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Análise Social

versión impresa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.240 Lisboa set. 2021  Epub 30-Sep-2021

https://doi.org/10.31447/as00032573.2021240.10 

Recensão

Recensão: Religião em Portugal. Análise sociológica, de José Pereira Coutinho

Teresa Líbano Monteiro1 
http://orcid.org/0000-0002-7034-5499

1 Centro Lusíada de Investigação em Serviço Social e Intervenção Social, Universidade Lusíada. Rua da Junqueira, 188 - 198, 1349 - 001 Lisboa, Portugal. tlibano@netcabo.pt

Coutinho, José Pereira. ,, Religião em Portugal. Análise sociológica. ,, Lisboa: ,, Imprensa de ciências sociais, ,, 2020. ,, 389 ppp. . ISBN, ISBN: 9789726715733.


Esta obra de José Pereira Coutinho oferece aos seus leitores uma análise sociológica atual e panorâmica da religião em Portugal. O levantamento tendencialmente exaustivo que o autor realiza dos estudos sobre o fenómeno religioso na sociedade portuguesa é vasto e muito rigoroso. A sua leitura permite conhecer os principais conceitos, teorias e paradigmas da sociologia da religião e, ainda, acompanhar as práticas e os resultados da investigação ao longo das últimas décadas. O livro é extenso e divide-se em 6 capítulos. Não foram esquecidos os leitores mais apressados. É possível encontrar um resumo da obra no fim do livro (pp. 335-341). Aliás, estas sínteses de leitura terminam cada capítulo, subcapítulo ou secção.

No capítulo 1, examina-se a construção do campo científico da sociologia da religião em Portugal, identificando autores e obras e mapeando alguns estudos de antropologia da religião. No capítulo 2 discutem-se sucintamente os conceitos de religião, religiosidade e sagrado. O capítulo 3 desdobra-se em dois subcapítulos que convergem na análise da modernidade. No primeiro, analisa-se a influência da modernização na religiosidade atual partindo do contributo de teóricos de referência das ciências sociais e no segundo examina-se o paradigma da secularização e outras correntes teóricas. A partir do capítulo 4, a obra centra-se na pesquisa sobre secularização existente em Portugal numa perspetiva histórica e em três níveis de análise: macro, meso e micro. O capítulo 5 é dedicado à análise do campo religioso na sociedade portuguesa e desdobra-se nos seguintes pontos: os tipos de organização religiosa, a envolvente do campo religioso português, o estudo da Igreja Católica em Portugal e, ainda, as minorias religiosas num retrato quantitativo e qualitativo. Por último, no capítulo 6 examina-se a religiosidade em dois subcapítulos: população em geral e população jovem.

A intenção do autor ao escrever esta obra foi a de “oferecer uma análise sociológica da religião em Portugal” (p. 16). Para a concretização deste exigente objetivo parte da pesquisa realizada na sua tese de doutoramento, completando-a com uma reflexão sobre estudos realizados por outros investigadores. O seu propósito é plenamente alcançado garantindo ao livro Religião em Portugal. Análise Sociológica o estatuto de obra de referência na bibliografia da especialidade. Para quem tenha interesse em aprofundar o tema esta é, sem dúvida, uma leitura imprescindível pela sua clareza, rigor e abrangência, mas principalmente pela sua riqueza teórica e empírica.

A estratégia de apresentação do campo científico é interessante e torna-se muito fértil. No início, examinam-se os estudos de sociologia da religião em Portugal, sem esquecer o contributo da antropologia, através de um levantamento muito completo das investigações que a partir dos anos 50 e até à atualidade foram construindo o campo científico (Bourdieu, 1971). Articulam-se autores, as suas pesquisas e as unidades de investigação onde elas foram desenvolvidas. Duas ideias centrais são enfatizadas. Em primeiro lugar, o processo de transição de uma sociologia religiosa, ligada à pastoral católica, para a edificação do campo científico atual, secularizado mesmo que marcado pela presença da Igreja Católica (p. 36). Em segundo lugar, são reveladas as principais lacunas da investigação já desenvolvida: “Por um lado, faltam análises de cariz antropológico no campo católico, nomeadamente estudos de instituições católicas. Por outro lado, seria necessário mapear rigorosamente as minorias religiosas em Portugal, para além de estudar algumas em profundidade” (p. 38).

Estas declarações iniciais são retomadas no final do livro (p. 335) e marcam uma opção epistemológica que atravessa toda a obra em análise: a da escolha de uma perspetiva institucional do fenómeno religioso mais do que uma análise dos “dilemas da institucionalização da religião” (O’ Dea, 1966). Antes de mais, sugere-se a necessidade de mais investigação, mesmo que de natureza antropológica, das instituições religiosas, em detrimento de fenómenos mais fluídos e marginais ligados à religiosidade popular que não são escolhidos como objeto de análise (pp. 35-36). Ao longo da leitura, a construção deste olhar vai-se revelando na escolha dos temas, na sua organização e apresentação. Esta apreciação em nada diminui o valor da obra apresentada. Pelo contrário. Antes da sua publicação escasseavam as análises internas da Igreja em Portugal (Teixeira, 2012) bem como as de outras comunidades de pertença religiosa (Vilaça, 2006). Esta omissão será parcialmente preenchida no capítulo 5 (pp. 196-212).

O programa de sociologia da religião que também é oferecido no livro estabelece uma sucessão de 6 capítulos centrados em diferentes níveis de análise. O critério de ordenamento escolhido, pelo autor, parte de uma perspetiva macro (societal), passa por uma abordagem meso (organizacional) e termina num olhar micro, com a análise de estudos de trajetória individual (pp. 257-333). Este critério de organização foi a solução encontrada para a integração de estudos sobre o mesmo tema, mas de natureza epistemológica e metodológica muito diferente. Neste contexto, é pedida ao leitor a capacidade de transitar entre diferentes níveis de apreensão da realidade social (macro, meso e micro). Porém, esta dificuldade aparente depressa se transforma num ponto forte da obra já que cada capítulo encerra, em si mesmo, um programa de estudo e/ou de investigação. Para superar eventuais obstáculos, o leitor menos versado poderá começar a sua leitura por qualquer um dos capítulos, pelo simples desejo de aprofundar o conhecimento de um tema que lhe interesse particularmente, ou até para construir a sua própria perspetiva de investigação a partir de um dos níveis de análise propostos.

No breve capítulo 2 (pp. 39-58) os conceitos de religião, religiosidade e sagrado são examinados a partir dos autores clássicos (Durkheim, Weber, Simmel) e solidamente alicerçados no contributo de diversos autores contemporâneos (Tylor, Geertz, Luckmann, Frazer, Berger, Lambert, Bellah, Hervieu-Léger, entre outros). O exercício de clarificação de conceitos torna-os pontos de apoio seguros, tanto para os que iniciam o estudo da sociologia da religião, como para os que desejem cotejar conhecimentos já consolidados com interrogações sociais mais recentes. A religião é, então, definida como um sistema composto por várias dimensões: crenças, práticas, comunidades, valores e símbolos (pp. 41-44), sendo a religiosidade apresentada como “o grau de intensidade com que as várias dimensões são adotadas por cada indivíduo ou grupo” (pp. 57-58). A análise conceptual realizada neste capítulo pode assumir uma função hermenêutica em relação aos textos originais fundadores da sociologia da religião e, ainda, tornar-se operacional no quadro dos debates contemporâneos.

Sem diminuir o interesse da leitura do capítulo 3, “Modernidade” e 4, “Secularização em Portugal: perspetiva histórica”, sublinha-se a importância dos capítulos 5 e 6 pela construção de um eixo teórico-empírico que permite a integração de planos epistemológicos e metodológicos muito diferentes (Poupart, Deslauriers, Groulx, et al., 2010)

No capítulo 5, “Análise do campo religioso português” destaca-se a análise interna do vasto universo da Igreja Católica na sua organização e distribuição territorial e, mais especificamente, o estudo dos novos movimentos eclesiais (pp. 196-212). Uma análise bastante mais longa (pp. 213-255) é dedicada às minorias religiosas através da sua breve contextualização histórica e do seu retrato, quantitativo e qualitativo. Para efeito de análise, são criadas duas categorias: as “minorias cristãs”, por serem estatisticamente mais representativas e as “minorias não cristãs”. Estas categorias, ainda que legitimamente utilizadas, devem ser sociologicamente interrogadas, para além do critério estatístico (Monteiro, 2012). É importante lembrar que este simples exercício de categorização contém, sempre, a afirmação de princípios classificatórios que instituem a ordem social (Pina-Cabral, 2000), uma vez que partem de um centro hegemónico da mundividência cristã para as suas margens… “não cristãs”.

Finalmente, no capítulo 6, com o título “Análise da religiosidade em Portugal” a lente sociológica foca-se na perspetiva micro e a investigação passa a estar centrada na trajetória individual através da operacionalização de três tipos religiosos típicos nas sociedades contemporâneas ocidentais: o praticante, o peregrino e o convertido (Hervieu-Léger, 2005). Estes tipos de religiosidade são operacionalizados através de estudos de natureza qualitativa (Teixeira, 2012; Lopes, 2010).

A obra Religião em Portugal. Análise sociológica torna-se incontornável porque preenche uma importante lacuna na investigação sobre o fenómeno religioso na sociedade portuguesa. Este livro dirige-se a todos os que se interessam pelo estudo da religião em Portugal e, mais especificamente, aos estudantes, docentes e investigadores que desejem aprofundar e debater o fenómeno religioso a partir da perspetiva das ciências sociais.

Referências bibliográficas

BOURDIEU, P. (1971), “Genèse et structure du champ religieux”. Revue Française de Sociologie, 12(3), pp. 295-334. [ Links ]

PINA-CABRAL, J. (2000), “A difusão do limiar: margens, hegemonias e contradições”. Análise Social, 153, XXXIV(4), pp. 865-892. [ Links ]

HERVIEU-LÉGER, D. (2005), O Peregrino e o Convertido. A Religião em Movimento, Lisboa, Gradiva. [ Links ]

LOPES, P. (2010), Para uma Sociologia do Catolicismo, Lisboa, Rei dos Livros. [ Links ]

MONTEIRO, T. L. (2012), “Dinâmica social e religião”. In A. Teixeira (org.), Identidades Religiosas em Portugal. Ensaio Interdisciplinar, Lisboa, Paulinas, pp. 69-129. [ Links ]

O’DEA, T. F. (1966), The Sociology of Religion, Englewood Cliffs (NJ), Prentice-Hall. [ Links ]

POUPART, J., DESLAURIERS, J.-P., GROULX, L.-H., et al. (2010), A Pesquisa Qualitativa. Enfoques Epistemológicos e Metodológicos, Petrópolis, Vozes. [ Links ]

TEIXEIRA, A. (2012), “Catolicismo: entre o território e a rede”. In A. Teixeira (org.), Identidades Religiosas em Portugal: Ensaio Interdisciplinar, Lisboa, Paulinas , pp. 147-253. [ Links ]

VILAÇA, H. (2006), Da Torre de Babel às Terras Prometidas: Pluralismo Religioso em Portugal, Porto, Afrontamento. [ Links ]

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