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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.230 Lisboa mar. 2019

 

OBITUÁRIO

José Manuel Rolo

(1941-2018)

Carlos Pimenta


 

Falecido em agosto de 2018, José Manuel Rolo nascera em Ílhavo em 1941. Estudou em Aveiro, primeiro, e depois no Porto, tendo-se licenciado em 1969 em Economia na Universidade dessa cidade. Fez o seu doutoramento em Economia em 1982 no então Instituto Superior de Economia da Universidade Técnica de Lisboa, onde foi professor entre 1975-1982 e 1991-1994. Em 1970, entrou para o Gabinete de Investigações Sociais (GIS), que viria a transformar-se no Instituto de Ciências Sociais (ICS) em 1982. Com exceção de um período de quatro anos, permaneceu ligado a este Instituto, de que era Investigador Emérito à data do seu falecimento, desde a sua criação até à sua aposentação em 2010. Além de investigador, foi vogal do Conselho Diretivo, presidente da Assembleia e membro do Conselho Científico do ICS.

Para além da carreira de investigação, enquanto economista distinguiu-se pelo seu envolvimento no serviço público, tendo sido consultor de vários departamentos do Estado português (DCP, GEP/MIT, JNICT) e representante do Governo em numerosas reuniões internacionais. Interessado nos problemas do desenvolvimento em África e no destino dos países saídos da descolonização portuguesa, foi consultor dos Governos da Guiné-Bissau, Angola e Cabo Verde. Esse mesmo empenho levou-o a desempenhar diversos cargos no âmbito da União Europeia.

A produção científica de José Manuel Rolo reflete uma formação de economista empenhado nas questões do desenvolvimento - primeiro no caso português, depois no caso de África - e em particular dos impactos das tecnologias para o crescimento industrial, como o ilustra a sua tese de doutoramento intitulada A Componente Tecnológica Estrangeira da Indústria Electrometalomecânica Pesada Portuguesa: Um Ensaio de Tratamento Sistemático. Não deixou, no entanto, de se dedicar a outros temas, da política científica portuguesa à União Europeia e às relações económicas internacionais, em geral.

O problema da repartição dos rendimentos, sobre o qual publicou logo nos inícios da sua carreira no GIS, acompanhá-lo-ia ao longo de vida. Daí as suas preocupações com as implicações das políticas da austeridade aprovadas na sequência da grave crise financeira dos últimos anos, que mereceu a sua atenção numa obra mais recente, Labirintos da Crise Financeira Internacional, 2007-2010. Quem o conhecia sabe que estas preocupações não seriam, por certo, alheias à sua experiência de vida, pois José Manuel Rolo nunca se esqueceu dos dias da infância de Ílhavo, quando convivia com colegas pobríssimos, que passavam frio e fome, carências de que ele se encontrava resguardado.

Análise Social

 

SELEÇÃO DE PUBLICAÇÕES

ROLO, J. M. (1970), “Análise integrada do desenvolvimento: breves notas sobre a América Latina”. Análise Social, 8(32), pp. 708-716.

ROLO, J. M. (1972a), “Reflexões sobre as políticas de rendimento”. Análise Social, 9(33), pp. 203-211.

ROLO, J. M. (1972b), “Repartição dos rendimentos e crescimento económico”. Análise Social, 9(34), pp. 411-417.

ROLO, J. M. (1973), “As relações internacionais e a questão da energia na Europa.” Análise Social, 10(39), pp. 446-477.

ROLO, J. M. (1975), “Transferências de tecnologia e dependência estrutural da economia portuguesa: análise de um inquérito”. Análise Social, 11(42-43), pp. 213-231.

ROLO, J. M. (1976), “Realidades e experiências do controlo multinacional: o caso português”. Análise Social, 12(45), pp. 7-40.

ROLO, J. M. (1976), “Modalidades de tecnologia importada em Portugal”. Análise Social, 12(47), pp. 541-561.

ROLO, J. M. (1977), Capitalismo, Tecnologia e Dependência em Portugal, Porto, Editorial Presença.

ROLO, J. M. (1978), “Factores de consolidação e dinamização do sector empresarial do Estado”. Análise Social, 14(55), pp. 433-442.

ROLO, J. M. (1979), “Política científica e técnica, especialização tecnológica e inovação: fundamentos e linhas de acção”. Análise Social, 15(58), pp. 255-264.

ROLO, J. M. (1983), A Componente Tecnológica Estrangeira da Indústria Electrometalomecânica Pesada Portuguesa: Um Ensaio de Tratamento Sistemático. Tese de doutoramento em Engenharia Electrometalomecânica, apresentada ao Instituto Superior de Economia da Universidade Técnica de Lisboa, em 1982, Lisboa, Estudos e Documentos ICS.

ROLO, J. M. (1984), “A importância da tecnologia estrangeira nas empresas industriais portuguesas de maior dimensão”. Análise Social, 20(81), pp. 219-236.

ROLO, J. M. (1985), A Componente Tecnológica Estrangeira da Indústria Transformadora Portuguesa: 1970-1979, Lisboa, JNICT.

ROLO, J. M. (1987), Redescobrir a África: A Cooperação Portuguesa no Contexto da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento, Lisboa, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

ROLO, J. M. (1992), “A estratégia da União Económica e Monetária”. Análise Social, 27(118/119), pp. 673-690.

ROLO, J. M. (2006), O Regresso às Armas: Tendências das Indústrias da Defesa, Lisboa, Cosmos.

ROLO, J. M. (2007), “Moçambique na geoeconomia do gás natural”. Economia Global e Gestão, 13(1), pp. 49-64.

ROLO, J. M. (2008), “Notas sobre o problema da proliferação das armas nucleares”. Itinerários: A Investigação nos 25 anos do ICS, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, pp. 189-202.

ROLO, J. M. (2010), Labirintos da Crise Financeira Internacional, 2007-2010, Chamusca, Cosmos.

ROLO, J. M. (2011), “Entrevista a Mário Murteira”. Análise Social, 46(200), pp. 564-573.

ROLO, J. M. (2013), “Five easy pieces”. In E. P. Ferreira (coord.), A Austeridade Cura? A Austeridade Mata?, Lisboa, AAFDL, pp. 869-885.

EM MEMÓRIA DO AMIGO JOSÉ MANUEL ROLO

A vida faz-nos interagir com muitas pessoas. Muito poucas são, contudo, as que nos marcam, racional e emocionalmente. O José Rolo foi para mim uma delas.

Conheci-o no início dos anos 80, em reflexões sobre o estado da Ciência e da Universidade em Portugal. Diferenças de idade, de percurso académico e até de opções políticas nunca foram um obstáculo entre nós. Muito pelo contrário, foram sempre motivo de enriquecimento mútuo. Começou assim uma relação sólida de respeito que evoluiu para uma verdadeira amizade. O José Rolo encantava-me pela sua capacidade de escutar e de ponderar o que lhe era dito, a que retorquia com elementos que aprendi a considerar pela sua solidez e genuinidade. Sem agendas escondidas, com naturalidade e sempre na busca de caminhos e soluções, as respostas de José Rolo eram também muitas vezes temperadas com o seu humor inteligente, espontâneo, sincero, irresistível.

A sua formação e investigação em economia e em ciências sociais davam-lhe as ferramentas para, na discussão das políticas públicas, manter o foco na sua razão de ser: as pessoas. Tinha um profundo sentido de justiça e a capacidade de sentir o “outro”.

O trabalho e a investigação que desenvolveu sobre África permitiam-lhe também ver com outros olhos a nossa realidade cada vez mais alinhada com os parâmetros e políticas europeias.

Mas foi a luta conjunta contra a opção nuclear em Portugal que cimentou de vez uma cumplicidade que durou até à sua morte. Eram os tempos da discussão pública do Plano Energético Nacional (PEN) que foi duas vezes a Conselho de ministros no Governo do Bloco Central: em fevereiro e em junho de 1984. De um lado estava todo o establishment energético e financeiro; do outro apenas uma pequena equipa à volta da Secretaria de Estado do Ambiente, a que se juntaram algumas personalidades notáveis da sociedade civil. José Rolo fez parte do reduzido núcleo que antecipou em três décadas as opções que são hoje óbvias: o uso e abuso de combustíveis fósseis é incompatível com a saúde das pessoas e do planeta. Percebemos então que a substituição destes combustíveis não pressupunha opções carregadas de riscos e problemas, mas sim uma nova visão assente na suficiência e eficiência no uso dos recursos, nomeadamente energéticos, na equidade no seu acesso e na procura de soluções ambientalmente sustentáveis: as energias renováveis.

Com a sua capacidade e conhecimentos, José Rolo ajudou a fundamentar a visão alternativa que acabou por vingar, incluindo enquanto um dos membros fundadores do Centro de Estudos de Economia, Energia, Transportes e Ambiente (CEEETA).

Voltei a lidar intensamente com ele em Bruxelas, nos anos 90. José Rolo foi diretor do Gabinete de Assistência Técnica do Programa ALFA, um programa da União Europeia de apoio ao ensino superior na América Latina que envolvia o intercâmbio de alunos, professores e atividades de várias centenas de Universidades dos dois lados do Atlântico. O seu à-vontade e competência nas questões académicas, a sua empatia e a sua capacidade de pôr a conviver gente de origens e culturas muito diversas foram essenciais para viabilizar uma boa ideia, embora de realização muito complexa.

Nunca perdemos o contacto. Colaborámos em vários outros projetos, debatemos muitas ideias e partilhámos muitas refeições. A sua alegria, memória e presença acompanham-me sempre.

Carlos Pimenta

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