pouco das atividades desportivas da CEI de Coimbra, é porque encontramos menos referências ao assunto. Essa delegação promoveu também muitos eventos, mas uma das suas marcas mais interessantes foi mesmo a relação com outras agremiações da cidade. Além da forte ligação com a Académica, desde cedo foi estabelecida uma proximidade com o Ateneu de Coimbra, entabulada por lideres como Agostinho Neto e Lúcio Lara, em contacto com Joaquim Namorado.

Em 1954, um inspetor da PIDE considerou preocupante esse relacionamento, por julgar que ambos eram centros de contestação antinacional e comunista.28 Durante anos, o órgão policial investigou a presença de estudantes da Casa nas atividades do Ateneu, sempre inferindo que os motivava o envolvimento com movimentos de contestação.29

Em Coimbra, naquela transição para a década de 1960, também se percebem correlações entre o desporto e a política. Em 1959, um inspetor da PIDE chegou a sugerir que as atividades artísticas e desportivas eram formas de movimentação “subversiva”. Segundo o seu olhar, “estão fazendo muitos convites e a todos esses atos deve assistir o que há de pior”.30

Interessante observar que tal relação se fazia sentir noutros aspetos. Vejamos o posicionamento de um estudante sobre um fenómeno que se tornou mais comum em Portugal a partir dos anos 1950, a “importação” de atletas das colónias, do qual se tornou o melhor exemplo o moçambicano Eusébio.31 Ao contrário do ponto de vista do governo, e de boa parte da população, o olhar era crítico e não celebrativo.

Jorge Tocha Coelho, que futuramente faria uma carreira na magistratura portuguesa, refletiu sobre o caso de dois atletas negros moçambicanos que atuaram no Portugal metropolitano, o jogador de futebol Sebastião Lucas Fonseca (vulgo Matateu), contratado pelo Belenenses,32 e o pugilista Carlos Wilson.33Sobre o primeiro, pergunta-se: “Que será de Matateu quando não for bom para a bola, quando as suas pernas se recusarem a correr no jeito de um bailarino fantasista?” (Meridiano, jan.-mar., 1953, p. 1). Sobre o segundo, afirma: “Acenaram-lhe com o paraíso. Meteram-lhes mulheres fáceis na vida. A tuberculose e a morte foram os consequentes sinistros desse pseudo círculo cor-de-rosa”. Era claro o tom de denúncia a uma ordem colonial que explorava os nativos.

Vale citar que um caso que guarda semelhanças com esses citados foi incorporado por Pepetela no seu livro em que narra algo acerca da Casa dos Estudantes do Império, Geração da Utopia (1992). É verdade que, na representação do autor – lembremos que se trata de uma ficção –, o futebolista é um tanto apolítico, ao invés de alguns personagens que neste estudo estamos abordando.34De toda forma, é um interessante retrato da miríade de tipos que frequentava a instituição.

Naquela transição dos anos 1950-1960, as excursões que foram promovidas de Lisboa a Coimbra supostamente tinham o intuito de fortalecer o espírito de corpo da CEI, de acordo com suas “tradições”. Assim se anunciou nos discursos dos dirigentes da instituição. Era um disfarce. Claramente tratava-se de uma estratégia para fortalecer os vínculos políticos entre as duas delegações, uma forma de iludir o controlo que pendia sobre os membros das Casas.

Tendo em conta essa busca de aproximação,reconhecia-se que houvera dificuldades de relacionamento entre as delegações, até mesmo por certa relação hierárquica que, no novo espírito, na visão dos de Lisboa, deveria ser eliminada (Mensagem, nov. 1958). Essa intenção de maior proximidade, contudo, por motivos diversos, acabou por não avançar.

Na década de 1950, outro importante espaço de participação desportiva dos associados da Casa foi o Clube Marítimo Africano, agremiação que existiu entre os anos de 1955 e 1961, uma iniciativa articulada em conjunto e por motivação de marítimos angolanos: “Com efeito, alguns membros mais conscientes e ativos mantinham relações com a Casa dos Estudantes do Império, e vice-versa, muitos de nós, estudantes da CEI, frequentavam e davam seu apoio ao Clube” (Rocha, 1997, p. 25). Um dos mais ativos dinamizadores da secção de desporto foi Fernando da Costa Campos, oriundo de Angola e membro da CEI.

A agremiação funcionou tanto como meio de recreação para os nativos das colónias quanto como forma de organização de movimentos de contestação, uma estratégia perspetivada tanto para fugir do maior controlo que havia sobre o quotidiano da CEI quanto para estabelecer uma relação com os que estavam envolvidos com as lutas anticoloniais e viviam nas províncias:

O Clube Marítimo Africano mantinha uma fachada lúdica e esportiva, que encobria uma grande atividade política, espalhando as ideias nacionalistas provenientes de Luanda e Bissau e constituindo, como foi a Casa dos Estudantes do Império, mais uma onda na tumultuosa maré nacionalista que teve origem nos musseques de Luanda, Bissau e Kinshasa nos anos 50 [Rocha, 1997, p. 25].35

Nos anos 1960, acentuou-se o cenário de tensões que recrudescera nos anos finais da década anterior. Nova intervenção governamental, dessa vez de sete meses, houve em 1961, no momento em que explodiram os conflitos anticoloniais em Angola.

 Até ao fim da sua existência – em 1965, por imposição governamental –, a Casa viveu um clima de turbulência, tornando-se inclusive mais explícito o envolvimento de alguns de seus associados nas lutas políticas metropolitanas (por exemplo, na Crise Académica de 1962 36. Nesses anos finais, a instituição encarou muitas dificuldades para continuar aberta. Além do maior controlo dos órgãos de repressão, o governo deixou de conceder o subsídio, abalando-a financeiramente. Mais ainda, muitas lideranças fugiram de Portugal para se engajar nas lutas anticoloniais,37 deixando certo vácuo de poder.38

Nesse cenário de grande efervescência, em que se tornou aparente a opção pela via africana de contestação, com Carlos Ervedosa na presidência, o boletim tornou-se menos um espaço informativo (a não ser para os temas explicitamente políticos) e mais um veículo de publicação de ensaios e opiniões, destacando-se pela difusão de uma literatura nativista.39

Com isso, sabemos menos sobre o envolvimento dos estudantes com o desporto. No boletim, o tema aparece em uma ou outra ocasião, como no conto de Luandino Vieira, “Ze (Fintacai) Augusto”, dedicado ao futebol praticado nos musseques angolanos: “Aos meninos-homens, cuja alegria de bola de meia enche a cidade, escreveria este conto se soubessem ler” (Mensagem, 1962, p. 17). A modalidade é perspetivada como forma de afirmação e valorização das coisas da terra.40

Consegue-se também ver que a prática desportiva continuou a integrar as ocasiões festivas da Casa, como as comemorações do seu 18.º aniversário, uma semana de atividades em que ficaram claros os novos rumos políticos e os investimentos no âmbito da formação artística e teórica. Encerrou o evento uma manhã dedicada ao desporto, finalizada com um almoço de confraternização.

Para alguns, o desporto continuou a ser uma porta de entrada para a política. Um exemplo esclarecedor é o de Daniel Chipenda, no futuro um dos principais combatentes do MPLA na guerra colonial em Angola. Segundo o seu depoimento:

Eu entrei na luta política mais concretamente e diretamente em 1960, porque eu em 59 vim a Luanda. Vim a Luanda integrado na equipa da Associação Académica de Coimbra […]. E é precisamente em Luanda, numa tarde [em] que eu fui convidado a almoçar em casa da tia Tereza de Carvalho, onde depois tive uma reunião em casa do mais velho Veríssimo Costa, o pai do Desidério, e do velho Mingas. Esses dois mais velhos disseram precisamente que eles estavam a trabalhar […], que devíamos nos preparar porque a movimentação que se estava fazendo aqui estava a ganhar forma e consistência e que nós iríamos ser chamados para participar nesta luta.41

Chipenda, que jogara antes no Benfica, narra um episódio que se tornou comum a partir da transição dos anos 1960, a visita de equipas metropolitanas às colónias, uma estratégia para celebrar os supostos laços de fraternidade do império.42 A Académica de Coimbra foi das agremiações que mais participou desses eventos, sempre cercados de grande cerimónia e mobilização da população.43 Como podemos ver, também aqui houve desdobramentos inesperados do projeto governamental: o contacto entre nativos que se encontravam em distintos espaços do território português.

Vale considerar que foi ativa a participação da Académica, inclusive da equipa de futebol, na já citada Crise de 1962. O documentário Futebol de Causas (dirigido por Ricardo Antunes Martins) trata bem das peculiaridades dessa equipa e do seu envolvimento com as questões políticas do momento.44

Destaca-se a presença de originários das colónias na equipa, entre os quais José Araújo (que futuramente ocuparia importantes cargos na Angola independente, inclusive presidente do Comité Olímpico), António França (que teve carreira militar e de negociante em Angola), José Júlio Andrade (que se engajou nas lutas coloniais em Moçambique e teria uma trajetória política na área do desporto), além de Chipenda.45

Os depoimentos dos jogadores da época dão conta de como o futebol foi também uma estratégia para que os seus colegas oriundos das colónias ­procurassem driblar o controlo. Ao fim, conseguiram fugir de Portugal, exatamente depois de uma excursão a Angola (1962), a despeito de a PIDE estar atenta aos seus movimentos, inclusive prendendo-os para averiguação.

Em 1960, a PIDE já sugerira que o dirigente da Académica, António Manuel Marques, pertencia à “ala esquerdista da Casa de Estudantes do Império”.46 No ano seguinte, levantou suspeita sobre outros dois diretores que estavam associados à instituição, Vieira e Caldeira Marquês, inferindo, contudo, que não estariam envolvidos com movimentos anticoloniais. De toda a forma, uma vez mais se percebeu que, frente à intervenção governamental, “foi possível saber que é intenção dos ultramarinos agruparem-se agora, consoante as províncias de origem, para realizarem almoços, jantares, bailes ou outras reuniões, com ou sem devida autorização, para tratarem de assuntos antes resolvidos através da CEI”.47

Os documentos da PIDE permitem-nos perceber que os inspetores escolheram o grande suspeito. Luis Filipe da Conceição Pereira, Manuel Vieira e Antonio Tomaz Medeiros foram alguns dos citados como perigosos por estarem ligados “a essa pretalhada chefiada pelo jogador de futebol Chipenda (Daniel Julio), considerados antiportugueses”.48

Também no Porto, em 1963, a repressão estava atenta aos movimentos de um certo Vasconcelos, jogador do Porto, e do angolano Joaquim Pataca, ambos com fortes relações com Alberto Rui Santos Machado, de Cabo Verde, considerado altamente suspeito.49

Até ao fim da Casa dos Estudantes permaneceu, de alguma forma, essa relação do desporto com as iniciativas políticas.

 

CONCLUSÃO

 

Muitos eram os perfis e os interesses dos filiados e frequentadores da Casa dos Estudantes do Império. Como bem resume Edmundo Rocha, para alguns “a Casa servia apenas de suporte logístico (cantina e lar) e lúdico da sua atividade estudantil. Mas muitos desses jovens vieram mais tarde a assumir posições nacionalistas e, mesmo, a integrar os movimentos políticos” (Rocha, 1997, p. 104).

Vale ter em conta que a CEI se inseria numa cidade que se apresentava menos “como a ‘capital do império’ do que como cenário de encontros entre estudantes africanos que aí se cruzaram, desenvolvendo amizades, cumplicidades, afiliações” (Sanches, 2013, p. 281), um local em que “se as desigualdades se afirmavam, também podiam ser contestadas, mediante a apropriação crítica dos discursos e representações dominantes” (Sanches, 2013, p. 297).

Ao narrar-se a importância da Casa dos Estudantes do Império, inclusive no que tange à gestação de um pensamento e postura de contestação – um processo de tomada de consciência de um grupo de jovens associados –, citam-se mais comumente as contribuições das atividades artísticas, especialmente da produção literária. Pouco se discutiu a presença da prática desportiva no quotidiano da CEI, a sua relevância na trajetória da instituição.

O desporto não foi um elemento estranho nos diversos momentos pelos quais passou a Casa dos Estudantes do Império. Num primeiro momento, para além de ser expressão de um grupo de privilegiados que vinham do ultramar, contribuiu para gerar um espírito de corpo, certa coesão entre indivíduos que tinham experiências muito distintas. Na mesma medida, auxiliou numa maior inserção dos associados na vida quotidiana lisboeta, uma maior integração com a metrópole.

Conforme foram crescendo as tensões políticas, outras motivações cercaram as ações com o desporto. Na mesma medida em que se anexaram à prática discursos mais afeitos aos novos temas que emergiram na Casa, as iniciativas desportivas foram também utilizadas como estratégia para driblar o crescente controlo que houve sobre os associados em função das suas novas vinculações.

Esse tipo de ação fazia uma conexão entre o passado e o futuro. Tinha antecedentes nas experiências desenvolvidas com o desporto em algumas colónias. Da mesma forma, as lutas anticoloniais incorporá-la-iam de forma aperfeiçoada. Um exemplo são as iniciativas que entabulou Amílcar Cabral na preparação, desencadear e manutenção dos combates independentistas na Guiné, onde o futebol ocupou um espaço de importância (Melo, 2011b e 2015).

Devemos afastar a ideia de que o desporto é um território alheio à política. Não se pode pensar, contudo, na ação política ao seu redor a partir de parâmetros clássicos de engajamento. No caso da CEI, não foi exclusivamente nem uma estratégia de controlo nem de subversão. Tratou-se de um fenómeno complexo e ambíguo. Nas iniciativas desportivas entabularam-se posturas tanto de adequação quanto de insubmissão, na mesma medida em que, ­independentemente desses aspetos, se envolveram os indivíduos pelo desejo de se divertirem. A propósito, o seu poder de mobilização perder-se-ia completamente se não fosse divertido.

Trata-se de um bom terreno para prospetarmos como se cruzam certas dimensões individuais e coletivas, mecanismos de identificação, alteridade e repulsa. Por isso mesmo, é um tema interessante para que possamos lançar novos olhares sobre o colonialismo português e o processo de descolonização, que teve também como protagonistas jovens oriundos das possessões de Portugal na África e Ásia, muitos deles em algum momento associados à Casa dos Estudantes do Império.

 

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Recebido a 22-06-2015. Aceite para publicação a 06-04-2016

 

NOTAS

 

1Dáskalos participou ativamente das lutas anticoloniais e foi dirigente de alguns órgãos governamentais da Angola independente.

2Pelo seu apoio à iniciativa, Marcello Caetano recebeu o título de presidente de honra da nova instituição (Boletim Geral das Colónias, Lisboa, v. XX, n.º 223, jan. 1944).

3Em 1945, começou a funcionar uma delegação em Coimbra, contando com 116 sócios. A essa altura, já eram 600 associados em Lisboa (Castelo, 1997). Em 1958, foi também criada uma casa de estudantes no Porto (Pires Laranjeiras, 1996).

4 Além dos cargos gerais (como presidente, vice-presidente e secretário), havia dirigentes por setor (cultura e desporto, por exemplo) e por província (que mantinham certa autonomia).

5 Para mais informações sobre as resistências ao processo de descolonização e as ações em consequência encaminhadas pelo governo português, v. Antunes (1980) e Pimenta (2010).

6  Destacam-se as iniciativas de comemoração promovidas pela União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa (UCCLA). Para mais informações, v. http://www.uccla.pt/casa-dos-estudantes-do-imperio. Disponível em 26-02-2016.

7 Além de breves citações em alguns artigos sobre a CEI, o assunto, mesmo sem grande profundidade, mereceu um pouco mais de atenção no estudo de Melo e Bittencourt (2012).

8   Esse material foi reunido em Amarílis e Ferreira (1996).

9 Mesmo que tenhamos procurado aumentar o escopo de fontes, temos consciência dos limites das que foram consultadas. O uso de depoimentos, por exemplo, certamente terá o potencial de aportar novos olhares ao tema. Todavia, foge ao intuito e às possibilidades operacionais deste estudo tal alternativa, a qual poderá vir a ser usada numa oportunidade futura.

10Mesquita foi um dos mais ativos líderes da construção da anterior casa de estudantes de Angola.

11Um relato sobre a importância que tinha o desporto em Angola, bem como sua articulação com os movimentos políticos locais, pode ser visto em Dáskalos (2000). Do ponto de vista académico, o tema também foi tratado por Bittencourt (2010).

12 V. um interessante relato sobre tal ocorrência em: http://www.francisco-velasco.com/19 59/09/album-1959-xxiv-campeonato-da-europa/. Disponível a 26-02-2016.

13 Nos últimos anos, algumas investigações foram desenvolvidas sobre o tema. V., entre outros, os estudos de Bittencourt (2010; sobre Angola), Melo (2011a; sobre Cabo Verde), Domingos (2012; sobre Moçambique); Nascimento (2013; sobre São Tomé e Príncipe) e Melo (2014, sobre a Guiné portuguesa). V. também as coletâneas organizadas por Melo, Bittencourt e Nascimento (2010) e por Bittencourt, et al. (2013).

14 Para mais informações sobre o desporto no Estado Novo, inclusive sobre os limites das ações governamentais, ver Drumond (2014) e Kumar (2014).

15 Deve-se ter em conta que a Mocidade Portuguesa encontrou muitas dificuldades de funcionamento e não chegou a cumprir todos os seus intuitos (Kumar, 2014).

16 No decorrer da história da CEI, os oriundos de Angola estiveram entre os mais ativos nas iniciativas desportivas, tanto na organização de eventos quanto integrando seleções representativas da instituição. Os angolanos em diversas ocasiões tiveram mesmo as suas equipas próprias, especialmente de futebol, vólei e basquete.

17 Neste artigo será adotado o seguinte padrão: a data refere-se à publicação original, enquanto a página refere-se à citada obra de Orlanda Amarílis e Manuel Ferreira (1996).

18A defesa do amadorismo, inclusive o seu envolvimento com a consolidação do desporto olímpico em Portugal, de alguma forma é um traço do perfil elitista do Clube Internacional. Para mais informações sobre a agremiação, v. Kumar (2014).

19   Para mais informações sobre o envolvimento de Cabral com o desporto, v. Melo (2011a) e Melo (2015).

20   Neste artigo vamos continuar a referir-nos ao periódico como Mensagem, como se tornou mais conhecido no decorrer do tempo, até mesmo porque assim voltou a ser chamado a partir de abril de 1959.

21   Sobre tais mudanças nas colónias, v. artigos disponíveis no livro organizado por ­Bethencourt e Chaudhuri (1999).

22V., por exemplo, o que Bittencourt (2003) discorre sobre esse aspeto no que tange a Angola, e o que Melo (2011a) descreve sobre o caso de Cabo Verde.

23A relação entre o pensamento de Gilberto Freyre e certas representações sobre o futebol tem merecido atenção de alguns pesquisadores. Entre outros, v. os estudos de Soares (2003) e Domingos (2015a).

24Rui Mingas era também conhecido por suas canções e por sua performance vocal. No futuro, tornar-se-ia o compositor do hino nacional de Angola. Chegou a ser ministro do desporto do país.

25    Para um debate sobre o aumento do protagonismo feminino na CEI, v. Padilha (2000).

26   Um exemplo interessante nesse sentido é a trajetória de Aida Freudenthal, que chegou a integrar uma equipa de basquete. Para mais informações, v. seu depoimento em: http://www.sol.pt/noticia/117425/o-ber%C3%A7o-das-independ%C3%AAncias. Acesso em: 25 fev. 2016. Sobre o protagonismo feminino em Angola, v. Fonseca (2009).

27 Melo e Bittencourt (2013) trataram desse tema ao investigarem a documentação da PIDE sobre os clubes do ultramar.

28 Arquivo da Torre do Tombo, Fundo PIDE/DGS, del. C, sr, processo 3767, nt. 4480. Relatório de 30-11-1954.

29  Não surpreende essa desconfiança. O Ateneu de Coimbra foi um polo de resistência ao Salazarismo, desde a sua fundação uma agremiação politicamente engajada.

30Arquivo da Torre do Tombo, Fundo PIDE/DGS, del. C, sr, processo 3767, nt 4480. Ofício de 06-11-1959.

31Sobre as representações e papéis desempenhados por Eusébio, v. Domingos (2014) e ­Cardão (2014).

32 Matateu foi um dos primeiros jogadores nascidos em África a fazer carreira no Portugal europeu, antes mesmo de Eusébio.

33Na década de 1940, Carlos Wilson chegou a Lisboa junto com outros pugilistas originários de Moçambique. Para mais informações sobre esse facto, bem interessante para pensar as relações coloniais, v. Domingos (2011).

34Para um debate sobre o perfil de Malongo, o personagem futebolista da trama de Pepetela, v. Dutra (2007).

35   Para mais informações sobre o Clube Marítimo Africano, v. Rocha (1998), Zau (2007) e Melo e Bittencourt (2012).

36   Sobre os conflitos que houve entre os estudantes e o governo português, v. Marques et al. (1996).

37 Sobre esse episódio, ocorrido em 1961, quando mais de 100 africanos fugiram pelas fronteiras com Espanha, v. Zau (2007).

38   Mais um complicador foi a redução do número de estudantes oriundos das colónias em Portugal em função da criação dos Estudos Gerais Universitários em Angola e Moçambique (1962).

39 Para um debate sobre a importância dessa ação por meio da literatura, v. Monteiro (2011).

40 Para uma abordagem da relação de Luandino Vieira com o futebol, a partir de uma perspetiva de contestação ao jugo colonial, v. Bittencourt (2010). Noutras colónias, também se percebe esse interface entre a literatura e o desporto. Para o caso de Cabo Verde, v. Melo (2011a). Para uma discussão sobre o olhar do moçambicano José Craveirinha, v. Domingos (2015b).

41 Entrevista concedida na Rádio Nacional de Angola, ao programa Foi há 20 Anos, realizada em 17 de junho de 1995.

42  Para mais informações sobre essas visitas, v. Melo e Bittencourt, (2013), Melo (2014) e Melo (2015).

43   Sobre uma dessas visitas à Guiné, v. Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, v. 13, n. 50, 1958, p. 226. Para mais informações sobre tal ocasião, v. Melo (2011b e 2015).

44   A Académica e a sua equipa de futebol sofreram intervenções governamentais. Para um debate sobre o papel do desporto na agremiação, v. Lopes (1992) e Garrido (2008).

45   O filme está disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=by6AqacVw9I. Acesso em: 21 abril de 2015. A ligação dos jogadores com movimentos de contestação recebeu também alguns comentários em Cleveland (2013).

46   Arquivo da Torre do Tombo, Fundo PIDE/DGS, del. C, sr, processo 3767, nt 4480. Ofício de 09-01-1960.

47 Arquivo da Torre do Tombo, Fundo PIDE/DGS, del. C, sr, processo 3767, nt 4480. Ofício de 11-01-1961.

48 Arquivo da Torre do Tombo, Fundo PIDE/DGS, del. C, sr, processo 3767, nt 4480. Informação de 31-03-1961.

49 Arquivo da Torre do Tombo, Fundo PIDE/DGS, del. C, sr, processo 3767, nt 4480. Ofício de Raul Rosa Porto, subdiretor da PIDE no Porto, 09-08-1963.

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