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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.241 Lisboa dez. 2021  Epub 31-Dez-2021

https://doi.org/10.31447/as00032573.2021241.12 

Recensão

Recensão: Too Valuable to Be Lost: Overfishing in the North Atlantic since 1880

1 Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa. Av. Prof. Aníbal Bettencourt, 9 - 1600-189 Lisboa, Portugal. franciscomaiahenriques@gmail.com

Garrido, A.; Starkey, D.. (eds.):, Too Valuable to Be Lost: Overfishing in the North Atlantic since 1880. ,, Berlim: ,, De Gruyter, ,, 2020. ,, 198p. pp. ISBN, ISBN: 9783110637588.


Desde o início do século XX, a produção global de produtos da pesca cresceu a um ritmo superior à população mundial. O consumo de pescado per capita duplicou nos últimos cinquenta anos graças a maiores taxas de urbanização, à utilização de novas espécies e ao desenvolvimento dos circuitos de distribuição. Mas os recursos marinhos são, apesar de renováveis, finitos e incertos. A industrialização das pescas provocou em diferentes partes do globo o colapso nos stocks das espécies mais procuradas. O fenómeno de sobrepesca (overfishing) não é recente, mas as instituições criadas para evitar o problema são ainda jovens. Neste livro, coordenado por Álvaro Garrido e David Starkey, a sobrepesca é avaliada como um problema histórico cuja origem está nos primeiros sinais de exploração excessiva dos recursos no Atlântico Nordeste. Ainda que a sobrepesca seja um fenómeno transfronteiriço, a abordagem do problema reflete a dimensão axiomática das soberanias nacionais na gestão dos recursos marinhos. Esta tendência é contrariada, só em parte, pela análise da Política Comum das Pescas, no quadro institucional da União Europeia.

Garrido e Starkey reivindicam a utilidade das ciências sociais para entender o fenómeno da sobrepesca. Nos capítulos do livro colaboram historiadores, biólogos e economistas. A postura interdisciplinar distancia-se, por isso, da análise singular da sobrepesca como um problema matemático, estático e bioeconómico, que pode ser debelado a partir da informação estatística e a aferição dos limites sustentáveis das capturas. Afasta-se também de uma perspetiva centra-da no estudo das populações animais, ou no conjunto dos ecossistemas marinhos, que pretende medir o efeito nocivo da pesca na sustentabilidade ambiental dos espaços naturais. Podemos afirmar que ao longo do texto existe uma tensão epistemológica sobre a definição de sobrepesca, as suas origens e os mecanismos possíveis para reduzir as capturas. Estes temas são desenvolvidos a partir de três argumentos centrais.

O primeiro argumento centra-se nas causas profundas que originaram o problema contemporâneo da sobrepesca. A análise de Jesús Giráldez, Inês Amorim e Robb Robinson sobre as indústrias pesqueiras de Portugal, Espanha e Inglaterra demonstra duas tendências da industrialização iniciada na segunda metade do século XIX. A primeira é a introdução do vapor nas embarcações de pesca, que permitiu alargar as zonas e períodos de extração dos recursos; a segunda, a articulação dos portos com a rede de caminhos-de-ferro que alargou a distribuição e o consumo do pescado, aliado a novas formas de conservação do peixe. Com estas inovações, o pescado tornou-se um produto menos perecível, mais barato e acessível. As indústrias exportadoras, nomeadamente as conserveiras, procuraram expandir a oferta para reduzir o preço do pescado na estrutura de custo das empresas. Em grande medida, os recursos eram entendidos como uma fonte inesgotável, ainda que sujeitos a pronunciadas flutuações que a ciência não conseguia esclarecer. Perante o decréscimo das capturas em regiões costeiras, as empresas começaram a pescar a maiores distâncias. A dinâmica da procura externa atraiu capitais para a construção naval e o ambiente de laissez-faire propiciou a intensificação das capturas em águas internacionais.

Apesar do desenvolvimento institucional recente na União Europeia, o acesso livre e a exploração intensiva dos recursos marinhos continuam a existir. Neste sentido, o enquadramento geopolítico do Atlântico Nordeste é insuficiente para explicar o fenómeno da sobrepesca. À margem da regulação comunitária e dos espaços de soberania nacional, grandes empresas preconizam a integração vertical da pesca com a preparação e comercialização dos produtos. A pesca de atuns feita por empresas espanholas e francesas no Índico Ocidental é um caso emblemático da criação de novas fronteiras de recursos (Campling, 2012). O conceito de “ fronteira”, por oposição à ideia de sobrepesca, revela-se particularmente operativo para compreender os riscos das estratégias expansionistas que superam os mecanismos regulatórios nacionais e supranacionais (Butcher, 2004).

Em segundo lugar, o livro debate as diferentes respostas institucionais ao problema da sobrepesca, em particular no segundo pós-guerra. O argumento subjacente é que as respostas foram tardias ou demasiado lentas para evitar o colapso de algumas pescarias. As capturas de arenque no Mar do Norte, que colapsaram em 1969, são outro caso paradigmático. A implantação de ideias “produtivistas” em Inglaterra, bem como na Holanda, descritas por Chris Reid e Frits Loomeijeir, conduziram a uma exploração ultraintensiva do recurso que redundou no seu desaparecimento. Inicialmente, os organismos públicos procuraram resolver o problema dos excedentes da pesca com o impulso da transformação do pescado em óleos e farinhas. Esta estratégia, contudo, subverteu o problema: os excedentes deram lugar a uma escassez prolongada do arenque e a uma crise social no sector. Por outro lado, na Noruega, Petter Holm e Bjørn-Petter Finstad revelam que o acesso livre aos recursos marinhos costeiros, sobretudo o bacalhau, era a base de um modo de vida cultural, simbólico e ancestral. A necessidade de impor restrições quantitativas às capturas foi recebida com incompreensão e significou uma rutura traumática com o passado.

Os capítulos centrais do livro destacam, assim, a necessidade de olharmos para os mercados para entendermos a sobrepesca. Na história das pescas contemporâneas é conveniente alargar o estudo centrado nas tecnologias da produção até ao comportamento dos consumidores, o comércio e a publicidade que caracterizam a formação das cadeias de valor (Reid, 2012). A experiência do Atlântico Nordeste não é inédita. Entre os anos 30 e 50 do século passado, o colapso da sardinha da Califórnia foi provocado pela integração da pesca com o sector agrícola e uma crescente procura de farinhas de peixe para alimentação animal. As instituições - entendidas aqui como o conjunto das leis - e a ação dos cientistas não evitaram o colapso (McEvoy, 1986). Todavia, nem todos os mecanismos do mercado inspiram uma exploração insustentável dos recursos. Os certificados ecológicos, com uma crescente adesão por parte dos consumidores, representam uma tendência de proteção dos recursos e a contenção de métodos de pesca menos seletivos.

Ao longo do livro, é pouco claro em que dimensão os subsídios públicos contribuíram para o problema da sobrepesca. Segundo um relatório da OCDE, a maioria dos países ocidentais contava com ajudas públicas no sector durante os anos 60 (OCDE, 1965). Carmen Finley defendeu que a exploração ultraintensiva dos recursos se deveu, mais do que a uma “tragédia dos comuns”, ao efeito dos apoios públicos para a modernização das frotas (Finley, 2017). Mas esta visão merece ser matizada. Em Portugal, por exemplo, os apoios públicos ao sector, sobretudo na pesca longínqua, aumentaram a capacidade instalada e os desembarques nacionais durante o Estado Novo; porém, no quadro de adesão à União Europeia, os apoios comunitários contribuíram para o abate de unidades de pesca e estimularam, paradoxalmente, um aumento da dependência externa nos produtos da pesca (Garrido, 2018; Pinho, 2019).

Os últimos capítulos do livro, assinados por Fernando González Laxe, Gonçalo Carvalho, Rod Cappell e Fiona Nimmo, discutem a Política Comum das Pescas (PCP) da União Europeia, criada em 1970 e com sucessivas reformas até à atualidade. A PCP surge como o mecanismo institucional mais aperfeiçoado para resolver o problema da sobrepesca. Entre os seus objetivos está o fim da sobrepesca, projetado para 2020, e a adoção do princípio de Rendimento Máximo Sustentável para as principais espécies comerciais. Os autores sustentam que a inclusão dos pareceres científicos do Conselho Internacional para a Exploração do Mar, fundado em 1902, e a participação de organizações não governamentais foram decisivos para a criação de uma gestão preventiva. Se todas estas conquistas foram positivas, como se explica o logro de não se ter terminado com a sobrepesca em 2020? Apesar da redução da percentagem de stocks capturados acima de um limite sustentável, o progresso das medidas regulatórias é difícil de determinar. Os ambientes marinhos estão em constante mudança - sob o efeito das alterações climáticas, por exemplo - e a pesca é apenas um dos elementos que contribuem para a alteração dos ecossistemas. Os grupos de interesse no interior dos Estados-membros fazem com que as quotas de pesca raramente coincidam com os pareceres científicos. A distribuição equitativa das oportunidades de pesca é um desafio perene na União Europeia.

O final da sobrepesca pode ser uma utopia, como sugerem os coordenadores na conclusão do livro. Mesmo com uma gestão preventiva, os stocks de peixe continuam a ser escassos, incertos e sujeitos a múltiplas alterações ambientais. No entanto, o desenvolvimento das instituições mostra que é possível monitorizar as principais pescarias e torná-las numa atividade sustentável a longo prazo. Em suma, o livro apresenta dois grandes méritos. O primeiro é a contribuição para o debate geral sobre como gerir recursos comuns, naturais e renováveis no planeta sem que a sua extração se torne insustentável. Os recursos marinhos são um objecto essencial, não só como fonte de proteína animal, mas porque a sua distribuição ultrapassa as fronteiras terrestres e exige respostas institucionais locais, nacionais e internacionais (Ostrom, 2015). Em segundo, o livro tem o mérito de ensaiar uma história comparada do Atlântico Norte, na senda de outros trabalhos recentes (Starkey e Heidbrink, 2012), que incluem os países mais setentrionais e meridionais como a Islândia, Portugal e a Espanha. Esta opção supera a tradicional história marítima do Mar do Norte, onde se desenvolveram intensas relações de produção e comércio, mas a que escapam algumas das principais potências pesqueiras europeias e mundiais.

Referências bibliográficas

BUTCHER, J. (2004), The Closing of the Frontier : a History of the Marine Fisheries of Southeast Asia, c.1850-2000, Singapura, Institute of Southeast Asian Studies. [ Links ]

CAMPLING, L. (2012), “The tuna ‘commodity frontier’: business strategies and environment in the industrial tuna fisheries of the Western Indian Ocean”. Journal of Agrarian Change, 12(2/3), pp. 252-278. [ Links ]

FINLEY, C. (2017), All the Boats on the Ocean : How Government Subsidies Led to Global Overfishing, Chicago, The University of Chicago Press. [ Links ]

GARRIDO, A. (2018), As Pescas em Portugal, Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos. [ Links ]

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OCDE (1965), Subventions et autres aides financiéres aux industries de la pêche dans les pays membres de l’OCDE, Paris, OCDE. [ Links ]

OSTROM, E. (2015), Governing the Commons: The Evolution of Institutions for Collective Action, Cambridge, Cambridge University Press. [ Links ]

PINHO, A. (2019), O Consumo de Pescado e a Internacionalização do Setor das Pescas em Portugal: uma Abordagem Estatística Integrada do Setor em Portugal, Coimbra, Minerva. [ Links ]

REID, C. (2012), “Evolution in the fish supply chain”. In D. Starkey, I. Heidbrink (eds.), History of North Atlantic Fisheries, Bremen, German Maritime Studies, pp. 27-58. [ Links ]

STARKEY, D., HEIDBRINK, I. (eds.) (2012), A History of the North Atlantic Fisheries: from the 1850s to the Early Twenty-first Century, Bremen, H. M. Hauschild. [ Links ]

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