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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.227 Lisboa jun. 2018

https://doi.org/10.31447/AS00032573.2018227.06 

ARTIGOS

O desafio populista à democracia representativa: a Venezuela chavista e o MoVimento 5 Estrelas

The populist challenge to representative democracy: Chavist Venezuela and the Five Star Movement

Mayra Goulart*, Goffredo Adinolfi**

*Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, ISCTE-IUL. Avenida das Forças Armadas - 1649-026 Lisboa, Portugal. mayragoulart@gmail.com

**Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, ISCTE-IUL » Avenida das Forças Armadas - 1649-026 Lisboa, Portugal. goffredoadinolfi@hotmail.com


 

RESUMO

Este artigo analisa o populismo enquanto fenómeno relacionado com a crise de legitimidade que caracteriza a democracia liberal nas sociedades contemporâneas. No entanto, de acordo com a hipótese aqui apresentada, o conceito de populismo carece de uma abordagem normativa capaz de detetar e enfatizar os riscos envolvidos neste tipo de representação, no qual o vínculo entre governantes e governados é exposto a um menor grau de reflexividade e crítica. Para isso, realizar-se-á uma análise comparada de dois fenómenos passíveis de serem enquadrados na categoria: o Movimento Bolivariano, na Venezuela, e o MoVimento 5 Estrelas, em Itália.

PALAVRAS-CHAVE: populismo; Venezuela; Itália; democracia representativa.


 

ABSTRACT

This paper is about populism as a phenomenon and it highlights the legitimacy crisis that characterizes liberal democracy in contemporary societies. However, according to the hypothesis presented here, the concept of populism lacks a normative approach capable of detecting and emphasizing the risks involved in this type of representation, in which the bond between rulers and ruled is exposed to a lower degree of reflexivity and criticism. In order to test this initial hypothesis, two case study are presented: the Bolivarian Movement, in Venezuela, and the Five Star Movement, in Italy.

KEYWORDS: populism; Venezuela; Italy; representative democracy.


 

INTRODUÇÃO

Não há dúvida de que o populismo se tornou na Europa, sobretudo depois da crise económica de 2008, no maior desafio à democracia. Não existe processo eleitoral que não represente um efetivo risco para a estabilidade dos sistemas políticos: na Grã-Bretanha, o referendo sobre a saída da União Europeia, em França com o risco concreto de uma vitória do partido de extrema-direita Front National e, obviamente, em Itália com o Movimento 5 Estrelas a guiar de forma mais ou menos estável as sondagens. Chantal Mouffe sublinha que se está a viver hoje, na Europa, um momento populista. A democracia, salienta Chantal Mouffe, passa por um momento de grande viragem, cujo futuro dependerá das respostas que serão dadas.[1]

Se, no tocante ao continente sul-americano, a tradição de estudos sobre o populismo conta já com uma longa tradição, no que concerne à Europa é sobretudo com a passagem dos anos 90 para o novo milénio que o cenário parece mudar radicalmente, por um conjunto variado de razões. Numa primeira fase, o fenómeno do populismo europeu ocorria principalmente no âmbito da extrema-direita, com proporções certamente crescentes, mas que não punham em causa o próprio funcionamento dos sistemas políticos (Mudde, Kaltwasser, 2017). Isto acontecia, sobretudo, porque o sistema dos partidos mainstream era capaz de englobar os populistas (Meny, Surel 2002; Mair, 2013). O quadro, hoje, parece ser diametralmente oposto, ou seja, é a mentalidade populista a influenciar as estratégias dos partidos mainstream (Mudde, Kaltwasser, 2017) e quando forças deste tipo se tornam rulers não parecem perder o impulso subversivo (Albertazzi, McDonnell, 2015).

Dito isto, a literatura sul-americana e a europeia continuam a seguir percursos diferentes, sem que sejam traçadas linhas capazes de restituir o que deveria representar o menor denominador comum do ideal-tipo populista, capaz de transcender divisões políticas (direita, esquerda ou centro) e geográficas, nomeadamente as que opõe o sul ao norte.

Não obstante ser o fenómeno político do momento, o conceito de populismo reveste-se ainda de uma série de ambiguidades, muito embora vários estudos mostrem como existem algumas dimensões sobre as quais é desde já possível reconstruir as características principais do ideal-tipo. Daqui a escolha de dois casos muito distintos, para não dizer mesmo opostos, o do populismo no poder, a revolução bolivariana de Hugo Chávez, a quem sucedeu Nicolas Maduro, e o de um movimento, o das 5 Estrelas, europeu/italiano, que, apesar de ser o partido que teve mais votos nas eleições legislativas de 2013, não desempenhou ainda papéis executivos no plano nacional.

Nadia Urbinati (2014) e Ernesto Laclau (2005), de uma forma oposta, mas congruente, conseguiram dar a este termo um cariz universal, em que a primeira dicotomia diz respeito à clivagem entre democracia liberal representativa, ou seja uma democracia baseada na tripartição dos poderes e exercida por representantes, e o populismo baseado na ideia de uma democracia exercida de uma forma mais direta.

O dilema entre democracia e representação é constitutivo da relação conceptual entre ambos, e agrava-se na contemporaneidade, visto que se configura um contexto no qual o processo de individuação é cada vez menos coordenado por instâncias de socialização e agregação das vontades, como é o caso dos partidos, dos sindicatos e até das famílias. Ocorre, então, a configuração de um panorama de crise mundial nos mecanismos representativos. Deste modo, e tal como foi assinalado por quase todos os trabalhos sobre o tema[2], agrava-se ao longo do século XX o problema da multiplicação das identidades e da "dessubjetivação" do povo enquanto totalidade. No final deste período, tal fenómeno fica mais visível, uma vez que os partidos políticos perdem a centralidade outrora ocupada na ordenação das identidades e preferências dos eleitores.

O segundo ponto, relacionado com o primeiro, é a idealização do povo, que deve voltar a ser o motor e o protagonista. É certamente difícil conjugar a ideia de soberania instituída pela democracia e os limites impostos pelas constituições para evitar uma deriva plebiscitária (Urbinati, 2014). Além do mais, Pippa Norris recorda-nos que o desencanto de fatias cada vez mais amplas da opinião pública face aos seus próprios representantes é motivado também por uma capacidade acrescida de compreensão dos cidadãos cada vez mais cultos. O critical citizen de Pippa Norris (2011) é, no entanto, como evidenciado por Pierre Rosanvallon, também um cidadão que passou de eleitor a fiscal, cada vez menos disposto a exigir, e cada vez mais desconfiado na sua relação com o poder político. Uma dinâmica de desconfiança que acaba por ter como consequência dinâmicas antagónicas entre elite e povo.

Esta crise nas instâncias de agregação e associação dos indivíduos por parte da política tradicional – elemento comum, ainda que com diferentes matizes, que se encontra independentemente das áreas – cria, contudo, um impasse nas formas de governo democráticas. Perante esse desafio, o populismo é atualmente considerado tanto como obstáculo, quanto como tábua de salvação para a democracia em tempos de crise.

Outro elemento comum é a correlação entre discurso de austeridade e crescimento populista. É da frustração dessas expectativas que surge a mais recente viragem no conceito de populismo, propiciada pela insatisfação com os resultados alcançados através da agenda neoliberal e com os líderes com ela comprometidos.

No entanto, ainda que tenha mantido os seus principais elementos – como a base popular, o personalismo e a concentração de poderes do Executivo – é neste contexto que a categoria sofre a sua transformação mais radical, operada pela reformulação realizada por Ernesto Laclau no livro On Populist Reason (2005).

Neste esforço, Laclau dirige-se àqueles que observam nestas lideranças uma ameaça de recrudescimento autoritário, atentando no aporte de legitimidade conferido pelo amplo apoio da maioria da população. Com isso, é possível reconhecer avanços democráticos (em particular na sua dinâmica material), num contexto de debilidade das instituições liberais. Este é o principal legado do populismo para a análise de governos e políticas públicas levadas a cabo por líderes tipificados à luz desta categoria. Para isso, contudo, é preciso ir além da teoria laclauniana, limitada à dimensão discursiva, procurando critérios úteis para analisar as performances destas lideranças no poder. É nessa busca que nos iremos deter sobre a crítica apresentada por Nadia Urbinati.

De acordo com a definição de Ernesto Laclau (2005), o populismo deve ser entendido como um fenómeno político-discursivo de natureza carismática, capaz de conceber uma relação imediata de identidade entre líderes e liderados, definida por uma dinâmica de catacrese na qual uma parte da sociedade (plebe) ambiciona tornar-se o todo (populus).

Posicionando-se de maneira contrária a esta questão, Urbinati (2014) sublinha um dos elementos que fazem parte da essência populista, ou seja a hostilidade ao liberalismo e aos princípios da democracia constitucional (divisão de poderes, direitos das minorias, etc.). O que pressupõe, uma vez no poder, o ímpeto de realizar alterações institucionais com o propósito de aumentar a centralização dos poderes nas mãos do líder e dos seus seguidores. Para a autora, esse seria um dos fenómenos responsáveis pela sua deturpação, reduzindo o dualismo entre vontade e opinião através de uma simplificação do campo social, operada pela polarização. Isto porque, ao configurar o populus através de uma relação de antagonismo, o resultado seria uma visão unitária de povo, compressora da pluralidade de identidades e sujeitos que compõem o tecido social.

Contrariamente a Laclau, Urbinati atribui um carácter provável à deriva plebiscitária que acompanharia este tipo de discurso, cujo inimigo subjacente seria o próprio sistema representativo, no que diz respeito ao pluralismo e ao respeito pelas minorias. Por este motivo, uma vez no poder, o populismo estaria associado à alteração das formas institucionais características da democracia constitucional. Tal ímpeto, todavia, será mais ou menos eficaz consoante o contexto. Mais precisamente, conforme a maior ou menor capacidade das instituições políticas, das organizações sociais e da opinião pública de travarem as investidas do líder populista para, amparado no apoio da maioria, reduzir os obstáculos ao exercício do seu poder.

ESCOLHA DOS CASOS

Nessa conjuntura de difusão da lógica populista, tornou-se ainda mais importante apresentar uma abordagem crítica, com o fim de ultrapassar o seu limite analítico. Este artigo visa analisar o populismo entendido como um fenómeno que deve ser enquadrado na crise de legitimidade que caracteriza a democracia liberal representativa. Isto é, uma democracia menos mediada pelas instituições – partidos, sindicatos, parlamentares – e mais focada numa ação coletiva. No entanto, o conceito de populismo, como tem sido apresentado, carece de uma abordagem normativa que poderia ser útil para detetar e enfatizar os riscos envolvidos neste tipo de representação, menos aberta aos organismos intermediários e processos reflexivos de construção de consenso.

Os casos da Venezuela Chavista e da Itália do MoVimento 5 Estrelas permitem-nos dar um passo em frente neste sentido. Por um lado, temos uma experiência de populismo no poder claramente enquadrado numa dinâmica de esquerda e dentro do continente sul-americano. Por outro lado, o caso do MoVimento 5 Estrelas, um partido/movimento em busca de poder, enquadrado no interior de uma dinâmica de crescimento populista propriamente europeia. Os elementos políticos em análise subdividem-se, nos dois casos, em três dimensões:

1.    Dimensão económica.

a)    Conjunturas recessivas deflagradas, por exemplo, pela adoção de medidas de austeridade.

b)   Recomendações oriundas de instâncias exógenas (Troika, no caso europeu; FMI e Banco Mundial, no caso latino-americano) que tendem a favorecer a configuração de um inimigo.

c)    Cortes generalizados nos gastos governamentais, que tendem a aumentar o volume de pedidos não atendidos, passíveis de serem agregados a partir dos discursos populistas, em cadeias de equivalência.

2.    Bases sociais.

3.    Dimensão institucional.

a)    Diferentes desenhos institucionais – Parlamentarismo x Presidencialismo.

b)   De poder/de oposição.

O CASO VENEZUELANO

AS ORIGENS DO CHAVISMO: O PAPEL DA CRISE ECONÓMICA

Na Venezuela, a década de 80 é marcada por um progressivo aumento dos índices de pobreza extrema e moderada que, embora não tenha tido início com as turbulências nos preços do petróleo ocorridas a partir de 1983, é por elas agravado. O ano de 1978 sobressai como ponto de viragem entre os ciclos de expansão (1951 a 1978), no qual o crescimento médio do país foi de 6,64%, e retração (1978-1990), quando o país cresceu em média 0,67% (Salamanca, 1997, p. 97).

Entre 1960 e 1980, os venezuelanos experimentam anos de crescimento económico e melhoria de todos os indicadores sociais, conseguindo alcançar uma redução da pobreza extrema e moderada para taxas inferiores a 5% e 35%, respetivamente, tendo esta última caído para o seu nível mais baixo entre 1978 e 1980, quando atingiu os 25%. No final do período, entretanto, a pobreza extrema e moderada começa a retornar aos índices anteriores para, em seguida, os ultrapassar. Em 1989, segundo o Banco Mundial, os índices de pobreza no país chegaram a 53%.[3]

Como desdobramento de uma suposta necessidade de aplacar os credores internacionais, o governo esboça medidas de contenção de gastos e controlo cambial que, embora não tenham resultado em nenhum tipo de racionalização efetiva no tocante às investidas patrimonialistas ao tesouro público, se repercutiram de modo emblemático nos indicadores sociais (Salamanca, 1997, p. 83).

O primeiro movimento deste ciclo foi feito pelo copeiano Herrera Campíns, em 1983, e o segundo coube ao seu sucessor, o adeco Jaime Lusinchi, em 1984, ambos sem grandes consequências.[4] Estas vieram, contudo, cinco anos depois, durante o governo de Carlos Andrés Pérez (AD), com o VIII Plano da Nação, nomeado pelo presidente de A Grande Viragem, que consistiu fundamentalmente na implementação do documento, assinado com o FMI, em fevereiro de 1989. As suas medidas dividem-se em dez eixos: a) restrição do gasto fiscal; b) restrição dos níveis de salários; c) unificação do regime cambial com paridade unitária e flutuante; d) taxas de juros flexíveis e aumento imediato dos níveis das taxas de juros reguladas; eliminação dos créditos com taxas preferenciais para a agricultura; estabelecimento, o mais rápido possível, de taxas de juros para o mercado; e) redução do controlo de preços; f) adiamento de programas de investimentos de baixa prioridade; g) redução de subsídios; h) introdução de um imposto sobre vendas; i) reajuste das tarifas dos bens e serviços providos por empresas estatais, incluindo os preços dos produtos derivados do petróleo no mercado interno; j) reforma no regime comercial, incluindo a eliminação da maior parte das isenções nas tarifas e liberação das importações; k) suspensão das restrições às transações internacionais, incluindo o investimento estrangeiro e a repatriação de dividendos (López Maya, 2006, p. 21).

Em pouco tempo, o impacto dessas medidas económicas disseminou-se, desdobrando-se em turbulências sociais e políticas (Lander, 2006). A velocidade desta crise, por sua vez, é compatível com o grau de dependência da sociedade civil conquanto aos estímulos e às transferências de recursos concedidos por um Estado petroleiro que, até então, foi capaz de mantê-los sem quase nenhuma contrapartida (Laserna, 2006).[5] As Figuras 1 e 2, que apresentam a progressão da pobreza e do desemprego, ilustram o acelerado processo de empobrecimento da Venezuela, causa motriz das transformações pelas quais passaria o país nas próximas décadas.

 

 

 

O fracasso do sistema institucional e partidário venezuelano decorre dessa dinâmica de empobrecimento (Lander, 2006). Em resumo, as duas instâncias entram num irremediável processo de afastamento. Por um lado, a população que deseja a continuidade (e o aumento) dos gastos do Estado, por outro os partidos, que passam a defender a sua redução (Lander, 2006). Nessa conjuntura, Hugo Chávez desponta como líder de um movimento multiclassista, cujos discursos se caracterizam pela crítica às medidas de austeridade e às elites políticas puntofijistas[6]

O CHAVISMO E AS SUAS BASES SOCIAIS

A hipótese aqui desenvolvida, que visa compreender a ascensão eleitoral e o governo de Hugo Chávez a partir do conceito de razão populista, tem como contrapartida a consideração desses processos como fenómenos discursivos. Sob este prisma, o tema económico sobressai como objeto preferencial, na medida em que, ao apontar para a situação de opressão de uma maioria por uma minoria – incitando-a a revertê-la e reivindicando em seu nome a ideia de soberania –, os discursos de Chávez chamam a atenção, sobretudo, para a exclusão económica. Esta, por sua vez, passa a configurar os vínculos de identidade entre estes cidadãos que se irão reconhecer como membros dessa maioria (Silva, 2015).

Nos seus discursos, observa-se a recorrência de termos como "popular", "nacional", "soberania", "equidade", sendo que a economia subjaz como universo semântico responsável por ligá-los e provê-los de sentido, já que mobilizados em função de uma relação de antagonismo na qual "o outro" é associado (de modo impreciso conceptualmente) ao neoliberalismo (Silva, 2014).

Nesse sentido, o elo de identificação através do qual se compõe o vínculo representativo do chavismo tem como principal característica a alusão à forte disparidade económica, historicamente responsável por configurar uma radical separação entre as elites e a maioria da população.[7] Essa segmentação, que se constitui como um entrave fático à integração social, foi transformada em antagonismo pelos discursos de Chávez.

A partir de então será essa relação de antagonismo que ditará os rumos da política venezuelana. Por um lado a oposição, formada por remanescentes dos partidos puntofijistas (AD, COPEI) e novas lideranças, amplamente apoiadas pelos meios de comunicação e sedeadas na Mesa de Unidade Democrática (MUD), organização guarda-chuva integrada pelo setor empresarial (Fedecámaras) e por partidos políticos. A estes, somam-se a Confederação de Trabalhadores da Venezuela (CTV) e a maioria das organizações sociais de classe média. Por outro, as organizações de apoio a Chávez, cuja forma foi variando ao longo da sua caminhada rumo ao poder, para além de uma imensa gama de cidadãos desorganizados, que, nas conjunturas eleitorais, se agregam no Polo Patriótico.

Sobre as bases sociais do chavismo durante os seus primeiros anos, uma sondagem de opinião realizada em 2004 revelava que 16% dos inquiridos consideravam-se contra o governo, 37% a favor, situando-se os indecisos nos 47%. No entanto, como a investigação revela, esta identificação com o presidente decai conforme progridem os níveis de renda: os índices variam entre 64%, 55%, 33% e 14%, no que concerne aos indivíduos das classes E, D, C e B, respetivamente (Lissidini, 2008, p. 29). Deste modo, ainda que boa parte da sociedade se mantivesse alheia às hostilidades entre chavistas e oposição, é possível afirmar que a maioria dos venezuelanos de estratos menos favorecidos economicamente apoiava o governo. Nesta medida, os vínculos entre Chávez e as camadas mais pobres da população assumem uma feição identitária:

a)   características físicas: os atributos físicos de Hugo Chávez permitem a qualquer venezuelano "identificá-lo imediatamente como um homem de extração popular, resultante da mestiçagem predominantemente de negro com índio, e que corresponde àqueles indivíduos que têm composto os setores dominados da sociedade (Zago, 1992).

b)   Referência à história venezuelana: Chávez referia-se constantemente aos "feitos históricos nacionais do século XIX, particularmente os relacionados com a independência e com a guerra federal" (López Maya, 2008, p. 176).

c)    Referência à dicotomia (antagonismo) entre opressores e oprimidos: nos seus discursos, Chávez demarca uma clara fronteira de diferenciação em relação aos membros da elite tradicional do país, entre os quais se contam os intelectuais, a hierarquia eclesiástica, os dirigentes dos partidos tradicionais, os meios de comunicação privados, os banqueiros, os empresários e executivos da empresa estatal de petróleo (PDVSA), entre outros (López Maya, 2008).

A novidade, portanto, está no conceito de povo. Pois, se no ordenamento anterior esta categoria se referia à totalidade dos cidadãos, uma vez que a ideia de harmonia social entre os diferentes estratos da população era um elemento central da democracia puntofijista, agora diz respeito aos oprimidos. E, exatamente por este motivo – que pressupõe uma operação de catacrese na qual uma parte (identificada como plebe) pretende ocupar o lugar da totalidade (populus) – é possível compreender este processo de ressignificação (Laclau, 2005).

É a partir da fronteira entre opressores e oprimidos que se organiza a V República[8], conformada a partir das performances populistas de Chávez, ainda que a dicotomia entre ricos e pobres não se origine nem limite aos seus discursos. Por este motivo, a desigualdade social transforma-se numa relação de inimizade, na qual se opõem os setores populares e as camadas médias e altas da população (Silva, 2015).

A figura de Chávez serve, portanto, para conferir uma roupagem simbólica e identitária à luta de classes ou, mais precisamente, à clivagem entre ricos e pobres, que passa a estar associada a uma suposta origem bolivariana atualizada na sua própria identidade (Silva, 2015b). É por meio delas que a separação entre estes dois grupos, herdada dos governos anteriores, se transforma numa fronteira de antagonismo e que uma parcela da população historicamente excluída passa a identificar-se como espoliada e oprimida pelas elites, formando um sujeito coletivo mobilizado para reverter essa opressão.

O CHAVISMO NO PODER E A CRISE DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA

No artigo, "The repeating revolution: Chávez's new politics and old economics", de Javier Corrales (2010), o autor demonstra o incremento nas competências presidenciais na Constituição de 1999, comparando-a não apenas com a Carta venezuelana de 1961, mas também com outros dispositivos constitucionais da região. É possível, pois, perceber que a carta bolivariana de facto expande as capacidades presidenciais. Quando atentamos na Constituição de 1961, percebe-se que esta já se destacava face às outras da região no tocante à proeminência do Executivo em relação aos demais poderes, não obstante é inequívoco que a Carta de 1999 reforça o carácter hiperpresidencialista do sistema político do país, uma vez que amplia a já extensa lista de competências presidenciais. Das prerrogativas incluídas, podemos citar:

a)   A possibilidade de dissolver o Parlamento. Além da Carta bolivariana de 1999, a Carta peruana de 1993, também garante esta prerrogativa à Presidência da República.

b)   Iniciativa legal de emendas constitucionais. Além da Venezuela, também o Brasil, a Colômbia, o Equador (1998) e o Paraguai garantem esta prerrogativa.

c)    A possibilidade de propor referendos sobre qualquer tema. A carta peruana também estabelece esta prerrogativa.

Por si só, a concentração de poderes na figura do Executivo nacional, utilizando a terminologia de Urbinati, consiste numa desfiguração da democracia representativa, uma vez que drena o equilíbrio e a divisão entre poderes (checks and balances). Esta situação é seriamente agravada em contextos de polarização política e social, associados à emergência de movimentos populistas.

Deste modo, o conflito entre poderes – que pode ser escamoteado em conjunturas nas quais existe coerência entre Executivo e Legislativo, liderados pelo partido do líder populista – vai deflagrar na sua radicalidade quando a oposição obtém maioria parlamentar.

Deste modo, como pretendemos demonstrar, a delegação de faculdades legislativas ao Executivo é uma componente tradicional do hiperpresidencialismo venezuelano, cuja democracia historicamente se afasta do cânone liberal (Hellinger, 2006). A despeito dos discursos de rutura em relação à ordem anterior, é importante observar também os elementos de continuidade entre o chavismo e a IV República.

 

 

Este viés institucionaliza-se através de um mecanismo de delegação de faculdades legislativas ao Executivo, amplamente utilizado durante a IV República e previsto, na Constituição de 1961, pelo parágrafo 8.°, do artigo 190.°, que estabelecia como atribuição do presidente da República: "ditar medidas extraordinárias em matéria económica ou financeira quando assim o requeresse o interesse público e tivesse sido autorizado para isso por lei especial" (Constituição da República da Venezuela, 1961). Neste particular, a despeito das suas pretensões transformadoras, a Carta de 1999 incorporou um instituto análogo, delineado no artigo 203, que determina:

São Leis Habilitantes as sancionadas pela Assembleia por três quintas partes dos seus integrantes, a fim de estabelecer as diretrizes, propósitos e marco das matérias que se delegam ao Presidente ou Presidenta da República com status e valor de lei. As leis habilitantes devem fixar prazo para o seu exercício [Constituição da República Bolivariana da Venezuela, 1999].

Durante os 14 anos do seu governo, Chávez solicitou e obteve, na Assembleia, 4 leis habilitantes. A primeira, solicitada logo após o encerramento da constituinte, e a segunda dois anos após a promulgação da nova Carta. A terceira lei habilitante foi solicitada depois da primeira derrota eleitoral do chavismo (a única enquanto Chávez estava vivo), ocorrida no referendo de 2007, que propunha uma reforma constitucional. O resultado do processo foi a rejeição dos dois grupos de artigos propostos, por 50,7% e 51,05% da população.[9] As suas principais medidas, contudo, foram aprovadas mediante uma lei habilitante no ano de 2008.

No ano de 2010, depois de o país ter sofrido com os efeitos de fortes chuvas que afetaram mais de 100 mil pessoas, foi solicitada e aprovada uma nova Lei habilitante, através da qual foram promulgados 59 decretos lei. Entre eles estavam a Lei Orgânica do Poder Popular LOPP e a Lei das Comunas, que consagram, segundo a hipótese delineada neste trabalho, a mais radical etapa do proceso de cambio consagrado na Carta de 1999. Assim, por meio de duas leis redigidas pelo Executivo e aprovadas em caráter excecional, a Venezuela tornou-se socialista.

Nos novos dispositivos jurídicos[10] observa-se a intenção de alterar os marcos do federalismo associado à democracia representativa tradicional, uma vez que a formação do Estado comunal está associada à transferência de competências das instâncias estaduais e municipais para as novas instâncias de participação direta. Esse esvaziamento, contudo, foi alardeado como a substituição de um sistema democrático representativo por outro de democracia direta (Reyes, 2006, p. 90).

Sob esta perspetiva, não é o princípio representativo, mas o seu enquadramento liberal que vem sendo ultrapassado pelas inovações institucionais implementadas na Venezuela.

É evidente que a guinada venezuelana rumo ao socialismo, por ser o resultado de um conjunto de decretos legislativos e não o produto de uma ampla discussão no seio da sociedade, estimula inúmeras críticas, mesmo por parte daqueles que não se alinham com o bloco oposicionista. Tal situação ainda se agrava num contexto no qual os critérios de atribuição de recursos não estão devidamente controlados por regras objetivas, ampliando o risco de discricionariedade, favorecimentos e restrições ao livre exercício do Poder Popular. Este é o seu legado e principal diferença face ao regime puntofijista que o precedera, no qual a participação popular era condicionada à vinculação aos partidos e sindicatos ligados ao governo (Rey, 1991).

Sendo assim, a estratégia de promoção de uma profunda reforma no ordenamento jurídico-político do país por meio de Leis habilitantes deve ser entendida como a continuidade de uma tradição de hiperpresidencialismo, personalismo e desrespeito face às instituições liberais. Ela não é apenas uma afronta aos princípios do liberalismo político, mas à própria ideia de democracia participativa e protagonista que aparece como leitmotiv da Constituição de 1999 e do proceso de cambio levado a cabo por Hugo Chávez (Silva, 2013).

Estes mecanismos podem ser vistos, todavia, como a concretização institucional dos pedidos de vários movimentos da sociedade civil venezuelana que, desde a década de 1980, procuravam espaços de participação fora das instâncias representativas tradicionais (partidos e sindicatos).

ITÁLIA E O MOVIMENTO 5 ESTRELAS

A CRISE ECONÓMICA E A AFIRMAÇÃO DO MOVIMENTO 5 ESTRELAS EM 2013

A crise económica que rebenta em 2008 na sequência da falência do banco de investimento Lehman Brothers teve efeitos desestruturantes, também em Itália. Em novembro de 2011 o spread que divide os bunds alemães dos italianos supera os 6%, o risco de ser necessário pedir uma intervenção externa do Fundo Monetário Internacional e do Banco Central Europeu, tal como aconteceu em Portugal e na Grécia, é elevado.

A mistura entre instabilidade política e crise económica leva ao colapso do governo liderado por Silvio Berlusconi e à nomeação do professor universitário Mario Monti. Para arrefecer a especulação sobre a dívida pública italiana, o novo governo adota medidas restritivas de balanço. Os mercados apreciam e, em poucos meses, o spread desce para cerca de 2,4% em 2012 e quase 2% em 2013[11], os consumos contraem-se 4,3%, a pressão fiscal cresce mas, sobretudo, a curva da empregabilidade precipita-se, com particular virulência no tocante à camada juvenil que, em 2014, descerá de 11 para 8 milhões, com uma perda, em poucos anos, de quase 30 % dos postos de trabalho.[12]

A crise económica determina um agravamento de um longo período de crise política no interior do centro-direita, mas, de forma mais geral, na relação entre cidadãos e política. Assim, privado de uma resposta apropriada, o primeiro-ministro é forçado a apresentar a demissão e o presidente da República, Giorgio Napolitano, nomeia o professor universitário Mario Monti para aquele que será um governo "técnico", ou seja, inteiramente formado por figuras não políticas, apoiado, no entanto, por uma ampla maioria, tanto de centro-direita, como de centro-esquerda. A Itália evita assim recorrer a uma intervenção externa do Fundo Monetário Internacional, Banco Central e União Europeia, tal como aconteceu com a Grécia, primeiro, e com Portugal, depois.

Com a grande coligação PD/PDL é o inteiro sistema político a ser envolvido e assim, as eleições políticas de fevereiro de 2013 transformam-se num verdadeiro terramoto político, em que a única forma para exprimir o descontentamento era votar no M5S (Diamanti, 2014; Tronconi, 2015).

Da análise dos fluxos emerge uma altíssima volatilidade nos comportamentos de voto: só 51% do eleitorado confirma a sua escolha de 2008 (De Sio e Schadee, 2013). O partido mais votado acaba por ser o MoVimento 5 Estrelas[13], que recolhe 25% dos votos (Conti, Memoli, 2015). A ordem bipolar do sistema político, com a reforma eleitoral introduzida em 1994 dá lugar a um tri-polarismo formado por centro-direita, centro-esquerda e M5S, no qual nenhuma das três formações é capaz de formar governo. Falhadas todas as tentativas de acordo entre o centro-esquerda de Pierluigi Bersani e o 5 Estrelas, Enrico Letta, PD, forma o primeiro governo de coligação entre centro-direita e centro-esquerda a que sucede, com mais ou menos um ano de distância, um segundo governo na legislatura acabada de iniciar, desta vez dirigido por Matteo Renzi.

AS BASES SOCIAIS E ATITUDES DOS ELEITORES 5 ESTRELAS

Como vimos, o MoVimento 5 Estrelas nasce no âmbito de um duplo fenómeno: o da crise económica/financeira e o das grandes ondas de protesto desencadeadas primeiro no Norte de África, as chamadas primaveras árabes, e depois dilatando-se para a Península Ibérica (primeiro em Portugal e depois em Espanha, por volta de 2011, com o movimento dos indignados). O M5S não nasce, contrariamente ao Podemos, no seio da esquerda, mas de um líder que, embora utilizando algumas temáticas características do mundo progressista, como o ambientalismo, adota outras que não são necessariamente conotáveis com aquele campo, sobretudo o tema da antipolítica e o da corrupção (Bordignon e Ceccarini, 2015).

A figura 3 sistematiza os dados recolhidos após as eleições políticas de 2013. Constatamos que o M5S reúne um eleitorado extremamente variado, que vai da esquerda (com 55%) à direita (com 26%), passando, no entanto, por uma consistente fatia da opinião pública que não se reconhece nesta dicotomia (19%).

 

 

Uma análise do perfil dos eleitores do M5S (Figura 4) oferece-nos algumas informações sobre o modo como a crise económica e social, que marcou o período final da segunda república, teve efeitos particularmente profundos. São seis os perfis característicos dos eleitores que votam no MoVimento 5 Estrelas: em primeiro lugar os trabalhadores com contrato atípico ou precário, depois os jovens da geração pós-1986, os desempregados e os licenciados, e os habitantes de cidades com mais de 250 mil habitantes, do centro e do sul da península.

 

 

Um terceiro elemento (Figura 5) que distingue o eleitor do MoVimento5 Estrelas é um nível baixo de confiança nos partidos, no Parlamento e nas pessoas do bairro. Comparativamente com outros partidos, com exceção dos partidos de direita, os seus eleitores têm também baixo nível de confiança no chefe de Estado e na União Europeia. Os imigrantes merecem também uma confiança baixa, inferior à dos eleitores da Esquerda e do Centro Esquerda.

 

 

Uma última dimensão, que parece ter uma importância particular, diz respeito à participação (Figura 6). Para um partido que se apresenta como um instrumento para a participação de baixo para cima, devia-se encontrar, pelo menos em teoria, valores mais elevados a este respeito. A figura 6 evidencia que, em comparação com eleitores de outros quadrantes políticos, os do M5S colocam-se num nível muito abaixo em relação aos da esquerda, mas superior aos outros (centro esquerda, centro direita, direita). Destacase, porém, a relativamente baixa participação em eleições primárias dos eleitores do M5S, que, com 29% coloca-se a um nível sensivelmente inferior ao dos eleitores de esquerda (60%) e de centro esquerda (43%). A contradição entre retórica e realidade, não apenas no que toca aos aspetos de participação nas eleições primárias, mas de todo o framework relativo à democraticidade do movimento, é sublinhada num estudo recente de Lorenzo Mosca (Mosca e Vaccari, 2014). Se tivermos em conta o facto de que um dos pontos centrais do MoVimento é a seleção dos candidatos por parte dos militantes, o resultado é apenas pouco superior ao obtido pelo centro direita (respetivamente 29% e 21%).

 

 

O MOVIMENTO 5 ESTRELAS E A DEMOCRACIA LIBERAL REPRESENTATIVA

Em janeiro de 2005, Beppe Grillo, juntamente com Gianroberto Casaleggio[14], cria um blog de informação e denúncia. No decurso de poucos meses, os posts do humorista genovês tornam-se um dos pontos fundamentais de referência na internet. Em outubro seguinte, a revista Time inclui-o entre os European Heroes de 2005[15] e, em dezembro, vence o prémio do jornal económico italiano Il Sole 24 ore como melhor página web de informação. Ou seja, o período que antecede a criação do M5S caracteriza-se por uma transformação da figura de Grillo que, de humorista se transfigura em empreendedor político, ocupando um espaço cada vez menos controlado: o das denúncias contra os grupos, tanto da política como da economia.

Quase ao mesmo tempo que surgiu o blog, nascem também grupos de encontro e de coordenação através da plataforma MeetUp. A ideia é promover e dar expressão a batalhas locais e permitir a participação de baixo, fora dos partidos. Milhares de novos ativistas, que jamais tinham participado antes (Biorcio, 2015), aproximam-se da política ativa através dos MeetUp. Constrói-se, deste modo, uma rede de ativistas que do mundo virtual se encontram no mundo real.

Outro aspeto de um Movimento que, de virtual passa a real, será a grande mobilização do V-day de 8 de setembro de 2007, em Bolonha, e noutras cidades italianas, cujo objetivo era o de fomentar uma recolha de assinaturas para a promoção de uma lei de iniciativa popular sobre os temas da representação – direta – contra a profissionalização da política e da corrupção.[16]

Quando a 4 de outubro de 2009 é lançado por Grillo e Casaleggio, o MoVimento 5 Stelle pode contar com um consolidado grupo de convictos apoiantes. As 5 Stelle – Ambiente, Água, Energia, Desenvolvimento e Transportes – representam aqueles que são, pelo menos numa primeira fase, os valores fundamentais do MoVimento (Biorcio e Paolo, 2013).

O encontro mais importante é, todavia, o das eleições para a renovação do parlamento, de fevereiro de 2013. A batalha pelas eleições para a Camera dei Deputati é lançada com um vídeo-discurso de outubro de 2012 (Corbetta e Gualmini, 2013, p. 54). Num contexto em que "PDL e il PD[17] meno elle" detêm o governo técnico liderado por Mario Monti é fácil para uma formação que teve sempre como lema a luta contra a corrupção, congregar consensos.

Nas eleições legislativas de 2013, o MoVimento 5 Estrelas é a formação mais votada. Todavia, devido às regras da lei eleitoral que garantiam um prémio de maioria à coligação de forças, e não a um partido singular, os pentastellati não conseguem ter o grupo parlamentar mais numeroso.

Em termos teóricos, a ideia central deste movimento é a reconstrução da relação entre cidadão e Estado de uma maneira direta e sem mediação de corpos intermédios. Contudo, os projetos de uma mudança da democracia italiana de liberal representativa para direta são claros. A internet é o instrumento que, na visão do movimento, torna obsoletos os partidos, os sindicatos e, um certo modo de produzir informação (Casaleggio e Grillo, 2011).

Substancialmente, o que Grillo apresentou foi uma autêntica subversão dos princípios basilares da democracia representativa liberal e a introdução de um modelo fluído/democrático. O conceito de representação é recusado, os eleitos são simples porta-vozes dos inscritos, e a rede é o lugar onde cada decisão deve ser tomada. Todos os candidatos devem passar através de eleições primárias, mas podem participar aqueles que estão inscritos na Plataforma Rousseau associada ao MoVimento 5 Stelle.

"Os partidos substituíram-se à vontade popular, subtraída ao seu poder de juízo"[18] por isso, por um lado é necessário reduzir o poder dos partidos, por exemplo com a ideia de que estes podem e devem ser financiados com dinheiros públicos. Por outro lado, é necessário, segundo o programa do MoVimento, reforçar os instrumentos de participação direta dos cidadãos nas decisões políticas.

As eleições europeias de 2014 marcam, provavelmente, uma separação muito importante no processo de estabilização e determinação do M5S. No texto programático "Vinciamo noi" (Modigliani, 2014), Casaleggio e Grillo apresentam o programa para a campanha para o parlamento europeu. A posição do M5S é, aparentemente, não contrária à União Europeia e a uma construção em sentido federal do continente, desde que cada nação[19] se una voluntariamente.[20]

Se, por um lado, a proposta, se aproxima uma vez mais de temas próprios da esquerda alternativa, ao propor a abolição do fiscal compact e dos limites do déficit de balanço, por outro lado o projeto do M5S alinha-se com um anti-europeísmo de tipo clássico, no qual é a moeda comum, e não as políticas que lhe estão subjacentes, a ser posta em causa. Propõe-se a introdução de uma dupla moeda: uma para a Alemanha e para a Holanda e outras nações do Norte e uma segunda moeda para as nações do Sul se una voluntariamente.[21]. Portanto, como é óbvio, isto significaria o fim do Euro como tinha sido concebido.

Entrar nas instituições, porém, significa dever tomar posições concretas e, após um processo de negociação que suscitou alguma perplexidade, os 5 Estrelas decidiram integrar o grupo da "Europe of freedom and direct democracy" juntamente com os partidos da direita populista, anti-imigração e eurocética como o UK Independence Party (UKip), os alemães da Alternative für Deutschland, AfD ou os Swedish Democrats.[22]

A forte afirmação do MoVimento 5 Estrelas nas eleições legislativas e nas europeias teve um efeito desestruturante não só sobre o sistema político, mas também sobre a implantação fluída que Grillo procurou dar ao M5S. A ideia de que tudo deve proceder "de baixo" através de uma rede privada de ideologia choca com a necessidade de coerência. Começa então uma fase de "uniformização" e, sobretudo no interior do grupo presente no parlamento italiano, começam os processos de expulsão dos deputados acusados de desrespeitar o código de comportamento.[23]

Aos poucos, também a relação com os ativistas se torna mais ténue, os MeetUp perdem importância, tal como perde centralidade.

Mesmo a des-profissionalização da política, outro dos seus pontos-chave, foi momentaneamente acantonada, e do grupo de deputados emergiu de forma cada vez mais clara uma nova liderança, reunida num diretório nascido em novembro de 2014.

O M5S parece estar hoje perante uma encruzilhada, entre messianismo e normalização. Segundo as palavras dos fundadores, os 5 Estrelas deveriam representar a resposta àquela que não é simplesmente uma crise económica mas "uma crise cultural (…) véspera de uma potencial revolução e de (…) grandes mudanças epocais"[24], filha também de uma "difusão ao nível da massa de uma nova consciência coletiva"[25]

determinada por "um novo modelo de comunicação coletivo, graças à internet e às suas aplicações, e de uma nova forma avançada de sociabilização, consentida pela invenção da rede e pela sua capacidade de interconectar cada indivíduo com o resto do mundo".[26]

As exigências contingentes e o trabalho institucional levam necessariamente os representantes eleitos, a nova elite política, a assumir decisões autonomamente e a criar lógicas próprias, nas quais a necessidade de autoperpetuação entra em colisão com o carácter inicial de des-profissionalização da política.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Itália e Venezuela, apesar de serem países muito distantes, experimentaram uma reação análoga aos desafios colocados pelo crescente afastamento entre cidadãos e política. Foram três as dimensões escolhidas para ordenar o discurso: económica, bases sociais e alterações, implementadas ou apalavradas ao framework institucional. Três aspetos para explicar um denominador comum: o desafio que o populismo coloca à democracia liberal e representativa.

De um ponto de vista económico, a ascensão de uma hegemonia populista na Venezuela e em Itália é precedida por uma profunda crise económica com uma consequente intervenção externa. Esta dinâmica cria e cristaliza a relação antagónica que separa o povo, puro, das elites, corruptas. A intervenção externa pode ser explícita, como aconteceu na Venezuela, ou percebida como tal, como em Itália, onde atrás das receitas de austeridade do governo técnico chefiado por Mario Monti, estava evidente a inspiração do Banco Central Europeu.

Como sublinha Ernesto Laclau (2005), o ponto fundamental na dinâmica populista não é a crise entendida em sentido teleológico, mas a construção de uma ligação entre as social demands capazes de construir uma forte identidade coletiva, e portanto uma sólida mobilização hegemónica. As bases sociais, neste sentido, são fundamentais. Tanto na Venezuela, como em Itália, o equivalential link transcende a ideia de classe, como na tradição dos partidos marxistas, para adotar uma mais fluida e facilmente maleável de povo, obviamente daquele povo cujas social demands não encontraram resposta no interior do processo de formação da vontade da democracia representativa.

Sem nunca esquecer que falamos de um populismo no poder, na Venezuela, e de um que não está no poder, em Itália, é inegável como, do ponto de vista do zeitgeist, existem entre as duas formações elementos comuns que aproximam o movimento bolivariano e o 5 Estrelas, como a forte tendência para a plebiscitização das formas de decisão política. Como vimos, a constituição chavista de 1999 concentra os poderes nas mãos do executivo de modo a não ultrapassar a forma democrática, mas a liberal baseada em chek and balances.

Neste sentido, as intuições de Urbinati (2014) são particularmente úteis, uma vez que nos auxiliam a ressaltar as suas tendências cesaristas e o risco de que, uma vez no poder, o populismo se desenvolva como uma ameaça à democracia liberal. Essa situação é particularmente alarmante em contextos nos quais a fragilidade institucional se encontra com uma sociedade civil caracterizada pela ausência de corpos intermediários. Este é o caso da Venezuela. No plano político ocorreram modificações significativas, ainda que estas não possam ser lidas na chave de uma rutura completa. Ao contrário, é possível ver na nova ordem uma série de elementos de continuidade em relação ao modelo político anterior. Esta é a hipótese aqui utilizada para compreender os indícios de que durante a era Chávez teria havido um incremento na centralização e no personalismo, no tocante à concentração de competências no Executivo e, sobretudo, no destaque dado à figura do presidente. A iniciativa de fortalecimento do protagonismo do povo, através da incorporação de mecanismos de democracia direta que submetem os governantes à possibilidade de terem os seus mandatos revogados, permite o envolvimento direto da população na formação de leis e projetos de dimensão nacional e, sobretudo, local; convive com uma predominância da figura do presidente. A hipótese centralista, por conseguinte, é fortalecida pelo próprio modelo de distribuição de recursos, associado a um fundo controlado diretamente pela presidência, cujo funcionamento não se encontra devidamente regulado por instituições efetivamente autónomas (Garcia, 2013).

As eleições de 2015 marcam uma inflexão no sistema político do país, caracterizado pela formação de amplos acordos partidários, que garantiam o apoio do legislativo nacional.[27]

Isto por que, pela primeira vez na história recente do país, os partidos de oposição, reunidos na Mesa de Unidade Democrática, obtiveram 112 assentos, enquanto os partidos de apoio ao governo, reunidos no Grande Polo Patriótico Simón Bolívar, obtiveram apenas 55. O resultado dessa transformação foi a deflagração de uma profundo conflito entre os dois poderes. Em janeiro de 2017, a Assembleia Nacional declarou vaga a Presidência da República, alegando o mau desempenho das suas funções constitucionais face à profunda crise económica que o país atravessa desde 2014. Três meses depois, no final de março, o Supremo Tribunal de Justiça, cujos ministros foram na sua totalidade indicados pelo chavismo, decretou a suspensão temporária do legislativo, sob o argumento de que a Assembleia havia desrespeitado diversas sentenças determinadas pela Corte, entre elas a tomada de posse de três deputados do Estado do Amazonas, acusados de fraude eleitoral.

Conscientes de falarmos de duas dimensões distintas, Estado e partido, também no Movimento 5 Estrelas há uma tensão entre a retórica da participação do povo através da instituição de democracia direta e uma tendência para o líder e plebiscitária. O desmantelamento dos grupos independentes nos territórios, os Meet Up, são disso um claro sinal.

A opção por iniciativas de participação direta não tem como consequência o enfraquecimento das instâncias de representação tradicional, mas é por ela causada. O mesmo se pode dizer sobre a popularidade de Chávez, enquanto fenómeno populista que se pode desenvolver sob a forma de cesarismo plebiscitário, ainda que esta "evolução" não seja inexorável. Ambos decorrem da incapacidade dos partidos, movimentos sociais e sindicatos venezuelanos atenderem aos pedidos da população e canalizarem os seus conflitos. Resta ver se os mecanismos de democracia direta e as iniciativas do conselho conseguem desempenhar tais funções.

Se isso acontecer, a Venezuela poderá ser considerada um caso de populismo que conseguiu contornar as ameaças inerentes a este tipo de representação, no que diz respeito à sua deterioração rumo ao cesarismo plebiscitário. Tal forma de representação populista, embora partilhe características com aquela que pavimentava a ideia de democracia engendrada pelo puntofijismo, apresenta alguns elementos distintos que agravam esta tendência cesarista, uma vez que conciliam o personalismo e o centralismo (presentes em ambos) a um vínculo identitário de tipo mais imediato. Esse carácter advém exatamente da ausência de mediação por corpos intermédios (sindicatos, partidos ou outros) que remetam para componentes ideológicos mais abstratos, quando contrastados a um vínculo representativo voltado para semelhanças "concretas" entre o líder e o demos, associadas aos seus atributos físicos, à sua personalidade, etc.

Ao contrário do caso Venezuelano, o caso do MoVimento 5 Estrelas pode ser entendido, até agora, como um caso de populismo falhado. No decurso dos anos, Beppe Grillo e Gianroberto Casaleggio conseguiram construir um partido político com raízes consistentes, que soube apresentar-se como alternativa aos partidos que tinham caracterizado, ainda que de um modo muito instável, a chamada segunda república (1994-2013). Na prática, porém, depois da massiva entrada de representantes do 5 Estrelas nas instituições, colocou-se o dilema do que fazer e como fazer. Perante a necessidade de gerir o trabalho em comissões e sub-comissões, surgiu a questão da profissionalização do trabalho político e assim a relação bottom up preconizada durante os primeiros passos foi, em parte, abandonada.

Paradoxalmente, o MoVimento 5 Estrelas, no seu percurso no interior das instituições, perdeu o seu carater anti-elite ficando vítima da lei férrea das oligarquias formulada por Robert Michels no início do século xx, segundo a qual cada partido tende a evoluir de uma estrutura aberta à base, para uma estrutura dominada por uma oligarquia, ou seja, por um número restrito de dirigentes (Michels, 2001), confirmando também a tendência das formações populistas para uma plebiscitarização.

 

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Recebido a 12-12-2016. Aceite para publicação a 23-06-2017.

 

[1]       https://www.opendemocracy.net/democraciaabierta/chantal-mouffe/populist-moment.

[2]       O problema da crise no universo da representação é amplamente abordado na literatura contemporânea. Sobre a perspectiva do Direito e da contribuição que as instituições jurídicas têm a oferecer, consultar: Jürgen Habermas, Peter Habërle, Pierre Rosanvallon, Joaquim Gomes Canotilho, Ronald Dworkin, Mauro Cappelletti, Antoine Garapon e outros.

[3]       Idem.

[4]       Referência aos tradicionais partidos venezuelanos o Acção Democrática (AD), de orientação social-democrata e o Comité de Política Eleitoral Independente (Copei), de orientação social-cristã.

[5]       O conceito de rentismo é útil para a compreensão deste tipo de interação entre Estado e Sociedade civil. Esta categoria é utilizada pela literatura académica para caracterizar um comportamento voltado para a obtenção de benefícios, riquezas e vantagens para indivíduos ou grupos, mediante o exercício de poder político ou relações de influências perante aqueles que controlam uma riqueza já existente, ulterior a esta relação. O rentismo é, mais precisamente, uma forma de organização político-social centrada no Estado que, por controlar a principal atividade produtiva do país, acaba por ser a principal via de acesso da sociedade civil aos benefícios oriundos dessa atividade. No caso venezuelano, a hipótese refere-se ao papel absolutamente preponderante dos recursos petrolíferos no país. V. Krueger (1974).

[6]       Nome referente ao Pacto de Punto Fijo, assinado em 1958, estabelecendo um acordo entre AD, Copei e União Republicana Democrática (UDR) que, na altura, criaram um sistema de alternância de poder no país, proscrevendo a esquerda radical. Este sistema vigorou formalmente entre 1958 e 1994, porém a sua efetiva dissolução só se deu com a promulgação da Carta bolivariana de 1999.

[7]       No caso dos países cuja estrutura económica se encontra concentrada apenas numa actividade, esse abismo entre uma elite, diretamente envolvida no processo de produção e venda do petróleo, e as classes populares que não têm acesso a estes recursos, excepto pelas iniciativas distributivas do Estado, também é uma característica do conceito de rentismo (Laserna, 2006).

[8]       Refere-se à ordem jurídica e política iniciada com a promulgação da carta bolivariana de 1999.

[9]       Ver: http://www.cne.gob.ve/divulgacion_referendo_reforma/. Acedido em 17-11-2015.

[10]      Ley Orgánica del Poder Popular; Ley Orgánica de la Planificación Pública y Popular; Ley Orgánica de las Comunas; Ley Orgánica del Sistema Económico Comunal; todas promulgadas em 2010.

[11]      http://www.corriere.it/economia/13_marzo_01/debito-pubblico-istat-pil_580e5a68-8261-11e2-b4b6-da1dd6a709fc.shtml.

[12]      Veja-se dados Eurostat, http://ec.europa.eu/eurostat.

[13]      Neste sentido concordamos com a análise de Diamanti (2014), segundo a qual o M5S seria, para todos os efeitos, de considerar como um partido político.

[14]      Como explicam Biorcio e Natale (2013, pp. 53-54), o encontro entre Beppe Grillo e Gianroberto Casaleggio é fundamental. Casaleggio foi um dos maiores especialistas italianos de estratégias de marketing na web.

[15]      "2005 European Heroes", Time. Disponível em: http://content.time.com/time/magazine/article/0,9171,1112803,00.html [consultado em 18-05-2016].

[16]      A proposta de lei prevê a impossibilidade de candidatura ao parlamento para os condenados por crimes com penas superiores a 10 meses, o limite de duas legislaturas para os parlamentares e a introdução do voto de preferência na lei eleitoral. Cfr. Sondaggio parlamentare sull'iniziativa di legge popolare "Parlamento Pulito". Disponível em http://151.1.253.2/immagini/Sondaggio_parlamentare.pdf [Consultado em 18-05-2016].

[17]      PDL, Popolo delle Libertà, partido do primeiro-ministro Silvio Berlusconi e PD, Partito Democratico.

[18]      Programma, [Consultado em 18-05-2016], Disponível em: http://www.beppegrillo.it/iniziative/movimentocinquestelle/Programma-Movimento-5-Stelle.pdf.

[19]      O termo nação é várias vezes repetido e neste contexto faz pensar numa certa concomitância de visões com o mundo cultural da direita, com quem na Europa os 5 Stelle estabeleceram um grupo parlamentar único e deixa entender algumas dúvidas sobre o real e convicto alento europeísta (Modigliani, 2014).

[20]      Atrás do conceito de nação proposto por Casaleggio e Grillo, parece-nos que se pode encontrar, ainda que com tonalidades não exacerbadas, uma reação à anomia, filha da globalização. Ou seja, aquele nacionalismo identitário baseado na comunhão de valores de defesa do "povo" contra a "elite" de que falava Taguieff (2012).

[21]      Vinciamo Noi, Cit., position 901.

[22]      "Committed to the principles of democracy, freedom and co-operation among Nation States, the Group favours an open, transparent, democratic and accountable co-operation among sovereign European States and rejects the bureaucratisation of Europe and the creation of a single centralised European superstate". Disponível em: http://www.efddgroup.eu/ [Consultado em 18-05-2016].

[23]      Na Camera dei Deputati o grupo 5 Stelle contava com 109 membros, agora desce para 91, no Senado eram 54, estão agora inscritas 34 pessoas. Disponível em: http://www.camera.it/leg17/46 e em http://www.senato.it/leg/17/BGT/Schede/Gruppi/Grp.html. [Consultado em 18-05-2016].

[24]      Casaleggio, Gianroberto, Grillo, Beppe, «Prefazione», Vinciamo Noi, Cit., position 121.

[25]      "Prefazione", Vinciamo Noi, Cit., position 132.

[26]      "Prefazione", Vinciamo Noi, Cit., position 143.

[27]      No que diz respeito ao puntofijismo, esta situação vigora de 1959 até 1993, quando se dissolve o pacto de alternância entre AD e COPEI na Presidência da República, No tocante ao Legislativo, entre 1974 e 1993, os dois partidos juntos controlaram 81% dos assentos na Câmara dos Deputados e 88% do Senado Federal. Em 1993, esse total foi reduzido a 53% e 60 %, respetivamente, o que resultou na perda da maioria absoluta (Hellinger, 2003).

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