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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.239 Lisboa jun. 2021  Epub 30-Jun-2021

https://doi.org/10.31447/as00032573.2021239.07 

Dossiê

Proximidade e distância nas famílias transnacionais entre Angola e Portugal - o contributo das tecnologias de informa-ção e comunicação.

Proximity and distance in transnational families between Angola and Portugal − the contribution of information and communication technologies

1 Centro de Estudos Sociais da Universidade Coimbra. Colégio de S. Jerónimo, Apartado 3087 - 3000-995 Coimbra, Portugal. luena.marinho@gmail.com


Resumo

A globalização e as tecnologias de informação e comunicação (TIC) aproximaram os indivíduos e criaram condições que ajudam as famílias a colmatar a distância geográfica, contribuindo para que permaneçam ligadas. A investigação sobre a vida familiar transnacional revela que, muitas vezes, se verificam mudanças na relação entre pais e filhos e destaca a importância de manter a frequência de contactos e a interação quotidiana. Partindo de uma metodologia qualitativa, multilocalizada, fundamentada em entrevistas com pais migrantes nos contextos em que vivem, Angola e Portugal, e com crianças (filhas de pais migrantes) em Angola, procura-se avaliar o modo como a relação parental entre pais e filhos foi afetada pela migração dos progenitores e identificar as práticas realizadas pelos pais migrantes para exercer a parentalidade à distância.

Palavras-chave: migração; famílias transnacionais; parentalidade à distância

Abstract

Globalization and Information and Communication Technologies (ICT) brought individuals closer together and created conditions that help transnational families bridge geographical distance, allowing them to stay connected. Research on transnational family life shows that there are often changes in the relationship between parents and children, highlighting the importance of maintaining the frequency of contacts and daily interaction. Based on a qualitative, multi-localized methodology, grounded on interviews with migrant parents in the contexts in which they live − Angola and Portugal −, and with children (daughters of migrant parents) in Angola, this article aims to understand if and how the relationship between parents and children was influenced by the migration of parents as well as to identify practices carried out by migrant parents in their parenting at a distance.

Keywords: migration; transnational families; long-distance parenting

Introdução1

As famílias transnacionais não são um fenómeno recente. Contudo, a globalização e as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) criaram condições que as ajudam a sobreviver à distância geográfica, contribuindo para que os membros da família permaneçam interligados e continuem a participar na vida social, familiar, económica e política no seu país de origem. As TIC foram ganhando progressivamente mais espaço na vida quotidiana, adquirindo um papel importante na manutenção das relações à distância e na minimização dos efeitos da mesma. Vieram ainda influenciar o modo como comunicamos, socializamos e aprendemos, pois “as novas tecnologias instaladas na sociedade e no trabalho levaram a profundas mudanças no campo social e individual ao influenciarem drasticamente a vida humana, o tempo e o espaço” (Gouveia e Gaio, 2004, p. 257).

O objetivo deste artigo é identificar as práticas realizadas pelos progenitores migrantes para exercer a parentalidade à distância, procurando analisar e perceber o contributo das TIC nesse processo, bem como refletir sobre as perceções de progenitores e crianças acerca do efeito da distância na relação parental.

Após uma breve visão geral do contexto migratório entre Angola e Portugal, seguido de uma descrição da metodologia adotada, este texto centra-se na narrativa de pais migrantes sobre as suas práticas parentais e os efeitos da distância no relacionamento com os seus filhos. A análise das entrevistas realizadas revela que as práticas parentais transnacionais se baseiam na comunicação, tendo as TIC um papel importante na vida dos migrantes.

Este artigo contribui para o estudo das práticas parentais transnacionais, enfatizando um contexto migratório específico e destacando o papel das TIC na manutenção dos laços familiares.

Migração entre angola e portugal − passado e presente

As migrações entre Angola e Portugal apresentam um carácter específico, que assenta numa relação de longa data, marcada pela opressão e pelo colonialismo. As relações entre Portugal e Angola foram orientadas principalmente pelo comércio (tráfico de escravos e, depois da sua proibição, vários produtos, como café, cana de açúcar, sisal e ferro) e também por intercâmbios culturais, embora a condição de Portugal como país colonizador tivesse um papel preponderante. Após a independência de vários outros países africanos, Angola inicia a sua guerra de libertação. Esta guerra, conhecida entre os portugueses como guerra colonial, estende-se de 1961 a 1974. A queda do regime político português proporciona a independência angolana. Angola recupera a sua soberania e torna-se um país independente a 11 de novembro de 1975, contudo, com a independência do país, tem início uma guerra civil que durou 27 anos, terminando em 2002. A ligação ao país, a linguagem comum e alguma proximidade cultural fizeram de Portugal o destino escolhido por muitos angolanos que queriam fugir do conflito armado ou buscavam melhores oportunidades de vida.

A migração portuguesa para Angola começa nos anos 30 do século XX, motivada pela política de povoamento das colónias. Para Castelo (2007), a política desenvolvida pelo Estado a fim de povoar as colónias com os naturais da metrópole visou a manutenção e a efetivação da soberania sobre esses territórios, tendo sido colocada em prática em duas etapas: uma primeira planeada pelo Estado e uma segunda, que decorreu de 1929 (crise global) até à II Guerra Mundial, que já não dependeu apenas da intervenção do Estado, mas também da iniciativa individual de muitos portugueses que buscavam melhores condições de vida. Ao mesmo tempo, a divulgação da ideia das colónias como uma extensão do território português além-mar facilitou a opção pela mudança de território. O colapso do regime de Salazar em Portugal e a erupção da guerra civil em Angola estimularam o retorno de numerosos portugueses que estavam em Angola. Os anos 80 e 90 foram marcados por uma redução na emigração portuguesa para Angola, que, dada a situação política e o conflito militar no país, se tornou praticamente inexistente. A crise financeira global de 2008 incentivou novamente a imigração portuguesa. África surge novamente como destino migratório, sendo Angola neste contexto o principal destino.

Atualmente, o número de migrantes angolanos em Portugal está a diminuir, verificando-se um retorno ao país de origem - que durante o período de crise se tornou economicamente mais atrativo do que Portugal. Presentemente, o número de cidadãos portugueses que residem em Angola é superior ao número de angolanos que vivem em Portugal. Os dados do SEF − Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF 2015, 2016, 2017 e 2018) mostram que a população de angolanos tem vindo a diminuir. Se em 2015, os angolanos eram o 6.º grupo de residentes estrangeiros em Portugal, representando 5% da população estrangeira; em 2016, passaram a representar 4,3% da população estrangeira; em 2017, o número tornou a descer passando para os 4%, sendo que, em 2018, constituem 3,8% da população estrangeira residente. Todavia, os angolanos representam o segundo maior grupo de migrantes africanos a residir em Portugal. Importa referir que se tem verificado, sobretudo a partir de 2014, um regresso de portugueses que migraram para Angola no período de crise. A retoma económica em Portugal e fatores menos positivos, como a crise dos preços do petróleo ou a dificuldade em repatriar divisas, motivaram o retorno à terra natal. Angola continua a ser um destino importante de migração, representando um elevado fluxo de remessas. Os dados do Observatório da Imigração referentes aos registos consulares em Angola mostram uma diminuição do número de inscritos, em especial no ano 2016 (em 2015, existiam 134,473 portugueses inscritos no consulado, passando para 92,666, em 2016. O número volta a subir, em 2017, para 97,576 inscritos e, em 2018, para 102,420).

Na última década, com a democratização das TIC2, as distâncias reduziram-se, a mobilidade dos indivíduos foi suavizada, tornando a experiência migratória menos difícil de suportar. Mais acessíveis e com maior alcance, as TIC permitem aos migrantes estar presentes na vida das suas famílias, interagindo em tempo real, de forma direta, partilhando o dia-a-dia ou momentos especiais.

Migração e parentalidade transnacional

Os estudos sobre a migração, durante um longo período de tempo, foram direcionados especialmente para as questões relacionadas com a assimilação e a integração laboral do migrante no país de acolhimento, ou para o impacto das remessas enviadas por migrantes. Os estudos sobre transnacionalismo surgiram na década de 1990, dando especial atenção aos vínculos que os migrantes tinham com os seus países de origem (Glick-Schiler et al., 1992; Vertovec, 1999; Levitt, 2001), o que abriu uma nova linha de estudos sobre migrações que se concentraram principalmente na perspetiva do país de origem. Glick-Schiler et al. (1992) consideram o transnacionalismo um processo social no qual os migrantes estabelecem campos sociais que cruzam fronteiras geográficas, culturais e políticas. Estas autoras consideram que os migrantes desenvolvem e mantêm múltiplas relações: familiares, económicas, sociais, organizacionais, religiosas e políticas, mantendo laços consistentes e contínuos. No entanto, o interesse pelas famílias transnacionais e pelos indivíduos que permanecem no país de origem é mais recente. A literatura sobre famílias transnacionais surge após o ano 2000 (Mazzucato e Schans, 2008), emergindo da extensa literatura sobre transnacionalismo. Estas famílias passam a ser classificadas de transnacionais depois da migração de um ou mais elementos e, segundo Bryceson e Vuorela (2002), possuem como principal característica o facto de terem membros espalhados em diferentes estados, e ainda manterem um sentido de unidade e de bem-estar coletivo. Herrera-Lima (2001) enaltece a sua componente social, considerando que as famílias transnacionais são alavancadas por vastas redes sociais que permitem o fluxo da experiência transnacional.

A migração tem impacto na forma como os pais exercem a parentalidade e afeta o modo como estes se relacionam com os filhos. Na maioria das vezes, o membro da família que migra é o pai, mas, dada a procura de mão-de-obra, em áreas como prestação de cuidados e trabalho doméstico, o número de mulheres que migram tem crescido exponencialmente. Estudos levados a cabo sobre famílias transnacionais têm sido direcionados para os impactos da migração sobre as mães migrantes, especialmente o emocional. A literatura sobre a maternidade transnacional é extensa (Hondagneu-Sotelo e Avila, 1997; Parreñas, 2001, 2005; Zontini, 2004; Nicholson, 2006; Falicov, 2007; Hewett, 2009; Wilding e Baldassar, 2009; Boccagni, 2012; Carling et al., 2012; Millman, 2013). A paternidade transnacional é uma área de investigação mais recente (Pribilsky, 2004; Parreñas, 2008; Harper e Martin, 2012; Kilkey, Plomien e Perrons, 2013; Fresnoza-Flot, 2014). O número crescente de crianças que se vêem privadas de um ou de ambos os progenitores levou ao aparecimento da área de estudos children left behind, que se foca no estudo das crianças que permanecem no país de origem quando os pais migram. Diversos autores ressaltam consequências emocionais decorrentes da separação da família (Suarez-Orozco et al. 2002; Parreñas, 2005; Silver, 2006; Dreby, 2007; Yeoh e Lam, 2007; Bernhard, Landolt e Goldring, 2009). Contudo, não existem apenas aspetos negativos, e vários autores salientam as expressões positivas da migração transnacional, enfatizando os efeitos das remessas no bem-estar das famílias, sendo estas fundamentais para a prestação de cuidados às crianças, com reflexos na saúde e na educação (Koc e Oman, 2004; Bryant, 2005; Kuhn, 2006). De referir também que para alguns autores a ausência física dos pais não tem necessariamente de ser problemática ou traumática para as crianças, desde que salvaguardados alguns aspetos, como o envio regular de remessas, visitas periódicas e a existência de uma rede de apoio familiar coesa e solidária que faculte à criança estabilidade (Olwig, 1999; Zentgraf e Chinchilla, 2012; Grassi, Vivet e Marinho, 2016).

Parentalidade transcional e comunicação

Vários autores que se dedicam ao estudo dos cuidados parentais à distância defendem que a manutenção de relacionamentos íntimos em famílias transnacionais depende de várias práticas de cuidado que envolvem a circulação de objetos, valores, pessoas, e também da comunicação. Segundo Parreñas (2001), em famílias transnacionais, a falta de interação quotidiana não abre espaço à familiaridade entre os elementos e torna-se uma lacuna irreparável na definição das relações pais-filhos. A autora considera a frequência de contacto indispensável para que se mantenham os laços sociais.

A comunicação entre membros da família que se encontrem dispersos no espaço transnacional (sejam casais ou pais e filhos) é muito importante, pois cria proximidade e permite a partilha de informações e sentimentos, além de auxiliar a manutenção dos laços afetivos e parentais. O modo de vida transnacional requer uma reconfiguração das formas de interação social. A comunicação através de vários recursos tecnológicos desempenha, assim, um papel fundamental para a tornar possível, ajudando os migrantes a minimizar os efeitos do que Falicov (2007) designa de desenraizamento social, cultural e físico.

As TIC, aqui entendidas como tecnologia que trata informação e auxilia na comunicação, podendo ser na forma de hardware, software, rede ou telemóveis, em geral, foram potenciadas pela Internet e tiveram grande impacto na sociedade, sendo responsáveis por mudanças na forma de aprender e ensinar (e-learning), na forma de trabalhar (teletrabalho; e-commerce; etc.) e na forma de comunicar, de socializar e de aproveitar os tempos de lazer (redes sociais). Trouxeram ainda formas mais variadas de se comunicar, podendo recorrer a diversos formatos (voz, imagem, texto, etc.). O uso de telemóveis criou novas oportunidades de mobilidade no tempo e no espaço e integração social no quotidiano, facilitando a possibilidade de interação direta e imediata, a baixo custo. Através da voz, é possível transmitir sentimentos e emoções. Estas tecnologias são extremamente úteis no caso dos migrantes, uma vez que lhes permitem acompanhar as rotinas diárias das suas famílias, mantendo um sentido de comunidade. A utilização das TIC quer por parte dos adultos (pais migrantes), quer por parte das crianças cria uma noção de proximidade entre os interlocutores e facilita os contactos. Raelene Wilding revela que, desde o final da década de 1990, a Internet permitiu o aumento da comunicação, a tal ponto que “a introdução do e-mail transformou a família transnacional” (2006, p. 138). Também Bacigalupe e Lambe (2011) evidenciam as TIC, considerando-as “um novo membro da família” nas famílias transnacionais, fonte de capital social, que promove o discurso e ajuda a criar uma sensação de que os entes queridos estão presentes. Tudo isso pode incluir a troca de mensagens entre telefones móveis, o uso de aplicações como o Facebook ou o Whatsapp, uso de dispositivo vídeo, criando uma sensação de presença constante e de cuidados transnacionais. As TIC contribuíram para a reconfiguração das relações familiares, dentro das quais, como nota Zymunt Bauman (2005, p. 87), “a proximidade não implica mais a proximidade física; mas a proximidade física não determina mais a proximidade”, oferecem uma panóplia de ferramentas que os indivíduos adequam às suas circunstâncias, nomeadamente, capacidade de utilização, alcance da ferramenta, disponibilidade financeira, interlocutor, contexto e momento da comunicação, etc.

É crescente a literatura sobre a influência das TIC nas relações à distância e o seu papel na prestação de cuidados (Lanigan, 2009; Diminescu e Pasquier, 2010; Huang, S., L. L. Thang e M. Toyota, 2012; Oiarzabal e Reips, 2012; Baldassar et al., 2016; Madianou, 2016; Nedelcu e Wyss, 2016; Cuban, 2019). Alampay, Alampay e Raza (2013) analisaram o impacto da Internet, em especial a utilização de cybercafés, na manutenção dos contactos e dos laços familiares de crianças filipinas left behind com os seus progenitores migrantes, constatando que cerca de metade da amostra não possuía acesso à Internet a partir de casa, daí o espaço cybercafé assumir extrema importância como veículo facilitador; também questões técnicas relacionadas com a rapidez da ligação favorecem o recurso a esses estabelecimentos. O acesso à Internet é essencial para as crianças comunicarem com seus pais migrantes (o que se verificou em cerca de 70% dos casos). Os autores verificaram também que a utilização da Internet para comunicar com os pais dá à criança a perceção de os conhecer melhor, bem como ao estilo de vida que os pais têm no estrangeiro.

As TIC conduziram, portanto, a uma maior disponibilidade e acessibilidade de meios de comunicação. Porém, em Angola, dado o contexto de pobreza de muitas famílias, o acesso à Internet e, assim, à comunicação por e-mail ainda não está acessível, daí que a comunicação à distância seja efetuada principalmente por telefone. Para usufruir destas ferramentas, é também necessário possuir competências de utilização. No que se refere à sua utilização por parte das crianças, em Almeida et al. (2013, p. 342) é destacado que “em Portugal, como em alguns outros países europeus, as crianças lideram na apropriação e uso competentes de novas tecnologias de informação e comunicação, revelando intensidades de utilização e níveis de proficiência superiores aos adultos”.

Metodologia, recolha e análise de dados

Os dados apresentados neste artigo resultam do uso de uma abordagem qualitativa multissituada (Marcus, 1995). Nina Glick Schiller (2003) considera a investigação etnográfica multissituada uma boa opção para estudar a migração transnacional, em particular, a vida familiar transnacional. A recolha de dados foi realizada em dois contextos: Angola e Portugal (em Angola, na cidade de Luanda − onde se encontram muitos dos portugueses que estão a trabalhar no país −; e em Portugal, na zona de Lisboa - área onde reside grande parte dos imigrantes angolanos residentes no país). Os dados foram recolhidos através de entrevistas semiestruturadas, entre 2012 e 2015. No que se refere à amostra, foram realizadas um total de 32 entrevistas − dez entrevistas com pais portugueses em Angola (homens com filhos em Portugal), dezassete entrevistas com progenitores angolanos em Portugal (homens e mulheres com filhos em Angola), cinco entrevistas com mulheres portuguesas com filhos em Portugal e com maridos em Angola (grupo-controlo), com o objetivo de compreender o modo com se processa a parentalidade à distância. Foram ainda consideradas as entrevistas realizadas com crianças angolanas com pais migrantes (38 entrevistas realizadas no âmbito da elaboração da tese de doutoramento ( Marinho, 2017), reveladoras dos efeitos da distância na relação entre pais e filhos. O método de amostragem utilizado para entrevistas no grupo-controlo foi o de bola de neve; para as entrevistas com os migrantes, utilizou-se uma amostra de conveniência. A análise de dados foi efetuada com recurso à técnica da análise de conteúdo, através do software MAXQDA, que funcionou como agregador de dados, facilitando a organização e a codificação dos textos. A técnica baseia-se na apreciação do discurso, tendo em vista a interpretação da comunicação. Quanto aos procedimentos durante o tratamento da informação, foram aplicados os seguintes: transcrição integral das entrevistas (utilizando o método clássico de reprodução áudio/processamento de texto, sem recurso a software de transcrição); leitura cuidadosa de cada uma das entrevistas, procurando identificar denominadores comuns; elaboração de sinopses das entrevistas; conceção de grelhas de análise da entrevista, estabelecendo-se para as mesmas critérios e indicadores relevantes para o objeto de estudo; e aplicação dos procedimentos de “análise temática”, “categorial” e “tipológica”.

Os dados revelam que a migração de angolanos em Portugal é mais antiga do que a migração de portugueses em Angola. Os angolanos entrevistados começaram a chegar ao país em 1988. Quanto aos portugueses em Angola, verificou-se na amostra que as primeiras migrações remontam a 2008, ano que coincide com o início da crise económica em Portugal. Naquela altura, os motivos da migração, no caso angolano, foram sobretudo a guerra e a busca de melhores condições de vida; mais recentemente, os migrantes chegam a Portugal com um objetivo educacional ou para adquirir formação. A migração portuguesa para Angola tem um carácter marcadamente económico, os salários oferecidos e as oportunidades de crescimento profissional são a principal motivação. O envio de remessas (que possibilita uma melhor qualidade de vida para os membros da família) justifica, de alguma forma, a escolha da migração. Em contraste, os migrantes angolanos enviam menos remessas e, muitas vezes, não enviam sequer. Verificou-se que os migrantes angolanos costumam ter um número maior de filhos (entre um e oito filhos) do que os migrantes portugueses (um ou dois filhos). Os migrantes angolanos entrevistados tendiam a ter filhos mais velhos do que os pais migrantes portugueses. As idades dos filhos dos migrantes angolanos variam entre 1 e 38 anos, enquanto as idades dos filhos dos migrantes portugueses estão entre 3 e 21 anos. Quanto aos cuidados quotidianos das crianças (alimentação, saúde, vestuário, proteção, etc.), tendem a ser prestados pelas mães.

QUADRO 1 Caracterização da amostra 

Contactos à distância

Nas entrevistas realizadas com pais migrantes, notamos que os mais recentes têm uma maior propensão para comunicar com os seus filhos/familiares. No que se refere à periodicidade de contactos, verificou-se que os migrantes portugueses tendem a realizá-los diariamente ou dia sim, dia não; já os migrantes angolanos referem, sobretudo, uma frequência bissemanal, semanal, mensal ou mesmo esporádica. A assiduidade de comunicação parece também estar de alguma forma associada ao tempo de migração, sendo os migrantes mais recentes mais ativos nas suas comunicações com a família no país de origem.

Os pais com filhos mais velhos e mais tempo de migração tendem a ter uma frequência diferente de contactos:

Eu nunca tive rotinas de comunicação, talvez por ter estado aqui quando não havia possibilidade de ter rotinas… Nós falamos, falamos regularmente, falamos quando temos que conversar, eu posso falar três ou quatro vezes por dia, eu posso, não falo por dois ou três dias, não tenho uma rotina apertada. [português, 44 anos, em Angola desde 2010 − já tinha estado em Angola em 1994-1995]

As narrativas dos pais migrantes vêm salientar que na comunicação à distância intervêm vários fatores, entre os quais se destacam a acessibilidade dos atores à tecnologia (acesso à Internet, rede, velocidade); disponibilidade financeira e temporal para efetuar comunicações; nível de competências de utilização das TIC; rotinas criadas pelo migrante; e família que tende a impor uma periodicidade/frequência de comunicação. Relativamente a este último, são vários os relatos que indicam o estabelecimento dessas rotinas:

Falo com a minha mãe e irmãs todos os dias, com o meu filho também (…) pela Internet (…), uso o Messenger, uso a câmara. [angolana, 32 anos, em Portugal desde 2010]

Comunicamos diariamente ou dia sim, dia não, no limite; costuma ser ou por telefone ou Skype. [português, 47 anos, em Angola desde 2010]

Quanto aos meios utilizados para comunicar, verificou-se a tendência para os pais migrantes portugueses usarem mais o Skype, enquanto a comunicação dos pais migrantes angolanos com os filhos é realizada preferencialmente pelo telefone: “é sempre telemóvel, apenas por telefone. Ela não tem Internet lá (…), a gente fala uma vez por semana durante cerca de uma hora” [angolano, 43 anos, em Portugal desde 1988]. No período de recolha de dados em Angola, o acesso à tecnologia 3G não era generalizado, sobretudo, devido à incapacidade financeira para suportar equipamentos com esta tecnologia. A falta de competências na utilização das TIC torna-se uma barreira para o uso eficaz da Internet, bem como o custo das comunicações, sendo ambos entraves que se colocam às famílias dos migrantes angolanos entrevistados. Aparentemente, os pais migrantes portugueses usam uma variedade maior de meios de comunicação, que vão desde o Skype, telefone, mensagens de texto, e-mail, Viber, VoIP, indo ao encontro do conceito de polimédia, definido por Madianou e Miller (2012), ou seja, vão adequando as tecnologias disponíveis às suas capacidades, de forma a facilitar a comunicação com os seus familiares. O uso preferencial do Skype está relacionado com a possibilidade de visualização, minimizando a distância, o que gera uma sensação de proximidade através da presença virtual (embora existam outras alternativas que também ofereçam a possibilidade de visualização). Um dos entrevistados descreve os impactos do uso do Skype, que é a sensação de estar perto.

Se eu não o visse durante 3 ou 4 meses, se calhar, não conseguia suportar… da maneira como suporto, não é? Como o vejo todos os dias, eu sei que ele está bem (…). Às vezes, nos fins de semana, ele vai pescar… eu sei quando ele apanha um escaldão. [portuguesa, 37 anos, marido em Angola desde 2008 − grupo-controlo]

O Skype é usado como um meio para se preservar a presença e para que seja possível continuar a exercer autoridade parental e a executar tarefas que antes da migração eram feitas pessoalmente, como brincar com a criança, ajudá-la a fazer os deveres de casa, mas também para chamar à atenção para o comportamento. Permite, pois, ao progenitor migrante acompanhar a vida quotidiana dos seus filhos.

Quando a mais nova perdeu um dente, mostrou-me no Skype, muito feliz! [português, 42 anos, em Angola desde 2009]

As citações seguintes são um exemplo das atividades realizadas via Skype pelos pais e os seus filhos:

Mesmo jogos…, como o homem enforcado, conseguimos jogar no Skype (…). Descobri que o meu filho mais novo já estava lendo e juntando palavras. [português, 42 anos, em Angola desde 2009]

Eu faço os deveres de casa com meus filhos à noite no Skype sempre que posso. Outro dia, eu estive a estudar até as 22h30, 23h com D matemática lá no Skype, tivemos que rever todas as lições dele… a gente esteve lá estudando por umas quatro horas. [português, 38 anos, em Angola desde 2008]

Aconteceu o G tar a fazer os trabalhos e ele [o pai] estar a fazer os trabalhos com ele pelo Skype (…). Muitas vezes ele a jantar do lado de lá e nós a jantar do lado de cá. [portuguesa, 37 anos, marido em Angola desde 2008 - grupo-controlo].

Pese embora as inúmeras vantagens trazidas pelas TIC, sobretudo, no domínio das famílias transnacionais, o facto de proporcionarem maior proximidade, ou a manutenção de redes sociais transnacionais (Wilding, 2006), e permitirem uma maior participação na vida familiar (1.º caso), para alguns indivíduos isso não é suficiente (2.º e 3.º casos).

Ele está longe mas no fundo isto pode tornar tudo, pronto, a presença até próxima porque de facto nós vemo-lo todos os dias… vemos, falamos, quer dizer tratamos dos assuntos todos, portanto essas comunicações da internet acaba por nos dar uma grande proximidade. [portuguesa, 37 anos, marido em Angola desde 2008 - grupo-controlo]

Hoje temos o Skype, o Messenger, o telefone, isso é tudo muito bonito, mas isso não funciona, não é? Porque tu tares num ecrã de computador não é a mesma coisa que tar presente… crias o hábito de estares ali uma horinha, mas uma hora no computador os miúdos tão distraídos a ver os bonecos, ela distraída porque tem de ir fazer o jantar para os miúdos, se tiveres em casa tás ali, tás presente! E realmente tares aqui mesmo podendo utilizar as tecnologias para te aproximar mais, penso que não facilita muito, é bom para matar saudades, mas não. [português, 38 anos, em Angola desde 2008]

É claro que é sempre aquela coisa de saudades, não é? Hoje em dia também há as novas tecnologias para tar a comunicar, para ver as pessoas, mas nunca é a mesma coisa… falta o toque. [português, 29 anos, em Angola desde 2012]

As TIC medeiam a interação entre os membros da família, a realidade da vida quotidiana não se esgota em presenças imediatas, englobando fenómenos que não estão presentes “aqui e agora” (Berger e Luckmann, 2004, p. 34), nos quais é possível reinventar as relações de proximidade ou distância e vínculos entre pais-filhos.

Efeitos da distância

A distância afeta pais e filhos, modificando a dinâmica familiar existente. Na amostra, os pais relatam, numa fase inicial da migração, sentimentos de solidão, depressão e falta de contacto emocional com familiares e amigos. Em relação aos filhos, a distância, por vezes, faz com que se sintam impotentes por não estarem presentes. Sentem que não conseguem ajudar ou cuidar rapidamente deles. Tristeza e saudade também foram mencionadas pelos pais migrantes.

Só uma vez senti… a minha mais nova − até a professora falou com a mãe e depois a mãe falou comigo, e eu perguntei-lhe e ela disse que estava triste; ela estava triste porque sentia a minha falta. Fiquei atordoado, com o coração a sangrar. [português, 38 anos, em Angola desde 2008]

Relativamente às crianças, a distância dos pais afeta o seu bem-estar emocional. Vários pais relatam algumas mudanças no comportamento dos seus filhos e descrevem alguns desses efeitos como dificuldades de concentração e distúrbios psicossomáticos.

Ele é um miúdo problemático, que se distrai com muita facilidade e, também pelo facto de eu estar aqui, o miúdo tem mais necessidade de atenção. [português, 38 anos, em Angola desde 2008]

Em termos emocionais foi mais complicado, o meu filho sente imenso a falta do pai (…). Ele agora passou uma fase, e isso tem a ver com a parte emocional… todos os dias lhe doía a cabeça, enxaquecas, a cabeça doía e depois desaparecia, não havia dia nenhum que ele não se queixasse. [portuguesa, 42 anos, marido em Angola desde 2008 − grupo-controlo]

Os pais tendem a considerar que a distância traz diferenças para a relação − cria uma distância emocional que leva à falta de proximidade emocional. Uma das entrevistadas, referindo-se à relação parental entre pai e filha, afirma:

A relação próxima que ele tinha com a filha… ele sempre a amou, e parece que tudo isso estava a desaparecer, estava a criar um afastamento e…, e esse afastamento efetivou-se. [portuguesa, 51 anos, marido em Angola desde 2008]

Outra entrevistada relata:

Falo todos os dias com o meu filho antes dele se deitar, ele não me trata de mãe, diz M. [angolana, 32 anos, em Portugal desde 2010]

Para uma minoria, a distância física contribui para uma melhoria da relação, revelando-se geradora de intimidade e proximidade.

Havia uma discrepância muito grande entre a ligação dele comigo e dele com o pai. Neste momento, estamos os dois praticamente ao mesmo nível. [portuguesa, 37 anos, marido em Angola desde 2008 - grupo-controlo]

Acho até que, por um lado, foi benéfica a distância, pronto, ele cresceu um pouco, amadureceu, e acaba por partilhar coisas comigo que, se calhar, não partilhava se eu estivesse lá, não é? [português, 47 anos, em Angola desde 2010]

Acho que a distância melhorou muito… talvez por sentir saudades minhas. O comportamento dele mudou. [menina, 14 anos, pai migrante em Portugal]

As narrativas dos progenitores migrantes relatam perdas e ganhos promovidos pela distância imposta pela migração. Se alguns migrantes revelam ter uma maior liberdade (a distância liberta-os das rotinas quotidianas da vida familiar − levar/buscar as crianças à escola, a atividades extracurriculares, compras, etc.), também estão cientes de que a distância influencia a sua relação com os filhos.

Ganhei o meu tempo todo, não é? (…) O que é que eu perco, perco efetivamente a partilha do espaço, das emoções, tudo mais, perco o prazer de estar com os meus filhos… que é uma fatura que eu vou pagar mais à frente, não é? [português, 44 anos, em Angola desde 2010]

A par de perdas e efeitos do afastamento, os progenitores também mencionam modificações em relação à autoridade parental, que é reduzida pela distância, e reforçam a importância de estar presente.

Eu cheguei à conclusão de que minha filha estava criando um conjunto de hábitos que são… esses hábitos que eu acho que foram influenciados pela minha distância, na distância entre nós, no facto de que eu estive aqui tanto quanto eu estive. [angolano, 48 anos, em Portugal desde 2001]

P: Acha que a distância interfere na sua autoridade com seus filhos?

R: Até à data não, mas em algum momento vai começar a acontecer, porque nesta fase eles… a autoridade dos dez anos é diferente da autoridade de catorze, quinze. [português, 42 anos, em Angola desde 2009]

Estar presente é muito importante. Quando está faltando, você perde a autoridade, não é? [angolano, 48 anos, em Portugal desde 2001]

Os testemunhos das crianças angolanas com pais migrantes também revelam que, por vezes, a relação parental à distância que emerge da comunicação demonstra pouca profundidade ou proximidade afetiva, o que as inibe de abordar todos os temas com o/a progenitor/a. Os temas abordados na comunicação entre progenitores migrantes e filhos são maioritariamente a escola, a saúde e o comportamento da criança. Porém, se o migrante for a mãe, verifica--se uma maior facilidade em abordar todos os assuntos. Mesmo à distância, existe uma maior perceção de suporte afetivo. A variedade de temas abordados durante as comunicações, bem como a frequência das mesmas, parece influenciar a perceção de proximidade das crianças para com o/a progenitor/a migrante. Outro fator que aparentemente afeta a frequência de comunicação é a relação conjugal dos progenitores da criança, sendo que, tendencialmente, quando os pais da criança estão separados, a comunicação tende a assumir um carácter menos regular.

O meu pai pode estar distante, mas ele sabe que aqui em Luanda ele deixou uma família, ele de vez em quando liga, fala comigo, com a minha mãe. Quando ele vem, ele fala connosco, nos aconselha, tem momentos que ele nos conta algo para sentir que estamos juntos, mesmo estando distante, ele tá próximo. [menina, 12 anos, pai migrante em Portugal]

As entrevistas apontaram também para as consequências da duração do afastamento − quanto mais reduzido for o tempo de afastamento entre o progenitor e a criança, maior a frequência de comunicação.

Observações finais

Este artigo centrou-se no papel das TIC para o exercício da parentalidade à distância por pais migrantes. A análise efetuada tem como base a migração entre Angola-Portugal e mostra que os principais resultados da distância na relação parental são o distanciamento emocional, a menor participação na tomada de decisões, a perda da autoridade parental e a falta de compartilhamento do dia-a-dia (os pequenos e grandes momentos da criança).

As práticas parentais transnacionais apoiam-se na comunicação − parentalidade por videochamada (Skype ou outra ferramenta que permita a visualização) −, especialmente, no caso português e no caso dos angolanos que se encontram há menos tempo em Portugal. Para a maioria dos migrantes angolanos que residem em Portugal, a parentalidade é exercida por telefone. Nesta amostra verificou-se uma tendência aparente para os migrantes portugueses realizarem mais comunicações com as crianças e também para efetuar um maior número de visitas ao país de origem do que os migrantes angolanos. Possivelmente, dever-se-á ter em consideração o tempo de migração, mais recente para a maioria dos entrevistados portugueses, bem como os rendimentos do migrante − os migrantes portugueses em Angola estão mais bem posicionados no mercado de trabalho do que a maioria dos migrantes angolanos em Portugal, tendem a ter empregos qualificados e mais bem remunerados. Tal como refere Parreñas (2005), existem diferenças nos contornos da comunicação transnacional entre as classes, o acesso às TIC pelas famílias migrantes transnacionais não é uniforme. Os rendimentos económicos também têm influência na forma como os migrantes comunicam com as suas famílias, quer no que se refere à frequência de contactos, quer quanto à forma como esses contactos são realizados. Por exemplo, a maioria dos entrevistados angolanos não usa o Skype porque as famílias em casa não têm computador, Internet ou competências para utilizá-lo. A cultura da organização familiar também parece ter implicações − os angolanos têm famílias alargadas que acabam por ser mais solidárias e protetoras; os portugueses tendem a ter famílias nucleares, que possuem uma rede de apoio menor, o que impõe uma maior necessidade de monotorização, acompanhamento e apoio à família por parte do migrante.

As TIC assumem grande importância na vida da maioria dos pais migrantes, permitem relações transnacionais além-fronteiras, são o meio de manter contacto com as suas famílias, de preservar laços afetivos e sociais, facilitam a circulação de cuidados (Baldassar e Merla 2014) e auxiliam no desenvolvimento de novas práticas de “estar junto em família” (Nedelcu e Wyss, 2016). A propagação de meios de comunicação, como Internet, smartphones e redes sociais, e a sua acessibilidade geraram um ambiente de polimédia (Madianou e Miller 2012, 2013) que liga os membros da família por meio de variadas ferramentas passíveis de ser usadas separadamente ou combinadas, podendo conduzir a uma “copresença omnipresente” (Nedelcu e Wyss, 2016, p. 210), quando os computadores ou smartphones estão ligados e conectados todo o dia. Contudo, para alguns pais migrantes, as conversas mediadas por TIC, por si só, não são suficientes para manter a intimidade. Estes pais notam um arrefecimento na relação com os seus filhos − distanciamento emocional dos filhos −, facto que também é relatado em estudos cujo foco da prestação de cuidados transnacionais são os pais idosos (Cuban, 2018, 2019).

Tanto pais como crianças, sobretudo, os que mantêm uma relação parental estreita, consideram que a distância traz saudades, e em alguns casos revelam melhorias no seu relacionamento. A fim de minorar a sensação de distanciamento que sentem das suas famílias, e aliviar as feridas emocionais causadas pelo seu projeto migratório, os pais migrantes tendem a concentrar--se nos objetivos de migração para suportar a distância familiar − reforçam o seu papel de provedor −, particularmente, no caso dos portugueses, cuja migração para Angola assume um carácter económico, ou na importância de obter uma educação/formação, no caso dos migrantes angolanos mais recentes. Também as crianças tendem a adotar uma postura compreensiva no caso dos pais que migram para prosseguir os seus estudos, salientando os benefícios futuros.

Importa ainda apontar que a investigação apresentou algumas limitações. Pela sua natureza qualitativa, a investigação conduzida oferece uma abordagem e contextualização ricas do tópico, embora não possibilite a generalização dos resultados para todas as famílias transnacionais a viver entre Angola e Portugal. Investigação futura baseada em pesquisa longitudinal, qualitativa ou com métodos mistos poderá enriquecer a nossa compreensão de contextos familiares diaspóricos. De igual modo, será interessante explorar algumas categorias de análise como o género, em particular, as diferenças de género no modo como as crianças experienciam a distância do progenitor migrante e também as diferenças entre progenitores migrantes relativamente ao modo como exercem a parentalidade e a comunicação à distância.

Este artigo contribui para os estudos sobre o contexto angolano, em especial sobre as famílias transnacionais entre Angola e Portugal, considerando-se pertinente continuar a estudar as famílias transnacionais e o impacto das tecnologias de informação e comunicação no contexto das migrações dos PALOP para Portugal.

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Notas

1 Os dados originais que estão na base deste artigo provêm do trabalho de campo realizado no âmbito do projeto de doutoramento que resultou na tese A presença da ausência − as crianças e os seus modos de viver e representar a família entre Angola e Portugal e dos projetos Places and belongings: Conjugality between Angola and Portugal e TCRAf-Eu - Transnational Child raising arragements between Africa and Europe, desenvolvidos no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, sob a coordenação da Doutora Marzia Grassi.

2 Importa salientar que, embora se tenha verificado uma democratização das TIC, o seu uso não é generalizado em todas as partes do globo. Não podemos fugir à questão do fosso digital - mesmo que, muitas vezes, a tecnologia esteja disponível em todos os países (embora com características diferentes, menor velocidade, etc.), não significa que esteja acessível a todos os indivíduos. Seja por questões de capacidade económica (para ter acesso a equipamentos e serviços de Internet) ou operacional - literacia digital -, muitos há que continuam sem acesso a estes meios mais avançados. De acordo com a União Internacional de Telecomunicações (UIT), mais de 12% de toda a população global sem acesso à Internet vive em África e no Sul da Ásia. A organização defende que o acesso online de forma universal e barata é fundamental para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Mais informação disponível em https://news.un.org/pt/story/2020/09/1726652.

Recebido: 04 de Novembro de 2019; Aceito: 12 de Fevereiro de 2021

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