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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.241 Lisboa dez. 2021  Epub 31-Dez-2021

https://doi.org/10.31447/as00032573.2021241.07 

Dossiê

Burocracia e tributação sobre a graça e as mercês.

Bureaucracy and taxation on grace and merces.

1 Departamento de História, Artes e Humanidades, Universidade Autónoma de Lisboa Luís de Camões. Rua de Santa Marta, 56 - 1169-023 Lisboa, Portugal. jsubtil@autonoma.pt


Resumo

A economia da “graça” no Antigo Regime constituiu um mecanismo de regulação política e de ascensão social, bem como um dispositivo poderoso do exercício do poder régio. Os seus fundamentos radicavam, sobretudo, na moral e na ética, no direito e na tradição, nos sentimentos da amizade e do amor, nas virtudes cristãs da prodigalidade e gratidão. Esta potestas extraordinária do príncipe distinguia-se, por este modo, da potestas ordinária. Este texto aborda os aspetos burocráticos, administrativos e a tributação para enfatizar a sua dimensão política e financeira que induz efeitos substantivos na apreciação graciosa.

Palavras-chave: economia da “graça”; mercês; tributação; Antigo Regime

Abstract

The economy of “grace” in the “Old Regime” constituted a mechanism for political regulation and social ascension, as well as a powerful device for the exercise of royal power. Its foundations were mainly rooted in morals and ethics, in law and tradition, in the feelings of friendship and love, in the Christians virtues of prodigality and gratitude. This extraordinary potestas of the prince was thus distinguished from the ordinary potestas. This text addresses the bureaucratic, administrative and tax aspects to emphasize its political and financial dimension that induces substantive effects in the graceful assessment.

Keywords: economy of “grace”; mercy; taxation; “Old Regime”

Introdução

Através da economia da graça constituíam-se vínculos perduráveis e transmissíveis assentes na dádiva, recompensa e gratidão que regulavam, em grande medida, o funcionamento da sociedade. Os efeitos políticos e sociais, em especial a consolidação das relações de todos para com todos, decorriam “do cultivo de virtudes essenciais como a honestidade, a honra, o apego à verdade, a gratidão, a proteção aos outros, a caridade, o comportamento justo e correto, tanto dos superiores como dos inferiores […]. Nesta configuração, o cumprimento dos deveres era recíproco a cada um e acabava por dispensar mecanismos de manutenção da ordem precisamente pela força constituinte deste imaginário coletivo” (Subtil, 2020a).1

Para o presente texto escolhi dois aspetos menos conhecidos deste dispositivo, ou seja, a questão burocrática e tributária para mostrar, sobretudo a partir do Estado de Polícia, a sua lenta apropriação por mecanismos administrativos e racionais que, parecendo dispensar, cada vez mais, as virtudes da graça, não dispensaram as receitas devidas pelas mercês e, naturalmente, os mecanismos burocráticos de controlo e monitorização sobre os diplomas e as cartas de doação por causa, não só da fiscalidade, mas, também, das falsificações, duplicação dos encartes, inventários testamentários, confirmações, autorizações de serventia, aforamentos ou mesmo a venda camuflada de certas mercês.2

Esta mediação burocrática acabaria por forçar a aplicação de penas pecuniárias e a perda dos bens “merecidos”, transformando, de certa maneira, as mercês em bens manipuláveis administrativamente. Antes da reforma das Secretarias de Estado (1736), as funções de registo pertenciam à Secretaria das Mercês e do Registo e as autenticações e os pagamentos dos direitos, velhos e novos, à Chancelaria-Mor da Corte e Reino (Regimento de 16 de janeiro de 1589, extinta em 19 de agosto de 1833). Posteriormente, foi o Registo Geral das Mercês, cujos serviços passaram a estar integrados na Torre do Tombo, que assumiu o registo das cartas de doação e de confirmação, encartes de ofícios, tenças, mercês e outros privilégios.

Se a cultura política do Antigo Regime foi marcada por estes fundamentos radicados, sobretudo, na moral e na ética, na amizade e no amor, nas virtudes da prodigalidade e gratidão, o certo é que o regime liberal manteria, no fundamental, o mesmo modelo administrativo e o aparato das pautas tributárias, mudando, apenas, o nome às coisas e atualizando as taxas, evidenciando a erosão dos seus fundamentos ao longo da segunda metade do século XVIII, particularmente após o reformismo iluminista. Este é, sem dúvida, um imprevisível apego liberal, tanto mais que o novo regime se apressou a extinguir as instituições do Antigo Regime desde a revolução (1820) até ao final da primeira fase da Regeneração (1865). Os ideais liberais da justiça plasmados na Constituição de 1822, mas, sobretudo, na Carta Constitucional de 1826, na Reforma de 1832 (Mouzinho da Silveira), na Nova Reforma de 1837, na curta duração da Constituição de 1838 e na Novíssima Reforma de 1841, estiveram na base da luta contra o que etiquetaram de privilégios e abusos do absolutismo o que, de facto, dizia respeito à economia da graça. 3

Vale a pena revisitar, mesmo que sumariamente, este processo de “mudança na continuidade” que aconteceu a partir da legislação da Terceira, uma vez que desde a revolução (1820) nada tinha alterado.

Pelo decreto de 3 de agosto de 1833, do Secretário de Estado dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça, José da Silva Carvalho, era extinto o tribunal de graça do Desembargo do Paço por onde passavam as concessões de mercês, sendo as suas atribuições assumidas pelas secretarias de estado4, isto é, era dado o sinal de que se mantinha a atribuição das mercês, mas que esta deixava de ser apreciada de forma graciosa e discricionária por parte do monarca para ser decidida, politicamente, em função dos interesses do Estado.

Dias depois, em 19 de agosto, era a vez do tribunal da Chancelaria-Mor do Reino e dos serviços de Registo Geral das Mercês cessarem as funções de registo, autenticação, controlo e arrecadação dos Novos Direitos, passando as suas competências para o Superintendente dos Novos Direitos e, ao mesmo tempo, era criada a Mesa dos Direitos Novos e Velhos para assumir a função de tributação, herdando, também, a documentação e o arquivo da extinta Chancelaria-Mor do Reino e do Registo Geral das Mercês. As novas instituições ficavam dependentes, doravante, do governo liberal através da Secretaria de Estado dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça, substituindo, deste modo, a tutela dos organismos da administração e jurisdição régia.

No mês seguinte, em 27 de setembro, D. Pedro, como regente do Reino, invocava, num novo decreto, a insuficiência das providências para a cobrança dos “direitos devidos pela concessão de quaisquer Graças ou Mercês” para obrigar os oficiais maiores das secretarias de Estado a cuidarem deste “importante ramo financeiro”, informando o Superintendente da Mesa dos Direitos Novos e Velhos sobre a situação de todas as mercês e graças concedidas desde a sua regência, ou seja, um inventário para apurar o pagamento dos impostos, replicando, por conseguinte, as medidas tomadas anteriormente a este respeito.

Durante o “setembrismo” (decreto de 31 de dezembro de 1836), a recém--criada Mesa dos Direitos Novos e Velhos viria a ser extinta pelo ministro Manuel da Silva Passos que transferiu a administração das mercês para o Contador da Fazenda do Distrito de Lisboa e mudaria o nome ao imposto para Direito de Mercês.

O mais relevante deste decreto é, porém, o anexo da pauta tributária dividida em três categorias. Começava nos títulos e tratamentos, desde duque, marquês, conde, visconde, barão, brasão de armas, alcaide-mor, senhorio, título de carta de Conselho, tratamento de Excelência, foro de fidalgo, moço fidalgo, escudeiro e cavaleiro fidalgo. Seguiam-se as condecorações (grã-cruz, comendador, cavaleiro) e terminava numa panóplia de mercês: tenças, pensões, ordinárias, renúncias, naturalizações, capelas, morgados, criação de companhias de comércio, hipotecas, sub-rogações, doações, aforamentos, enfiteuses, subenfiteuses e serventias.

Pode dizer-se, portanto, que se há uma diferença de cultura política nos fundamentos da graça entre o Antigo Regime e o Liberalismo, passando-se da natureza ética e moral da dádiva e da gratidão por pagamento de serviços ou atribuição graciosa das mercês, para um processo político de distinção social pelo uso de títulos e mercês, esta economia dos privilégios mereceu, porém, um tratamento burocrático e um apuramento tributário muito semelhantes.

Como atrás já foi referido, o presente texto pretende analisar a dimensão tributária e burocrática desta economia das mercês, uma centralidade social, política e cultural do Antigo Regime que, surpreendentemente, não seria extinta pelo liberalismo.

Mercês remuneratórias e graciosas

Num texto já referido é dito que:

[E]nquanto senhor da graça, o monarca ficava desobrigado do cumprimento das leis, podia modificar a natureza das coisas como, por exemplo, emancipar menores, legitimar bastardos, conceder títulos a plebeus e definir aquilo que é devido a cada um, ou seja, distribuir recompensas e mercês. Contudo, enquanto ato fora da ordem, o ato régio da graça não podia cometer erros ou ser irrefletido o que obrigava o rei a obedecer a princípios, meios e fórmulas para se adequar a uma causa justa e equitativa. A benfeitoria não era, portanto, um ato gratuito que obedecesse ao capricho do príncipe e ao provocar, por cada reconhecimento um novo dever de dádiva, criava, por outro lado, uma circularidade de sentimentos que perduravam no tempo, tecendo uma estratégia simbólica de benfeitorias recíprocas, de gratidões impagáveis e de excedentes de liberalidade, num jogo social inacabado (Subtil, 2020a, pp. 367-392).

Esta passagem, ao resumir o essencial do mecanismo da graça, congrega--se aos deveres decorrentes do ato de amor como ato de dádiva, mas, justamente, pela dimensão deste afeto, competia ao monarca corrigir os defeitos dos súbditos pelo que, ao dar, não podia afastar-se do bem comum, da razão e da prudência, mesmo gratificando um serviço porque a graça é sempre um debitum morale. 5

Num dos muitos momentos em que António Manuel Hespanha teoriza e disserta sobre a graça e as mercês, diz-nos que a graça era a “atribuição de um bem que não competia por justiça, nem comutativa, nem distributiva (isto é, que não era, por qualquer forma, juridicamente devido” (Hespanha, 2015, p. 64).6 Mas não subvertia a justiça, antes a completava como fazia Deus quando intervinha por ação dos milagres. Desta forma, a graça dispensava a lei, mas no uso da liberalidade o monarca era orientado por deveres de consciência, morais, éticos, religiosos quando decidia fazer doações, conceder privilégios e mercês.

Todavia, a prática da liberalidade não viveu apenas de deveres morais e éticos, obedeceu, também, a regras processuais seguidas pelos tribunais para prepararem a graça. Por exemplo, as sentenças com prisão ou degredo que levavam os condenados a suplicar o perdão, obrigavam à invocação das razões como a guarda dos filhos, a sustentação da família, a proteção de pais desamparados ou o estado de saúde precário. E a concessão da graça estava sempre dependente do perdão do ofendido.

As consultas dos tribunais eram, ainda, reforçadas com relatórios dos juízes de fora, corregedores ou provedores sobre as informações dos requerimentos e quase sempre com um parecer sobre a súplica. Na deliberação a submeter ao monarca votava-se pela concessão ou rejeição da mercê com base na tradição, nos costumes e, especialmente, na “jurisprudência graciosa”.

Estamos, portanto, diante de “automatismos” burocráticos muito semelhantes ao processo de justiça o que fazia do ato gracioso um expediente ordinário, embora a clemência régia representasse a imagem simbólica de um rei pastor e pai que devia amar e fazer-se amar, o que era incompatível com a frigidez do ato administrativo.7

Por isso mesmo, num outro momento, António Manuel Hespanha realça o papel do soberano como garante da ordem natural, uma ordem acima da sua própria vontade. Se tem o dever supremo da justiça tem, também, o poder de, como vigário de Deus, fazer milagres, transformar a justiça pela graça, ou seja, possuir uma dimensão “trans-histórica”, uma potestas extraordinária, apenas limitada pela “equidade, boa fé e pela reta razão” para não praticar a tirania ou semelhar-se a um rei louco e sem juízo.8

Se a panóplia das mercês, doações e privilégios era enorme, o certo é que qualquer taxonomia que as organize terá sempre de prever dois grupos maioritários, o provimento dos ofícios e a atribuição de rendas.9 E, no que respeita à natureza intrínseca das mesmas, distinguir as mercês graciosas das mercês remuneratórias, sendo que estas últimas configuravam uma quase obrigação do monarca de as conceder por ter recebido um serviço.10

Para Fernanda Olival, as mercês remuneratórias eram devidas por justiça na medida em que eram destinadas ao pagamento de serviços, um débito a ser satisfeito pelo príncipe que correspondia a ações que a Coroa não tinha capacidade para realizar e, portanto, uma vez concretizadas, o monarca não podia comportar-se como um ingrato. Embora não fossem uma obrigação estritamente legal eram, porém, quase jurídicas (no sentido antidoral) porque eram um dever de justiça pagar um serviço prestado (Olival, 2001, 2008).

Como estas mercês remuneratórias não decorriam do amor, nem da amizade, não podiam ser vistas, portanto, da mesma forma como as mercês graciosas que cobriam um conjunto muito vasto de situações em que a potestas de quem dá gratuitamente obrigava a um jogo de liberalidades entre obséquios, retribuições, recompensas e venerações.11

De qualquer modo, se não eram estritamente devidas podiam ser apreciadas como graciosas, tanto mais que, para o serviço ter uma graça adequada, o príncipe tinha que atender à posição social do beneficiado, à importância dos serviços e à reserva disponível dos bens da Coroa.12

Pascoal José de Melo Freire refere as mercês sujeitas à Lei Mental como remuneratórias porque atendiam “para todo o sempre, aos bons serviços do donatário e seus sucessores” e porque o monarca não era senhor nem dono desses bens, apenas administrador, só os podia dar se a doação fosse justa e merecida. Contudo, estas doações só podiam recair na vida do beneficiado e acabavam com a sua morte, ou à vontade do rei “enquanto for mercê nossa” ou de juro e herdade sendo, neste caso, chamado à sucessão o filho legítimo mais velho ou, ainda, ser concedida em duas ou três vidas fora da lei mental (Freire, 1967).

Mesmo na doutrina jurídica orientada para garantir os serviços ao rei, defendia-se a teoria de que o monarca tinha deveres de recompensa para remunerar os serviços dos seus vassalos, passando a graça a ser o pagamento de um serviço exigido pelo dever da justiça. Seja qual tenha sido o quadro do exercício da graça, o mecanismo de gerar a recompensa e a gratidão, produzia novos ciclos de dádivas e retribuições, criando uma poderosa rede de benfeitores e “clientes” que suportava a estabilidade das relações sociais e do sistema político.

E na imagética da cultura do Antigo Regime o monarca não era, de facto, obrigado a dar, mesmo que fosse compelido a isso, porque sempre podia deixar de cumprir regras e princípios, o poder de poder recusar reforçava, indiscutivelmente, o poder de poder dar. Como, também, mesmo não estando limitado por constrangimentos jurídicos, de justiça e tradição, vinculado, apenas, à liberalidade de praticar a graça, ao fazê-lo não afirmava de todo qualquer poder arbitrário porque nunca podia dar se prejudicasse terceiros ou fizesse mau uso dos bens da Coroa.

Através do regimento sobre as “meias anatas” (23 de novembro de 163913) podemos conhecer a variedade das mercês na medida em que todas pagavam impostos. A lista englobava doações e mercês feitas numa vida (avaliava-se uma vida em dez anos), em várias vidas, de juro e herdade (para sempre) e concedidas fora da Lei Mental.

Começava pelas ajudas de custo em “consideração dos serviços”, tenças, rendas, licenças para vender bens vinculados ou bens da Coroa e continuava com as mercês concedidas a mosteiros e conventos (corpos de mão morta) para adquirir bens de raiz, aforar ou trocar parcelas de morgado ou capela, licenças para os donatários receberem juros por empréstimos de terras, instituir morgados e capelas, receber moradias na Casa Real, promessa de sucessão em cargos ultramarinos, renunciar mercês noutra pessoa (sobretudo tenças e ofícios), uma modalidade camuflada de venda, ou alugar a mercê a um serventuário para servir o ofício a troco de uma renda.

O universo dos privilégios abrangia, ainda, casa para servir um ofício régio, o uso de vara branca, possuir aljube para recolher criminosos, construir açougues, gastar as terças das câmaras, permitir processos de creditação de competências para frequências dos cursos na universidade de Coimbra, autorizar os lugares pios a receberem esmolas, conceder o senhorio de vila com jurisdição para confirmar a eleição de juízes e oficiais, isentar os donatários de correição, permitir que os tribunais camarários e senhoriais conhecessem agravos e apelações interpostos dos juízes das terras, provimento de juízes, naturalizações, concessão de brasão de armas, construção de imóveis nos muros da cidade ou vila (“de dentro ou fora, ou romper o muro”).

E tantas outras mercês como restituir homenagem a desterrados, perdoar a prisão ou o desterro, autorizar feiras, executar dívidas, atribuir títulos de “notável” a uma cidade, vila ou lugar, cartas de seguro, alvarás de fiança, de livramento, suprimentos, confirmações, renúncias de legítimas, andar de mula ou macho, comendas, alvará de lembranças, instituir morgados ou capelas, relevar incumprimento de prazos, suprimento de idade e tratamento de “dom”.

Desta moldura tão variada de tipologias, se uma grande parte podia conformar-se ao direito de remuneração de serviços, convertendo a graça num quase direito de retribuição, outra grande parte englobava mercês graciosas, mas todas pagavam impostos, ou seja, nenhuma era atribuída gratuitamente. Tanto se pagava a dádiva como se pagava a retribuição.

Burocracia e tributação

Os problemas administrativos e tributários relacionados com a atribuição das mercês nunca foram resolvidos, por isso se transformaram em problemas políticos cujo contexto cultural não facilitou as soluções.14

Podemos dividir estes problemas em seis grupos: a) organização dos processos; b) registo das mercês; c) recolha dos impostos; d) avaliação das mercês; e) fraude; e f)transmissibilidade.

A organização dos processos

O primeiro problema tinha a ver com a organização dos processos que deviam acompanhar a consulta ao monarca ou, nos casos de jurisdição ordinária ou delegada, as deliberações dos tribunais ou dos donatários. Antes da apreciação do pedido era exigido aos requerentes que apresentassem as provas dos serviços ou as razões que justificavam as preces, podendo os pedidos, em face destes requisitos, ser rejeitados ou negados liminarmente. Quase sempre eram acompanhados por relatórios dos magistrados comarcais ou camarários da terra dos suplicantes que confirmavam, negavam ou completavam os requerimentos.15

Os segundos serviços só eram permitidos passados oito anos da satisfação dos primeiros.16 Os processos podiam, também, dizer respeito a pedidos de avocação dos méritos nos parentes até ao primeiro grau (pai, filho ou irmão), os pais podiam requerer os serviços dos filhos que morriam na guerra, o mesmo para os filhos que perdiam os pais ou os irmãos.

Uma das questões mais complicadas na organização dos processos estava relacionada com a falsificação das certidões, duplicação de pedidos, certificação por testemunho falso, informações erradas ou inadequação do pedido aos requisitos da graça. Por isso mesmo, eram acionadas auditorias com intervenção do juiz das justificações, dos desembargadores da Casa da Suplicação e da Relação do Porto e dos corregedores, provedores e juízes de fora através de inquirições e devassas.

No entanto, havia outras vias para se obterem mercês. Eram expedientes não canónicos que fugiam à regularidade dos processos. No período dos valimentos, os mais próximos do monarca utilizavam as suas posições políticas para proteger os seus aliados, muitas vezes disputando as mercês dos seus protegidos com outros validos.17 Durante o reformismo iluminista foi a Secretaria de Estado dos Negócios do Reino a dominar o circuito das mercês, inclusive da Mesa da Consciência e Ordens, quer por intervenção direta, quer filtrando os pedidos dos tribunais, o mesmo com as mercês do Conselho Ultramarino que foram capturadas pela Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos durante o ministério de Francisco Xavier de Mendonça Furtado.18

No Regimento das Mercês de 19 de janeiro de 167119 podemos constatar as observâncias da Secretaria das Mercês e Expedientes sobre o que deviam obedecer os requerimentos para satisfação de serviços para os que “servem com satisfação se dê o justo premio que merecem, e não convir que por quaisquer leves serviços se façam mercês”. Os pedidos deviam ser feitos dentro de seis meses para os residentes no Reino, de um ano para o Brasil, Guiné e Ilhas e de dois anos para a India.

O registo das mercês

A segunda questão incidia sobre o registo das mercês. Uma vez concedidos os privilégios, o beneficiário era obrigado a proceder ao registo da concessão na Secretaria das Mercês e Expediente e, mais tarde, na Secretaria de Estado dos Negócios do Reino. Esses registos permitiam aos proprietários das mercês serem encartados e pagarem os impostos devidos. Podiam, ainda, mais tarde, requerer certidões de prova das mercês e solicitar novas mercês sobre mercês (por exemplo, alterações na concessão, alargamentos de prazos, correção de rendimentos).20

Para além destes registos em primeira mão, havia, ainda, a obrigação de registos de confirmação dos privilégios, doações e mercês após o fim de cada reinado, “Rei a Rei”, ficando o novo monarca obrigado a confirmar as doações dos seus predecessores. E registos de confirmação em proveito dos donatários ou seus descendentes, confirmações à morte do donatário ou por vontade testamentária.21

A utilização mais frequente destas certidões era para testamentos e heranças ou transmissão das mercês a filhos ou terceiros. Ou, em momentos de tombos gerais, quando a Coroa obrigava os providos a apresentar as cartas de doação para serem validadas por apostilhas, sobretudo através de juntas de confirmação. O Superintendente dos Novos Direitos utilizava estes registos para fiscalizar os pagamentos tributários, podendo, a partir de meados do século XVIII, abrir processos de penhora ou conceder pagamentos em prestações.

Desde o século XVI que o processo burocrático dos registos esteve sem controlo, por vezes os proprietários já nem sabiam em que condições eram donatários, uma situação agravada quando, no caso de se tratar de ofícios, os primeiros encartados nomeavam serventuários que acabavam por arrendar o ofício e, por isso, deixavam de reconhecer os proprietários e estes os foreiros. Esta espiral de emprazamentos e subemprazamentos favoreceu, naturalmente, a fuga aos impostos e a corrupção. Por outro lado, a prática de não registar as mercês era uma forma de os providos não serem apanhados no incumprimento fiscal.

Depois do reformismo pombalino, o Alvará de 1 de agosto de 1777 invocava a necessidade dos registos das mercês e criava, para o efeito, o cargo de Escrivão da Minha Real Câmara no Registo das Mercês com as mesmas competências e honras dos escrivães do tribunal do Desembargo do Paço. O novo escrivão ficava subordinado ao Conselho da Fazenda e ao Erário Régio e encarregue de registar as mercês feitas pelos monarcas, tribunais e pela Corte e Casa para “segura lembrança das Mercês”22.

Os livros de registo passaram a ser copiados para um segundo livro (duplicado), numerados e conservados em casas separadas e seguras por causa dos incêndios. No final de cada reinado, os originais deviam ser incorporados no Arquivo da Torre do Tombo. Passava, também, a ser exigido um livro próprio para registar a passagem das certidões com indicação obrigatória da data dos requerimentos, justificação do pedido, nome e localidade do requerente. No mesmo livro deviam ser registadas as chamadas “certidões negativas” que provavam os pedidos infundados e de que “se deve ter muito maior cuidado, e vigilância” para servirem de confronto a novas tentativas de certificação.

O mesmo alvará estipulava que sobre as “doações novas” se aplicariam novas grelhas tributárias para a concessão de título de duque, marquês, visconde, ofícios da Casa Real, cartas do título do Conselho de Sua Majestade, senhorios de terras, alcaidarias mores, cargos de guerra, comendas, confirmações por sucessão ou por juro e herdade.23

A recolha dos impostos

O terceiro grupo de problemas envolvia as questões relacionadas com a recolha dos Novos Direitos. O beneficiário ficava obrigado ao pagamento dos impostos na Chancelaria logo a seguir ao registo, ou num prazo fixado, dependente da área de residência do beneficiário.

De uma forma geral, a taxa tributária recaía sobre metade do rendimento do ofício, mais emolumentos, próis e percalços, ou sobre o cálculo do valor da doação ou da concessão das honras e privilégios, desde a atribuição de títulos até às regalias dos tratamentos devidos por deferência.24 A fuga tributária era, porém, um grande problema para a fazenda régia, tanto mais que esta receita constituía uma fonte importante para a Junta dos Três Estados custear as despesas com a guerra (recursos humanos, logísticos e balísticos).25

Desde os meados do século XVI que se insistia, constantemente, na boa escrituração do designado “Libro de Registo” do pagamento dos novos direitos onde devia constar a declaração da carta, o alvará, os provimentos e, se fosse o caso, as confirmações. O Alvará de 12 de janeiro de 1690 continuou essa política, mas o que acontecia, com grande frequência, era o beneficiário fazer o registo e não pagar os impostos ou, inclusive, receber a mercê e nem sequer a registar.

O Regimento dos Novos Direitos (11 de abril de 1661) que reformou o de 24 de janeiro de 1643, regulamentava os provimentos de ofícios de fazenda, justiça e restantes mercês feitas pelo monarca, pelos tribunais ou donatários da Coroa como conservatórias e juízes privativos26. Uma segunda parte sobre o “Regimento de como se hão de cobrar os Direitos das mercês, graças, privilégios e faculdades, que eu conceder” dava orientações processuais para a arrecadação do imposto.

Mantendo-se o incumprimento destas disposições e as dificuldades burocráticas, o Alvará de 16 de setembro de 1675 confirmava os problemas no pagamento dos Novos Direitos por parte dos proprietários e serventuários e dava instruções ao Superintendente dos Novos Direitos para notificar os encartados e examinar as posses das mercês e o cumprimento fiscal. O mesmo acontecia, mais uma vez, em 3 de agosto de 1678 porque “na cobrança dos novos direitos há grandes descaminhos” e se pedia aos tribunais e às secretarias de estado para não permitirem o exercício e o serviço dos ofícios sem o pagamento dos novos direitos. Esta constante evidencia a desorientação e a incompetência para resolver o problema da fuga aos impostos.

Pelo Alvará de 1 de agosto de 1777 os juízes das execuções tinham que dar conta, semestralmente, ao Superintendente dos Novos Direitos e à Junta dos Três Estados, das execuções e consignações.27 Já não se tratava, apenas, de controlar a fuga aos impostos, mas de obrigar os pagamentos por inteiro ou repartidos28, recorrendo aos juros de mora, à penhora de bens ou à cativação de tenças e ordenados.

A avaliação das mercês

O quarto problema era o da avaliação das mercês porque a aplicação do imposto correspondia a uma percentagem sobre o montante dos rendimentos, tanto dos ofícios como das doações. A questão dos ofícios era muito mais complicada dado que cada um valia como se fosse um património29, por isso era impossível generalizar os rendimentos, obrigando a registos singulares, ou seja, um quebra cabeças para os recursos administrativos.30

Foi atribuído à Junta dos Três Estados31 e ao Superintendente dos Novos Direitos, a tarefa de atualizar o “Livro das Avaliações” e inventariar novos ofícios e os seus rendimentos. Quando a mercê correspondia a um determinado rendimento fixo, como comendas e tenças, o lançamento do imposto era fácil. As honras, regalias e títulos também não levantavam grandes problemas porque as situações estavam previstas no regulamento e, quando não estavam, o juiz da chancelaria fazia a avaliação. O problema estava nos ofícios porque muitos não tinham avaliação, outros não faziam parte do “Livro das Avaliações” e outros, ainda, estavam mal avaliados por estarem desatualizados. Quaisquer das situações não beneficiava o pagamento dos impostos e, portanto, prejudicava a fazenda régia.

No final do século XVIII, o decreto de 8 de março de 1799 voltava a referir o problema da arrecadação dos direitos atrasados e o alvará de 17 de novembro de 1801, a mando do ministro D. Rodrigo de Sousa Coutinho, exigia, de imediato, uma avaliação das mercês cujos impostos não estavam liquidados e das subavaliadas de todos os “lugares, empregos, ofícios, bens da Coroa, capelas” desde que as avaliações excedessem os 20 anos. Para orientar as reavaliações foi publicada uma pauta com o valor dos géneros alimentares para determinar os cálculos das novas avaliações.

Ao mesmo tempo era acionada uma velha cartilha de apuramento dos autos de residência dos juízes de fora, corregedores e provedores obrigados, doravante, a apresentar “certidões corridas” para atestar o cumprimento das ordens recebidas da Junta dos Três Estados para investigarem os provimentos dos títulos de mercês, o pagamento dos impostos e a conservação das concessões de jurisdição.32

Havia, portanto, necessidade de monitorizar o pagamento dos impostos, atualizar as avaliações, inventariar novos ofícios, controlar os montantes recolhidos, orçamentar receitas e despesas, ou seja, um conjunto de tarefas ciclópicas que a frágil máquina burocrática não tinha condições para satisfazer.

A fraude

A fraude era a quinta contrariedade. É fácil de perceber que as insuficiências de controlo, fiscalização e ausência de consequências sobre os incumprimentos e falsificações, estimulavam a fraude. A falta de um sistema penal que sancionasse as prevaricações contribuía para incentivar os testemunhos pagos e as cópias falsas.

Só no final do século XVIII é que a ameaça de penhora de bens e de multas surgiram como sanções pesadas, mas em nenhum momento, desde o século XVI, foi avançada a pena de prisão ou de degredo. A perda das mercês, o impedimento para usufruir dos seus rendimentos ou, no caso dos ofícios, a incapacidade para os exercer ou os dar em serventia, foram os castigos que predominaram desde a Restauração.

A própria fiscalização nunca deu grandes resultados e vivia muito à custa das denúncias premiadas, públicas ou em segredo, cujos delatores eram compensados com a terça parte do montante do imposto em falta. Os termos das denúncias eram dirigidos ao Superintendente dos Novos Direitos que acionava o mecanismo das devassas e inquirições, quase sempre com a colaboração dos magistrados territoriais.

No que se refere aos encartes abusivos, sem confirmação ou não atribuídos, a Coroa procurou controlar a situação através dos registos na Chancelaria Régia, na Secretaria de Estado das Mercês e Expediente e, depois, na Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, mas o certo é que os livros estavam mal escriturados, não permitiam o cruzamento de dados e, por vezes, desapareciam por acidente ou sonegação.

A ameaça da devolução das mercês raramente se concretizou, apesar das disposições nesse sentido. Por exemplo, a carta régia de 25 de outubro de 1617 que repunha o alvará de 23 de maio de 1599, definia prazos para se requerer as portarias das mercês, findos os quais ficavam as mesmas sem efeito (no Reino e na África o prazo foi fixado em 4 meses, no Brasil e ilhas 1 ano e na Índia 2 anos). No entanto, ou os prazos eram alargados, ou, como a Coroa não conseguia saber a data da transmissão das mercês, não acionava nenhum meio repressivo.

A fraude também decorria da variedade de situações tributárias com taxas de incidência complexas e difíceis de aplicar, quanto mais de as sancionar, sobretudo, quando incidiam sobre as elites. A começar por lugares de grande influência política e social, quase insindicáveis, como a classe de médicos e cirurgiões, boticários, advogados da Casa da Suplicação, procura- dores e solicitadores, oficiais da Casa Real (mordomo-mor, camareiro-mor, estribeiro-mor, porteiro-mor, vedor, mestre sala, reposteiro-mor, copeiro-mor, armeiro-mor, monteiro-mor, aposentador-mor, almotacé-mor, pajens da lança, provedor das obras do Paço, capitão e tenente da guarda, condestável, almirante, marechal, caudel-mor, alferes-mor, meirinho-mor).33

A transmissão dos bens

Sobre a transmissão das mercês geraram-se muitas confusões. As condições reportadas na concessão eram usadas para confundir o usufruto em vida, com duas ou mais vidas, ou de juro e herdade, que o agraciado revertia a seu favor e herdeiros. Por isso, as confirmações que deviam regularizar estas situações não eram, por vezes, propositadamente, requeridas.

Seguindo Pascoal de Melo Freire, a Lei Mental definia a jurisdição dos donatários e restringia a faculdade de os mesmos disporem dos bens da Coroa, proibia a alienação e a penhora sem licença régia e, apenas, concedia ao filho legítimo mais velho “candidatar-se” à sucessão, esperando pela carta de confirmação régia para se proclamar novo donatário. A sucessão nestes bens não decorria, portanto, por direito sucessório, mas por nova graça régia na medida em que pelo direito de reversão os bens podiam sempre retornar à Coroa (Freire, 1967, §XX a XXII).34

Por outro lado, os bens da Coroa sujeitos à Lei Mental eram considerados como mercês remuneratórias por atenderem “para todo o sempre, aos bons serviços do donatário e seus sucessores” o que permeava, sem dúvida, o abuso dos donatários para não pagarem os impostos de confirmação o que fazia de Portugal um Reino sem governança.

Outras fragilidades se somavam à precaridade das sucessões. Por exemplo, as doações e mercês cuja base tributária era de alcance temporal (uso próprio ou por uma vida) acabavam por ser apropriadas pelos donatários como doações transmissíveis, recorrendo, para o efeito, às confirmações. Ou às renúncias dos ofícios como venda “encapotada”, acontecendo o mesmo com os aforamentos dos bens.

Tanto as sucessões como as renúncias à sucessão andavam muito ligadas ao rendimento das tenças em vida subvertidas na compra e incorporação de bens alodiais incorporados no património do beneficiário sendo quase impossível vigiar estes expedientes de transmissibilidade. E como a circularidade simbólica de todas estas implicações cimentava uma rede de cumplicidades, quase libertava de “responsabilidades” a própria administração régia.

Conclusão

O sentido moral, ético e cultural emprestado à graça e à sua objetivação nas mercês, acompanhou, paradoxalmente, um procedimento administrativo e tributário reivindicativo dos interesses da Coroa, muito para além da cultura da liberalidade, da dádiva, da recompensa e da gratidão.

Este mecanismo de pressão burocrática e financeira perdurou ao longo dos séculos XVII e XVIII e foi, inclusive, adotado pelo liberalismo que repetiria as práticas do Antigo Regime, um sinal emblemático da apropriação da economia moral da graça pela emergência de uma certa racionalidade administrativa. Apesar de tudo, as mercês perduraram e mantiveram as súplicas de quem pedia a graça, de quem a dava e, da parte da Coroa, o ímpeto pela cobrança dos impostos.35

O controlo e a vigilância dos processos de registo e pagamento de impostos, ou seja, saber quem recebe o quê, quando recebe, até quando e em que condições de usufruto e testemunho hereditário, foi sempre insuficiente, mas abdicou de efeitos criminais. Pelo que se conhece do Registo Geral das Mercês e da abertura de processos de incumprimento, os serviços da Secretaria das Mercês e Expediente e da Chancelaria foram incapazes de confrontar versões diferentes das cartas autenticadas, fraudulentas, não confirmadas ou desatualizadas como, também, o Superintendente dos Novos Direitos não arrolava, judicialmente, os beneficiários que fugiam à tributação.

Uma das soluções de recurso extremo que a Coroa encontrou foi a realização de tombos (confirmações gerais) para obrigar os encartados a apresentar as cartas de doação. Mas este expediente, sempre impossível de ser concretizado por falta de recursos, criou situações de desconforto e agitação nos beneficiários devido às fraudes e aos incumprimentos fiscais. E a própria exibição dos encartes não dava, em muitos casos, a garantia das dádivas estarem certas e atualizadas, por isso, eram mesmo assim, sujeitas à auditoria dos juízes das confirmações.

Por tudo isto, pode imaginar-se o ambiente de suspeição sobre as mercês e os procedimentos que envolviam as suas atribuições, exibições, transmissibilidades e cobrança de impostos, muito embora as ameaças em retirar mercês ou diminuir as suas regalias não terem sido concretizadas de forma sistemática.

Tudo indica, portanto, que o poder do príncipe, que tanto dava quanto podia, se distanciava, após a concessão da mercê, das prerrogativas virtuosas da graça para a entregar à administração régia, sobretudo para a arrecadação dos benefícios fiscais, mas também para aferir do alcance da propriedade, das concessões e da sua transmissibilidade.

É como se o rei tivesse “dois corpos” políticos, representasse o papel de “pai e bom pastor” quando dava, e o papel de “monarca cioso” depois de dar, atento à fazenda e ao património da Coroa, olhando ao que cada um merece e precisa, mas obrigado a zelar pelo bem público.

A tributação sobre a graça e as mercês seria, em certo sentido, a satisfação da dívida que cada beneficiado contraía com os restantes vassalos e o Reino.

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1 A descoberta desta singularidade foi feita, quase ao mesmo tempo, por António Manuel Hespanha e Bartolomé Clavero. Este último fala dessa descoberta num texto (2012) em jeito de homenagem ao primeiro.Também na obra de António Manuel Hespanha, ver (2017, pp. 121 et seq.). O presente texto é inspirado nas suas obras sobre esta temática, em particular (1989, 1992, 1993, 2010a, 2010b, 2015, 2019).

2 Sobre o Estado de Polícia ver Hespanha e Subtil (2014) e Subtil (2013).

3 Sobre este imaginário liberal ver, sobretudo, Hespanha (2004). Para uma comparação com o Antigo Regime ver Subtil (2020b).

4 Acerca deste tribunal de graça, ver Subtil (2011).

5 É claro que o monarca não governava só através da graça. Sobre outras áreas de governo ver, Hespanha (2017) e Subtil (1998).

6 Certa é, porém, a obrigação eterna de agradecimento e retribuição o que faz de todos os beneficiados um “exército” de vassalos reconhecidos e fiéis, uma extensa rede de clientes a que o monarca podia recorrer com novos serviços para o cumprimento dos deveres de auxílio e ajuda. O obsequiado devia evitar os defeitos do excesso da veneração e da adulação.

7 Por isso, também, o monarca não devia conceder o perdão absoluto, mas mitigar a pena porque um dos deveres do bom pai e pastor era manter a punição para o bem da família e do rebanho. Sobre a cultura política como cultura familiar, ver Atienza Hernández (1990), Frigo (1991).

8 Ver Hespanha (1989, pp. 138-141). Se fazer justiça, iurisdictio, correspondia à “atividade que consiste num iudictium, ou seja, na resolução de uma questão envolvendo direitos distintos e contraditórios […] atribuir a cada um o que lhe é devido”, fazer a graça correspondia ao expoente supremo da justiça precisamente porque a podia dispensar, atribuindo “um bem que não lhe cabia por justiça, nem comutativa, nem distributiva” (Hespanha, 2019, pp. 183-185).

9 Para além das tipologias referidas ao longo do texto podemos, por exemplo, escolher, no plano teológico, a “graça increada” que é Deus enquanto comunicação e fé; a “graça criada” que são os benefícios que recebemos de Deus; a “graça natural” que são as faculdades com que fomos feitos por Deus (como a força do corpo, o espírito e o discernimento); a “graça sobrenatural” que diz respeito à salvação eterna; e a “graça expectativa” que consiste na esperança de possuir algum benefício (ver Sousa, 1825, verbete sobre a “Graça”).

10 Mesmo se a graça não acompanhava uma lógica comercial, o benfeitor sempre esperava uma vantagem política pela dádiva porque colocava o favorecido numa situação em que nunca pagaria a dívida por esta ser moral, orientada pelas virtudes da amizade, liberalidade, gratidão e serviço. Ao contrário, a ingratidão era vista como um pecado, portanto, tanto benfeitor como agraciado deviam evitar, o primeiro a prodigalidade, o segundo a avareza. Sobre esta cultura da mercê e gratidão, ver Hespanha (1993, pp. 151-156).

11 Sobre o poder da amizade e dos afetos na cultura do Antigo Regime, ver Cardim (1999a, 2000).

12 De acordo com o Regimento de 19 de janeiro de 1671 os que “servem com satisfação se dê o justo prémio que merecem” e “por leves serviços não se devem dar mercês”. Num recente trabalho sobre a comunicação política, a economia das mercês foi admitida como o suporte de uma monarquia pluricontinental, ver Fragoso e Monteiro (2017). Sobre as mercês na cultura nobiliárquica, ver Monteiro (1998).

13 Imposto que antecedeu os Novos Direitos (Regimento dos Novos Direitos, 11 de abril de 1661), depois substituído pelos liberais no Direito das Mercês.

14 Sobre a cultura do Antigo Regime ver Cardim (1999); Buescu (2000). Sobre o quadro político, ver Lourenço (2001).

15 Se o processo gracioso era muito parecido ao processo judicial, contudo, distinguia-se deste por não ser regulado pelo direito, mas pelas virtudes do benfeitor e pela tradição. A portada dos requerimentos repetia, no essencial, uma tipologia típica como “cuja graça tem já Vossa Alteza Real sido servido por sua alta grandeza, conceder a outros Vassalos, que como o Suplicante têm recorrido ao degrau da incomparável piedade de Vossa Alteza Real, portanto, pede a Vossa Alteza Real que no meio de tantas virtudes que o adornam, queira conceder ao Suplicante a justa graça que requer. Espera Real Mercê”.

16 Por Carta Régia de 25 de julho de 1625 foram proibidas as consultas de mercês cujos serviços constassem de testemunhas e não por certidões originais de “folha corrida”. Para resolver a perda de documentos por causa de incêndios ou naufrágios, admitia-se que o monarca pudesse, através de alvará régio, certificar o acontecimento e autorizar o peticionário a arrolar testemunhas.

17 Sobre este período ver Subtil (2021).

18 Francisco Xavier de Mendonça Furtado (1700-1769) era irmão do marquês de Pombal e destacou-se como governador do Estado do Grão-Pará e Maranhão (1751-1759). Regressou ao Reino, depois do atentado a D. José, para ser nomeado adjunto do irmão (decreto de 19 de julho de 1759) e, posteriormente, Secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos. Foi um intransigente crítico dos jesuítas e defensor do regalismo.

19 Este novo regimento foi justificado por “haver muita coisa sobre requerimentos das pessoas que pedem satisfação de serviços públicos”.

20 “A concessão da graça torna essencialmente perfeita a mercê, ainda que para o seu ultimo complemento seja necessário tomar posse”, verbete “Graça”, Sousa (1825).

21 O primado da moral e dos costumes veio dando lastro para que estas confirmações fossem tidas por adquiridas, mesmo a favor dos descendentes, e que a remuneração não podia ser revogada mesmo que houvesse ingratidão do beneficiário. Para Pascoal José de Melo Freire, as confirmações podiam revestir várias modalidades: a) por sucessão no filho do donatário; b) de “rei a rei”; c) e em cada reinado através de confirmações gerais ordenadas para examinar ou limitar, a qualquer momento, as doações régias. A graça da confirmação devia ser requerida até seis meses a contar da morte do donatário ou do monarca anterior (ver Freire, 1967, §xxxii a xxxv).

22 De notar que estas exigências já estavam previstas nas Ordenações Filipinas, Livro II, título 42 e, entre outros, pelo Alvará de 28 de agosto de 1714.

23 O registo da confirmação das mercês permitia colocar, mais no plano simbólico que jurídico, a possibilidade de o património doado reverter para a Coroa como estipulava a Lei Mental (1434) e enfatizava a indisponibilidade à apropriação definitiva por parte dos donatários.

24 No parágrafo 25.º do Alvará de 3 de agosto de 1678 diz-se que são abrangidos todos “os Officios em geral, de qualquer sorte e qualidade que sejam, sem exceção alguma” a menos que sejam de “pé de Exército”. Sobre a sociedade militar ver Costa (2004).

25 No que respeita às dificuldades da fazenda real, ver Hespanha (1997). Para cumprir com esta missão, a Junta dos Três Estados tinha um tesoureiro e um escrivão para registar os pagamentos, as fianças e os termos de cobrança. A junta era, ainda, coadjuvada por um Superintendente dos Novos Direitos e por um superintendente, tesoureiro e escrivão em cada cabeça de comarca, eleitos em câmara, bem como contava com a colaboração dos corregedores, provedores, contadores das comarcas e ouvidores das ouvidorias. Sobre a rede da administração da justiça régia, ver Camarinhas (2010).

26 As mercês de “pé de exército” por pagamento de serviços militares tiveram sempre um lugar especial na legislação e, sobretudo, quando se referiam a mercês de sangue. Ver Regimento das Mercês Dado por El-Rei D. Pedro 2.º em 19 de janeiro de 1671 e Decretos com Que Se Acrescentou.

27 Ordens repetidas nos decretos de 8 de março e 27 de abril de 1799 e, ainda, de 26 de janeiro de 1800 e 17 de novembro de 1801.

28 Para o pagamento das dívidas era permitido a consignação de 10% se o montante excedesse os 100 mil réis, de 25% se a dívida fosse entre 25 e 100 mil réis e de 50% para menos de 25 mil réis. Para se requerer o pagamento por consignação, os agraciados tinham de requerer o pedido dentro de um ano sob pena de execução de bens. Esta “amnistia fiscal” não abrangia as mercês atribuídas depois do Alvará de 1 de agosto de 1777 que incluía, para não restarem dúvidas sobre a paridade das avaliações, uma tarifa de preços calculada na base do valor em géneros conforme ao termo de Lisboa, à província da Estremadura, Beira e Trás-os-Montes, Minho, Porto, Alentejo e Reino do Algarve.

29 Sobre a teoria do ofício, ver Subtil (1998, 2012).

30 Por exemplo, os rendimentos do ofício de um escrivão do juízo geral de uma câmara, bem como do juiz letrado, dependiam do fluxo de processos que davam entrada no tribunal de primeira instância cuja variação estava relacionada com o grau de literacia do concelho, a riqueza e, sobretudo, a demografia.

31 Ver regimento de 29 de dezembro de 1721, Campos (1785, pp. 563-587). Pelo Alvará de 18 de janeiro de 1643, na sequência das Cortes de 1642, a Junta dos Três Estados foi incumbida de administrar vários impostos (contrato do tabaco, sisa, contribuição de 4,5%, direitos do açúcar, terças, real de água e os novos direitos das mercês) para, em conjunto com o Conselho da Guerra, gerir os problemas da organização dos equipamentos e recursos militares relacionados com a guerra da Restauração. A junta estava organizada em seis cofres: Caixa do Estipêndio Militar (500 contos ano); Caixa Militar das Munições de Boca (230 contos ano); Caixa Militar das Fardas (110 contos ano); Caixa Militar dos Hospitais e Munições de Guerra (60 contos ano); Caixa Militar das Fortificações (24 contos ano); Caixa da Administração da Junta (200 contos ano). Para esta última caixa, o imposto dos novos direitos contribuía com 20 contos da Chancelaria e 8 contos das comarcas do Reino.

32 Disposições já prescritas nas Ordenações Filipinas, Livro II, título 38.º, §1.º.

33 Ver Regimento dos Novos Direitos de 11 de abril de 1661. A ideia do exercício do ofício como comissão de serviço teria que esperar pelo reformismo iluminista, mesmo assim muito mitigada.

34 Os bens da Coroa eram constituídos pelos títulos honoríficos (duque, marquês, conde, visconde), pela jurisdição civil, criminal, militar e económica, pelos bens imóveis consignados no “Livro dos Próprios da Coroa”, os direitos reais, rendas, pensões e censos enfitêuticos. Os bens da Coroa que não estavam sujeitos à Lei Mental eram os bens móveis do rei, bens enfitêuticos, bens adquiridos por compra, as tenças, moradias, assentamentos e desembargos. Contudo, mesmo sem as confirmações tiradas, os donatários não tiveram problemas na sucessão e, por algumas alturas, até exorbitaram as cláusulas de concessão.

35 Repetem-se, mesmo depois da revolução, as súplicas que evidenciavam a inculcação de uma invocação que, em termos gerais, roga “a graça que tem já Vossa Alteza Real sido servido por sua alta grandeza, conceder a outros Vassalos, que como o Suplicante têm recorrido ao degrau da incomparável piedade de Vossa Alteza Real e de tantas virtudes que o adornam espera a justa graça que lhe seja concedida a mercê que implora”.

Recebido: 15 de Dezembro de 2020; Aceito: 08 de Julho de 2021

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