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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.237 Lisboa dez. 2020  Epub 31-Dez-2020

https://doi.org/10.31447/as00032573.2020237.04 

Arigos

A produção de identidades de género e de classe em dois casinos portugueses: o caso das barmaids e das pagadoras de banca

The production of gender and class identities in two Portuguese casinos: the case of barmaids and croupiers

João Nicolau Gomes1  2 
http://orcid.org/0000-0002-3954-1977

1Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Av. Professor Aníbal de Bettencourt, 9 - 1600-189 Lisboa, Portugal. joao.nicolau.gomes@gmail.com.

2Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal.


Resumo

A produção de identidades de género e de classe em dois casinos portugueses: o caso das barmaids e das pagadoras de banca. Ser mulher no universo laboral dos casinos analisados implica a performance de diferentes imaginários relacionados com a feminilidade apropriada. O que define a adequação de um determinado tipo de feminilidade é a natureza das funções exercidas e a posição relacional dessas funções na estrutura hierárquica da organização. Este artigo, baseado numa investigação etnográfica, tem como objetivo analisar o contraste entre as performances de género das barmaids e das pagadoras de banca no processo de trabalho de dois casinos portugueses. Segue-se uma linha teórica feminista, assente nos contributos relacionados com os fenómenos da interseccionalidade. Conclui-se que a distinção entre as performances de género das duas funções se relaciona intimamente com a categoria de classe social.

Palavras-chave: género; trabalho; casinos; classe social.

Abstract

Being a woman employed in the world of casinos implies the performance of different imaginaries related to “appropriate” femininity. What defines the appropriateness of a certain type of femininity is the nature of the functions performed and where those functions stand in the hierarchical structure of the organization. Based on an ethnographic investigation, this article analyzes the contrast between the gender performances of barmaids and croupiers in two Portuguese casinos. We follow a feminist theoretical line based on intersectionality, and conclude that the distinction between the gender performances of the two functions is closely related to social class.

Keywords: gender; labour; casinos; social class.

Introdução

O trabalho não é apenas um fator de produção ou uma atividade produtiva, mas também um dos principais mecanismos de criação e reprodução de desigualdades sociais e económicas. 1 As mulheres, enquanto grupo social sujeito a uma posição estrutural de subordinação e dominação no mercado de trabalho, experienciam várias formas de discriminação e objetificação que as colocam numa situação de desvantagem no acesso a carreiras profissionais estáveis, a níveis de retribuição salarial elevados, com boas perspetivas de progressão profissional e forte representação sindical. A nova morfologia do trabalho (Antunes, 2013), na era da acumulação flexível (Harvey, 1989), é caracterizada pela precariedade, flexibilidade, baixos salários, elevada intensidade de trabalho, ausência de suporte sindical e elevados índices de feminização (Adkins, 1992, 1995; Antunes e Braga, 2009; Matos, Domingues e Kumar, 2011). O patriarcado e o capitalismo funcionam como um todo integrado, conjugando esforços na formação de guetos ocupacionais (Goffee e Scase, 1995), que perpetuam assimetrias de género e de classe (Walby, 1991). Tanto um como o outro participam ativamente na definição das relações de produção - ou seja, nas relações assimétricas entre capital e trabalho - e das relações na produção (Burawoy, 1985) - isto é, nas relações entre as diversas categorias profissionais, também elas assimétricas, dada a colocação diferencial das várias categorias profissionais numa escala e hierarquia de privilégio no interior da organização. O carácter dual do mercado de trabalho, ou seja, a constituição do mesmo em torno de uma tipificação dualista da força de trabalho, composta por trabalhadores periféricos e centrais (Doeringer e Piore, 1971), tende a reforçar essas assimetrias de classe e de género. Enquanto os trabalhadores periféricos são um agrupamento numeroso, normalmente alocado a ocupações de “trabalho--intensivo” e sujeito às novas condições de precariedade laboral, como a ausência de perspetivas de progressão na carreira, elevadas taxas de rotatividade profissional e baixos salários, os trabalhadores centrais constituem um grupo mais reduzido, gozando de alguns benefícios sociais e económicos, como estabilidade laboral, elevadas remunerações e diversificada oferta associativa e sindical. Os grupos étnicos minoritários e as mulheres vão reforçar, tendencialmente, o enorme contingente da força de trabalho periférica (Pollert, 1981, 1988; Walby, 1991; Sturdy, Grugulis e Willmott, 2001; Friedman, 1977). São também as mulheres que mais frequentemente estão alocadas a funções no setor dos serviços (Casaca, 2012; Macdonald e Korczynski, 2008; Hochschild, 2003; Berheide, 1988). Segundo Acker (1990), o recrutamento e a alocação de trabalhadores/as a diferentes funções produtivas, detentoras de diferentes formas de capital simbólico e económico (Bourdieu, 2018), apresenta uma íntima relação com as distinções de género. Assim, a interseccionalidade entre classe e género é ativamente produzida no processo e na organização do trabalho (Macdonald e Merrill, 2008; Collins e Andersen, 2015; Collins e Bilge, 2016). As empresas utilizam os estereótipos sociais e culturais para racionalizar essas distinções de género (Acker, 1990). Os estereótipos relacionados com o “servilismo natural” do género feminino, ou seja, a sua suposta maior predisposição para o relacionamento interpessoal, amabilidade, simpatia e disponibilidade, asseguram a alocação das mulheres a categorias profissionais que garantem não só uma menor retribuição económica, como também uma reduzida gratificação simbólica. As profissões desprestigiantes (como as funções das limpezas ou do atendimento ao público) são então constituídas, maioritariamente, por profissionais do género feminino. Este facto tem como consequência a maior sujeição das mulheres às exigências do trabalho estético/emocional (Hochschild, 2003; Casaca, 2012). Este tipo de trabalho é caracterizado não só pelos elevados índices de precariedade laboral, como também pela maior importância atribuída às competências pessoais e sociais dos novos/as colaboradores/as. As competências técnicas (hard skills) são então substituídas pelas competências sociais (soft skills), isto é, pelas capacidades de relacionamento interpessoal, simpatia e boa apresentação (Matos, 2015; Casaca, 2012), que são já lugares-comuns nos anúncios de emprego no setor dos serviços e do atendimento ao público. A importância atribuída à figura do cliente reforça este paradigma, em que os novos colaboradores devem adaptar as suas emoções e os seus corpos à imagem e valores prescritos pela organização (Hochschild, 2003; Casaca, 2012; Macdonald e Korczynski, 2008; Wolkowitz, 2006). Estes novos profissionais fazem parte da paisagem organizacional (Pettinger, 2004), isto é, da paisagem arquitetónica e imagética que é construída para apelar, atrair e reter novos e habituais clientes. Estas exigências requerem dos novos colaboradores a materialização ou, pelo menos, a aproximação a certas imagens ideais acerca do corpo feminino/masculino, do vestuário apropriado e da postura e habitus (Bourdieu, 2010) apresentados.

Ser mulher nos casinos analisados neste artigo significa, muito provavelmente, ser barmaid (empregada de mesa), ser precária e periférica, possuir uma retribuição salarial inferior às restantes categorias profissionais, trabalhar a um ritmo elevado, não possuir representação sindical adequada, estar alocada a funções desprestigiantes, estar sujeita às exigências típicas do trabalho estético e emocional, nomeadamente às exigências de apresentação e higiene que não incidem, com a mesma intensidade, sobre as categorias profissionais, normalmente dominadas ou hegemonizadas pelos homens. No entanto, existem algumas trabalhadoras, embora ainda em número reduzido, colocadas em posições detentoras de maior capital económico e simbólico. As pagadoras de banca2 são profissionais centrais para a organização, detêm um vínculo contratual estável e rendimentos superiores às restantes funções operacionais dos casinos. Embora os níveis de sindicalização continuem a ser baixos nestas categorias profissionais, existe uma diversificada oferta associativa que negoceia, inclusivamente, Acordos de Empresa (ae), garantindo condições de trabalho e benefícios laborais mais apelativos que aqueles consagrados na lei geral do trabalho. Apesar de permanecerem numa posição subordinada na estrutura hierárquica da empresa, possuem uma posição de privilégio em relação a outras categorias profissionais menos relevantes para o core business da organização: o jogo. A estas diferentes funções (barmaids e pagadoras de banca) são exigidas diferentes performances de género. Daí que o trabalho estético e emocional, embora não seja totalmente descuidado nesta última categoria profissional, não se apresente como elemento preponderante no recrutamento e na experiência laboral destas profissionais. Diferentes funções, com condições de trabalho e representações sociais e simbólicas assimétricas, exigem diferentes performances de género. À função de barmaid exige-se uma performance mais sexualizada da sua feminilidade e, concretamente, mais heterossexualizada. Ou seja, a funções tipicamente associadas a classes baixas, exige-se a performance de uma identidade de género também ela, normalmente, associada a grupos sociais subordinados, isto é, uma performance de género considerada mais promíscua e obscena (Ortner, 2006). Por outro lado, à função de pagadoras de banca, uma categoria profissional mais prestigiante e detentora de maior capital económico, requer-se, pelo contrário, a sobriedade e a respeitabilidade tão associadas às práticas e valores de classe média (Ortner, 2006). O trabalho produz identidades sociais e subjetividades (Yelvington, 1995; Ong, 1987; Kondo, 1990) e, neste caso específico, identidades e subjetividades de género e de classe. Será o contraste entre estas duas categorias profissionais que será o foco de descrição e análise nos capítulos subsequentes.

Metodologia

Observação participante

Quando, em junho de 2017, iniciei o trabalho de campo para o meu projeto de doutoramento denominado O Trabalho nos Casinos em Portugal, tinha como foco analítico a profissão de pagador de banca. Estabeleci, imediatamente, que utilizaria o método da etnografia e a técnica da observação participante para a recolha dos dados no terreno. A principal vantagem deste método de pesquisa consiste na conjugação da distância e da familiaridade, obrigando o investigador a uma “imersão” prolongada no terreno de pesquisa, a uma implicação direta com a sua população-alvo e a um envolvimento prático e emocional nas suas rotinas, hábitos, comportamentos e representações (Eckert e Rocha, 2008). A observação participante obriga o investigador a participar como “membro do grupo observado” (Robson, 2002, p. 314). Ao mesmo tempo, exige a revisão crítica dos dados recolhidos e a imparcialidade da sua exposição. Investigar é, simultaneamente, experienciar e representar a vida social que observamos no terreno (Emerson et al., 2001). No entanto, a minha integração no universo laboral dos casinos não me permitia experienciar, em primeira mão, o quotidiano e as experiências de trabalho dos pagadores de banca, nem “submergir”, de forma prolongada, nas suas mundividências e habitus profissionais. Quando acedi ao meu terreno de pesquisa, integrando a categoria profissional de contínuo de um dos casinos mais conceituados a nível nacional3, por um período de 4 meses (entre junho e setembro de 2017), percebi que a minha função apenas me permitia observar à distância a função de pagador. Assim, a técnica da observação participante, que havia delineado inicialmente, ficaria reduzida a uma mera “participação moderada” (Spradley, 1980) ou “periférica” (Adler e Adler, 1987), instância em que o investigador não se integra completamente na população em foco. Se, por um lado, esta função me permitia “estar lá” (Geertz, 1988), implicar-me no contexto de estudo como membro das equipas de trabalho do casino, por outro, obrigava-me a permanecer fora da categoria de pagador, não participar no seu trabalho, experiências, representações e sociabilidades. Não participar de forma “direta” ou “ativa” (Adler e Adler, 1987) na experiência de trabalho dos pagadores, não sentir “na pele” as suas frustrações e constrangimentos, as suas alegrias e motivações, implicava repensar o meu terreno e o meu foco. A função de auxiliar de banca (ou contínuo) constitui uma categoria profissional periférica e desprestigiada na estrutura organizacional dos casinos e a observação participante é uma técnica de investigação que depende, em grande medida, da posição a partir da qual nos inserimos no terreno (Bourdieu, 2003a) e, por consequência, da relação que estabelecemos com os diversos agentes no campo (Eckert e Rocha, 2008; Clifford e Marcus, 1986). A minha integração como contínuo influenciou, decisivamente, as minhas perspetivas, as minhas relações com as diversas categorias profissionais, e os próprios caminhos da investigação. Por estes motivos, a pesquisa etnográfica obriga a um questionamento crítico do “ponto de vista quase-divino” (Bourdieu e Wacquant, 1992, p. 254) do investigador. Obriga a desconstruir a suposta objetividade e imparcialidade da pesquisa científica e a admitir que as suas interpretações dependem, em grande medida, da posição do investigador no campo académico, da sua inserção no terreno e das relações sociais que estabelece com os interlocutores no campo (Bourdieu, 2003a). Tal não significa, no entanto, que a pesquisa qualitativa e etnográfica não possua validade científica. Como assinalava Bourdieu (2003a), as experiências pessoais, sujeitas ao controlo sociológico, constituem um recurso analítico insubstituível. Mas esse controlo sociológico (ou antropológico) consiste em virar a antropologia contra si mesma (Bourdieu, 2003a), ou seja, escrutinar antropologicamente o próprio investigador. Esta “objetivação participante” (Bourdieu, 2003a, p. 282) permite ao investigador refletir sobre as “condições sociais de possibilidade” da experiência etnográfica e “objetivar a relação subjetiva com o objeto”. Assim, as minhas visões e interpretações acerca do trabalho nos casinos foram altamente influenciadas pelas “condições sociais de possibilidade” inerentes à posição que vim a ocupar no terreno. Ser contínuo nos casinos é ocupar uma posição material e simbolicamente desprestigiada em relação, não apenas aos órgãos de gestão e direção das empresas, mas, igualmente, em relação às restantes categorias profissionais. Integrar esta função e partilhar, com os meus colegas mais próximos, uma mesma posição na estrutura hierárquica e organizacional dos casinos, participar no contexto de subordinação social e laboral a que esta categoria profissional está sujeita, implicou, igualmente, um envolvimento emocional com o terreno e com os meus interlocutores (Davies e Spencer, 2010). Por estes motivos, decorridas algumas semanas de trabalho de campo, reformulei o meu projeto. Afinal, a minha integração no terreno como contínuo era uma vantagem, não um problema. Em detrimento de uma análise exclusivamente focada na função de pagador de banca, procurava agora analisar as relações laborais entre as diversas categorias profissionais. Em detrimento de um estudo sobre os pontos (ou um ponto) no mapa, procurava agora investigar as linhas, sempre em movimento, que interligavam esses pontos.4 O curso de pagador de banca, frequentado entre outubro de 2018 e março de 2019, já não constituía o elemento mais relevante do meu trabalho de campo, o principal ponto de acesso à função de pagador, mas um complemento à pesquisa etnográfica já realizada, uma janela que me permitia observar a função de pagador, as suas competências ocupacionais e a forma como ela era simbólica e materialmente estruturada em relação às restantes categorias profissionais.5

Entrevistas semi-estruturadas e amostra

Como complemento à observação participante, realizei, entre fevereiro e outubro de 2018, 43 entrevistas semi-estruturadas a 37 interlocutores inseridos no universo laboral de dois casinos pertencentes à mesma concessionária.6 Foram ainda entrevistados dois pagadores de banca de outros dois casinos portugueses e um dirigente sindical do setor da hotelaria e do turismo.7 Esta fonte de recolha de dados possui, inquestionavelmente, enorme relevância científica. No entanto, devem ser mantidas algumas reservas relativamente à sua representatividade, dado que elas funcionam, neste artigo, como mero complemento a uma pesquisa etnográfica em profundidade. Tendo seguido a técnica da “bola de neve”, os contactos que foram surgindo dependeram daqueles que já existiam previamente e que, portanto, partilhavam alguma familiaridade com os interlocutores já entrevistados. Estas entrevistas foram realizadas segundo guiões elaborados para cada uma das categorias profissionais entrevistadas. No entanto, muitas questões eram comuns a todos os guiões, como as relativas ao recrutamento, ao processo laboral e às relações com colegas, jogadores e chefias. Estes foram elaborados de acordo com as observações e dados recolhidos no primeiro momento de observação participante. A análise dos dados recolhidos nas entrevistas, tendo sido temática, focou os elementos que mais recorrentemente foram surgindo, explícita ou implicitamente, nas respostas dos entrevistados. Destes 40 interlocutores:

  1. 1. Quatro pertenciam à direção de jogo ou de recursos humanos;

  2. 2. Um era dirigente sindical do setor da hotelaria e do turismo;8

  3. 3. Seis eram ex-trabalhadores ou reformados: a) Quatro pagadores de banca; b) Um fiscal de banca; c) Um administrativo.

  4. 4. Vinte eram pagadores de banca;

  5. 5. Dois eram fiscais de banca;

  6. 6. Um era caixa;

  7. 7. Três trabalhavam na sala de máquinas automáticas (slot machines);

  8. 8. Um trabalhava no departamento de CCTV (Circuito Fechado de Televisão);

  9. 9. Um era empregado do CRD (Centro de Recolha de Dados);

  10. 10. Uma era empregada de mesa.9

Na figura 1 podemos observar a distribuição dos interlocutores por categoria profissional e por género. Os pagadores de banca revelam, desde logo, um maior peso na amostra, o que é explicado pela própria dimensão destas equipas de trabalho nos casinos estudados10 (ver também nota 9). Assim, dos 39 entrevistados (exceptua-se aqui o dirigente sindical que, profissionalmente, não está ligado aos casinos), 24 são pagadores de banca (incluindo os 4 reformados). Destes 24 pagadores entrevistados, 8 são mulheres e 16 são homens. Nenhum dos reformados é do género feminino. Como podemos observar na figura 1, das restantes categorias profissionais entrevistadas, apenas as empregadas de mesa encontram representação feminina, o que informa acerca da constituição desta profissão como um gueto ocupacional, por um lado, e da ausência de mulheres em cargos de chefia e direção, por outro.

Figura 1 Distribuição da amostra por categoria profissional e género 

Relativamente às faixas etárias representadas na amostra (exceptuando os quatro membros da direção e o dirigente sindical), observamos, na figura 2, que a maioria dos entrevistados se encontra entre os 40 e os 49 anos de idade (12 trabalhadores, 34% da amostra) e aqueles com menor peso quantitativo têm menos de 40 anos (7 trabalhadores, 20% da amostra). Tal como os homens, as mulheres encontram-se mais representadas na faixa etária dos 40-49 anos (6 trabalhadoras). Apenas uma se situa na faixa dos 50-59, e duas enquadram-se na categoria dos 40 e menos anos de idade. A média de idades dos entrevistados é de 50,4 anos, sendo que a média de idade das mulheres é de 41,6 anos e a dos homens de 53,4. Estes dados apontam, em primeiro lugar, para uma maior preponderância das mulheres nas categorias etárias mais jovens e, por outro, para uma maior antiguidade dos homens. Resultados que, em conjunto com a informação relativa à ausência de mulheres reformadas ou em cargos de chefia/direção, demonstram que a integração das mulheres no universo laboral dos casinos é mais recente que a dos homens.

Na figura 1 já tivemos a oportunidade de observar a desproporção entre o peso relativo dos homens e das mulheres na amostra. A figura 3 permite analisar essa distribuição em percentagem. Em 39 interlocutores entrevistados (exceptua-se o dirigente sindical), 30 são homens (78%) e 9 são mulheres (22%).

Por outro lado, a figura 4 permite-nos verificar a sindicalização consoante o género dos interlocutores. Observamos que em 9 mulheres, 6 não são sindicalizadas. Ou seja, 66,6% das mulheres entrevistadas não se encontram filiadas em nenhum dos organismos sindicais existentes nos casinos. Por outro lado, em 25 homens (exceptuando os membros dos órgãos de direção e o dirigente sindical), 17 são sindicalizados, o que significa 68% dos homens entrevistados.11

Figura 2 Distribuição dos entrevistados por faixas etárias 

Figura 3 Proporções da amostra por género 

Figura 4 Sindicalização por género 

Estes dados apontam para uma maior taxa de sindicalização masculina em relação à feminina, o que demonstra a existência de fatores históricos e estruturais de resistência à inserção das mulheres no mundo associativo, ou mesmo ao facto de as mulheres se encontrarem mais representadas em faixas etárias mais jovens, por sinal, a categoria etária com menor filiação sindical (Figura 5).

Figura 5 Sindicalização por faixas etárias 

Por fim, a figura 6 permite-nos analisar as relações entre género e habilitações literárias. Observa-se que, num total de 35 trabalhadores entrevistados (exceptuando daqui os indivíduos representantes dos cargos de direção do casino e o dirigente sindical), 14 (40%) possuem o ensino secundário, 2 (5,7%) o bacharelato e 11 (31,4%) a licenciatura. Estes dados permitem verificar, igualmente, que as mulheres concentram a sua representatividade nestas três categorias, enquanto os homens, apesar de se encontrarem em maior número nestas últimas, também marcam presença nas restantes (1.º, 2.º e 3.º ciclo). Ao mesmo tempo, observamos que num total de 9 mulheres, 5 possuem uma licenciatura ou bacharelato, ou seja, 55,5% das mulheres da amostra têm um diploma de ensino superior. Por sua vez, apenas 8 em 26 homens possuem as mesmas habilitações literárias, ou seja, 30,76%. Possivelmente, este facto relaciona-se com a idade das mulheres da amostra, em média, mais jovens do que os homens.

Como vamos observar nas próximas secções, a maior escolaridade das mulheres não contraria as assimetrias sociais que estruturam o seu recrutamento e progressão profissional nos casinos. Não obstante os seus diplomas escolares, os casinos produzem e reproduzem a sua constante periferização.

Figura 6 Habilitações literárias por género 

A centralidade dos homens e a periferização das mulheres

Os casinos representam ainda universos laborais bastante masculinizados e de reduzida diversidade étnica e racial. Desta forma, não surpreende que as mulheres representem ainda um contingente reduzido da força de trabalho central. Tal centralidade implicaria, para estas trabalhadoras, vínculos diretos com as empresas concessionárias, melhores rendimentos, representação sindical, estabilidade laboral, entre outros benefícios. A categoria profissional dos pagadores de banca, por exemplo, está abrangida por um ae que vigora desde 2017 e que lhes garante um contrato de trabalho estável e rendimentos acima da média nacional.12 Estes profissionais são também representados por diversas estruturas sindicais que possuem, ainda, um relativo poder negocial. Mas, nos dois casinos analisados, as trabalhadoras estão em franca minoria, ou seja, existe uma periferização das mulheres nas categorias profissionais centrais. Essa periferização assume a seguinte forma:

  1. 1 A única mulher presente na administração dos dois casinos é familiar do acionista maioritário;

  2. 2 As mulheres não encontram representação nas respetivas direções de jogo;

  3. 3 No casino onde exerci a atividade de contínuo durante 4 meses, não existe qualquer chefe operacional do género feminino (entre fiscais chefes, chefes adjuntos e chefes de sala de partida). A única funcionária com alguma autoridade na estrutura hierárquica da empresa ocupa a função de chefe no departamento das caixas, que representa, ­apesar de tudo, um departamento subordinado e periférico em relação a outras categorias profissionais;

  4. 4 Nos dois casinos analisados, as pagadoras de banca representam cerca de 30-50 profissionais (15%-25%) numa força de trabalho composta por quase 200 trabalhadores. Noutros casinos portugueses, a assimetria é ainda mais acentuada. Por exemplo, um dos casinos a norte do país emprega 3 pagadoras de banca num universo de cerca de 100 trabalhadores da mesma categoria profissional;

  5. 5 Recentemente, no casino onde decorreu o meu trabalho de campo, foram promovidos 15 pagadores para o cargo de fiscal de banca. Apenas uma mulher foi promovida.

Esta imparidade sexual, evidente nas categorias profissionais centrais dos casinos, é resultado de um percurso histórico muito particular. Antes do 25 de Abril de 1974, a entrada das mulheres casadas nos casinos, para jogar, estava dependente da presença ou autorização escrita do respetivo cônjuge (Decreto--lei n.º 41562 de 18 de março de 1958, art.º 23.º, n.º 3). O acesso às profissões do setor do jogo estava-lhes, igualmente, vedado. Em 1960, o Regulamento da Carteira Profissional dos Empregados de Banca nos Casinos (Portaria n.º 17969, Diário do Governo n.º 222/1960, Série i, de 23 de setembro), formaliza aquilo que era já uma prática incontestada. Segundo o artigo 3.º do capítulo II desse regulamento: “O ingresso na profissão só é permitido a indivíduos do sexo masculino, com idades compreendidas entre os 25 e 35 anos, que tenham bom comportamento moral e civil” (Portaria n.º 17969, Diário do Governo n.º 222/1960, Série I de 23 de setembro, p. 2074). Apesar desta norma já não constar do regulamento da carteira profissional dos empregados de banca nos casinos de 1973 (inBoletim do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, ano xl, n.º 32), as políticas de recrutamento dos casinos persistiram nesta discriminação. Estas empresas, fechadas no seu imaginário de seletividade e exclusivismo, preservaram, pelo menos informalmente, estes mecanismos de oclusão social (Weber, 1968; Parkin, 1979) contra as diversas trabalhadoras que começavam, nessa época, a ingressar em força no mercado de trabalho nacional. O ingresso das primeiras trabalhadoras nas profissões do setor do jogo em Portugal ocorreu apenas em 1989, com a admissão de 3 pagadoras de banca no Casino do Estoril (Estoril-Sol, 2007). O perfil masculinizado desta força de trabalho correspondia ao perfil do público que frequentava o casino, também ele, maioritariamente, constituído por homens. No entanto, esta tendência tem vindo a ser lentamente dissipada e, em alguns casinos mais recentes, já existe um número considerável de trabalhadoras. Mas este percurso histórico ainda encontra reflexo nos rendimentos, em média, inferiores destas operacionais. Segundo os dados disponibilizados pela Entidade para as Condições do Trabalho (ect), referentes ao ano de 2013, existiam 67 mulheres profissionais de banca13 nos dois casinos analisados (22% do total de profissionais de banca dos dois casinos), com uma média salarial de 995,20€. Os homens estavam representados por 237 indivíduos (78%) com uma média salarial de 1579,40€. Dado que as tabelas salariais, definidas pelo ae, estipulam os salários consoante as categorias profissionais e os anos de casa, sem considerações sobre o género, os rendimentos inferiores das mulheres profissionais de banca derivam, principalmente, de três fatores: número inferior de trabalhadoras; menor número de anos de experiência; e presença reduzida em posições de chefia.

Por outro lado, a partir dos despedimentos coletivos, realizados pelos dois casinos em 2010 e 2012, todos os departamentos periféricos em relação ao setor do jogo foram subconcessionados. Foram os casos da restauração, dos bares e da segurança. Desta forma, foi criada uma força de trabalho precarizada e terceirizada dentro dos casinos. Estes novos colaboradores, representantes da nova morfologia do trabalho, possuem, sem surpresa, índices de feminização laboral bastante mais elevados. A função de empregada de mesa (barmaid), desde logo uma das raras categorias profissionais nomeadas no feminino, é exclusivamente ocupada por mulheres. Ou seja, se por um lado existe uma periferização das mulheres nas categorias profissionais centrais, existe, por outro, uma centralização das mulheres nas categorias profissionais periféricas. Estas trabalhadoras representam um contingente laboral bastante mais jovem e de reduzida experiência no mercado de trabalho nacional. Possuem vínculos contratuais com a duração de 6 meses, eventualmente renováveis até um total de 3 contratos. Estes contratos não são estabelecidos com o casino, mas com empresas subconcessionárias. As taxas de rotatividade laboral são bastante significativas. Durante os 4 meses do meu trabalho de campo, pelo menos 6 trabalhadoras foram recrutadas, substituindo outras tantas que optaram pela desvinculação contratual, ou que foram demitidas. O ritmo e a intensidade do seu trabalho são bastante elevados, provocando, naturalmente, um maior desgaste físico e psicológico. Trabalham seis dias por semana, possuindo apenas uma folga. Durante todo o seu dia (ou noite) de trabalho têm direito apenas a 15 minutos de pausa para jantar. Se uma colega do turno seguinte faltar, são pressionadas pelos seus chefes a cobrir esse turno.14 As horas extra não são pagas, mas acumuladas num banco de horas.15 Os organismos sindicais, por sua vez, negligenciam frequentemente a situação destas trabalhadoras, canalizando os seus esforços para a defesa dos interesses dos profissionais do setor do jogo. A sua retribuição salarial reflete esta constante menorização. Os seus salários base rondam os 557€ mensais.16 Possuem, igualmente, um prémio de apresentação e higiene no valor de 300€ por mês, que incide sobre a forma como estas trabalhadoras se apresentam vestidas e maquilhadas no local de trabalho. A estes rendimentos acrescem ainda as gratificações, que não ultrapassam, normalmente, os 100€-200€ mensais.17

Como podemos observar, a centralidade da profissão de pagador de banca nos casinos é sinónimo da periferização das mulheres. Ao mesmo tempo, a periferização das barmaids não se dissocia da centralização das mulheres em torno desta categoria profissional. Assim, as mulheres são periféricas nas profissões centrais e centrais nas profissões periféricas. Nos próximos capítulos veremos como estas assimetrias nas condições laborais, contratuais e remuneratórias informam a produção de género nos casinos.

O género vai ao casino

As práticas discriminatórias relativamente às mulheres no universo laboral dos casinos refletem-se tanto de forma estrutural - como vimos até aqui pela dificuldade das mulheres em aceder às profissões centrais e pelos obstáculos que elas encontram em termos de progressão profissional -, quanto pela experiência quotidiana das relações que estabelecem com colegas, chefes e clientes. Luís, pagador de banca num dos casinos analisados, faz referência a um fiscal chefe já reformado que afirmava abertamente: “por mim não tinham entrado mulheres no casino” (e118). Hugo, pagador de banca com cerca de 15 anos de experiência, menciona que um outro fiscal chefe costumava reiterar: “Mulheres no casino? Nunca na vida” (e2). Raquel, pagadora de banca com 12 anos de casa, assinala, da mesma forma, que um colega seu proclamava com frequência: “sempre foi um cavalo de batalha meu não permitir a entrada das mulheres no jogo” (e3). Por sua vez, Belchior, fiscal de banca com mais de 30 anos de experiência, recorda como alguns colegas receavam que a entrada das mulheres nos casinos pudesse “estragar a profissão” (e4). Esta forma de opressão surgia nos discursos dos homens - que defendiam a hegemonia masculina no universo do jogo - como a proteção dos valores tradicionais da vida familiar e doméstica. Vânia, uma das primeiras pagadoras de banca a ingressar no universo operacional dos casinos em Portugal, refere como, inicialmente, os seus colegas do género masculino suspeitavam das capacidades das novas profissionais em manter o ritmo, a exigência e os horários da profissão sem negligenciar o cuidado dos filhos (e5). Atualmente, no entanto, os estereótipos de género que informam as resistências ao acesso e ao exercício da profissão por parte das mulheres assumem formas diferentes. O relato de Guilherme, pagador de banca com mais de 10 anos de casa, ilustra estas novas formas assumidas pelos estereótipos de género:

Ainda existe bastante discriminação, principalmente por parte das chefias antigas, mais tradicionais, quem é da escola antiga não olha para o homem e para a mulher da mesma maneira. Temos chefes que dizem que as mulheres não deviam entrar ali sequer. Eu compreendo o ponto de vista deles, tem a ver com o público com que trabalhamos. […] Eu acho é que para o tipo de clientes que nós temos as mulheres estão mais sujeitas do que eu, é mais fácil para um cliente, por causa da mentalidade que tem, atacar a mulher do que atacar o homem quando está de cabeça perdida, corre mais riscos, acho eu [e6].

Apesar do seu discurso bem-intencionado, o interlocutor acaba por ceder aos estereótipos de género que sublinham a vulnerabilidade das mulheres numa banca de jogo. Raquel, mais à frente no seu testemunho, explica como esta tendência reproduz as assimetrias de género nos casinos:

Acho que é mais difícil ser mulher no casino devido ao preconceito que existe por parte das próprias chefias, neste caso porque o cliente aceita o que se lhe impuser. É óbvio que há clientes que não jogam com mulheres, só jogam com homens […]. O caminho para ser promovida sendo mulher é muito mais longo e muito mais duro. Os chefes acham que não temos capacidade de suportar aquele ambiente, que é um ambiente pesado, por exemplo há muitos chefes que não põem uma mulher a fiscalizar uma banca francesa19 e depois esta atitude por parte dos chefes também reforça esta atitude por parte dos clientes de serem preconceituosos. Se eles se habituarem a ver lá mulheres e ter de as respeitar, eles têm que se habituar. Agora, quando os próprios chefes evitam essa situação reforçam o estereótipo. O cliente pensa “oh claro, claro que elas não podem estar a fiscalizar a banca francesa, claro que elas não podem ser chefes” [e3].

Francisca, pagadora de banca há cerca de 15 anos, refere, por outro lado, que as chefias preferem colocar as mulheres em jogos carteados20, dado que as suas mãos mais “delicadas”, “femininas” e de “menor dimensão” providenciam uma agilidade manual que as mãos “masculinas”, “rudes” e “grosseiras” não conseguem igualar (e7). A percepção da incapacidade das mulheres na fiscalização de uma banca francesa, ou a conceção estereotipada das mãos femininas como mais apropriadas para jogos de cartas, são dois exemplos que demonstram como as mulheres são vítimas de violência simbólica (­Bourdieu, 2003b; Bourdieu e Wacquant, 1992; Scheper-Hughes e Bourgois, 2003; ­Bourgois, 2001; Auyero, Bourgois e Scheper-Hughes, 2015; Bourgois, 2009). Cunhado por Pierre Bourdieu (2003b), o conceito de violência simbólica diz respeito à naturalização e à internalização de estereótipos e assimetrias sociais, como o sexismo ou o racismo. A naturalização de determinadas características, estereotipadas como femininas, não contribui apenas para legitimar a subordinação das mulheres, mas também para produzir a sua conformidade (Bourdieu, 2003b; Bourdieu e Wacquant, 1992). Associadas a características estereotipadas como a “sensibilidade”, a “simpatia”, a “cordialidade” e a “instabilidade emocional”, parte-se do pressuposto que estas trabalhadoras não têm capacidade para controlar o ambiente frenético e inconstante das bancas mais problemáticas, ou seja, bancas onde surgem, com frequência, conflitos entre pagadores e jogadores.

As mulheres, vítimas desta violência simbólica, defendem-se adotando os mesmos argumentos utilizados pelos seus opressores. Helena, pagadora de banca com mais de 10 anos de experiência, é um exemplo claro desta contradição. Na sua descrição, percebemos como a interlocutora considera injustas as várias formas de discriminação a que as mulheres estão sujeitas nos casinos, ao mesmo tempo que admite a maior propensão para a instabilidade emocional do género feminino. Esta alegada condição feminina é, posteriormente, naturalizada através de justificações sobre a composição hormonal do corpo feminino:

Nós tivemos um chefe de partida que proibia que uma banca tivesse 3 mulheres a trabalhar, na francesa e nas roletas não podiam estar 3 mulheres na mesma banca. Achava que era uma banca fraca. Nós, hoje em dia, quando somos 3 mulheres a trabalhar, os jogadores nem piam. Mas somos mais instáveis, isso é um facto. Nós temos questões hormonais que em determinados dias só nos apetece “matar” pessoas, mas nós não podemos mudar isso, os homens não, são uma linha contínua, as mulheres têm altos e baixos, é verdade. Está provado. É uma questão do organismo hormonal, mas somos capazes de o fazer, tanto que desempenhamos as funções tão bem como outro pagador qualquer. Ao nível da chefia é a mesma coisa. Os clientes, se calhar, se virem uma mulher, até é motivo de calmante, em vez de partirem para ofensas ficam mais retraídos [e8].

Nuno, ex-coordenador da Comissão de Trabalhadores (CT) e ex-dirigente sindical nos casinos analisados, refere como, historicamente, a oclusão social, empreendida pela força de trabalho masculina sobre as mulheres, era legitimada através destes mesmos discursos sobre a alegada falta de capacidade para lidar com um ambiente de tensão e de conflitos. A imagem da mulher púdica, cuja inocência deve ser preservada, era transposta pelos chefes e restantes trabalhadores do casino. Mas vemos também, neste testemunho, como a defesa da entrada das mulheres nas profissões do casino é articulada através dos mesmos estereótipos utilizados por aqueles que sempre se opuseram ao seu ingresso:

Essa foi uma luta muito grande [a entrada das mulheres nos casinos], foi uma batalha muito grande. Os grandes opositores da entrada das mulheres eram os homens, mesmo aqueles que tinham filhas entendiam que as mulheres não tinham condições para estarem ali. Vinham muitas vezes com este argumento que os jogadores se descontrolam e dizem palavrões, coisas que a “essência” das mulheres não suporta e nós dizíamos o contrário, não é? Dizíamos que havendo mulheres na sala, o comportamento dos jogadores poderia modificar-se tendo em conta que há coisas que não se dizem ao pé das mulheres. Mas isto mudou, vimos que as mulheres são excelentes profissionais do ponto de vista técnico, eu diria que são melhores do que muitos homens, têm uma aptidão muito grande para o jogo e têm uma sensibilidade muito grande, por vezes, para perceber o ponto em que o jogador está quase a dar o salto, a perder a paciência e ela sabe armar-se com um sorriso que muitas vezes desarma a agressividade [e9].

Como referem Durão e Leandro (2003, p. 84), relativamente ao caso das mulheres nas forças policiais, os estereótipos de género tendem considerar que “[…] as mulheres estão tão bem ou melhor preparadas do que os homens, por conseguirem controlar melhor situações de tensão e por terem ‘naturalmente’ mais capacidade de negociação”. Ou seja, ou as mulheres não devem entrar no casino porque não têm capacidade para gerir as emoções de uma banca problemática, ou as mulheres devem entrar na profissão porque o seu “sorriso” e a sua “sensibilidade” desarmam a agressividade de jogadores mais efusivos. As mulheres são consideradas ora mais vulneráveis numa banca de jogo devido às suas características, ora como mais capazes de apaziguar uma banca de jogo do que os homens. O mesmo estereótipo preside às duas formulações. A simpatia, o trato, a sentimentalidade, a passividade, a cordialidade e a sensibilidade são entendidas como “competências” ou “qualificações naturais” (Sturdy, Grugulis e Willmott, 2001; Thompson, 1989) das mulheres. Fazem parte da essência da mulher, ela apenas deve transportar essas “competências naturais” para o seu local de trabalho. Como refere Sherry Ortner (1974), enquanto os homens são, normalmente, associados à cultura, as mulheres são mais associadas à natureza. A mulher é apreendida como estando sempre mais próxima da animalidade, ora vítima do seu próprio corpo, ora incapaz de alcançar um estado emocional firme e regular (Ortner, 1974). Logo, as suas qualificações correspondem menos a competências, mestrias, habilidades e técnicas assimiladas, desenvolvidas e exercitadas durante um certo período de tempo, e mais a qualidades naturais do género feminino.

Como vimos, alguns trabalhadores admitem esta discriminação de género no casino, mesmo que reproduzindo alguns estereótipos associados à feminilidade. Outros, no entanto, contestam a existência destas formas de discriminação e acusam a empresa de beneficiar as mulheres em determinadas circunstâncias. É o caso de Hugo, que se sente injustiçado pelo facto de as mulheres continuarem a receber o valor total das gratificações mesmo quando, nos primeiros seis meses de amamentação, possuem um horário reduzido (e2). Rui, pagador de banca com mais de 10 anos de experiência, por outro lado, menciona o “mau ambiente” de trabalho criado pelas próprias colegas, referindo ainda que ser mulher no casino é mais fácil do que ser homem, dado que “não se exige tanto ao género feminino”:

Fazem mais o que querem e chamam-lhes menos vezes à atenção, talvez por medo, e medo estou a falar relativamente às mulheres que usam a ideia de estarem a ser discriminadas […]. Elas próprias, às vezes, criam ali um mau ambiente, entre elas. Mulheres, não é? Um ambiente de mulheres é sempre complicado [e10].

Sérgio, como os dois últimos interlocutores, demonstra um maior sentimento de antagonismo face à entrada das mulheres na profissão e em relação à própria equiparação do trabalho masculino e do trabalho feminino.

Aquilo sempre foi um trabalho de homens […] a mim até me custa a entender um pouco porque é que há tantas mulheres agora, porque nunca houve. Eu sei que posso estar a ser um pouco cruel e injusto, mas aquilo sempre foi um trabalho de homens […] e depois há toda uma componente em termos de horários, em termos de folgas que eu acho que prejudica uma mulher […]. Acredito que uma mulher em termos de beleza, em termos de simpatia, possa ser bonito, possa ser agradável. Em termos de trabalho, o homem trabalha, sem dúvida, melhor e mais [e12].

Dados os fatores de resistência e exclusão que as trabalhadoras enfrentam no setor do jogo, não surpreende que as mulheres se aglomerem, tendencialmente, em torno de categorias profissionais normalmente tipificadas como femininas. Estas categorias profissionais, como as empregadas de mesa, constituem-se como guetos ocupacionais, onde o acesso e a permanência de uma força de trabalho feminina é, não apenas admitida, como amplamente incentivada. Na secção seguinte veremos como, a estas duas categorias profissionais, correspondem, igualmente, duas performances de género distintas.

A produção de género e de classe em dois casinos portugueses

Michel Foucault (1999) advertia para a capacidade produtiva do poder. Este não apenas oprime, coage e domina, mas também produz, fabrica e cria. Nos dois casinos analisados, observamos como o poder, materializado nas relações entre capital e trabalho, entre trabalhadores e clientes, entre membros da direção e equipas operacionais, entre chefias e trabalhadores de base, e entre homens e mulheres, produz identidades de género que estão em íntima relação com a categoria de classe social. As feminilidades apropriadas às diferentes funções ocupacionais variam de acordo com os estereótipos a elas associados e com a posição estrutural dessas funções na hierarquia da empresa. É esta dialética da interseccionalidade, esta relação entre género e classe, entre feminilidade apropriada e posição estrutural, entre performances de género e condições de trabalho, que analisaremos de seguida.

Começaremos pelas barmaids. Que tipo de feminilidade se exige às empregadas de mesa? De que forma essa feminilidade se associa às suas condições de subordinação na estrutura da empresa e aos estereótipos da função que ocupam? Desde logo observamos como o trabalho estético/emocional (Hochschild, 2003; Macdonald e Korczynski, 2008; Casaca, 2012) é bastante mais evidente para as mulheres que desempenham esta função. Estas trabalhadoras são obrigadas a utilizar fardas sexualmente evocativas21 e, como já referido, possuem um prémio de apresentação, atribuído consoante o cuidado com a higiene e a imagem pessoal. Estão obrigadas ao uso de maquilhagem, que consiste na aplicação de base, sombra e batom vermelho. O cabelo deve ser apanhado num rabo-de-cavalo, os brincos devem ser de “pérolas” simples e os piercings e as tatuagens devem ser exibidos de forma “discreta” (nt122). Devem prevenir mudanças corporais significativas e interagir com os clientes de forma simpática e subserviente. Devem sorrir com frequência, ser humildes e mostrar disponibilidade sempre que os seus serviços forem requisitados. Se estas prescrições não forem cumpridas, as barmaids são repreendidas no próprio local de trabalho, correndo ainda o risco não lhes ser renovado o contrato. As fardas que utilizam, segundo várias interlocutoras, “pouco confortáveis” para uma jornada de trabalho, sugerem o esforço da empresa em capitalizar sobre a hipersexualização das suas funcionárias (nt2). O ambiente de casino, fortemente masculinizado e propenso a excessos vários, bem como a hipersexualização destas profissionais, coloca-as numa situação potencialmente mais vulnerável a insultos, práticas de assédio sexual e aproximações físicas por parte de colegas e jogadores. Tanto uns como outros, consideram-se no direito de perturbar estas profissionais, pela postura que elas performatizam, pelo vestuário que utilizam, e pelas disposições emocionais e comportamentos que lhes são exigidos no local de trabalho. Situações que ocorrem com alguma frequência. Carla, barmaid com cerca de 4 anos de experiência, relata uma situação que lhe ficou na memória e que envolvia duas figuras públicas do futebol português:

Eles iam lá várias vezes jogar e beber. Daquela vez, já estavam mais bêbados e acharam por bem apalpar uma colega minha. Ela ficou furiosa, naturalmente. Quis logo ir fazer queixa deles à Inspecção de Jogos, mas os chefes não deixaram. Conversaram com ela e o assunto ficou resolvido. […] Eles continuaram a jogar e a ir lá sempre que queriam [e12].

A mesma interlocutora assinala que chegou a ser “encurralada” numa sala por um fiscal chefe que havia mostrado interesse em se envolver sexualmente com ela (e12). No decorrer do meu trabalho de campo foi também evidente a forma como alguns seguranças se imiscuíam em práticas de assédio sexual, por vezes agressivas para com as empregadas de mesa. As fardas que devem utilizar, as faixas etárias (mais jovens) a partir das quais são recrutadas, a forma corporal que funciona, para esta profissão, como critério de recrutamento, e a postura que lhes é exigida, demonstram que as barmaids devem corresponder não só ao ambiente masculinizado e exclusivista do casino, como representar a imagem idealizada dos desejos sexuais dos seus potenciais clientes. A hipersexualização das barmaids é também uma heterossexualização do seu corpo, comportamentos e habitus (Bourdieu, 2010). Além disso, estas funcionárias devem trabalhar como se estivessem a consumir. Nas palavras de uma barmaid, devem trabalhar como se estivessem a “sair à noite” (nt3). É um ambiente de trabalho purificado, ou seja, um ambiente de trabalho em que os funcionários devem afastar, emocional e esteticamente, todos os sinais típicos de uma atividade que exige esforço, fadiga e cansaço. O trabalho deve ser ­afastado do trabalho, ele não deve ser evidente no casino. Os funcionários devem corresponder estética e emocionalmente ao tipo de público que frequenta aquele espaço, dado que eles são parte da paisagem do casino, tal como a decoração e a arquitetura (Pettinger, 2004). O casino, enquanto espaço de lazer, divertimento, glamour e excessos, pretende reproduzir essa imagem nos corpos e nas emoções dos seus próprios funcionários. Outros constrangimentos, presentes no contexto laboral das barmaids, reforçam as atitudes, habitus, comportamentos e representações destas profissionais e acerca destas profissionais. É o caso das gratificações. Ao contrário das gorjetas concedidas numa banca de jogo, que obedecem mais a uma prática ritualizada do que a um serviço bem prestado23, as gratificações das barmaids dependem, em grande medida, da apreciação do serviço por parte dos clientes. Esta situação, conjugada com a sua maior dependência em relação ao salário, produz um tipo de serviço mais empreendedor (na procura da gratificação), mais cordial e subserviente (na procura de um serviço bem prestado que agrade aos jogadores). Por esta razão, é frequente que as empregadas de mesa realizem aproximações físicas e verbais subtis para despertar a atenção dos clientes. Uma mão no ombro, um toque suave nas costas, ou a utilização de uma comunicação verbal mais pessoal e familiar. Uma das barmaids costumava apelidar os clientes habituais de “maridos” (nt5). Dizia que tinha 13 “maridos” no casino, todos jogadores (nt5). A utilização de várias técnicas de flirting é, portanto, parte essencial da sua performance laboral quotidiana, onde se procura enfatizar e performatizar a sua disponibilidade sexual. Uma outra circunstância favorece este tipo de representações. No seu quotidiano laboral, as barmaids deambulam pela sala de jogos, aguardando que um cliente requisite os seus serviços. Quando é esse o caso, elas aproximam-se e registam o pedido do cliente. Muitas vezes, quando exaustas de deambular pela sala, encostam-se a uma parede para descansar, esperando até que um cliente volte a exigir os seus serviços. Por outro lado, quando os clientes estão numa banca movimentada e não se pretendem ausentar da mesa de jogo, é frequente solicitarem aos pagadores de banca que chamem as barmaids. Para o efeito, existe uma campainha em cada mesa de jogo que permite aos profissionais de banca solicitarem os serviços das empregadas de mesa. As pagadoras de banca, pelo contrário, colocam-se atrás de uma mesa de jogo, aguardando que os clientes se aproximem e se posicionem nos seus respetivos lugares. Por mais subtil que estas situações se apresentem no quotidiano laboral destas profissionais, elas permitem formular ­determinadas representações acerca da subserviência e disponibilidade das barmaids, que a figura autoritária da pagadora de banca não permite. A situação transcrita em baixo, proveniente do meu diário de campo, ilustra estas características relativas ao trabalho das barmaids:

O relógio eletrónico do meu telemóvel de serviço assinala 01:00 de uma quarta-feira. A sala comum está calma, mas a sala vip está ao rubro. Segundo um colega meu, “está um angolano na sala vip a apostar forte e a gratificar”. Curioso, apresso-me na direção da sala vip e ultrapasso a divisória que a separa da sala comum. Observo a sala e fico desapontado: estão apenas três clientes a jogar, dispersos pelo espaço. Um senta-se na mesa de blackjack, outro no baccarat e, por fim, o “angolano” posiciona-se em frente de uma das roletas americanas. Apesar de se encontrar sozinho, ele monopoliza todas as atenções. Vai distribuindo as suas fichas pelo pano, construindo torres de altura variável pelas diferentes casas de aposta. A pagadora, atrás da banca, vai sorrindo cordialmente em resposta às palavras do jogador. Responde sempre de forma breve, evitando prolongar as conversas com o cliente. Mais preocupada com os procedimentos, com o controlo da banca, com a verificação da legalidade das apostas e com os valores envolvidos, a pagadora foca a sua atenção no pano e só, esporadicamente, fita o jogador. Eu pergunto ao caixa que observa do seu pequeno compartimento: “quem é o homem?”. Ele responde-me “Não sei, é a primeira vez que o vejo cá”. Eu insisto, curioso: “mas ele não tem que dar um nome depois de levantar 2000€?”. Ele olha brevemente para o computador e responde: “está aqui, mas não é ninguém conhecido, quando lhe perguntei a profissão disse que era patrão”. Dois fiscais chefes observam à distância. O jogador parece estar a apreciar a atenção. Solta gargalhadas efusivas e gesticula de forma exuberante quando perde e quando ganha. Gratifica sempre, mesmo quando perde, e a pagadora responde sempre da mesma forma: “gratificação, obrigado”. O fiscal de banca, no alto da sua cadeira, estrategicamente posicionada ao lado da roleta, acena com a cabeça e repete: “gratificação, obrigado”. Os restantes jogadores também viram as suas atenções para a roleta, interrompendo o seu jogo por alguns instantes. Uma barmaid encontra-se prostrada perto do jogador, de bandeja na mão. Segundo o caixa: “está ali desde que o gajo chegou, ele não quer que ela saia dali”. Em cima da bandeja está uma garrafa de champanhe aberta. Esporadicamente, o jogador solicita que a barmaid lhe encha novamente o copo. Ela observa o jogo com vagar e sorri quando interpelada. Sempre que lhe enche o copo, adverte o jogador com um enorme sorriso: “não se esqueça da minha gratificação”. Obediente, o jogador deixa cair uma ficha na bandeja. Num acesso de extravagância, depois de mais um golpe vitorioso, o jogador pede à barmaid que esta lhe leve o copo à boca. A barmaid cumpre o que lhe é solicitado e o jogador gratifica-a novamente. Quando o jogador abandona o casino, a barmaid é finalmente dispensada da sua tarefa e retorma as suas atividades corriqueiras. Momentos mais tarde, encontro-a a descansar numa sala anexa ao bar. Vai conversando com as colegas acerca das suas peripécias: “tinha que me calhar a mim, o homem era nojento”. No dia seguinte, no entanto, o mesmo jogador aparece e requisita os serviços da mesma barmaid. Ela sorri quando interpelada e dirige-se ao jogador. Coloca um braço por cima dos seus ombros e segreda algumas palavras ao seu ouvido. Dirigem-se os dois para a sala vip [nt6].

Observamos como as pagadoras de banca, mais presas aos seus procedimentos de trabalho, mais focadas no pano, no controlo da banca, na legalidade do jogo, no cálculo dos prémios, nos valores envolvidos, tendem a performar um tipo de feminilidade distinto daquele que é solicitado às barmaids. A empresa, os clientes, os estereótipos associados à sua função e o seu processo de trabalho exigem das barmaids uma feminilidade mais ostensiva e mais sexualizada. Mas observamos, também, que as barmaids são agentes ativos no seu quotidiano laboral. Se, por um lado, esta performance mais sexualizada é instrumentalizada pelas próprias barmaids, utilizando-a para extrair mais gorjetas aos clientes, por outro, ela reproduz os mesmos estereótipos que presidem à sua subordinação e à sua alocação a categorias profissionais periféricas e sem perspetivas de progressão profissional. Ou seja, se estas performances sexualizadas são agenciadas pelas próprias empregadas de mesa, que as implementam para o seu próprio proveito, “manipulando” a sua própria situação de subordinação laboral e constituindo-se como uma força de trabalho “ativa e controladora” (Paules, 1991), por outro, estas performances sexualizadas obstaculizam a sua progressão profissional e são utilizadas para legitimar a sua condição de subordinação. Essa performance sexual, por um lado incentivada pela empresa, é, por outro, um bloqueio ao seu progresso, dado que os estereótipos acerca deste tipo de feminilidade, associada a classes baixas, são encarados como uma evidência de incompetência, promiscuidade e obscenidade, um tipo de feminilidade pouco adequado a trabalhos de supervisão, chefia e gestão. É neste sentido que a categoria profissional de empregada de mesa constitui um gueto ocupacional, uma função que exige um tipo de feminilidade que serve, igualmente, o propósito de evitar a mobilidade social futura destas trabalhadoras. Elas só asseguram este posto através da performance destas competências pessoais, mas é através dessas competências que se legitima a impossibilidade da sua progressão profissional futura.

A feminilidade expectável das barmaids é, portanto, significativamente diferente da feminilidade esperada ou exigida às pagadoras de banca. O relato que se segue, extraído novamente do meu diário de campo, procura contextualizar o caso das pagadoras de banca:

Está de chuva”, assinala um colega ao meu lado. A sala de formação, onde se leciona a componente prática do curso de pagador de banca de casino, não possui grandes dimensões, mas, de alguma forma, consegue acomodar três roletas, três mesas de blackjack, uma de banca francesa, uma de póquer e outra de baccarat. Os formandos dividem-se em vários grupos pelas mesas de jogo, enquanto vão treinando os movimentos, as técnicas e os procedimentos que haviam aprendido no decorrer do mês anterior. Uma colega minha está a fazer de “pagadora” na roleta. Observa atentamente o pano e, de seguida, aproximando-se do prato da roleta, “dá à bola”. Quando a bola se imobiliza no número 15 solta uma gargalhada. Eu e os meus colegas, representando os jogadores, tínhamos preenchido todas as possibilidades de aposta do número 15. “Oh pá, agora lixaram-me”, refere a “pagadora” com pesar. Encolhe os ombros e solta um suspiro. Pega na dolly24 e reitera: “não vou fazer este, faço o 17”. Aceitamos a decisão sem protestar, mas, nesse momento, um dos formadores aproxima-se da banca. “Estás a brincar com isto? A bola não está no número 15? Paga o número 15 se fazes favor”, repreende o formador. A formanda, cabisbaixa, coloca a dolly no número 15. Limpa o pano, retirando as fichas perdedoras, e inicia o cálculo dos prémios vencedores. Para este efeito, debruça-se sobre a banca. Costas dobradas, cotovelos em cima do pano e palmas das mãos cobrindo as suas faces. Olha para as fichas no número 15, enquanto faz os respetivos cálculos. Instantes depois, solta um suspiro sonante, abana a cabeça com frustração e endireita-se novamente. “Oh pá, não estou a conseguir”, protesta de feições contraídas. O formador, consternado, observa a “pagadora”. Afirma de seguida para nós: “ninguém a ajuda”. A determinada altura, a formanda começa a gesticular com o indicador no ar, traçando números invisíveis, ao mesmo tempo que vai murmurando: “ora, 17x7=… 119, ora 119+35=… 119, 129, 139, 149… 154?”. O formador pergunta, rispidamente: “estás a perguntar ou a dizer?”. A formanda sorri e responde mais convicta: “a dizer!”. O formador acena com a cabeça em sinal de concordância, mas manda parar o jogo. Ordena, de seguida, que os formandos dispersos pela sala se aproximem. Quando se reúnem todos em torno da roleta, o formador eleva a voz e declara: “Há aqui pessoas que andam a brincar com isto. Isto não é como estar na taberna. Isto é um casino, o que significa que vocês têm que ter uma postura a condizer. Não é para virem para aqui brincar, rir, isto não é um circo. A partir de agora não quero ouvir mais nada a não ser as bolas na roleta e as cartas no blackjack. Acreditem numa coisa, eu não vou contratar um pagador que eu sei que ao fim de uma semana já está lá em baixo na galhofa com os colegas e com os clientes. Isto é para levar a sério. Que postura é esta, debruçados sobre a mesa, cotovelos no pano, a contar alto. Então, mas vocês acham que vão fazer essas figuras lá em baixo? Vocês andam muito importados com a técnica e com as skills, mas o mais importante é a vossa postura, a vossa atitude. Costas direitas, mãos em cima do pano, cumprir os procedimentos, receber cordialmente os clientes, olhar nos olhos quando o cliente se aproxima da banca, serem educados, sérios, estarem concentrados no pano, olhar no pano e nas fichas, não nos vossos colegas ou no prato, controlar a banca, tudo isso deve ser motivo de treino, as skills e a rapidez vocês aprendem com o tempo, agora a atitude tem que vir de vocês [nt7].

Podemos observar como as “atitudes” e “posturas” exigidas às pagadoras de banca diferem daquelas que são solicitadas às barmaids. Às primeiras exige--se “seriedade” e “concentração” no desempenho das suas tarefas. Às segundas, a capacidade de atrair os clientes através de uma performance laboral altamente genderizada e sexualizada. O manuseamento de elevados valores monetários, a necessidade de calcular os prémios e de fazer cumprir os procedimentos e as regras dos jogos, sobrepõem-se às exigências típicas do trabalho estético/emocional. O que não significa que ele esteja ausente, mas que é configurado segundo outras premissas. Exige-se que demonstrem simpatia para com os jogadores, mas alerta-se para os excessos de cordialidade e disponibilidade, dado que os pagadores devem ser imparciais e objetivos numa banca de jogo, para evitar potenciais mal-entendidos e suspeitas de favorecimento. Inclusivamente, o sorriso deve ser exibido de forma calculada e estratégica. O emprego do sorriso deve ser precedido de uma análise do ambiente social da mesa de jogo e de uma avaliação do momento propício para o exibir. A sua utilização deve também ser gerida com cautela, dado que sorrir para um jogador que está a perder pode ser interpretado como um insulto ou escárnio. O sorriso deve, portanto, ser natural, nunca forçado, e apropriado à situação e contexto do jogo. Dado que o casino é um espaço de lazer, excessos, tensão e enorme instabilidade emocional25, os pagadores de banca, que atuam como árbitros numa mesa de jogo, devem proceder a uma análise cuidada do ambiente social na banca e dos jogadores que têm à sua frente. Devem, por isso, restringir os seus comentários e expressões corporais e faciais ao mínimo aceitável, no contexto de um atendimento que se pretende também empático e cordial. Daí que o seu atendimento seja mais distante, frio e impessoal, exercido, normalmente, de “cara fechada” (e2), “sisuda” e sem “dar muita confiança” (e10), nas palavras de vários entrevistados. Ao contrário do que se costuma exigir aos colaboradores do setor dos serviços e do atendimento ao público (e às barmaids), os pagadores de banca devem, portanto, exibir uma postura mais comedida, íntegra e escrupulosa, realizando uma aproximação relacional mais gradual com os seus clientes. As exigências estéticas e emocionais existem, embora aqui estas sejam direcionadas no sentido oposto ao das barmaids. As pagadoras de banca devem, nas palavras dos formadores do curso de pagador de banca, estar “concentradas, focadas e sérias numa banca de jogo” (nt9). José, ex-­pagador de banca, assinala que os profissionais devem “gerir o sorriso” e que não é aconselhável “conversar com os clientes, porque depois existem abusos de confiança” (e13). Belchior partilha da mesma perspetiva: “a relação entre trabalhador e cliente não se pode estender muito, são coisas muito pontuais” (e4). A sua farda, tal como a farda utilizada pelas barmaids, funciona como um espelho da imagem que a organização pretende transmitir acerca destas profissionais. Esta farda, ao contrário da que está reservada às barmaids, realça as qualidades da neutralidade, seriedade, formalidade, conservadorismo e profissionalismo, consistindo num blazer preto, camisa branca, saia preta comprida e sapatos formais. Neste âmbito, uma colega minha de formação sofreu várias advertências, por parte do departamento de recursos humanos do casino, pelo estilo de roupa que utilizava. A primeira chamada de atenção ocorreu porque se apresentou no curso com uma saia “demasiado curta” (nt8). A segunda advertência referiu-se ao decote da formanda. Por fim, a terceira reprimenda dizia respeito ao uso de um top que evidenciava as suas ancas. Por outro lado, as barmaids não sofrem este tipo de advertências, mesmo quando se vestem de forma similar. Dado que qualquer profissional de banca de casino deve envergar a farda providenciada pela empresa, estas constantes repreensões apenas fazem sentido se as percebermos no quadro mais amplo de objetivos traçados pelo casino. Objetivos que enquadram toda uma política ideológica de gestão da força de trabalho, nomeadamente a produção de identidades de género, a fabricação de feminilidades apropriadas, de performances sexuais corretas e de habitus profissionais adequados.

Enquanto as pagadoras de banca devem performatizar um tipo de feminilidade associada aos valores e às práticas de classe média, isto é, à respeitabilidade, sobriedade e seriedade (Ortner, 2006), as barmaids devem performatizar um tipo de feminilidade que enfatize a disponibilidade sexual e a orientação heterossexual. Devem evocar o imaginário sexual dos potenciais clientes do casino, a obscenidade e a promiscuidade de um ambiente de divertimento noturno, com os seus excessos de álcool, tabaco e dinheiro. As empresas estruturam as interações sociais quer entre colegas, quer entre trabalhadores/as e clientes, através de linhas de género (Acker, 1990), mas também através de linhas de classe. Sherry Ortner (2006) já observara como a representação simbólica das práticas sexuais está intimamente relacionada, mesmo que implicitamente, com a categoria de classe social. As mulheres de classes médias estão associadas ao conservadorismo, ao controlo dos seus ímpetos sexuais, ao decoro, à respeitabilidade, integridade, probidade e discrição (Ortner, 2006). As mulheres de classes baixas estão, normalmente, associadas a uma relação com a sexualidade mais obscena, promíscua e desenfreada, sendo consideradas incapazes de controlar os seus instintos mais primários, como o prazer sexual (Ortner, 2006). Vemos como, no caso dos casinos analisados, a funções menos prestigiantes, detentoras de menor capital simbólico e económico, posicionadas em degraus mais baixos da hierarquia organizacional, correspondem exigências de uma performance de género associada a classes baixas e como, a funções mais prestigiantes, que asseguram retribuições económicas e simbólicas mais elevadas, correspondem performances de género associadas a práticas e valores de classe média. Assim, vemos como a classe e o género se concertam para formar redes de poder assentes na violência simbólica e na guetização ocupacional que marginalizam e inferiorizam as trabalhadoras dos dois casinos analisados.

Conclusão

Estes fenómenos típicos de interseccionalidade (Macdonald e Merrill, 2008; Collins e Andersen, 2015; Collins e Bilge, 2016), ou se quisermos, de opressão conjugada (Bourgois, 1988), expressam a articulação entre capitalismo e patriarcado (Walby, 1991). Juntos, eles estruturam a produção e a reprodução de identidades de género e de classe no processo laboral. Nos casinos analisados, observámos como o género e a classe se conjugam e como eles influenciam e são influenciados pela organização social do trabalho. A alocação de trabalhadores a determinadas funções e categorias profissionais dependem, em grande medida, destas relações de poder assentes na conjugação de estereótipos de género e de assimetrias de classe. As funções menos prestigiantes, detentoras de menor capital simbólico e económico, sem perspetivas de progressão profissional, precárias e flexíveis, com uma mais elevada intensidade de trabalho e menores mecanismos de representação associativa, são, normalmente, adjudicadas a mulheres. Ser mulher no casino significa, muito provavelmente, ser barmaid, uma função mais periférica e distanciada dos regimes de trabalho detentores de maior importância social, simbólica e económica. A esta função, posicionada nos degraus mais desprivilegiados da hierarquia organizacional, correspondem exigências, representações e imagens sexuais e genderizadas, tipicamente associadas a mulheres de classes baixas. Por outro lado, as pagadoras de banca, profissão central para a organização, devem performatizar uma sexualidade e uma identidade de género mais apropriada aos valores e práticas das classes médias. Os estereótipos de género, relacionados com as representações acerca das profissões eminentemente femininas, como é o caso das barmaids, ou eminentemente masculinas, como é o caso da função de pagador de banca, conjugam-se com as posições que estas respetivas funções vão ocupar na hierarquia dos casinos portugueses. O processo de trabalho não se limita a reciclar as “competências naturais” das mulheres que já existiam fora do local de trabalho, produz novos habitus, comportamentos, atitudes, representações, performances sexuais e de género. O poder produz (Foucault, 1999) e, no local de trabalho, essa produção não deixa de ocorrer pelos efeitos práticos da experiência laboral quotidiana, pela integração numa estrutura profissional e numa hierarquia corporativa, que organiza as representações, mundividências, habitus e atitudes dos diversos profissionais. Se, por um lado, eles não são meros agentes passivos, agem e manipulam o seu contexto de subordinação para dele retirarem vantagens, por outro agem de tal forma que reforçam os estereótipos e as condições que subjazem à sua própria subordinação.

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1 Este artigo é resultado de uma pesquisa etnográfica ainda em curso, financiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (fct) com a referência da bolsa sfrh/bd/128987/2017. Esta investigação está enquadrada no programa de doutoramento em Antropologia do Instituto de Ciências Sociais/Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa e integrado no Centro de Administração e Políticas Públicas (capp). É também o resultado mais alargado de uma comunicação apresentada na Conferência Internacional Mulheres, Mundos do Trabalho e Cidadania - Diferentes Olhares, Outras Perspectivas, realizada no iscte, em dezembro de 2018, com o mesmo título.

2Pagador de banca é a denominação portuguesa para a categoria profissional dos dealers ou croupiers.

3Todos os nomes, incluindo as empresas e os casinos sobre os quais se debruça esta investigação, ficarão protegidos pelo anonimato. Pelos mesmos motivos, as informações concretas relativas à amostra, como a idade dos entrevistados, habilitações literárias, etc., será apresentada na forma de média ou de conjunto.

4Importa referir ainda que, apesar da minha intenção em realizar esta investigação, eu entrei para o casino como trabalhador. Os meus colegas de trabalho vieram, com o decorrer do tempo e à medida que ganhava mais familiaridade com eles, a conhecer a minha intenção de realizar este estudo. No entanto, dada a própria dimensão das equipas de trabalho, esta informação foi--lhes transmitida em diferentes momentos e, em relação aos intervenientes com os quais não desenvolvi uma relação mais próxima ou familiar, essa informação não chegou a ser transmitida.

5Os dois momentos de observação participante foram acompanhados pela escrita de um diário de campo, onde foram registadas centenas de conversas informais e notas de campo.

6Seis interlocutores foram entrevistados duas vezes, dada a sua preponderância no acesso ao terreno, ou a relevância das informações que possuíam.

7Esta diversidade de interlocutores permitiu-me compreender o que era particular ao meu terreno e o que era comum em relação aos restantes casinos. Desta forma, este artigo tem alguma capacidade de extrapolação, embora não de generalização.

8Tanto os membros da Direção de Jogo e de Recursos Humanos, quanto o dirigente sindical do sector da hotelaria e turismo possuíam informações preciosas relativamente ao universo laboral dos casinos. No entanto, devido à sua posição na estrutura organizacional (diretores) ou devido à sua não inclusão nas equipas de trabalho dos casinos (dirigente sindical), estes interlocutores serão excluídos de grande parte das análises estatísticas que se apresentam em baixo, dado que o objectivo destas é caracterizar a população alvo do estudo, isto é, os trabalhadores dos casinos.

9O facto de as empregadas de mesa se encontrarem pouco representadas na amostra não é acidental. No decorrer do meu trabalho de campo, as barmaids, os seguranças, os tradutores, os caixas e os contínuos eram os profissionais com quem mais de perto trabalhava e convivia. Desta forma, a quantidade de notas de campo e de conversas informais que possuía dispensaram-me de procurar uma complementaridade nas entrevistas. Estas tornaram-se mais urgentes no caso dos pagadores de banca, função que, no decorrer do primeiro momento de observação participante e exceptuando os momentos de observação directa e de algumas conversas informais, revelava ainda uma insuficiência de dados recolhidos.

10Em conjunto, os dois casinos analisados empregam cerca de 200 trabalhadores desta categoria profissional.

11 Este resultado, no entanto, não deve ser tomado como representativo do conjunto dos trabalhadores dos dois casinos analisados ou dos casinos em Portugal, dado que, segundo os meus interlocutores, a maioria dos seus colegas não é sindicalizado.

12Em 2017, o salário médio nacional estava fixado nos 943€ mensais. Os pagadores de banca, por sua vez, auferem um salário base de 917€, ao qual acrescem as gorjetas que, embora variáveis, rondam os 900€-1200€ por mês. Estes valores dizem respeito, exclusivamente, aos dois casinos analisados.

13Inclui pagadoras de banca, fiscais de banca e chefes operacionais.

14Durante a minha pesquisa de campo observei, por diversas vezes, a mesma trabalhadora realizar dois e três turnos seguidos.

15Segundo algumas trabalhadoras, estas horas extra raramente são gozadas.

16O valor do salário mínimo nacional em 2017.

17As gratificações nos casinos estudados são distribuídas de forma diferencial consoante as respectivas categorias profissionais. Os trabalhadores periféricos, ou seja, aqueles que não possuem um vínculo contratual directo com o casino, fazem apenas as gratificações do seu respetivo departamento, não as partilhando com as gorjetas das salas de jogos, que são bastante mais elevadas.

18Entrevista 1.

19A banca francesa é considerada a mesa de jogo mais problemática nos casinos, dada a frequência de conflitos entre jogadores ou entre funcionários e clientes.

20Jogos carteados, tal como o nome sugere, são jogos de cartas. É o caso do blackjack ou do póquer.

21Que consistem num top justo com decote, minissaia e saltos-altos.

22Nota de terreno 1.

23O que é confirmado pelos próprios pagadores de banca entrevistados. Segundo os seus relatos, as gratificações surgem, essencialmente, quando o jogador ganha e não quando considera ter sido bem atendido (nt4).

24A dolly é um pequeno objeto em acrílico, utilizado pelos pagadores de banca nas roletas, para assinalar o número vencedor.

25Um jogador poderá estar tão feliz quanto o dinheiro que está a ganhar ou tão frustrado quanto o dinheiro que está a perder e, no casino, estes dois momentos antagónicos sucedem--se num curto espaço de tempo. Por esta razão e segundo os meus interlocutores, é frequente existirem confrontações verbais e mesmo agressões físicas no casino entre jogadores ou entre jogadores e funcionários.

Recebido: 25 de Fevereiro de 2019; Aceito: 12 de Maio de 2020

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