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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.231 Lisboa jun. 2019

https://doi.org/10.31447/AS00032573.2019231.02 

ARTIGOS

“Dos fracos não reza a história”. Os Heróis do Mar e a invenção do nacionalismo pop

“History always favors the winners”: Heróis do Mar and the invention of nationalist pop in the 1980s

Marcos Cardão*
https://orcid.org/0000-0001-9260-9654

*Centro de Estudos Comparatistas, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Alameda da Universidade — 1649-004 Lisboa, Portugal. marcos.cardao@gmail.com


 

RESUMO

“Dos fracos não reza a história”. Os Heróis do Mar e a invenção do nacionalismo pop. Precursora na difusão de estilos pop híbridos tributários das principais correntes internacionais, a banda Heróis do Mar instituiu novas práticas performativas e discursivas, empreendendo uma revisitação do período dos Descobrimentos, que exaltava tanto o espírito de cruzada, quanto o universalismo português. Admitindo que a cultura audiovisual passou a ser o eixo gravitacional da vida cultural portuguesa nos anos 80, e que os Descobrimentos portugueses encontraram na música pop um novo meio de transmissão, neste artigo pretende-se analisar a emergência do nacionalismo pop através dos rituais performativos dos Heróis do Mar, uma banda que desenvolveu uma relação peculiar entre música pop, nação e usos da História, e se tornou num dos principais impulsionadores da imaginação nacional.

Palavras-chave: nacionalismo; história; Descobrimentos; música moderna.


 

ABSTRACT

Pioneers in performing international pop styles in Portugal, the group Heróis do Mar initiated an historical revisionism of the Portuguese Discoveries, exalting both the spirit of crusade and the so-called Portuguese universalism. Assuming that audiovisual culture was a key element in the Portuguese cultural life in the 1980s, and that the Portuguese Discoveries found in pop music a new form of transmission and celebration, in this article I analyze the emergence of Portuguese nationalist pop through the practices, rituals, and discourses of Heróis do Mar, a group that developed a peculiar relationship between pop music, nation, and the uses of History.

Keywords: nationalism; History; Portuguese Discoveries; popular music.


 

INTRODUÇÃO

Os Heróis do Mar foram uma das bandas pop mais originais e polémicas no início da década de 1980. A banda, que escolheu para nome a primeira estrofe do hino de Portugal, protagonizou uma série de polémicas e agitou o meio cultural português através da criação de uma música que pretendia ser simultaneamente pop, portuguesa, dançável e moderna.

Adotando desde o início da carreira uma estratégia confrontacional, que contribuiu para extremar a ideia de espetáculo pop, os Heróis do Mar foram precursores na difusão de estilos pop híbridos tributários das principais correntes pop internacionais (Cidra, Félix, 2010). Muniram-se para o efeito de adereços associados ao império português e instituíram novas práticas performativas e discursivas, através das quais se revisitava o período dos Descobrimentos, exaltando tanto o espírito de cruzada, quanto o universalismo português. Os Heróis do Mar iniciaram uma nova corrente na música pop portuguesa, transversal aos principais movimentos estéticos dos anos 80, quer o denominado “rock português”, uma corrente à qual a banda nunca se pretendeu vincular, quer a chamada “música moderna portuguesa”, que deu origem a estilos musicais alternativos na segunda metade dos anos 80 (Guerra, 2013). A nova corrente, que ora em diante designarei nacionalismo pop, distinguir-se-ia por veicular narrativas que efetuavam uma leitura parcial da História de Portugal, mais próxima de uma celebração nacionalista do que de um distanciamento crítico.

Não obstante a importância de outras temáticas constitutivas da identidade nacional, como a valorização histórica da cruzada, a matriz rural portuguesa, a decadência e o atraso relativamente a outras nações europeias, ou as relações com Espanha, os Descobrimentos Portugueses foram provavelmente a temática mais trabalhada do nacionalismo português nos anos 80, ganhando novo folgo com o ciclo comemorativo iniciado com a criação da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses em 1986 e com a realização da Expo 98. Com o lema “Os Oceanos - um Património para o Futuro”, a Expo 98 contribuiu para reavivar o papel dos oceanos nos discursos e representações do nacionalismo português. Todas estas iniciativas terão contribuído para criar uma nova memória histórica sobre os Descobrimentos e reforçar o peso desta temática no imaginário nacional.

Enquanto género fundacional e legitimador, a história desempenha um papel fundamental na formação e difusão de uma consciência nacional e na fixação de uma memória coletiva através da seleção das temáticas mais marcantes da singularidade nacional (Catroga et al., 1998; Matos, 2008). Embora os historiadores profissionais acreditem que estão numa posição privilegiada para interpretar o passado histórico, e a universidade continue a ocupar uma posição determinante na divulgação do conhecimento histórico, existem outras formas de transmitir a história, construir uma relação com o passado e estabelecer uma memória e consciência nacional. Nomeadamente através dos media e da cultura popular, que permitem “desafiar a hegemonia da universidade enquanto produtor e disseminador de investigação e conhecimento, criando instituições paralelas que desempenham a mesma função em relação ao passado” (Chakrabarty, 2006, p. 109).

As investigações históricas sobre a “memória da nação” (Bethencourt e Curto, 1991); sobre o impacto da cultura popular de matriz rural na abordagem de temas relacionados com a identidade portuguesa (Leal, 2000a); o modo como se imaginou um nacionalismo comunista (Neves, 2008); sínteses sociohistóricas sobre a identidade nacional (Sobral, 2012); ou, especificamente, análises sobre o modo como a cultura popular urbana articulou e disseminou os temas do nacionalismo português abriram novos horizontes aos estudos sobre o nacionalismo português.[1]

Não obstante a riqueza e a diversidade dos trabalhos mencionados, ainda faltam estudos sobre o nacionalismo português feitos a partir da análise dos discursos e representações da cultura popular urbana. Como António Manuel Hespanha constatou, há outras áreas a realizar leituras parciais da História de Portugal, especialmente do período dos Descobrimentos, e a produzir e reinventar as representações da identidade portuguesa:

Esta mundividência do passado nas suas relações com o presente transcende largamente o círculo dos historiadores e inscreve-se numa das componentes da cultura pública (pop-culture) portuguesa dos nossos dias. Apenas a título de breve referência, evoco a música pop que, quando aborda temas da história portuguesa, os trata neste registo amigável de uma visão docemente glorificante [Hespanha, 2002, p. 348].

Admitindo que a cultura audiovisual passou a ser o eixo gravitacional da vida cultural portuguesa nos anos 80, e que o período dos Descobrimentos encontrou na música pop um novo meio de transmissão e celebração, neste artigo pretende-se analisar a emergência do nacionalismo pop através das práticas, discursos e “rituais performativos” (Frith, 1996, p. 204) dos Heróis do Mar, uma banda que desenvolveu uma relação singular entre música pop, nação e história, cujas práticas performativas e discursivas permanecem por investigar. Mesmo quando se aproximaram de estilos mais comerciais, gravando temas pop convencionais, como “Amor” (Single - Polydor, 1982), os Heróis do Mar continuaram a fazer alusões à portugalidade e ao orgulho de ser português, desta feita através da produção de videoclips, sendo provavelmente a primeira banda a utilizar esse meio para criar uma síntese visual de teor nacionalista. O carácter sistemático com que trabalharam sobre os temas associados à portugalidade transformou a banda num dos principais agentes e impulsionadores da imaginação nacional (Anderson, 2012; Billig, 1991).

Partindo do princípio de que a cultura popular urbana não se limita a refletir, reproduzir ou simplificar realidades pré-existentes, e de que o passado não existe independentemente das representações que dele se fazem, neste artigo argumentar-se-á que o exercício de retrospeção histórica iniciado pelos Heróis do Mar favoreceu a reinvenção do nacionalismo português nos anos 80, ainda que a forma prescritiva com que a banda trabalhou um ideal de portugalidade fosse marcada por paradoxos e contradições. Não por que a banda estivesse a deturpar a “realidade histórica” com narrativas efabuladas e ficcionais sobre a história de Portugal, mas por que pretendia definir à partida o terreno da sua receção. Ao conferir ao aparato nacionalista um aspeto central, a banda parecia esquecer que a sua música era igualmente pop, internacional e cosmopolita. Ou seja, a banda elidia que se inseria num género pop internacional, com “horizontes de expectativa” que lhe eram próprios, e partilhava práticas performativas e discursivas com outras bandas internacionais. Com efeito, a música dos Heróis do Mar possuía códigos e convenções associadas a um género musical específico, e a sua leitura não se esgotava numa idealização da portugalidade, por mais voluntariosa e “autêntica” que esta fosse, nem se traduzia numa dicotomia simplista entre a forma e o conteúdo.

Ao longo do artigo procurar-se-á dar conta das ambiguidades que caracterizaram a carreira artística dos Heróis do Mar e analisar-se-á as possibilidades e limitações do nacionalismo no campo internacional da música pop, não esquecendo que o processo de construção de identidades nacionais é mais internacional do que a mitologia nacionalista sugere. Complementar-se-á esta análise descrevendo a emergência, mediação e a evolução histórica de uma banda que se afigura central para apreciar as transformações político-culturais ocorridas na década de 1980, um período ainda insuficientemente trabalhado pela historiografia.

“BRAVA DANÇA DOS HERÓIS”

Embora não tenham uma fisionomia ou identidade própria, as décadas são uma forma convencional de circunscrever um intervalo de tempo e de identificar quais os temas, tendências e configurações discursivas predominantes numa época. Considerados a antítese dos anos 60, que foram caracterizados pelos movimentos de descolonização e pela proliferação de utopias políticas transformadoras, os anos 80 são normalmente associados a um tempo de normalização política, emergência do neo-liberalismo e transformação cultural.

Na passagem da década de 1970 para os anos 80 várias formas e géneros culturais foram perdendo protagonismo e foram afastadas do centro da vida pública e mediática. No campo da música popular assistiu-se à perda de notoriedade da canção de intervenção (Cardão, 2015), e ao desaparecimento de um conjunto de funções programáticas que a ela estavam associadas, e ao surgimento do chamado “rock português”, que introduziu uma nova geração de músicos e intérpretes, expostos às principais tendências internacionais, que não se identificava com as premissas estéticas e ideológicas da canção de intervenção, nem com a denominada música ligeira.

Seguindo a formulação de Raymond Williams sobre a existência de três momentos culturais em cada formação histórico-social (Williams, 1977), poder-se-ia dizer que o “rock português” foi o fenómeno cultural “emergente” no início dos anos 80, a canção de intervenção o momento “residual”, enquanto a música ligeira seria ainda o momento cultural “dominante”. A música ligeira adquiriu novo fôlego cultural e mediático com o rejuvenescimento do Festival RTP da Canção, um evento que favoreceu a emergência de novos intérpretes e géneros musicais e foi o espetáculo mediático escolhido pela administração da RTP para iniciar as emissões regulares a cores em 1980.

Projetado por uma indústria fonográfica que anteviu no cantar em português um novo nicho comercial para a classe média, sobretudo jovens, que procurava seguir os padrões de consumo e os estilos de vida europeus, o “rock português” foi um movimento plural, que abarcou diversas tendências e estilos musicais. Transversal a este movimento foi o aparecimento de uma nova corrente pop, que também cantava em português, embora fosse distinta do “rock português”, que iniciou um trabalho de celebração da portugalidade e do período dos Descobrimentos e inventou aquilo que designo por nacionalismo pop.

De acordo com uma cronologia política, que tende a impor a sua narrativa a outros fenómenos da sociedade, nomeadamente culturais, e a isolar Portugal dos contextos externos, os anos 80 seriam marcados pela despolitização da sociedade portuguesa e pelo início do processo de redefinição identitária decorrente da integração europeia. Poder-se-ia ver no aparecimento dos Heróis do Mar um reflexo das transformações políticas que ocorriam no país. Porém, esta opção negaria a autonomia do campo cultural e omitiria uma história internacional mais ampla, onde os Heróis do Mar se inscreviam - a história da música pop internacional.

Se se admitir que o impacto do nacionalismo depende mais das suas manifestações, nomeadamente das formas de circulação na esfera pública, do que das ideias mais ou menos concisas que possa conter e transmitir, poder-se-á dizer que várias bandas pop, entre as quais os Heróis do Mar, Sétima Legião, Anamar, Madredeus ou os Da Vinci (Cardão, 2018), autorizam que se fale de uma corrente nacionalista na música popular portuguesa. De importância desigual, todas estas bandas colocaram em circulação formações discursivas e performativas que estabeleciam conexões com a identidade nacional e sustentavam a criação de uma nova gramática identitária na música pop. Porém, nenhuma delas teve o impacto mediático, a consistência e a coesão formal dos Heróis do Mar. Uma banda que oferece um domínio empírico vasto, em larga medida por investigar, composto por fonogramas, mediação crítica, entrevistas, imagens, videoclips, etc., e permite avançar novas hipóteses interpretativas no estudo do nacionalismo português e, paralelamente, iniciar um estudo exploratório sobre a história global da música pop e o surgimento e renegociação dos géneros musicais em Portugal.

Os géneros musicais não possuem fronteiras definidas, mas reportam-se a um conjunto de práticas e estilos partilhados, além de servirem para organizar histórias e compreender a criação, circulação e o consumo de música popular (Fabbri, 2004). Há autores que tendem a salientar o papel da economia na criação de géneros musicais, mencionando as estratégias das companhias fonográficas para expandir o seu negócio através da criação de novos géneros musicais (Negus, 1999). Outros optam por realizar abordagens mais formalistas, afirmando que os géneros são essencialmente marcadores que moldam as experiências e as expectativas dos ouvintes (Frith, 1998, pp. 70-95).

Sem descurar a importância do aspeto económico, que foi decisivo para a afirmação e mediatização do “rock português”, os géneros musicais articulam um conjunto de formações discursivas, técnicas, performances e atitudes referentes a uma determinada comunidade musical que, no campo da música popular urbana, ultrapassa as fronteiras nacionais e os exclusivismos identitários. Se é a partir dos géneros que se experiencia a música, e se estes são determinantes para atribuir significado ao que ouvimos e estabelecer relações, ou comunidades de gosto, entre bandas e estilos musicais, então a sua discussão poderá aclarar vários aspetos da carreira artística dos Heróis do Mar e deslocar aquilo que é alegadamente nacional, local ou particular para um campo transnacional.

Os Heróis do Mar surgiram em 1981 e eram compostos por Rui Pregal da Cunha (voz), Paulo Pedro Gonçalves (guitarra), Pedro Ayres Magalhães (letrista e guitarra-baixo), Carlos Maria Trindade (sintetizadores) e António José de Almeida (bateria). Tanto Paulo Gonçalves, como Pedro Ayres Magalhães, fizeram parte do embrionário movimento punk em Portugal, fundando em 1978 a banda Os Faíscas. Os dois, juntamente com Carlos Maria Trindade, fundariam em 1979 a banda Corpo Diplomático, que seria a primeira banda a aproximar-se da estética pós-punk/new-wave em Portugal e que editaria apenas um álbum, intitulado “Música Moderna” (LP - Da Nova, 1980). Num espaço curto de tempo, os futuros membros dos Heróis do Mar tinham tocado em diversas bandas, interpretado vários estilos musicais, e pretendiam agora criar uma banda pop que não secundarizasse uma ideia de espetáculo. Mais do que a raiva niilista associada ao punk, ou a negatividade do pós-punk (Butt, Eshun, Fisher, 2016), os Heróis do Mar absorveram a dinâmica do faça-você-mesmo (“do it yourself”) e a vontade de inquietar, fundindo-as com a ambição de notoriedade e sucesso comercial, sem descurar a inovação estilística.

O primeiro álbum da banda, intitulado “Heróis do Mar” (LP - Polydor, 1981), produzido por António Pinho[2] , foi provavelmente o fonograma que suscitou mais polémica após o 25 de Abril de 1974. As letras do álbum mencionavam uma série de mitos e narrativas ficcionais de Portugal e privilegiavam uma visão imperialista e heroicizada da história, exaltando inclusivamente o espírito de cruzada com contornos bélicos e “militaristas” (Trindade, 2015, p. 291). Nomeadamente no tema “Saudade”, que recuperava um vocábulo com conotações nacionalistas, e cuja letra aludia à dimensão messiânica da construção imperial, mencionando o repouso de um guerreiro, provavelmente depois de um ato de bravura militar decorrente do processo de cruzada, um dos aspetos constitutivos da mitologia da portugalidade: “Ao redor desta fogueira (saudade)/ Enquanto as armas descansam (saudade)/ Peito rasgado de amor (saudade)/ Troa o rufar do tambor (saudade)”.

Da autoria de Pedro Ayres Magalhães, as letras construíam uma versão idealizada da História de Portugal, através das quais se tecia um olhar profético de um Portugal de natureza espiritual e providencial, em que tudo parecia ser sublimação. No tema “Brava dança dos heróis” atribuía-se à história um estatuto fundador e legitimador da nacionalidade, afirmando: “Dos feitos a glória há-de perdurar/ Mesmo se a morte nos apagar/ Brava dança dos heróis/ Dos fracos não reza a história/ Cantemos alto nossa vitória”. A exaltação dos feitos imperiais era colocada ao serviço de uma narrativa histórica que voltava a trabalhar um dos temas marcantes para afirmar a singularidade portuguesa. A par da aventura, audácia e determinação, a narrativa da experiência imperial não esquecia o papel da ciência e da técnica, ambas fundamentais para a afirmação do apregoado pioneirismo português na “abertura do mundo”, presentes por exemplo na letra do tema “Olhar no Oriente”: “Ciência, fé do sábio/ Decisão/ Compasso, mapa aberto/ É luz do mar deserto/ Decisão/ (…) Lá se vão/ Os heróis, os heróis”.

Fora das histórias romanceadas de Portugal e dos portugueses ficava a história da violência exercida no processo de colonização, as formas exploração, a escravatura, o trabalho forçado, as conversões culturais e religiosas, o racismo, etc. Alguns destes temas foram abordados por intérpretes da música popular portuguesa ligados historicamente à canção de intervenção, entre os quais, Sérgio Godinho[3] , Vitorino[4] e Fausto Bordalo Dias[5] , o que indiciava uma clivagem de interpretações sobre o período dos Descobrimentos na música popular portuguesa na passagem da década de 1970 para os anos 80, um tema que dividia igualmente a esquerda e a direita no campo político.

No início dos anos 80, a esquerda foi perdendo progressivamente a capacidade de persuasão e de imaginário político e começaram a surgir no espaço público temas como o património, a portugalidade e a identidade nacional.[6] São em parte os novos protagonistas culturais, como os Heróis do Mar, a veicular esses temas, designadamente através de narrativas históricas imaginárias, imagens estilizadas e deliberadamente polémicas, performances elaboradas e sentido coreográfico. Todas estas características, definidoras de um estilo próprio que oferecia ao público um sistema de valores alternativo no início dos anos 80, confluíram numa música pop moderna que estava em sintonia com o movimento internacional da chamada “new pop”, também designado “synth pop” ou “new romantic” (Stanley, 2013, pp. 528-539; Rimmer, 1995, pp. 539-544).

A expressão “new pop” foi cunhada por Paul Morley (Morley, 2004, p. 622), à época jornalista no New Musical Express (Sinker, 2018), uma publicação britânica pioneira no jornalismo musical. Em termos genéricos, a expressão refere-se a características partilhadas por estilos pop híbridos, com texturas musicais sintéticas, que, em vez da guitarra elétrica e de performances decalcadas de um princípio de autenticidade, maioritariamente associadas ao rock, conferiam centralidade aos sintetizadores, ao artifício e à dança. A prática da dança fora, aliás, reabilitada pelo “new pop”, após se entender que esta era uma atividade frívola e alienante, associada a estilos de vida e a formas de entretenimento comerciais e ligeiras, como o género “disco-sound”.

O “novo pop” atribuía ainda uma importância acrescida à imagem, dando origem a uma série de performances estilizadas e à criação de personagens fictícias que desafiavam as convenções sobre a integridade e autenticidade do artista. A propensão para a artificialidade fez com que os músicos e intérpretes do “novo pop” abandonassem a posição de marginalidade associada ao rock e acolhessem as possibilidades abertas pelos meios de comunicação de massas, o que incluía a produção de videoclips, fotografias promocionais, dar entrevistas, a presença em programas de televisão e a ambição de conquistar os lugares cimeiros das tabelas de venda.

As classificações por género musical e as perceções sobre o valor relativo de cada género são centrais nos debates sobre música popular. A inserção dos Heróis do Mar numa corrente pop internacional permite contextualizar o significado das suas performances e relativizar as suas pretensões nacionalistas. A juntar ao pendor imperialista das letras e dos adereços, onde constavam tambores, alabardas, escudos, estandartes, etc., a dimensão coreográfica da banda também causou grande polémica no início dos anos 80. Com efeito, os trajes medievais, roupas com aspiração historicista, alusões à portugalidade, e as bandeiras com as insígnias da cruz de Cristo, usadas nas apresentações ao vivo e nas fotografias promocionais, foram bastante criticadas na imprensa, que conotou a banda com a extrema-direita e o saudosismo do período salazarista.

O jornalista António Duarte - autor de um livro pioneiro sobre o fenómeno pop-rock em Portugal, A Arte Eléctrica de Ser Português. 25 Anos de Rock n’ Portugal (Bertrand, 1984) -, realizou a primeira grande entrevista aos Heróis do Mar no semanário Se7e. A entrevista intitulada “Heróis do Mar. Uma banda fascista?”, continha um pequeno texto introdutório que dizia: “Fascistas no rock português? A dúvida surge, pela primeira vez, com o canto e a estética dos Heróis do Mar, um grupo novo de gente conhecida que parece ter saído dos livros de feitos da Legião Portuguesa, ou das cartilhas de bem fazer da Mocidade Portuguesa”. [7]

Assumindo desde o início uma postura de desconfiança em relação às práticas discursivas e performativas da banda, António Duarte chegou a dizer que a imagem dos Heróis do Mar era “objetivamente fascista”. Pedro Ayres Magalhães, o porta-voz da banda, tentava afastar-se das acusações do entrevistador, afirmando que a imagem fazia parte da estética da banda e estava inserida numa ideia de espetáculo pop que valorizava a componente cenográfica. Sobre a existência de um aparato militarista e guerreiro na banda, Ayres Magalhães admitia que a “epopeia portuguesa” tinha sido uma fonte de inspiração: “rodeámos todo este trabalho de uma atmosfera épica. Ora, a epopeia não tem cor - é sentida por gente de todos os quadrantes”. [8]

Antes da oficialização do comemorativismo histórico, por exemplo, através da criação da Comissão Nacional para a Comemoração dos Descobrimentos Portugueses em 1986, os Heróis do Mar reintroduziam a temática dos Descobrimentos no espaço público e colocavam-na no centro das suas narrativas e performances. Quando o imaginário imperial parecia ter desaparecido do espaço público e se encetava o novo ciclo europeu, os Heróis do Mar iniciavam uma celebração do princípio universalista da “epopeia”, e dos imaginários imperiais, através de uma nova dinâmica pop e performativa, fortemente investida pela emoção e formalmente sofisticada. Para evitar conotações políticas, a banda readaptou alguns elementos, afirmando por exemplo que o seu interesse pelos Descobrimentos se comparava ao interesse que os norte-americanos tinham pelo western e que fazia parte de um “filme pop” que a banda estava a realizar com o intuito de celebrar o lado aventureiro dos portugueses. Quer a ideia de aventura, quer a componente fantasiosa faziam parte da performance pop, mas foram principalmente as referências à história do império a dar singularidade e visibilidade mediática à banda.

Ainda que procurassem esvaziar politicamente os seus rituais performativos à luz das práticas da cultura pop, os Heróis do Mar não deixaram de afrontar os meios ligados à esquerda política, nomeadamente quando agendaram o seu primeiro espetáculo ao vivo para o dia 25 de novembro de 1981, ou quando decidiram colocar um anúncio no Se7e para tentar pôr termo à polémica sobre o seu alegado fascismo, o qual incluía a frase de Fidel Castro: “A história nos absolverá”.

Condicionados por uma conjuntura política que lhes era adversa, e que os próprios procuravam desafiar, o epíteto de “banda fascista” traduzia a dificuldade em aceitar uma banda que colocava no centro das suas narrativas e performances a temática nacionalista e empreendia um revivalismo histórico através da música pop. Como António Araújo refere: “No Portugal dos anos 80, o revivalismo tinha um significado político intenso, já que surgia na sequência de uma ruptura (…). Em face dela, qualquer redescoberta do passado era, por natureza, contra-revolucionária e, nessa medida, tinha um sentido ideológico tão definido quanto profundo” (Araújo, 2016, p. 25).

A referência a outros aspetos do percurso político de Pedro Ayres Magalhães contribuíu para agudizar as críticas. O jornalista do Se7e, Belino Costa, chegou a mencionar a ligação de Pedro Ayres Magalhães a um grupo de extrema-direita da Faculdade de Letras, intitulado AXO, dizendo que Ayres Magalhães teria ocultado deliberadamente essa ligação. Seguidamente afirmava: “Tu és o autor das palavras do primeiro álbum e são essas que poderão ter leituras ideológicas controversas. É, pois, natural que se fale das tuas próprias convicções políticas”. [9]

Outras publicações periódicas confrontaram igualmente os Heróis do Mar com o uso de simbologia imperial e a apologia dos Descobrimentos. Por exemplo, numa entrevista conduzida por Trindade Santos para a publicação Música & Som[10] , Pedro Ayres Magalhães dizia que se identificava com o legado dos Descobrimentos portugueses: “não me venhas dizer que, para um povo que descobriu mais que um mundo e conquistou boa parte dele, um passado de aventura, romântico, luta e viagem não têm significado”.[11]

A banda parecia apostada em mobilizar os mitos fundadores da consciência nacional, restaurar uma versão esquecida e contestada da História de Portugal e, simultaneamente, distanciar-se da identificação política com o fascismo, à qual alguns jornalistas queriam associar a banda. Na entrevista, Pedro Ayres Magalhães dizia ainda que a tentativa de enquadrar a banda segundo uma grelha político-ideológica estava desajustada e não se aplicava às formas de identificação da sua geração. Recusando quer a mediação intelectual, quer o julgamento político da imprensa conotada com a esquerda, que apelidava de ser paternalista e anacrónico, Pedro Ayres Magalhães afirmava que uma geração particular, que estava historicamente ligada à militância anti-fascista, não podia ser proprietária dos “significados coletivos” e dos símbolos de uma história que considerava comum. A afirmação indiciava a existência de uma clivagem geracional, além de política, em torno do uso de referentes associados à identidade portuguesa e a presença de visões contrastantes sobre o que poderia significar a portugalidade na música pop.

As práticas discursivas criadas num determinado momento histórico permitem perceber quais os conceitos existentes para explicar uma realidade, mas também as formas de a condicionar, ou mesmo inviabilizar. No caso dos Heróis do Mar, a dificuldade em separar o sentimento nacionalista do posicionamento político dos seus membros terá conduzido ao aparecimento do epíteto de “banda fascista”, que até pode traduzir a conjuntura política e de a periodizar em termos essencialmente políticos, mas que não explica integralmente um fenómeno como os Heróis do Mar. A opção por traduzir a banda através do conceito de nacionalismo, cujo uso académico só se generalizou em meados da década de 1980[12] , teria sido mais abrangente e possibilitaria ver os Heróis do Mar enquanto agentes autónomos, e não determinados pela conjuntura política, na construção de um imaginário nacional. Como, aliás, sugeriam as declarações dos membros da banda, que colocavam sistematicamente as suas narrativas e performances no âmbito de um trabalho sobre a identidade nacional, inclusive quando eram confrontados com as semelhanças com outras bandas internacionais, como os britânicos Spandau Ballet e os Ultravox, que trabalhavam igualmente a dimensão épica e desenvolviam exercícios de retrospeção histórica. A esse respeito, Pedro Ayres Magalhães dizia: “mas o passado deles não é o nosso! Nós somos portugueses (…) parece-me leviana a estratégia de tomar de assalto as formas que nos chegam lá de fora, adornando-as com textos em português”.[13]

Mesmo admitindo que faziam parte de uma constelação de bandas pop que se inseria num género específico, Pedro Ayres Magalhães acreditava que a demanda dos Heróis do Mar por uma especificidade portuguesa os distinguiria das demais bandas. O sentido profundo que os Heróis do Mar atribuíam à portugalidade impedia-os de ter uma abordagem construtivista da identidade nacional. Como se fossem dados adquiridos, e não tivessem sido sujeitos a um processo de seleção e estilização, os Heróis do Mar trabalhavam no sentido de reavivar os temas esquecidos e, simultaneamente, mais contestados, da identidade nacional. A incapacidade de olhar para a identidade nacional com um distanciamento crítico conduziu inclusivamente a uma tentativa de prescrever uma interpretação unívoca para traduzir a sua música, esta era incompatível com a imaginação internacional e as (re)apropriações que poderiam fazer os seus ouvintes.

NOVAS POLÉMICAS PORTUGUESAS

Empenhados em afirmar-se fora de um espaço de expressão dominado pelos valores conotados com a esquerda, os Heróis do Mar procuravam posicionar-se como porta-vozes de uma nova geração que queria construir o seu imaginário em torno de uma ideia de passado português, mas que partilhava os valores e representações da cultura pop internacional, aproximando-se assim dos ideais de autorrealização e hedonismo e encontrando na cultura pop uma forma de identificar-se com o seu tempo. Esta aspiração da banda, simultaneamente idealista e contraditória, tinha todavia um lado prescritivo. Nomeadamente quando Ayres Magalhães afirmava que a intenção da banda passava por nacionalizar a sua música: “o nosso objetivo - conseguido ou não - é nacionalizar a expressão plástica, demasiadamente atingida pelas interferências estrangeiras. Tentámos nacionalizar a música que fazemos”.[14]

Independentemente da impossibilidade de concretizar a nacionalização de um género que era híbrido e internacional, e que não se conformava a um lugar ou reivindicação identitária, a intenção nacionalista confirmava que a banda tinha uma agenda própria e um sentido programático para concretizá-la.

Em 1983, Pedro Ayres Magalhães, Miguel Esteves Cardoso, Ricardo Camacho, Isabel Castaño, Francisco Sande e Castro e Pedro Bidarra criaram a editora Fundação Atlântica (Companhia de Discos de Portugal). Com o intuito de suprir a dificuldade em obter discos em Portugal e encontrar novos mecanismos de distribuição, a editora foi pioneira no campo da edição de música independente em Portugal. Inspirados pela editora britânica Factory - que dispunha de uma equipa criativa composta por um produtor (Martin Hannett) e um designer gráfico (Peter Saville), que conferiram um som distinto e uma imagem singular ao seu catálogo musical -, a Fundação Atlântica colocou todos os intervenientes na estrutura da editora, ocupando-se da criação gráfica, repertório, produção musical e arranjos.

A par de editarem artistas portugueses que consideravam ilustrativos de uma ideia de portugalidade e vanguarda musical - Sétima Legião, Anamar, Né Ladeiras, ou o máxi-single de Pedro Ayres Magalhães, intitulado “O Ocidente Infernal/Adeus Torre de Belém” -, a Fundação Atlântica prosseguiu uma estratégia de curadoria, investindo na edição de artistas estrangeiros relevantes no campo da música independente. O catálogo evocava tanto uma ideia de portugalidade, como apelava a referências musicais anglo-saxónicas mais em voga na altura. Embora se viesse a revelar economicamente insustentável, a Fundação Atlântica foi uma tentativa de transformação cultural a partir da música pop, que passou por implementar uma “política de autor”, decisiva para a afirmação da música independente em Portugal, mas que contribuiu também para banalizar alguns referentes associados à portugalidade, como o nome da editora indicava.

Animada pelo espírito “faça-você-mesmo”, a Fundação Atlântica foi determinante para a legitimação cultural dos que nela participaram e deu a conhecer o trabalho de parceria de Pedro Ayres Magalhães (compositor) e Miguel Esteves Cardoso (letrista), uma dupla prolífica no campo da edição musical nos anos 80, que gravou fonogramas com Manuela Moura Guedes, “Flor sonhada/Foram cardos foram prosas” (Single - Valentim de Carvalho, 1981); Né Ladeiras, “Alhur” (EP - EMI, 1982); Sétima Legião, “Glória” (Single - Fundação Atlântica, 1983); As Doce, “Esperança” (Single - Polygram, 1984). Um single que incluía o tema “Barquinho da Esperança”, que As Doce levaram ao Festival RTP da Canção de 1984, ano da sua última participação no evento, depois de terem ganho, em 1982, com o tema “Bem Bom” (Cardão, 2015).

Miguel Esteves Cardoso, popularmente conhecido como MEC, foi provavelmente o protagonista mais mediático da “nova cultura de direita” que emergiu nos anos 80 (Araújo, 2016, pp. 26-28). Afirmando-se monárquico e “conservador não por natureza, mas por convicção” (Cardoso, 1990b, p. XI), Miguel Esteves Cardoso foi fulcral para a afirmação e difusão de uma nova corrente nacionalista, que se caracterizaria por ser popular, idealmente sem abstrações e excessos líricos e mediada pelo humor. Opondo-se à ideia de orgulho nacional isolacionista e à idealização saudosista do passado, Miguel Esteves Cardoso introduzia um nacionalismo cosmopolita, indefinido sob o ponto de vista político, ainda que o autor se identificasse como sendo de direita, que incluía vária referências internacionais, mas que pretendia estar próximo de uma ideia portugalizada banal e comum.

Embora desenvolvesse uma atividade na área da investigação científica - a sua tese de doutoramento foi sobre a saudade, o sebastianismo e o Integralismo Lusitano, chegando a publicar em 1982 um artigo na Análise Social[15] -, foi a partir da crítica musical que Miguel Esteves Cardoso ganhou notoriedade. Escreveu para várias publicações, incluindo a Música & Som, O Jornal e o Se7e, onde publicou textos que referenciavam a música pop que se produzia no Reino Unido. Os textos de Miguel Esteves Cardoso sobre música foram posteriormente publicados no livro Escrítica Pop (1982), que deu início à sua carreira de autor com grande sucesso comercial. Nos diversos livros que publicou - Os Meus Problemas (1986), As Causas das Coisas (1988), As Minhas Aventuras na República Portuguesa (1990) -, abordou temáticas como a identidade nacional, a língua portuguesa e os usos e costumes portugueses, etc. Escreveu também para programas de humor - Hermanias (1984) ou Humor de Perdição (1988) -, campanhas publicitárias e, em 1987 e 1989, foi candidato independente pelo Partido Popular Monárquico (PPM) às eleições para o Parlamento Europeu, onde desenvolveu uma campanha inovadora, com tempos de antena que contaram com a participação de Paulo Portas e Pedro Ayres Magalhães.

A popularidade que Miguel Esteves Cardoso adquiriu enquanto crítico de música foi transversal a orientações políticas e as polémicas que veio a protagonizar no início dos anos 80 contribuíram para desorganizar algumas das dicotomias estabelecidas entre esquerda e direita. Designadamente a polémica com o jornalista António Duarte sobre a existência do “rock português”, ou a polémica com o então deputado do Partido Socialista, José Niza - músico e compositor, autor do tema “E depois do Adeus”, e diretor de Programas da RTP no final da década de 1970 -, sobre a chamada Lei da Rádio, que estabelecia um regime de proteção legal para a música cantada em português.

No início dos anos 80, assistiu-se à expansão do pop-rock cantado em língua portuguesa, houve um investimento generalizado na edição de fonogramas de intérpretes portugueses e o interesse manifestado por vários meios de comunicação de massa em divulgá-los. Em particular no Se7e, que foi uma “espécie de órgão oficioso desta nova música que se instala rapidamente no quotidiano de uma geração” (Dionísio, 1993, p. 328). Com efeito, o Se7e realizou uma cobertura detalhada sobre a emergência do “rock português”, tendo sido um dos principais responsáveis pela sua mediatização. Fê-lo inicialmente através de uma atitude crítica em relação a outros géneros musicais, como o disco-sound, um género relativamente invisível em Portugal, que desafiou a hegemonia do rock no final da década de 1970, e era normalmente considerado um género artificial e fútil.[16] Depois, através da seleção de uma discografia rock designada “de qualidade” para os leitores; receção e patrocínio das principais bandas de “rock português”. Através do lançamento de concursos, como o “Caça ao Rock”, que se destinava a descobrir novos talentos na área do rock. E através das diversas reportagens publicadas sobre o “rock português”. Uma das quais mencionava os nomes mais importantes do género em Portugal, incluindo intérpretes como Adelaide Ferreira, Salada de Frutas, Rui Veloso, UHF, GNR, Táxi, Trabalhadores do Comércio, deixando de fora os Heróis do Mar, que o jornalista António Duarte caracterizaria assim: “rock não, disco-militar sim”.[17] Os próprios Heróis do Mar recusavam ser associados ao rock, declaravam-se inclusivamente “anti-rock”, e preferiam ser descritos como banda pop, o que veio a proporcionar uma polémica sobre as diferenças entre o rock e o pop, que teve como pano de fundo entendimentos diferenciados sobre a modernidade musical.

Na mesma altura em que publicações especializadas, como o New Musical Express[18] , falavam do rock enquanto género do passado e jornalistas, como Paul Morley, proclamava as virtudes do “novo pop”, o Se7e apadrinhava o “rock português”, reconhecendo nele uma série de qualidades e denominadores comuns. A começar pela língua, entre outras características associadas historicamente ao género rock, como a autenticidade, espontaneidade, a proximidade a formas de contestação, denuncia e revolta (Grossberg, 1993; Frith, 2004). Sem referir que antes do chamado “boom do rock português” já tinha havido um movimento de rock em Portugal (Cardão, 2013), nem encetar uma reflexão crítica sobre o processo que conduziu à codificação de géneros musicais, como o rock, o Se7e encarregou-se de promover o “rock português”, que via como uma nova revolução:

Cantando tanto na rua como na rádio, o rock português instalou-se já no nosso quotidiano (…) Tudo isto expresso em palavras que agora todos entendem, falando de coisas que todos conhecem, que todos sentem. O I love you mal pronunciado foi agora substituído pelo “Olhó Robot” e o “Chico Fininho”. Esta é a grande revolução”.[19]

A emblematização do rock enquanto género adequado para articular as esperanças e os anseios da juventude, denúncia social, ou rejeição global do sistema, parecia realizar um prolongamento da política por outros meios, todavia sem se especificar de que modo o conteúdo político podia ser articulado, nem de que formas ele se revestia. A par da idealização política, que estabelecia uma função programática para o rock, semelhante à que tinha existido anteriormente para a canção de intervenção, ainda que elidisse que o rock estava igualmente inserido nos mecanismos da indústria fonográfica, o Se7e operava uma dignificação do “rock português” através de uma leitura em grande medida nacionalista.

A mediação nacionalista alicerçada aos interesses mercantis foi predominante na divulgação do “rock português”. Foi deste modo que a editora Valentim de Carvalho investiu na promoção dos seus artistas, dizendo a propósito do primeiro disco de Rui Veloso, “Ar de Rock” (LP - EMI/VC, 1980) - considerado o inventor do “rock português” e um modelo da sua pretensa especificidade -, “você continua a achar estúpido comprar discos portugueses”. Ou através do anúncio que mencionava: “1981 foi um ano bom para a música popular portuguesa, temos 50 boas razões para o afirmar”, identificando posteriormente os artistas portugueses que faziam parte do catálogo da editora.

Miguel Esteves Cardoso procurou problematizar a denominação “rock português”, dizendo que esta mobilizava um conjunto de generalizações nacionalistas, interpretações abusivas e que o género era pobre sob o ponto vista conceptual. Tendo como pretexto o álbum de estreia dos UHF, “À Flor da Pele” (LP - EMI/VC, 1981), que se inseria no género rock, Miguel Esteves Cardoso mencionava a artificialidade da categoria, criada por empresários e jornalistas, e as falsas expectativas que alimentava. Para Miguel Esteves Cardoso, a comparação dos UHF com outras bandas rock ser-lhes-ia favorável, mas a sua nacionalidade constituiria um obstáculo: “Atrevo-me a dizer que, caso tivessem nascido em Coventry ou Palo Alto, seriam bastantes bons” (Cardoso, 1990a, p. 322). Além de ironizar sobre o papel da mediação nacionalista, Miguel Esteves Cardoso mencionava a indigência formal do “rock português”: “julgam-se as canções pelas letras e fecham-se os olhos à confrangedora escassez de nobreza e invenção musicais” (Cardoso, 1990a, p. 323).

António Duarte, por seu turno, confiava no vigor do “rock português” e a prova empírica de que existia era porque era feito por portugueses: “Fácil. É Rock. É feito por portugueses - rock português”.[20] Esta correspondência banal evidenciava o papel da mediação nacionalista, à qual se acrescentava a determinação em apoiar o movimento, solicitando inclusive apoios oficiais. Acreditava-se que a sua publicitação conduziria a um processo de seleção natural, e que este se traduziria na profissionalização dos músicos.

António Duarte invetivava seguidamente Miguel Esteves Cardoso, sublinhando como este não tinha sido tão crítico quando se tratou dos Heróis do Mar, designadamente quando afirmou que estes produziam “canções portuguesas”. António Duarte criticava ainda a propensão para teorizar sobre o “rock português”, ou refletir sobre o género, dizendo que o mais importante era existirem músicos a tocar do que críticos a escrever sobre o assunto.

A polémica prosseguiu, com Miguel Esteves Cardoso a criticar as terminologias de António Duarte, e a separação que estabelecia entre cultura e divertimento, própria de quem se situaria à esquerda do espectro político. Depois justificou a sua predileção pelos Heróis do Mar, dizendo que estes faziam canções portuguesas porque estavam inseridos numa “tradição lírica portuguesa que facilmente se encontra em poetas como Afonso Lopes Vieira”.[21]

Embora procurasse ser mais elaborado a explicitar e diferenciar os géneros musicais, Miguel Esteves Cardoso também acabaria por reenviar o debate para o campo da identidade nacional, naturalizando a pretensa portugalidade dos Heróis do Mar. Ou seja, a desconstrução que Miguel Esteves Cardoso operava da categoria “rock português”, quer enquanto género, quer identificando o “nacionalismo banal” que caracterizava a sua mediação[22] , não acontecia quando abordava o género pop, nem quando referia bandas da sua predileção, como os Heróis do Mar. Estes, dizia, ofereciam um “contributo influente à dignidade da música portuguesa”[23] , em grande medida por causa da sua ousadia formal. Em relação às narrativas e imagens da banda que convocavam temas da identidade nacional estilizados por coreografias pop sofisticadas, Miguel Esteves Cardoso omitia o seu carácter construído, ignorando a sua semelhança formal com outras encenações produzidas por bandas pop internacionais, que partilhavam o mesmo género.

À incapacidade de António Duarte se distanciar das mitologias ligadas ao rock, e de as traduzir dentro do âmbito do nacionalismo banal, juntava-se a dificuldade de Miguel Esteves Cardoso discutir os artificialismos das convenções pop e, sobretudo, refletir sobre o modo como o nacionalismo (dos Heróis do Mar) também construía e inventava a identidade portuguesa. Ainda que nunca enunciassem o conceito, o nacionalismo foi o elemento discursivo central nesta disputa. Fosse de cariz banal, ou orgânico, ambos os intervenientes na polémica olhavam para a identidade nacional como algo aparentemente natural e inquestionável, apenas discordando dos elementos que ela podia acolher.

Para os seus promotores, o “rock português” satisfazia um desejo de autonomia cultural e autoestima nacional, além de ser um nicho comercial para os promotores de espetáculo e editoras. Nação e mercado foram elementos discursivos que voltaram a ser convocados nas discussões sobre a chamada Lei da Rádio, dando origem a uma nova polémica que teve a música popular como objeto, o que evidenciava a relevância do campo enquanto marcador de dissentimento e forma de ler a sociedade e a cultura em Portugal nos anos 80.

O deputado José Niza foi o autor da Lei de Proteção da Música Portuguesa em 1981 (Lei n.º 12/81), aprovada por unanimidade na Assembleia da República, que estabelecia um regime de proteção à música vocal ou instrumental de autores portugueses através da fixação de percentagens mínimas de tempo de emissão pelas estações emissoras de radiodifusão e radiotelevisão, que se traduzia na obrigação de transmitir 40 % de música portuguesa. A lei decorria do processo de integração europeia e pretendia ser um projeto de salvaguarda da “individualidade cultural” de cada estado-membro, que passava pela proteção da língua portuguesa, estímulo à criatividade musical, proteção dos intérpretes portugueses e o reforço da sua expressão económica. Em nome da especificidade portuguesa e da dinamização do mercado discográfico interno, a distribuição de música, que estava inserida em circuitos de produção e circulação globais, passava a ser organizada nacionalmente.

Miguel Esteves Cardoso criticou a nova Lei no artigo “Tangem as guitarras de Alcácer e Sebastião não aparece”, originalmente publicado no Jornal de Letras. Nele ridicularizava o “provincianismo tacanho” da Lei, dizendo: “O rock americano, em versão Arraiolos, debitado com uma embaraçante pronúncia, é nosso, beneficiaria dos 50 %. É a recuperação da nossa tresmalhada cultura nacional” (Cardoso, 1990a, p. 186). Ao posicionar-se contra a Lei, salientando o seu “pervertido nacionalismo”, Miguel Esteves Cardoso baralhava as associações habituais entre direita e nacionalismo, que tendiam a colocar a direita no âmbito das formas retrógradas e isolacionistas de nacionalismo. Ao protecionismo da Lei, e a sua submissão a um imperativo da nacionalidade, Miguel Esteves Cardoso contrapunha a liberdade de escolha do consumidor. Este argumento colocava-o como defensor da modernidade cosmopolita e fazia com que qualquer medida para travar a distribuição de música através de quotas ou outras barreiras alfandegárias fosse visto como culturalmente conservador, exclusivista e provinciano (Grazia, 2005, p. 8).

Os promotores da Lei acreditavam, por seu turno, que o estímulo à produção de “música nacional” se refletiria na crescente qualidade das bandas e intérpretes portugueses e, consequentemente, na sua profissionalização. José Niza estava convencido de que esta contribuiria para “uma melhoria significativa e progressiva do panorama da música portuguesa, isto é, da cultura e da própria língua portuguesa”.[24] Mencionando a colonização cultural de um país periférico como Portugal, José Niza afiançava que a nova Lei fortaleceria a identidade e a especificidade portuguesa, ainda que o fizesse independentemente da qualidade do artista e do género musical em que este se inseria. Prevalecia na Lei o princípio segundo o qual a música feita por instrumentistas, compositores ou interpretada por autores com cidadania portuguesa, obteria proteção legal.

No início dos anos 80, Miguel Esteves Cardoso personificou a emergência de um novo intelectual de direita com grande impacto mediático que podia ser simultaneamente, e seletivamente, conservador e nacionalista, sem deixar de ser cosmopolita e urbano. Cúmplice dos Heróis do Mar, ambos protagonizaram polémicas centrais para a redefinição e complexificação de conceitos como nacionalismo, ao mesmo tempo que contribuíram para afirmar intelectualmente a emergência de uma sensibilidade pop, até à data inexistente. Esta viria a ser central numa nova fase da carreira artística dos Heróis do Mar, que se distanciariam das temáticas marcadamente nacionalistas para passar a gravar temas pop, aparentemente banais, como “Amor” e “Paixão”.

“OS GUERREIROS TAMBÉM SE APAIXONAM”

Em 1982, os Heróis do Mar editaram o single “Amor”, o primeiro disco de platina em Portugal, com capa da autoria do artista Paulo Nozolino. Depois da crítica generalizada ao seu primeiro disco, os Heróis do Mar decidiram gravar um tema comercial, voltado para as pistas de dança, com o intuito de se libertarem definitivamente das acusações de “banda fascista”. Porém, esta decisão foi novamente criticada no semanário Se7e, por se entender que a banda estava a ceder às lógicas comerciais da indústria fonográfica e a traçar uma via simplista e inconsequente para defender a sua neutralidade política.

Quando a banda parecia ter abdicado da simbologia nacionalista e gravara um tema pop sem aparentes conotações políticas, voltava a ser confrontado com críticas, desta feita por causa das características pop do tema. Com sintetizadores analógicos e a influência da música de dança, o tema “Amor” pretendia afirmar as possibilidades da pop contra o convencionalismo do rock, quer em termos de sensibilidade, quer enquanto valor estético, não hesitando em privilegiar o afeto e o divertimento em vez de uma ideia de autenticidade. O objetivo era criar um tema que fosse simultaneamente agradável, estimulante e dançável, sem que essas características fossem consideradas menores ou descartáveis. Pretendia-se, no fundo, validar estética e culturalmente a música pop, autonomizando-a enquanto género, de modo a retirá-la das leituras pejorativas efetuadas por um jornalismo cultural que privilegiava mediatamente o “rock português” e tendia a equiparar a música pop ao entretenimento vazio.

À exceção das crónicas efetuadas por Miguel Esteves Cardoso, a receção crítica da música pop era praticamente inexistente. No Se7e, a música pop só era notícia quando uma banda pop conhecida visitava Portugal, como sucedeu com os Spandau Ballet, que atuaram ao vivo no programa “Febre de Sábado de Manhã” de Júlio Isidro. Nessa ocasião, Gary Kemp, o compositor da banda, foi entrevistado por António Duarte, que o confrontou com as suas opções políticas. António Duarte queria saber se os Spandau Ballet eram efetivamente neo-nazis, uma vez que o nome Spandau evocava o campos de concentração nazis e a banda tinha na capa do seu primeiro disco uma imagem de uma estátua de um atleta grego sem cabeça que, segundo António Duarte, se inspiraria nos Jogos Olímpicos de Berlim de 1936. Depois de rejeitar as associações ao nazismo, dizendo inclusive que era socialista e militante do Partido Trabalhista britânico, Gary Kemp foi confrontado com a estética pop da banda, desvalorizada por António Duarte, que a qualificava de superficial, fácil e assente sobretudo em imagens fortes e roupas extravagantes. Por fim, questionava-se se a música dos Spandau Ballet era “para dançar e não para pensar?”.[25]

Semelhante às críticas feitas aos Heróis do Mar, o guião da entrevista continha uma súmula das principais críticas feitas ao género pop pelo Se7e. Embora partissem de preconceitos ou julgamentos de gosto que eram partilhados pela crítica musical ligada ao rock, os detratores da música pop assumiam que este era um género irremediavelmente ligado à cultura comercial e, como tal, superficial, efémero, vocacionado para o entretenimento e caracterizado pela repetição exaustiva de fórmulas de sucesso que facilitariam a identificação do ouvinte. A divisão entre o rock e o pop estabeleceu-se historicamente através de categorias mutuamente exclusivas, com o rock a ser associado à seriedade, sinceridade, marginalidade e autenticidade, enquanto o pop era visto como um divertimento trivial e “inautêntico” (Frith, 1996, p. 71; Keightley, 2004, p. 128).

A edição do single “Amor”, que foi também editado em maxi-single exclusivamente destinado às pistas de dança, evidenciava o interesse dos Heróis do Mar em criar uma nova sensibilidade pop e fundar um espaço cultural alternativo que se norteava pela fruição e o hedonismo. A música era o veículo escolhido para concretizar esta tarefa e os espaços noturnos de diversão os lugares de eleição para performatizá-la. Não só o ritual de dançar nas discotecas fazia parte das sociabilidades dos membros da banda, como após o sucesso do tema “Amor”, que seria adotado por vários disc-jockeys e radialistas, esses espaços passaram a ser integrados nas digressões dos Heróis do Mar. A afirmação da vitalidade da música pop atribuir importância acrescida à dança, acreditando-se que esta podia representar uma experiência renovada de fruição para a juventude urbana, modificar hábitos e sociabilidades.

Destituída de solenidade, a afirmação de uma nova sensibilidade pop passava também por afrontar o jornalismo cultural dominante, visando especificamente aqueles que pretendiam publicar críticas informadas e pretensamente isentas.[26] À pedagogia e à postura doutrinária, ou iluminada, contrapunha-se o estilo descontraído e vagamente populista dos Heróis do Mar que, por exemplo, elogiavam artistas de música ligeira, como Marco Paulo: “Tem um sítio, e no que ele está a fazer é o melhor. Ele o Dino Meira. No que fazem são os melhores. Eu acho bom”.[27]

O sucesso do tema “Amor” projetou os Heróis do Mar para os palcos internacionais, a banda chegou a ser considerada a melhor banda europeia na revista inglesa The Face. A banda chegou a fazer a 1.ª parte de espetáculos de bandas como os King Crimson ou os Roxy Music. Desempenhando um papel central na gestão da sua carreira artística, as digressões internacionais evidenciaram a preocupação da banda com os aspetos coreográficos e cenográficos, onde a centralidade atribuída à portugalidade, o elemento diferenciador da banda, não era esquecida. Pedro Ayres Magalhães chegou a afirmar: “A música que nós fazemos não se envergonha ao pé da música de lado nenhum, só que não é igual ao que os outros fazem - é portuguesa”.[28]

Mesmo no terreno internacional da música pop, Pedro Ayres Magalhães parecia acreditar que a diferença fundamental dos Heróis do Mar advinha do facto de eles serem portugueses. Fosse uma crença banal na capacidade diferenciadora da identidade nacional, uma vontade deliberada em nacionalizar o género pop, ou inventar uma pop que espelhasse um ideário nacionalista, a afirmação de Pedro Ayres Magalhães confrontava-se com a imaginação internacional da pop e com a capacidade de os ouvintes exercerem individualmente os seus julgamentos e apropriações. Longe de ser um idioma que podia ser preenchido com vários conteúdos, reais ou imaginários, o género pop continha um conjunto circunscrito de convenções que lhe davam sentido. Ou seja, a “forma já continha o seu próprio conteúdo” (White, 1987, p. XI), e a sua eventual transformação não dependia de um ato de vontade, por mais voluntarioso que este fosse.

Ao contrário do que sugeria Pedro Ayres Magalhães, a identidade portuguesa não era um facto ou dado adquirido, nem resultava da consolidação e amadurecimento de um conjunto de marcadores culturais existentes num determinado território, mas antes uma construção que procedia à seleção e manipulação desses mesmos marcadores. Apesar de nunca ser declarada ou assumida, a seleção e manipulação dos referentes da portugalidade era evidente no videoclip do tema “Amor”, que constituía mais uma forma inovadora da banda promover o tema e criar um novo lugar para a imaginação nacional.

Após a criação da MTV (Music Television) em 1981 - que iniciou as suas emissões com a exibição do videoclip “Video killed the radio star”, dos Buggles, um título premonitório para um canal televisivo que veio a alterar o paradigma no campo da mediação e divulgação musical -, assistiu-se à crescente importância da produção de videoclips. Organizou-se inclusive o ciclo intitulado “Videoclips, Anos 80”, comissariado por Miguel Esteves Cardoso, no Centro de Arte Moderna da Gulbenkian em fevereiro de 1986, em que se exibiram vários videoclips internacionais, apresentados enquanto obras autónomas e não como suportes ou meios de divulgação de músicos ou intérpretes. Na segunda metade dos anos 80, os videoclips passaram a ser objeto de cobertura noticiosa e a ser recenseados nas principais publicações periódicas.

Autónomo da letra da canção, que contemplava a temática amorosa e repetia no refrão “o amor… não me mataste o desejo”, o videoclip continha várias sequências com monumentos históricos associados à portugalidade, nas quais o imaginário imperial parecia encontrar uma “expressão plena” (Bethencourt, 1999, p. 446).

Vestidos com roupas que tinham aspirações historicistas, os Heróis do Mar foram filmados junto de monumentos históricos, que serviam de cenário a uma performance musical que justapunha iconoclastia pop e ritual patriótico. Em vez de se encetar uma desconstrução da memória do império, ou distanciar-se criticamente das suas mitologias, a banda optava por celebrá-lo e estilizá-lo. Havia inclusivamente uma sequência com os membros da banda junto ao túmulo de Luís de Camões, com a mão sobre o peito, ensaiando uma espécie de homenagem patriótica ao representante máximo da epopeia portuguesa. Noutra sequência, os membros da banda transportavam bandeiras portuguesas que eram posteriormente lançadas, como se fossem dardos, para caírem junto ao mar.

Mais do que um simples instrumento que fazia parte da campanha promocional da banda, o videoclip inaugurava um novo espaço para performatizar a nação. Pela primeira vez um videoclip pop percorria os espaços simbólicos associados aos Descobrimentos e contribuía para reforçar a imaginação nacional. Contrariamente à noção estabelecida de que as imagens do videoclip devem constituir um prolongamento da letra da canção, ou sublinhar o seu conteúdo, os Heróis do Mar exploraram os limites desta correspondência, como se quisessem demonstrar que a forma visual era tão importante quanto o conteúdo. Ao autonomizar as imagens de outras determinantes, e deste modo construir uma narrativa visual sintética sobre a portugalidade, os Heróis do Mar estavam a sugerir que as imagens não eram inferiores às letras, nem à música que se ouvia e dançava. Através de uma nova narrativa visual, que era deliberadamente parcial e fragmentária, os Heróis do Mar renovavam e expandiam o papel da performance na música pop e ofereciam ao nacionalismo português uma representação visual pop até então inédita.

CONCLUSÃO

Os Heróis do Mar deixaram um lastro material de documentos (discos, adereços, performances, videoclips, práticas discursivas) fundamentais para a formação e difusão de uma nova representação da identidade portuguesa e a invenção e sustentação do nacionalismo pop. O carácter sistemático com que empreenderam uma revisitação apologética dos Descobrimentos portugueses colocou a banda como um dos principais agentes do nacionalismo português. A banda contribuiu para deslocar o debate sobre a identidade portuguesa dos discursos eruditos ou institucionais para o campo da cultura pop(ular), e ensaiou uma nova relação entre a história, nação e a música pop. A reinvenção do nacionalismo português dependeu de um processo contínuo de produção e reprodução da identidade nacional, e este passou igualmente pela música pop, com os os Heróis do Mar a contribuir para a construção de uma visão simultaneamente singular e contraditória da nacionalidade, que era composta por elementos instáveis, mas nem por isso menos eficazes para o reforço da imaginação nacional.

No seu idealismo e persistência, os Heróis do Mar quiseram criar um nacionalismo exemplar[29] , que teria continuidade no projeto Madredeus com a releitura de temas históricos conotados com a portugalidade[30] , nomeadamente a “saudade” (Leal, 2000b). Um idealismo que pressupunha uma correspondência entre a invenção da nação e a música pop, como se esta fosse uma realidade meramente local ou obedecesse aos preceitos de um ideário nacionalista.

Não obstante a insistência em estabelecer uma equivalência entre lugar, música pop e identidade nacional, atribuindo ao território e à cultura portuguesa o poder de determinar o sentido da sua música, os Heróis de Mar integravam-se num movimento pop global, partilhando códigos e rituais performativos com várias bandas internacionais, que à época desenvolviam igualmente exercícios de revisitação histórica e alegorias nacionais. Nesse sentido, a vontade de atribuir um sentido nacional à música diminuía a capacidade dos ouvintes se apropriarem dela, eventualmente para se aproximarem das principais tendências internacionais ou produzir subjetividades transnacionais. Por mais voluntarioso que fosse, o idealismo prescritivo da banda, e a vontade de inventar uma pop de matriz nacional, utilizava as convenções de um género musical que era global. A pretensão de reconfigurar o nacionalismo português a partir das práticas discursivas e performativas da música pop talvez tenha ignorado que este exercício de retrospeção histórica e imaginação nacional já estava inscrito no género musical em que a banda se inscrevia.[31]

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Recebido a 23-06-2017.

Aceite para publicação a 02-10-2018.

 

[1] V. o estudo pioneiro do historiador Luís Trindade (2015) sobre o papel do mar e da memória do império português na obra dos Heróis do Mar e de Fausto Bordalo Dias.

[2] António Avelar Pinho é músico e produtor. Foi membro fundador da Filarmónica Fraude (1967) e da Banda do Casaco (1973). Em 1980, entrou para o Departamento Nacional de Artistas e Repertório da Valentim de Carvalho e foi produtor de vários artistas portugueses, entre os quais os Heróis do Mar, Táxi, Rui Veloso, As Doce, Né Ladeiras, Tonicha, Herman José, etc.

[3] Sérgio Godinho, músico e intérprete, é autor de uma obra multifacetada e inclui no seu repertório temas que incidem sobre o amor, a crítica social, o quotidiano, etc. Em 1979, Sérgio Godinho gravou o tema “Os conquistadores”, incluído no fonograma “Campolide” (LP, Orfeu - 1979), cuja letra mencionava o carácter violento da colonização, nomeadamente as conversões culturais forçadas, referindo: “Com uma espada de madeira proferindo sentenças/ enterrada que ela foi no coração doutras crenças/ enterrada que ela foi, sua sombra era uma cruz/ exigindo aos que morriam que gritassem: Jesus!/ com um caixilho de madeira imortalizando o saque/ colorindo na vitória as armas brancas do ataque/ até que povos massacrados foram dizendo: Basta”. Não era a primeira vez que Sérgio Godinho abordava a temática colonial na sua obra, antes já havia gravado o tema “Os demónios de Alcácer Quibir”, incluindo no álbum “De pequenino se torce o destino” (LP, Diapasão - 1977).

[4] Vitorino, músico e intérprete, pautou a sua carreira por conjugar textos engajados sob o ponto vista político com arranjos musicais feitos a partir da música tradicional do Alentejo. Em 1983, Vitorino gravou o tema “A Queda do Império”, incluído no fonograma “Flor de la Mar” (LP, EMI-VC, 1983), no qual alude ao papel da escravatura durante o colonialismo: “Pátria de negreiros/ vive e foge a morte”.

[5] Fausto, músico e intérprete, combinou na sua obra a crítica social com alusões a episódios da História de Portugal, sobretudo dos Descobrimentos, e encetou um processo de estilização de géneros musicais tradicionais. Em 1982, Fausto gravou o álbum “Por este rio acima” (LP, Triângulo - 1982), inspirado na obra de Fernão Mendes Pinto, “Peregrinação” (Trindade, 2015).

[6] Em março de 1978 instaurou-se oficialmente o 25 de Abril como Dia da Liberdade e o 10 de Junho como Dia de Portugal e das Comunidades. Fernando Namora foi o orador convidado do Dia de Portugal de 1978, no qual afirmou: “Ser português, vitalmente português, pertencer a um padrão humano específico, mas que não se fecha sobre si próprio é, quanto a mim, ser universalista (…). Não fizemos apenas a nossa história, fomos dos povos que fizemos também a história do mundo”, Diário de Lisboa, 12 de junho 1978, p. 8.

[7] António Duarte (entrevista) “Heróis do Mar. Uma banda fascista?”, Se7e, 18-11-1981, p. 20.

[8] Ibidem.

[9] Belino Costa, “Os Heróis também se apaixonam”, Se7e, 18-08-1982, p. 10.

[10] Fundada em 1977, a revista Música & Som era propriedade da editora Diagrama e teve como diretor António L. Mendonça e Bernardo Brito e Cunha como redator principal. A partir do n.º 113 a revista passou a chamar-se Vídeo, Música & Som e deixou de se publicar em 1987.

[11] Trindade Santos, “Mais vale andar no mar alto”, Música & Som, fevereiro de 1982, s/p.

[12] Os estudos internacionais sobre o nacionalismo só surgiram na década de 1980 com a publicação de obras como: Imagined communities (Anderson, 1983); Nations and nationalism (Gellner, 1983); The Invention of Tradition (Hobsbawm, Ranger, orgs., 1983); State and Nation in the Third World: the Western State and African nationalism (Smith,1983); Lieux de mémoire (Pierre Nora, org., 1984-1992); e The Ethnic Origins of Nations (Smith, 1986).

[13] Trindade Santos, “Mais vale andar no mar alto”, Música & Som, fevereiro de 1982, s/p.

[14] Ibidem.

[15] “Misticismo e ideologia no contexto cultural português: a saudade, o sebastianismo e o integralismo lusitano”. Análise Social, 72-73-74, XVIII (3.°-4.°-5.°), pp. 1399-1408.

[16] V., por exemplo, o artigo S/a, “A cultura contra o som da moda”, Se7e, 18-07-1979, p. 8.

[17] António Duarte (entrevista) “Heróis do Mar. Uma banda fascista?”, Se7e, 18-11-1981, p. 20.

[18] Miguel Esteves Cardoso chegou a escrever um artigo sobre a importância do jornalismo musical de publicações como o New Musical Express, intitulado “Sem o NME o pop não teria pop”, Se7e, 29-04-1981, p. 18.

[19] S/a, “Rock português”, Se7e, 24-06-1981, p. 17.

[20] António Duarte, “Rock português. Vive e deixa viver”, Se7e, 17-11-1982, p. 14.

[21] Miguel Esteves Cardoso, “Rock português não morre. Deixa-se morrer”, Se7e, 17-11-1982, p. 14.

[22] Segundo Michael Billig, “O nacionalismo banal opera com palavras prosaicas e rotineiras, que encaram a nação como um dado adquirido, e que, ao fazê-lo, habitam-nas. Pequenas palavras, em vez de frases memoráveis, que oferecem lembretes constantes, mas pouco conscientes, da terra natal, tornando a ‘nossa’ identidade nacional inesquecível” (Billig, 1991, p. 93).

[23] Miguel Esteves Cardoso, “Rock português não morre. Deixa-se morrer”, Se7e, 17-11-1982, p. 14.

[24] José Niza, “Da quantidade surgirá a qualidade”, Se7e, 03-06-1981, p. 8.

[25] António Duarte (entrevista a Gary Kemp), “Claro que não somos neo-nazis”, Se7e, 08-07-1981, p. 21.

[26] Procurando confrontar os defeitos do jornalismo musical, Miguel Esteves Cardoso referia: “em pop uma opinião vale tanto como outra. O mais que se pode pedir é que esteja bem expressa, e divirta um pouco, exaspere um pouco, estimule um pouco quem a lê” (Cardoso, 1990a, p. 16).

[27] Manuela Paraíso, “Por mares nunca dantes navegados”, Música & Som, novembro/dezembro, 1982, p. 16.

[28] Idem, p. 14.

[29] À posteriori, os Heróis do Mar fizeram uma releitura triunfalista da sua carreira artística, afirmando o seu pioneirismo na apresentação e celebração de temas da identidade portuguesa. V., por exemplo, os programas televisivos da autoria de José Carlos Araújo, “Os 30 anos da edição do single Amor”, TVI24, 30-06-2012. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=P1FToXtqBa0 (Consultado em maio de 2017); Aurélio Gomes, “Baseado numa história verídica” (entrevista a Pedro Ayres de Magalhães), Canal Q, 23-07-2012, Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=nUjskPb0ubQ (Consultado em maio de 2017). Ver igualmente o documentário realizado por José Francisco Pinheiro e Jorge Pereirinha Pires “Brava Dança” (Filmes do Tejo, 2007). Numa entrevista publicada no jornal Blitz, Pedro Ayres de Magalhães disse, inclusivamente, que o tempo havia dado razão à banda: “Naquela altura, tudo o que preconizávamos veio a acontecer: a cultura sobre a coisa portuguesa, de que era proibido falar; a comida, o vinho, o entretenimento, o cinema português, a imagem de Portugal, a música em Portugal (…).

A relação com o passado colonial, com os PALOPs, a Lusofonia. A música africana em Lisboa. Isso era a nossa guerra, num momento em que a mentalidade dominante era a do internacionalismo sem fronteiras”, Lia Pereira, “Como os Heróis do Mar ajudaram a construir um Portugal”, Blitz, fevereiro de 2013. Disponível em http://blitz.sapo.pt/principal/update/2017-03-05-Como-os-Herois-do-Mar-ajudaram-a-construir-um-Portugal-novo (Consultado em maio de 2017).

[30] Os Madredeus são um agrupamento musical criado em 1986 por Pedro Ayres Magalhães (viola) e Rodrigo Leão (sintetizadores), Teresa Salgueiro (voz), Gabriel Gomes (acordeão), Francisco Ribeiro (violoncelo). Fundadores de um estilo musical assente maioritariamente em instrumentos acústicos, os Madredeus construíram um universo narrativo e performativo perfilhando um ideal de portugalidade ancestral através da evocação de valores e sentimentos conotados com a ruralidade, saudade, fatalismo, patriotismo.

[31] O artigo foi desenvolvido no âmbito das atividades de investigação avançada do Projeto UID/ELT/00509/2013, no Grupo CITCOM do Centro de Estudos Comparatistas da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

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