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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.239 Lisboa jun. 2021  Epub 30-Jun-2021

https://doi.org/10.31447/as00032573.2021239.14 

Obituário

Obituário: Pedro Lains (1959-2021), por Álvaro Ferreira da Silva

Álvaro Ferreira da Silva1 
http://orcid.org/0000-0002-8716-415X

1 NOVA School of Business and Economics (NOVA SBE). Campus de Carcavelos, Rua da Holanda, n.º 1 - 2775-405 Carcavelos, Portugal. alvaro.silva@novasbe.pt


Pedro Lains (1959-2021)

Pedro Lains foi um dos mais destacados historiadores económicos portugueses e um dos poucos que na sua geração atingiu uma precoce dimensão internacional. É fácil recordar Pedro Lains pelo seu legado historiográfico. As marcas que deixou para a compreensão da história económica portuguesa e europeia são evidentes e o seu rasto indelével, desde os primeiros artigos publicados há 35 anos, exatamente aqui, na Análise Social. Encontramos nestes primeiros textos as interpelações sobre o atraso económico português no século XIX, sobre o desempenho do maior sector de atividade na economia oitocentista, sobre a evolução do comércio externo e o papel da política aduaneira. Estes seriam temas continuados na sua tese de doutoramento, realizada no European University Institute (Florença) e depois publicada em português: A Economia Portuguesa no Século XIX. Crescimento Económico e Comércio Externo 1851-1913 (1995).

Uma cuidada crítica, análise e interpretação dos dados quantitativos sobre o comércio externo ou a produção agrícola constituem uma marca que Pedro Lains deixa na historiografia portuguesa nestes seus primeiros trabalhos, num sincretismo de labor erudito e de análise econométrica. O aluno brilhante da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa dialogava com as ferramentas da crítica interna e externa das fontes, próprias do historiador.

As interrogações sobre o crescimento económico português perdurariam, mesmo quando os seus interesses de investigação se ampliaram a partir dos anos 90. Outros temas emergiram nas suas publicações: o império português e a relação da economia portuguesa com as suas colónias, o sector bancário, o impacto da crise financeira dos anos 90 do século XIX ou o desempenho da economia portuguesa ao longo do século XX. Porém, o aparente paradoxo dos “progressos do atraso” subsiste como trave-mestra das interrogações e da interpretação que propunha para a evolução da economia portuguesa (Os Progressos do Atraso. Uma Nova História Económica de Portugal, 2003). Apesar de não ter progredido ao mesmo ritmo dos países mais dinâmicos, ou mesmo de algumas das periferias europeias, a economia portuguesa revelava um processo de crescimento e de transformação desde meados do século XIX. Crescimento modesto e cumulativo, é certo, mas longe de qualquer visão de decadência ou de falta de cumprimento de um desígnio histórico. Interpretações voluntaristas do devir, de culpabilização de elites ou políticas, não encontravam adesão na interpretação das limitações ao potencial de crescimento da economia portuguesa. Esta forma singular de abordar a evolução da economia portuguesa colocou-o em rota de colisão com outras interpretações do que foi a economia do Portugal contemporâneo. Como era seu cunho, a sua determinação neste debate historiográfico manteve sempre o rigor e a serenidade dos argumentos, face a qualquer resvalar para a crítica fácil ou para o anacronismo.

Uma outra originalidade está presente desde os primeiros artigos de Pedro Lains: “Portugal não é uma ilha”, na expressão feliz de José Luís Cardoso (Público, 18-05-2021). A dimensão internacional e comparativa de fazer história marcou de forma decisiva todo o percurso académico do Pedro. A análise comparada da evolução económica portuguesa não era apenas efetuada com os suspeitos habituais - a Grã-Bretanha ou a França, a Alemanha ou os Estados Unidos. Visava, sobretudo, os países que partilhavam com Portugal a periferia europeia, alguma semelhança na inserção na economia mundial oitocentista, a proximidade geográfica e a insersão no arco mediterrânico, como a vizinha Espanha ou Itália. Ou ainda os casos de outras economias, igualmente periféricas face aos polos europeus de industrialização e de modernidade económica, menos próximas e mais inesperadas, mas cuja comparação com a evolução da economia portuguesa fazia todo o sentido, como a que estabeleceu com países balcânicos, como a Sérvia ou a Roménia (“Southern European econonomic backwardness revisited: The role of open economy forces in Portugal and the Balkans, 1870-1913”, Scandinavian Economic History Review, 2002).

A evolução económica de Portugal só poderia ser compreendida num quadro supranacional. Integrar esta dimensão eminentemente comparativa permitiria aumentar a experiência e, com ela, uma multiplicação do conheci-mento sobre a evolução da economia portuguesa. Esta exposição internacional tornaria a história que se fazia em Portugal mais fecunda e madura. Mais: a história económica deste pequeno país europeu tinha também uma palavra importante a dizer para a compreensão dos espaços económicos em que se inseria, no que Pedro Lains sintetizaria como as lições da periferia para a compreensão do crescimento económico europeu (“European economic history: the contribution of the periphery”, 2018).

Neste esforço comparativo e de internacionalização da história económica sobre Portugal, Pedro Lains coordenou várias obras colectivas: sobre agricultura (Agriculture and Economic Development in Europe since 1870, 2009, com Vicente Pinilla, 2009; An Agrarian History of Portugal, 1000-2000: Economic Development on the European Frontier, com Dulce Freire, 2017), sobre finanças públicas (Paying for the Liberal State: the Rise of Public Finance in Nineteenth-Century Europe, com José Luís Cardoso, 2010), ou ainda An Economic History of Portugal, publicada em coautoria com Leonor Freire Costa e Susana Münch Miranda (2016). O seu último projeto não poderia ser mais representativo desta faceta comparativa e de dimensão internacional. Trata-se de uma história económica da Península Ibérica, desde o período medieval até ao final do século XX, congregando cerca de 70 autores de várias nacionalidades e que irá ser publicada pela Cambridge University Press. Perdurará na historiografia ibérica e europeia como um empreendimento arrojado e notável.

Esta dimensão internacional e comparativa do conhecimento histórico está presente na sua trajetória individual como investigador, publicando em revistas e editoras internacionais, participando nas conferências internacionais de história económica e sendo reconhecido pela comunidade científica além-fronteiras. Mas está igualmente patente nas iniciativas que fomentou para dar corpo à ambição de tornar a história económica que se faz em Portugal mais comparativa e internacional. Não apenas como investigador, mas também no domínio institucional, a historiografia portuguesa deve-lhe muito da internacionalização alcançada nas três últimas décadas. Promoveu a realização de vários encontros internacionais, por exemplo, as conferências e seminários da Iberometrics ou da European Historical Economics Society de que foi secretário-geral, em que procurou colocar a história económica sobre Portugal em diálogo comparado.

Os dois mandatos em que presidiu à Associação Portuguesa de História Económica e Social (2003-2007) representaram uma transformação radical na internacionalização das conferências anuais da associação. Foi sob a sua direção que principiaram as primeiras conferências com sessões em inglês. Foi com ele que se iniciou a divulgação da conferência para uma audiência internacional, atraindo um largo contingente de participantes estrangeiros. As conferências da Associação nunca mais foram os pequenos encontros, centrados na comunidade de historiadores portugueses. Este é mais um contributo do Pedro para a história económica em Portugal, que perdura até hoje em todas as conferências anuais da Associação Portuguesa de História Económica e Social. Este legado foi reconhecido na última Assembleia Geral da Associação, em julho de 2021, que por unanimidade decidiu passar a designar como Prémio Pedro Lains a distinção à melhor comunicação de um jovem investigador.

Todos os que se cruzaram com o Pedro - em seminários e conferências, em projetos editoriais e no quadro institucional, nos encontros sociais e à mesa de um café - puderam beneficiar da sua inteligência viva e curiosa, da sagacidade das questões, da genuína vontade de aprender e partilhar. O testemunho de tantos jovens investigadores nestas últimas semanas tem destacado que puderam encontrar no Pedro uma fonte de experiência e de abertura de novos caminhos. Mas, sobretudo, de querer aprender com o que cada um estava a fazer, o que os movia na sua investigação, muito mais do que assumir uma atitude professoral e distante. Também por isto a atribuição do seu nome ao prémio da Associação Portuguesa de História Económica e Social constitui um reconhecimento desta forte ligação às novas gerações de historiadores.

O Pedro Lains foi um exemplo de historiador e economista empenhado no debate público, sobretudo no período em que Portugal se defrontava com fantasmas do passado que os historiadores económicos conhecem bem: desequilíbrio das contas públicas e externas, e correspondente crise financeira, económica e política. Pelo seu blog “Correntes de História” passou uma intervenção constante no debate sobre o rumo a dar à política económica no período em que o financiamento da economia portuguesa se encontrava comprometido e em que o país mergulhou numa grave crise económica e social. Nas suas intervenções nos media procurou utilizar as lições da história com um duplo fim: enquadrar a crise financeira e destacar algumas das características estruturais da economia portuguesa. Não teve receio de assumir que as lições da história poderiam ser úteis para compreender os problemas que a economia portuguesa enfrentava e o rumo que a política económica deveria trilhar.

O Pedro não era apenas um investigador brilhante e uma mente curiosa. Tinha uma qualidade rara entre os historiadores: um excecional espírito empreendedor, que acrescentava ao seu talento como historiador. Empreendedor, no sentido de mobilizador de vontades, de criador de projetos que ajudassem a melhor compreender a história económica de Portugal e a inseri-la no panorama internacional. Tinha as qualidades que distinguem os excelentes empreendedores: a capacidade de gerar ideias inovadoras e torná-las exequíveis; o condão de polarizar vontades à sua volta (um líder que o conseguia ser sem precisar de mandar, como assinalou a sua filha Vera numa mensagem tocante); a perseverança, capacidade de concentração e dedicação para levar os projetos a bom termo.

Tive o privilégio de beneficiar do influxo desta inteligência criativa em vários projetos, de que destaco: a organização do primeiro encontro dedicado à história empresarial (Évora, 1995), a partir do qual se publicou um volume da Análise Social (1996); uma Summer School da European Historical Economics Society, “Structural Change in Historical Perspective: The Role of Firms” (2000); a coordenação da História Económica de Portugal, 1700-2000 (Imprensa de Ciências Sociais, 2005, 3 volumes); a organização dos Lisbon Economic History Seminars, a partir de 2013.

Fui igualmente convidado para integrar a redacção da Análise Social no período em que o Pedro Lains foi o seu diretor (2007-2011). Nesta sua passagem como diretor desta revista introduziu de forma sistemática os princípios da revisão anónima dos manuscritos submetidos para publicação e a possibilidade de publicação de artigos em inglês. O objetivo era, sempre, o de encontrar o melhor quadro institucional para a internacionalização da investigação em ciências sociais que se faz em Portugal. A revista de maior tradição e longevidade entre os periódicos de ciências sociais editados no nosso país encontrava as melhores práticas das publicações académicas internacionais.

Todos os que contactaram com o Pedro têm esta profunda mágoa de perder tão cedo um colega brilhante e um amigo. Subsiste o seu legado de inovação. Perdurarão as recordações e, sobretudo, as ideias.

Álvaro Ferreira da Silva

Referências Bibliográficas

Lains, Pedro (1995).A Economia Portuguesa no Século XIX. Crescimento Económico e Comércio Externo 1851-1913. [ Links ]

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