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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.223 Lisboa jun. 2017

 

RECENSÃO

CUNHA, V., VILAR, D., WALL, K., LAVINHA, J., PEREIRA, P.T. (orgs.)

A(s) Problemática(s) da Natalidade em Portugal. Uma Questão Social, Económica e Política,

Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2016, 301 pp.

ISBN 9789726713777

 

José de São José*

* CIEO, Faculdade de Economia, Universidade do Algarve, Edifício 9, Campus de Gambelas — 8005-139, Faro, Portugal. E-mail: jsjose@ualg.pt

 

A natalidade em Portugal tem sido alvo de intensos debates em diversas esferas, como por exemplo nos meios de comunicação social, que têm chamado a atenção para a situação preocupante em que o nosso país se encontra. A este respeito, em maio de 2013, Bagão Félix, antigo ministro da Segurança Social, considerava, no Correio da Manhã, que a quebra da taxa de natalidade em Portugal era uma “situação dramática”(http://www.cmjornal.pt/sociedade/detalhe/situacao-dramatica). Este registo alarmista relativamente à situação da natalidade em Portugal também se encontra nos media internacionais. O The Guardian publicou, em julho de 2013, uma notícia dando conta da situação grave em que Portugal se encontrava no respeitante à natalidade(https://www.theguardian.com/world/2013/jul/02/portugal-low-birthrate-eurozone-crisis.

Com o intuito de debater “friamente” o tema da natalidade em Portugal, teve lugar, entre 15 e 16 de janeiro de 2015, no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, uma Conferência Internacional com o título “A(s) Problemática(s) da Natalidade em Portugal: Uma Questão Social, Económica e Política”. Da organização desta conferência fizeram parte a Associação para o Planeamento da Família, o Observatório das Famílias e das Políticas de Família do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, e o Instituto de Políticas Públicas Thomas Jefferson-Correia de Serra. Conforme o título da conferência deixava transparecer, tratou-se de um encontro aberto a participantes provenientes de diversos países, de diferentes domínios da sociedade, como o da academia, o das políticas públicas, o da intervenção político-partidário e o da sociedade civil. À multiplicidade de domínios acrescentou-se a pluralidade de visões dentro de cada domínio, o que fez desta conferência um espaço único de debate de um tema de grande relevância social e científica.

As intervenções de praticamente todos os oradores que participaram na conferência acima referida estão reunidas num livro, publicado em 2016, pela Imprensa de Ciências Sociais. Este livro, que tem exatamente o mesmo título da conferência, é organizado por Vanessa Cunha, Duarte Vilar, Karin Wall, João Lavinha e Paulo Trigo Pereira. É constituído por 23 capítulos, aos quais se juntam o prefácio, uma secção com os discursos da sessão de abertura da conferência, uma secção com as intervenções dos representantes de diversos partidos políticos, e ­finalmente a conclusão.

Antes de prosseguir para a apreciação do livro acabado de referir, importa apresentar a minha declaração de conflito de interesses. Tenho, desde há longa data, uma relação de amizade com dois dos organizadores do livro, sendo ainda membro da Comissão Consultiva do Observatório das Famílias e das Políticas de Família (uma das entidades organizadoras da conferência). Acrescento, ainda, o facto de ter moderado uma das sessões da conferência. Embora esta situação não me iniba de realizar uma apreciação imparcial do livro, a mesma será inevitavelmente realizada num tom amigável (assim espero).

Normalmente, uma recensão de um livro inclui um breve resumo das principais ideias/argumentos nele contido. Embora nalgumas partes eu faça referência a alguns resultados e/ou conclusões apresentadas nos capítulos, vou abster-me de realizar um resumo, dado que a secção de conclusões do livro em análise fá-lo de uma forma exemplar. Assim, considerando que, tal como já foi referido anteriormente, a conferência que está na base deste livro procurou examinar múltiplas dimensões da natalidade em Portugal a partir de uma pluralidade de pontos de vista, decidi colocar-me na posição de “leigo sobre a matéria” e analisar em que medida é que o livro oferece respostas a um conjunto de perguntas que, à partida, um leigo colocaria sobre o tema da natalidade em Portugal. Contudo, importa salientar que outro analista, seguindo a mesma lógica, poderia não colocar, necessariamente, as mesmas perguntas. Dito isto, as perguntas são as seguintes: Em que situação é que Portugal se encontra no que concerne à natalidade? Os valores da natalidade e da fecundidade em Portugal são realmente baixos? Quais são as causas da situação atual? Quais são as suas consequências? A situação é deveras preocupante, requerendo uma intervenção? Se sim, que políticas públicas se afiguram como mais adequadas para promover a natalidade? Como complemento a este exercício, procurarei, ainda, analisar criticamente o livro a partir de três prismas, nomeadamente: teoria (nível de mobilização de teoria), métodos (equilíbrio entre abordagens quantitativas e qualitativas), e tópicos (grau de diversidade dos tópicos abordados).

Começando pela primeira pergunta (em que situação é que Portugal se encontra no que concerne à natalidade?), o livro em análise oferece uma caracterização alargada e aprofundada do fenómeno da natalidade no nosso país, comparando não só a situação no presente com a situação no passado (capítulos 1 e 3), mas também a realidade portuguesa com a realidade de outros países europeus (sobretudo o capítulo 1). São também exploradas as diferenças regionais (capítulo 5) e o papel do adiamento dos segundos filhos na evolução da fecundidade (capítulos 4 e 6). Assim, no meu entendimento, o “diagnóstico” realizado no respeitante à natalidade em Portugal é suficientemente exaustivo, rigoroso e esclarecedor.

No tocante à segunda pergunta (os valores da natalidade e da fecundidade em Portugal são realmente baixos?), a ideia que se deixa transparecer ao longo do livro é a de que a natalidade e a fecundidade em Portugal atingiram valores muito baixos. Refere-se, em vários capítulos, que o valor do Índice Sintético de Fecundidade (ISF) do nosso país é o mais baixo de entre os países da União Europeia. O capítulo 4 mostra que Portugal está num conjunto de países em que o ISF não ultrapassa 1,5 filhos por mulher (o ISF para Portugal de 2015 era de 1,3). Este “regime de fertilidade”, assim designado por Rindfuss e colaboradores (2016), contrasta com outro regime em que a fecundidade está abaixo, mas perto, do valor necessário para a renovação das gerações. Todavia, não existe um consenso em torno do valor a partir do qual a fecundidade é classificada de “muito baixa”. Uma grande parte dos especialistas aponta para um valor igual ou inferior a 1,3 (e. g. Kohler et al., 2002), enquanto outros apontam para um valor igual ou inferior a 1,5 (e.g. McDonald, 2006). A ausência de consenso existe também no respeitante ao valor ótimo de fecundidade, pois ao contrário do que se poderia pensar, alguns especialistas, oportunamente referidos no capítulo 1, p. 68 (e.g. Striessnig e Lutz, 2013), defendem que nalguns contextos socio-históricos (escassez de empregos, pressões ambientais, etc.) este valor deveria ficar abaixo do necessário para a renovação das gerações (ISF 2,1). Do meu ponto de vista, esta discussão é relevante, mas acaba por estar pouco explorada no livro em análise.

Relativamente à terceira pergunta (quais são as causas da situação atual?), o capítulo 1 discute, de uma forma bem sustentada, as principais causas, sendo algumas delas de natureza económica (e.g., a insegurança laboral), outras de natureza social (e.g., desigualdade de género no domínio do trabalho não pago), e outras que se inserem no domínio das políticas públicas (e.g., baixos gastos públicos em políticas de família). Os fatores que contribuem para a situação atual no que toca à natalidade são também explorados no capítulo 3. Apesar de as causas serem abordadas apenas em dois capítulos, especialmente num deles, a abordagem efetuada permite, na minha opinião, responder cabalmente à terceira pergunta anteriormente enunciada.

Passando para a quarta pergunta (quais são as suas consequências?), é-nos referido nalguns capítulos que a não renovação das gerações é a grande consequência dos baixos valores da natalidade e da fecundidade em Portugal, colocando em risco a sustentabilidade da nossa sociedade (ideia particularmente vincada no capítulo 20). Nalguns capítulos também é mencionado, embora de passagem, o envelhecimento da população como uma das consequências da situação de Portugal face à natalidade. O declínio e o envelhecimento da população são, de facto, as duas consequências demográficas mais referidas pela literatura especializada da baixa natalidade e fecundidade (Bujard, 2015), embora estas consequências só se verifiquem quando a baixa fecundidade se combina com outras mudanças relacionadas com a esperança média de vida e os saldos migratórios. Porém, estas consequências demográficas têm, por sua vez, implicações, tanto negativas como positivas, em múltiplos domínios tais como nos sistemas de segurança social, no mercado de trabalho, nas relações intergeracionais, nas dinâmicas eleitorais, no planeamento e gestão das cidades, no ambiente, entre outros. Contudo, estas implicações só muito “ao de leve” foram exploradas nalguns capítulos (para uma análise destas implicações no caso da Alemanha, ver Bujard, 2015).

Por fim, no que toca à quinta e sexta perguntas (a situação é deveras preocupante, requerendo uma intervenção? Se sim, que políticas públicas se afiguram como mais adequadas para promover a natalidade?), o livro em análise transmite-nos a ideia de que é necessário intervir para mudar a atual situação, embora as razões para tal intervenção não estejam explicitamente sistematizadas. Não obstante, da leitura que faço dos diversos capítulos do livro, consigo reter duas grandes razões. A primeira razão tem a ver com o facto de os baixos níveis de natalidade e fecundidade constituírem uma ameaça para a sustentabilidade da nossa sociedade. A segunda razão prende-se com a descendência idealizada por parte dos homens e mulheres em idade reprodutiva do nosso país, que se situa nos 2 filhos, quando na realidade têm, em média, 1 filho. Estes são, justamente, os dois argumentos que normalmente são utilizados para justificar uma intervenção do Estado com o propósito de aumentar os valores da natalidade e da fecundidade (Toulemon, 2011). Contudo, existem autores que, pelo facto de consideraram a natalidade como um assunto do foro privado, defendem que o Estado deve, tanto quanto possível, evitar intervir neste assunto (van de Kaa, 2006).

Relativamente à sexta pergunta, o capítulo 13 oferece uma análise do impacto de várias medidas de política de família na fecundidade. Neste capítulo conclui-se que de entre as três medidas de política de família analisadas, nomeadamente licenças de parentalidade, serviços de cuidados para crianças e prestações sociais, a segunda medida é a que demonstra ter o maior efeito positivo na promoção da fecundidade. A eficácia dos serviços de cuidados para crianças na promoção da natalidade também é destacada por Rindfuss et al. (2010). Não obstante, é também enfatizado que a eficácia na promoção da fecundidade depende não só da combinação das três medidas de política de família acima enunciadas, mas também da combinação destas medidas com outras medidas de política pública, como por exemplo medidas que assegurem um emprego estável. Para além disto, foi igualmente realçado que este conjunto de medidas só é de facto eficaz se for assegurado durante um longo período de tempo, embora a eficácia destas também dependa das características de cada Estado-Providência. A influência da estabilidade das políticas ao longo do tempo e das especificidades dos Estados-Providência na promoção efetiva da natalidade também é mencionado por Luci-Greulich e Thévenon (2013). Estes autores referem ainda que o impacto de certas medidas depende do nível de desenvolvimento/implementação de outras medidas, revelando, por exemplo, que a fecundidade é mais sensível à duração das licenças de parentalidade nos países nórdicos, onde as taxas de atividade feminina e o nível de provisão de serviços de cuidados para crianças são particularmente elevados.

Existem outros capítulos que também abordam a questão das políticas de família e outras políticas públicas, embora, em rigor, não examinem o grau de eficácia de determinadas medidas na promoção da natalidade. O capítulo 14 traça a evolução das políticas de família em Portugal, especialmente as que poderão ter impacto na fecundidade, enquanto o capítulo 16 analisa as consequências das recentes alterações nas políticas de família e noutras políticas sociais nas condições de vida dos portugueses, mostrando que algumas destas alterações (e.g., as que afetaram o Rendimento Social de Inserção) atingiram negativamente as famílias com crianças. Por sua vez, o capítulo 18 chama a atenção para o facto de não existir uma verdadeira política de conciliação trabalho-família em Portugal e apresenta algumas propostas para que esta política ganhe consistência. Algumas boas-práticas de promoção da natalidade protagonizadas pelo poder local são descritas no capítulo 19, ao passo que no capítulo 20 é apresentado o relatório “Para um Portugal amigo das crianças, das famílias e da natalidade”, que contém um vasto conjunto de medidas para promover a natalidade. Estas medidas são comentadas nos capítulos 21 a 23. O tema das políticas também é abordado nos capítulos 15 e 17. Por último, o livro inclui ainda os contributos de ­representantes de diversos partidos políticos (pp. 265-292) que se focam sobretudo

Ainda no respeitante às políticas públicas, gostaria de destacar duas chamadas de atenção, ambas remetendo para a importância das questões da igualdade e da equidade. O capítulo 21 chama a atenção para o facto de as propostas inseridas no relatório “Para um Portugal amigo das crianças, das famílias e da natalidade” poderem ter algum impacto negativo na igualdade de género. Aliás, é enfatizado neste capítulo que a natalidade só crescerá de modo sustentado em Portugal se a igualdade de género estiver efetivamente assegurada, possibilitando a conciliação entre trabalho e vida familiar e pessoal não só junto das mulheres, mas também junto dos homens. Por sua vez, o capítulo 23 levanta sérias reservas às propostas relativas à justiça fiscal que são apresentadas no relatório acima referido. Chama-se a atenção para o facto de algumas destas propostas beneficiarem apenas as famílias que pagam IRS, deixando de fora as famílias que não pagam este imposto, ou seja, as famílias mais pobres. Por exemplo, a proposta de “abatimento ao rendimento líquido global da Segurança Social suportada pela entidade patronal de serviços de apoio doméstico” beneficia as classes médias, pois são estas que têm rendimentos para poder contratar uma empregada doméstica.

No seguimento do que foi referido no parágrafo anterior, concordo com o demógrafo Laurent Toulemon (2011), quando este defende que a melhor estratégia para promover a natalidade é apostar na promoção da igualdade de género. Segundo este demógrafo, os custos de oportunidade associados aos filhos são atualmente muito mais elevados para as mulheres do que para os homens. Esta realidade poderá ser alterada se houver igualdade de género dentro e fora de casa, o que, por conseguinte, levará certamente a um aumento da natalidade. Toulemon (2011) avança várias justificações para esta proposta. Primeiro, eleger um grupo específico de pessoas como o alvo das medidas de promoção da natalidade poderá não ser sustentável nem defensável do ponto de vista da equidade. Isto remete para a tensão clássica no domínio da economia entre eficiência e equidade, que também é muito bem aflorada no capítulo 23. Sobre este assunto, Toulemon (2011) coloca a seguinte questão: Devemos maximizar a eficiência através de medidas que ajudam alguns casais a ter filhos ou, como alternativa devemos promover a equidade através de medidas que ajudam todas as famílias? Ainda na ótica deste demógrafo, qualquer política pró-natalista deverá ser equacionada não só em termos de eficiência, mas também em termos de equidade, embora a equidade esteja muitas vezes ausente nas abordagens demográficas. A segunda justificação avançada por Toulemon (2011) para se apostar na igualdade de género e não em políticas explícitas de promoção da natalidade, é a de que a igualdade de género não tem a ver apenas com a natalidade, sendo um objetivo mais vasto, com uma grande aceitação social, não estando associada a visões conservadoras sobre as famílias e a vida familiar.

Devo acrescentar, no que respeita à igualdade de género, que medidas tais como licenças de parentalidade, prestações sociais e serviços de cuidados para crianças poderão também ser concebidas enquanto promotoras da igualdade de género. O demógrafo Ron Lesthaeghe, num artigo publicado no The Guardian em março de 2015, referia que a receita para o sucesso da França e de outros países, como por exemplo os escandinavos, na promoção da natalidade era muito simples: igualdade de género no trabalho pago e não pago, e apoio efetivo por parte do Estado em termos de oferta de tempo, dinheiro e serviços (https://www.theguardian.com/world/2015/mar/21/france-population-europe-fertility-rate). Lesthaeghe, assim como Toulemon (2011), dão conta que a evidência empírica revela claramente uma associação entre elevados valores de igualdade de género e valores mais elevados de fecundidade.

Uma última nota sobre as questões das políticas públicas. Ao longo do livro são identificados diversos obstáculos com que as pessoas se debatem para entrar, ou reentrar, na parentalidade, tais como a ausência de uma verdadeira política de conciliação entre trabalho e vida familiar e pessoal, o desconhecimento de direitos sociais por parte de muitos cidadãos, a persistência de desigualdades de género, principalmente no domínio do trabalho não pago, o agravamento das condições de vida das famílias decorrente da crise económica e financeira e das medidas de austeridade, entre outros. Relativamente a este último obstáculo, enfatizo o aumento do trabalho precário em ­Portugal que, tal como referido no capítulo 17, atingia, em 2013, cerca de metade dos homens e das mulheres com idades compreendidas entre os 15 e os 29 anos. A precariedade laboral refreará, certamente, qualquer intenção de ter um filho. No entanto, convém não esquecer outro obstáculo, este de natureza cultural: em Portugal, ao contrário de outros países, persistem valores sociais conservadores/familialistas no tocante à relação entre emprego feminino e maternidade, dado que se vê o trabalho feminino como prejudicial para as crianças em idade pré-escolar.

Voltando à sexta pergunta, parece-me, em termos gerais, que o livro oferece uma discussão bastante boa sobre a questão das políticas de família e de outras políticas públicas que poderão promover a natalidade, assim como das variáveis que poderão influenciar os impactos destas políticas.

Para finalizar o ponto sobre as políticas públicas, permitam-me que apresente a minha posição. Eu subscrevo as propostas da perspetiva teórico-filosófica designada por Capability Approach, que foi iniciada por Amartya Sen (1985) e desenvolvida posteriormente pelo próprio e por outros (Alkire, 2005), relativamente ao papel das políticas públicas. De acordo com esta perspetiva, as ­políticas públicas devem expandir a liberdade que as pessoas têm para alcançar aquilo que valorizam. Aplicado ao tema da natalidade, isto quer dizer que as políticas devem procurar criar as condições necessárias para que os cidadãos possam não só ter, mas também criar e educar, ao longo do tempo, um ou mais filhos, se assim o desejarem. Se estas condições forem criadas, o hiato existente em Portugal entre a fecundidade existente e a fecundidade desejada poderá ser anulado. Mas, tal como alertado por António Barreto, citado na apresentação de Teresa Almeida na sessão de abertura (p. 41), também é importante que as pessoas que não desejem ter filhos não sejam sujeitas a pressões legais, políticas ou financeiras.

Resta analisar criticamente o livro a partir dos prismas da teoria (nível de mobilização de teoria), dos métodos (equilíbrio entre abordagens quantitativas e qualitativas) e dos tópicos (grau de diversidade dos tópicos abordados). Apesar de a teoria não estar ausente, a sua mobilização é tímida nalguns capítulos e inexistente noutros, o que até certo ponto é esperado, visto que o livro corresponde às atas da conferência, e normalmente as comunicações no âmbito de uma conferência são parcas no que respeita a teoria. No tocante aos métodos, notei a falta de abordagens qualitativas. Como se refere no capítulo 2, as estatísticas não falam por si, não nos dão conta das experiências vividas, dos significados atribuídos às práticas, das razões mais profundas de certas decisões. A compreensão da complexidade do fenómeno da natalidade requer não só abordagens quantitativas, mas também qualitativas, como muito bem se sublinha no capítulo 5. Finalmente, no que toca aos tópicos, é-nos oferecida uma grande diversidade de tópicos: natalidade, suas dimensões e comparações (capítulos 1, 3, 4, 5 e 6); aspetos positivos da baixa natalidade (capítulo 2); perspetiva de género sobre os cuidados, a fecundidade e a conciliação (capítulo 15); relação entre natalidade e saúde reprodutiva (capítulos 7, 8 e 10), onde se incluem as questões da infertilidade e da procriação medicamente assistida (capítulos 9, 11, 12); mercado de trabalho, modelos de organização do trabalho e natalidade (capítulo 17); e políticas de família e outras políticas públicas (capítulos 13, 14, 16, 18, 19, 20, 21, 22 e 23).

Finalizo a minha apreciação, e em jeito de conclusão, afirmando que não tenho qualquer dúvida quanto ao valioso contributo deste livro para uma discussão rigorosa, abrangente e não alarmista do tema da natalidade em Portugal. Para além de abordar múltiplas dimensões da natalidade a partir de diversos ângulos, contribui eficazmente para desconstruir algumas ideias de senso-comum que sobre este fenómeno ainda recaem. Recomendo, por isso, a todos e a todas as que se interessam por este tema, a leitura atenta deste livro.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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