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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.242 Lisboa mar. 2022  Epub 31-Mar-2022

https://doi.org/10.31447/as00032573.2022242.05 

Artigos

A terça parte visível: a invisibilidade das mulheres artistas no campo das artes visuais portuguesas (2012-2019).

The visible third: the invisibility of women artists in the field of Portuguese visual arts (2012-2019).

Sónia Bernardo Correia1 
http://orcid.org/0000-0002-1397-0255

1 CIES-ISCTE, ISCTE-IUL » Edifício Sedas Nunes, Av. das Forças Armadas - 1649-026 Lisboa, Portugal. soniabcorreia@gmail.com


Resumo

O artigo integra uma pesquisa em curso sobre o papel do género na composição do campo das artes visuais portuguesas e nas possibilidades e limites ao sucesso dos percursos profissionais artísticos. Analisando os números relativos à atividade de uma amostra significativa de galerias, feiras, leilões e prémios de arte em Portugal entre 2012 e 2019, verificou-se uma notória subrepresentação feminina, cuja proporção raramente ultrapassa um terço. Apesar de alguns sinais positivos de mudança nas coortes das artistas mais jovens, os resultados evidenciam que as mulheres ocupam, relativamente aos homens, posições periféricas de reconhecimento e legitimação no campo. Conclui-se, assim, que poderão também enfrentar maiores dificuldades no acesso e desenvolvimento das suas carreiras profissionais.

Palavras-chave: desigualdades; género; artes visuais; trajetórias profissionais

Abstract

This paper is part of an ongoing research that aims to understand the role of gender in the composition of the Portuguese visual arts field and the possibilities and limits to the success of artistic professional trajectories. Analyzing the figures, between 2012 and 2019, regarding the activity of a significant sample of galleries, fairs, auctions, and art awards in Portugal, it was possible to verify that there is a notorious underrepresentation of women, whose proportion rarely exceeds one third. Despite some positive signs of change in the cohorts of younger female artists, the results show that women occupy, in relation to men, peripheral positions of recognition and legitimacy in the field. Thus, it is concluded that they may also face greater difficulties in accessing and developing their professional careers.

Keywords: inequalities; gender; visual arts; professional trajectories

Introdução

A par das mudanças significativas nas relações de género, persistem discriminações que têm travado as mulheres no acesso aos direitos de forma igualitária e justa, nomeadamente no mercado de trabalho (Amâncio, 1993; Guerreiro, 1995; Crompton, 1996; Connell, 2002; Perista e Silva, 2006; Ford e Harding, 2010; Ferreira (org.), 2010; Casaca, 2012; Nunes e Casaca, 2015; Gomes, 2017; Huffman, Reichelt e King, 2017). Apesar das altas taxas de qualificação e empregabilidade femininas, mantêm-se desigualdades acentuadas nas estruturas de emprego. A representatividade em diferentes profissões e sectores, a posição ocupada, os salários auferidos e a segurança na profissão apresentam ainda claras distinções se vivenciadas por homens ou por mulheres.

Em Portugal, o aumento significativo do número de mulheres artistas visuais ao longo da segunda metade do século XX não se traduziu num aumento proporcional da sua presença em coleções e exposições de museus e galerias (Vicente, 2005). O campo das artes visuais parece ser sensível ao género, enquanto categoria que determina as posições ocupadas pelos artistas em termos de visibilidade e reconhecimento. As mulheres artistas têm preenchido lugares periféricos, o que poderá implicar que experimentem mais dificuldades no desenvolvimento das suas carreiras profissionais.

A pesquisa1 que dá origem ao presente artigo procura compreender qual é o papel do género na composição do mundo da arte contemporânea portuguesa (quem entra e quem não entra) e nas possibilidades e limites ao sucesso dos percursos profissionais das mulheres e homens artistas. Neste estudo, recortando o período compreendido entre 2012 e 2019, foram calculados para um conjunto significativo de estruturas, indicadores como a proporção de exposições individuais femininas no total das exposições realizadas, a percentagem de mulheres presentes em coleções de arte ou o número de obras femininas presentes em leilões. A análise destes números permitiu aferir o nível de participação das artistas nas instâncias de distribuição (Melo, 2012) e nos sistemas de reconhecimento artístico.

O objeto de estudo incluiu 24 galerias comerciais relativamente homogéneas em termos de presença e relevância no mercado e também 8 outras que se têm afirmado mais recentemente. Localizam-se nas cidades de Lisboa, Porto, Funchal e Ponta Delgada, cobrindo de forma representativa o panorama galerístico nacional. A amostra abrangeu ainda 5 galerias institucionais líderes na difusão artística em Portugal (Lisboa e Porto) e 3 leiloeiras de arte. Foram também analisados os mais significativos prémios de arte atribuídos em Portugal.

Na primeira parte do artigo, apresentam-se contributos teóricos sobre as dinâmicas de funcionamento do mundo da arte e o impacto que poderão ter nas trajetórias profissionais dos homens e das mulheres artistas. Procuram-se contextualizar historicamente as condições e as circunstâncias profissionais das mulheres artistas e também compilar as razões apresentadas por autores e autoras para explicar o fenómeno da subrepresentação feminina. Na segunda parte, são enunciados os pressupostos metodológicos que guiaram a pesquisa e são apresentados e discutidos os seus resultados. O artigo termina com as conclusões do estudo empírico, lançando-se também novos objetivos de investigação suportados nos percursos biográficos de mulheres artistas.

O mundo da arte e quem o guarda

“To see something as art requires something the eye cannot decry - an atmosphere of artistic theory, a knowledge of history of art: an artworld.” (Danto, 1964, p. 580)

O mercado de arte contemporânea, a par de outros mercados, alicerça o seu funcionamento na oferta, na procura e na distribuição, o que equivale a dizer que assenta sob três funções: a criação, a difusão e o consumo de bens artísticos (Venkatesh e Meamber, 2006; Melo, 2012; Preece e Kerrigan, 2015; Petrides, 2017).

Os homens e as mulheres artistas são os responsáveis por assegurar a oferta de produtos artísticos, criando e produzindo obras de arte e sem eles e elas não existe mercado de arte. Do lado da procura, existem vários tipos de consumo de arte. Por um lado, há pessoas que procuram efetivamente adquirir as obras originais de artistas e, por outro, as que procuram a experiência estética, a oportunidade de estar em contacto com as obras de arte, o seu consumo visual (Santagata, 1995). O último dos alicerces do mercado de arte é a distribuição, onde se encontram a oferta e a procura e ocorrem as transações. Protagonistas desta intermediação são as galerias comerciais, os negociantes de arte, as leiloeiras e as feiras de arte (Melo, 2012). Por vezes, entidades públicas ou colecionadores privados encomendam obras de arte diretamente às e aos artistas.

O mercado de arte encontra-se dividido em dois submercados (Preece e Kerrigan, 2015; Petrides, 2017). O mercado primário é onde as obras de arte são transacionadas pela primeira vez: as galerias encarregam-se destas vendas cumprindo o papel de intermediação entre artistas e compradores. No mercado secundário, operam negociantes de arte que transacionam, muitas vezes em leilões, obras de artistas conceituados que não são novas no mercado (Robertson e Chong, 2008; Maanen, 2009).

As dinâmicas deste mercado têm lugar no mundo da arte (Danto, 1964; Becker, 1982). A definição de mundo da arte2 procura abranger o meio social ocupado por artistas e por todas as pessoas e instituições que desempenham papéis de execução técnica, transporte, financiamento, compra, venda ou exibição de arte (Maanen, 2009). Becker (1982) rompe com o “mito romântico do artista”, pessoa que possui um dom raro e especial sempre embrenhada em processos criativos solitários, propondo uma visão mais sistémica e relacional do funcionamento do mundo da arte. A obra de arte resulta da atividade combinada de uma cadeia de intervenientes desde a sua produção, difusão e receção pelo público. É uma abordagem que se descentra da figura do artista ou da obra de arte e prefere as redes de cooperação que se constituem interativa e dinamicamente, para que a obra de arte se concretize (Guimarães, 2009; Cluley, 2012; Silva, 2017; Pereira, 2018; Simões, 2019). Destas redes fazem parte: fornecedores de materiais e ferramentas, mecenas e patronos que viabilizam financeiramente a existência da obra, estruturas e instituições responsáveis pela distribuição e difusão das obras, quem ensina e desenvolve os discursos, as tradições e as convenções artísticas e também as estruturas de poder que definem os sistemas de atribuição de valor à arte e decidem quem ocupa um lugar no mundo da arte (Hirvi, 2015; Silva, 2017).

O mundo da arte apresenta-se como uma rede de relações e dependências entre elos cooperativos (Silva, 2017). A função principal desta rede é gerar interesse e visibilidade sobre a criação artística e cativar a atenção das pessoas que fazem a interface entre artistas e o mercado da arte. São estas pessoas poderosas - guardiãs do mundo da arte - que atribuem valor simbólico e comercial às obras e que, em última análise, ditam o tipo de arte que é exibida (Szymańska-Palaczyk, 2017). As redes de peritos de arte - galeristas, curadores3, críticos, negociantes, jornalistas, colecionadores - fazem veicular ideias acerca das obras que, ao longo do tempo, vão sendo consensualmente entendidas e aceites. Estes processos transformam o artista ou a obra numa marca, ditando a sua reputação e valor (Becker, 1982; Preece e Kerrigan, 2015; Petrides, 2017). A reputação do artista, mulher ou homem, é determinante na exposição e distribuição do trabalho. E arte que não é distribuída, torna-se invisível, desconhecida e não acumula capital na legitimação do artista. Num mercado competitivo caracterizado pela incerteza e racionalidade limitada nas decisões de compra, a reputação é um fator diferenciador para a atribuição de valor económico às obras e, consequentemente, para as decisões de investimento (Beckert e Rössel, 2013).

Ami Barak, um curador citado por Luísa Especial (2012, p. 253) na sua tese de doutoramento, diz: “Existimos, (mas) sem reconhecimento… não existimos”. O reconhecimento está sujeito à visibilidade do artista e do seu trabalho e neste processo, as galerias enquanto gatekeepers do mercado, têm um papel crucial. São elas que difundem para o público mensagens acerca da identidade artística do artista, legitimando-o, permitindo a exibição do seu trabalho e contribuindo para a formação do valor económico das obras ( Guimarães, 2009; Especial, 2012; Ferreira, 2018).

Não obstante a importância comercial e cultural das galerias (Melo, 2012) no desenvolvimento das carreiras artísticas, em Portugal, a sua atividade é limitada para a quantidade de artistas que produzem arte (Serpa, 2005; Simões, 2016). Esta circunstância do mercado leva a que existam artistas “empresários de si próprios” (Menger, citado por Borges e Faria, 2015) que assumem, para além do trabalho de criação, outras funções que vão desde a procura de financiamento até à disseminação e venda das suas obras. São preconizadas estratégias que fujam ao compromisso de ser representado por uma galeria (Petrides, 2017), que permitam a liberdade autoral (Marques, 2015) e que, em muitos casos, façam face às condições de incerteza e precariedade laboral. Neste sentido, os artistas enquanto agenciadores, uma vez individualmente, outras organizando-se, cooperam em plataformas com outros artistas, procurando a afirmação das suas obras e carreiras para além do circuito galerístico (Gomes e Martinho, 2009; Marques, 2015).

A crescente importância que a reputação internacional traz à visibilidade de homens e mulheres artistas (Gomes e Martinho, 2009; Quemin, 2013), tem levado as galerias a apostar na participação em feiras internacionais de arte contemporânea. De acordo com Petrides (2017), estes eventos atraem patrocínios corporativos, cobertura mediática de imprensa especializada e a legitimação da natureza contemporânea e distinta da galeria participante e do grupo de artistas que representa. As feiras de arte são também importantes momentos na agenda das galerias pelo seu lado comercial: seja pelas vendas que concretizam, seja pela interação com figuras importantes do mundo da arte (congéneres galeristas, colecionadores, curadores), o que pode vir a resultar em negócios futuros. O acesso das galerias e por sua vez de artistas e obras às feiras mais prestigiadas, é restrito e selecionado por uma comissão de peritagem internacional.

Os leilões são outros dos polos gatekeepers onde são feitas transações de obras de arte, onde se estabelecem preços de referência e onde a reputação dos homens e das mulheres artistas é feita ou desfeita. Alexandre Melo (2012) afirma que são instituições que lideram o circuito económico do mundo da arte contemporânea, uma vez que são quem tem maior responsabilidade na reputação dos artistas e valorização económica das suas obras. A atividade leiloeira tem impacto nos preços das obras a serem vendidas nas galerias (mercado primário): quem é incluído na sessão mais prestigiada do leilão, goza de uma maior visibilidade e prestígio no mercado, gerando um efeito positivo nos preços das obras nas galerias. Contudo, se um ou uma artista transita para sessões menos apetecíveis, onde as obras de arte são transacionadas com estimativas de venda a mais baixo preço, então isso será interpretado pelos agentes do mercado como um indício de que a reputação e a valorização económicas das obras daquele ou daquela artista, baixaram.

A reputação e o prestígio das mulheres e dos homens artistas também são consolidados por “mecanismos de formação e homologação do valor artístico da obra produzida” (Carvalho, 2015), como é o caso da atribuição de prémios, reconhecendo a obra e trabalho de artistas e bolsas, que apoiam projetos de especialização académica, criação artística ou pesquisa teórica e valorização profissional (Conde, 2012). Os prémios no mundo da arte são a melhor forma de distinguir carreiras onde não existem, como noutras profissões, promoções ou aumentos salariais. Quem vence tem a grande vantagem de sair da sombra, da invisibilidade e, com isso, pode aceder a novas e melhores oportunidades de carreira.

Melo (2007) no livro Arte e Artistas em Portugal, descreve o mercado de arte português desde os anos 60 até à primeira década do século XXI, destacando o impacto das estruturas políticas e sociais nas suas dinâmicas.

O campo artístico que chega aos anos 60 era incipiente e estava sob tutela de uma ditadura muito longa e “castradora de todos os aspectos do desenvolvimento económico, social e cultural português” (Melo, 2007, p. 13). A prática oficial de isolamento ao exterior ditou o afastamento dos agentes (e do resto da sociedade) dos principais circuitos internacionais de criação artística, o que, juntamente com os baixíssimos níveis de formação da população e uma opinião pública desinformada, resultou num campo artístico débil. Graças à longevidade da ditadura, Portugal “nunca (foi) confrontado com vagas de imigração irredutíveis e nunca (foi) confrontado com nenhum movimento feminista de peso. Portugal permaneceu, no seu isolamento internacional, virtualmente alheio às ondas de choque que abalavam o século XX.” (Melo, 2007, p. 86).

É a emigração de muitas e muitos artistas que mostra a necessidade de uma maior convergência do campo artístico português com as correntes e linguagens internacionais. A inauguração de grandes exposições coletivas ou a abertura de novas galerias procuram, por esta altura, animar o mercado de arte nacional.

A década de 70, apesar dos sinais positivos de mudança política e social, apresentava um mercado de arte anémico onde a intervenção estatal, na criação de museus ou espaços de exposição de arte contemporânea, era inexistente. Ainda assim, as ações promovidas por algumas galerias, na formação e divulgação de artistas, o aparecimento de crítica especializada, a emergência de publicações de artes e as grandes exposições coletivas, começaram a desenhar um novo caminho para a arte contemporânea portuguesa.

A revolução de 74 abrandou a intensidade das exposições e monopolizou os conteúdos de jornais e revistas. No final da década, prova já da maior abertura ao exterior, foram realizados certames importantes como a Bienal Internacional de Cerveira e consagraram-se, no mercado e na crítica, os percursos de alguns artistas.

São os anos 80 que trazem renovado vigor ao campo artístico português. Seja pelo conjunto plural de artistas capazes de afirmar o seu trabalho, seja por uma nova vaga de galeristas e críticos, as artes plásticas ganharam popularidade e mediatismo. Destaque-se, por exemplo, a participação portuguesa na Bienal de Veneza em 82, com a artista Helena Almeida.

No entanto, é também marca desta época a fragilidade do tecido cultural, que sofre com a falta de estratégia e investimento e com a ausência do Estado na criação de um acervo e museu públicos capazes de representar a arte portuguesa do século XX (função que foi em parte, substituída pela Fundação Gulbenkian).

O mercado de arte dos anos 90 caracteriza-se pela falta de oportunidades de carreira e por muitas dificuldades de internacionalização. O campo artístico é ainda refém de anos e anos de subdesenvolvimento e não abertura ao exterior, o que se traduz em carreiras artísticas pouco internacionais e sustentáveis.

Apesar da condição periférica de Portugal, é de realçar o trabalho de agentes do mercado na divulgação e promoção dos artistas portugueses nos principais centros europeus de exibição. Esta é também a década em que se assiste a um crescimento institucional forte, como são exemplos o Centro Cultural de Belém, o Museu de Serralves, a Culturgest ou o Museu do Chiado.

O século XXI parece indicar um rumo mais risonho para a arte contemporânea portuguesa. Emerge uma geração de artistas com formação superior em escolas portuguesas e estrangeiras. Destaca-se também a renovação do corpo docente das faculdades de Belas Artes em Portugal por esta altura. A implementação de mudanças estruturais (no ensino, nas iniciativas curatoriais), o aparecimento de novas galerias, a crescente abertura do mercado ao exterior e uma maior internacionalização de artistas e obras (especializações, intercâmbios, residências artísticas), permitiu também que a nova geração de artistas - a primeira nascida em democracia - afirmasse o seu trabalho de forma natural, em qualquer centro de exibição do mundo.

Na secção seguinte, apresenta-se a ideia do género como categoria estruturante do campo artístico, nomeadamente, quanto à sua composição e à forma como limita ou possibilita o desenvolvimento de carreiras profissionais.

Invisibilidade da mulher artista

“Women don’t paint very well. It’s a fact. They simply don’t pass the market test, the value test. As always, the market is right.” (Georg Baselitz citado em Beyer e Knöfel, 2013)

As questões em torno da posição periférica das mulheres artistas no mundo da arte norte-americana acenderam-se na década de 70 com a publicação do texto “Why have there been no greatest women artists?” de Linda Nochlin (1973). Neste artigo celebrizado internacionalmente, a autora interrogou-se acerca dos motivos que impedem o acesso das mulheres a lugares de “significância excepcional nas artes visuais (p. 176) e propôs uma análise séria das circunstâncias sociais, políticas e culturais que envolvem a prática artística feminina.

Na mesma altura, em Portugal, vivia-se a intensidade das convulsões políticas e sociais que mudavam o espectro das liberdades e dos direitos individuais. O debate feminista visava ainda assegurar a tardia igualdade de direitos básicos entre mulheres e homens, pelo que o seu questionamento na prática artística ou na produção académica era praticamente inexistente (Vicente, 2012). As décadas de 80 e 90, caracterizadas pela estabilização política e pelo crescimento económico global, trouxeram maior vigor ao mercado de arte português (Simões, 2016). Apesar do aumento do número de mulheres artistas (Vicente, 2012; Ferreira, 2018), estas décadas foram de consagração predominantemente masculina: “um sistema baseado em figuras tutelares masculinas, não só ao nível do ensino, da crítica e direcção de museus e colecções, mas mesmo ao nível do que se entende ser um artista, conceito frequentemente ligado à ideia de bravata masculina” (Sardo, citado em Rato, 2005).

Em 2015, a conceituada historiadora de arte e curadora Maura Reilly (2015), apresenta um conjunto eclético de estatísticas de vários polos do mundo da arte norte-americana que dão conta da fraca participação das mulheres. Neste exercício de compilação de dados de museus, bienais, imprensa e crítica é evidente a continuidade do desfasamento entre mulheres e homens artistas, em termos de reconhecimento, exposições e sucesso comercial.

O Artprice, o website que compila informação acerca do mercado mundial de arte, publicou, em 2018, o “The Contemporary Art Market Report 2017”4 onde dá conta da imparidade substancial entre homens e mulheres tanto na esfera da fruição nas instituições culturais como na esfera comercial. No top dos 500 artistas mais importantes, apenas 14% são mulheres. O Artprice estabeleceu como artistas contemporâneos quem nasceu após 1945 e como artistas emergentes, quem nasceu após 1980. Ao analisar o ranking à luz deste critério, verifica-se que a proporção de mulheres sobe para 31%, quando nascidas após 1980.

Em Portugal, o “apagamento sistemático das mulheres artistas” ( Marchand, citado em Salema, 2021) é semelhante ao que se verifica em vários países do mundo ocidental. A ausência das mulheres artistas nos livros, nas bibliotecas, nos conteúdos programáticos, nas exposições, nas coleções, normalizou a ideia de que, de facto, ou elas não existiram ou não tinham qualidade suficiente para legitimar a sua presença (Coutinho, 2009; Vicente, 2018). Filipa Vicente (2012) aponta também, a falta de perspetiva feminista no debate académico, na crítica de arte e na comunicação social como razões prováveis para que muitos destes fenómenos de invisibilidade passem despercebidos e incólumes na realidade portuguesa. Por contraste, nos outros países, a consciência e a prática de questionar criticamente os mecanismos (re)produtores da exclusão feminina (Serrão, 2017) têm uma tradição mais sólida.

A história de arte tem confinado as mulheres a representações estereotipadas onde surgem frequentemente “despidas, exploradas, vulneráveis, como objeto contemplante” como refere Rui Pedro Fonseca (2015) no seu artigo acerca da condição feminina nas artes. A objetificação do corpo das mulheres, a colonização do corpo feminino (Serrão, 2017) desde o período clássico até à atualidade, tomando formas diferentes, mas sempre produzidas para agradar ao olhar masculino, fazem-nas ser reconhecidas como retratadas e não tanto como autoras (Zamperetti e Souza, 2017). O género delimitou os territórios de ação: os lugares e posições que as pessoas podiam ocupar. Historicamente, os discursos foram estruturados sob uma perspectiva hegemonicamente masculina, essencialista de “hipervisibilidade da diferença” (Agostinho, 2017, online), colocando a mulher artista no lugar da amadora, criadora de uma arte menor, secundária (Vicente, 2018). A falta de diversidade nas instâncias de validação (maioritariamente masculinas)5 contribui para a desqualificação da obra feminina (frágil, sensível, particular) que, juntamente com o alcance universal da obra masculina (Sabino, 2012), retira da criação feminina inovação, visibilidade e valor de mercado (Cachola, 2017).

A prática de marginalização das mulheres artistas poderá refletir um “sistema hierárquico e falocêntrico” (Fonseca, 2015, p. 7) que prioriza os homens e relega as mulheres para a invisibilidade, quer nas formas de representação, quer nas formas de credibilização artística. Segundo Rechena (2011), o género só é determinante na apreciação do trabalho das artistas. Elas são invisibilizadas, secundarizadas e excluídas dos circuitos artísticos por serem mulheres. Idalina Conde (1998), num artigo escrito há mais de 20 anos, compara as mulheres artistas com as cientistas, afirmando que a falta de consagração de ambas se deve à “longa história da periferização feminina” (p. 180).

Neste ponto, importa perceber em que momento ou momentos das biografias destas artistas é que existe um encurtamento das oportunidades a que acedem. Quais são e quando acontecem os pontos de viragem biográfica? No ensino superior, na transição para o mercado de trabalho ou nos capitais acumulados e estratégias seguidas ao longo do percurso profissional?

Em Portugal, as estatísticas dos “Diplomados em estabelecimentos de ensino superior”6 para as décadas de 1997 a 2007 e de 2008 a 2018, indicam que nas áreas de educação e formação ligadas às Artes Visuais (arquitetura, design, belas-artes, audiovisual), as diplomadas representam 65% e 59% do total dos diplomados, respetivamente. Os dados relativos a programas de especialização (mestrados e doutoramentos) em Artes Visuais para os mesmos períodos de referência revelam, respetivamente, que 55% e 61% dos graus são atribuídos a mulheres. Estas estatísticas evidenciam a existência de contingente feminino à porta do mundo da arte e que estas mulheres investem na sua carreira artística, o que se poderá depreender do prosseguimento de estudos de 2.º e 3.º ciclos. Parece assim existir um crivo indissociável do género, que condiciona o sucesso dos percursos profissionais das mulheres artistas (Vicente, 2005; Cachola, 2017).

Muitos são os estudos que ao longo do tempo têm avançado razões explicativas para existirem poucas mulheres artistas bem-sucedidas (Conde, 1998; Rechena, 2011; Cameron, Goetzmann e Nozari, 2017; Ferreira, 2018; Rechena e Furtado, 2018). Desde logo, o perfil de quem compra obras de arte: “playboy European heirs, Japanese capitalists, newly rich Russia robbers barons, American i-bankers” (Davis, 2007), isto é, predominantemente homens brancos, que tendem a comprar arte masculina e a instituir a política de gosto de que a arte feminina não é vendável (Cachola, 2017). Estas representações são reproduzidas e reforçadas por discursos desempoderadores acerca do trabalho das mulheres artistas veiculados por gatekeepers do mundo da arte. Brian Sewell, um importante crítico de arte inglês, afirmou numa entrevista ao jornal Independent em 2008: “Only men are capable of aesthetic greatness” (Johnson, 2008). O capital social, capacidade de gerar e manter uma rede de contactos, parece ser menor nas mulheres o que dificulta a sua integração no que o curador Pedro Lapa denomina de grupos de influência (Lapa, citado em Duarte, 2017). A educação das mulheres para pedir e exigir menos, torna-as menos afoitas7 para agarrar oportunidades no mercado. Muitos são os autores e autoras (Nochlin, 1973; Becker, 1982; Moulin, 1992; Menger, 2005; Borges, 2011) que discordam da ideia romântica de que o artista é um ser dotado de talento, que cria apenas por vocação. Para muitos artistas contemporâneos, homens e mulheres, é imperativo encontrar outras fontes de rendimento e, muitas vezes, são as atividades fora do mundo da arte que subsidiam as carreiras artísticas (Davis, 2007; Ferro et al, 2016; Correia, 2017). Também aqui, as mulheres se encontram em desvantagem. As discrepâncias salariais entre os géneros para a grande maioria dos sectores (Kanter, 1977; Crompton, 1996, 2006; Perista e Silva, 2006; Casaca, 2012; Abrantes, 2013), implica que as mulheres terão menor suporte financeiro para esperar por oportunidades de carreira.

Uma equipa de investigação da Universidade de Maastricht estudou o comportamento do mercado mundial de leilões de artes plásticas, para perceber se o género produz efeito no estabelecimento dos preços das obras de arte (Bocart, Gertsberg e Pownall, 2018). A transição do mercado primário para o secundário, do circuito das galerias para o dos leilões é mais difícil para as mulheres, bem como pertencer ao clube das superstars (Bocart, Gertsberg, Pownall, 2018).8 Os autores defendem que, se existe uma distribuição equitativa de talento entre os géneros, a exclusão de mulheres deste grupo, justifica--se pela existência de barreiras estruturais que as impedem de chegar ao topo do ranking. Em termos práticos, esta mobilidade dificultada indica que o nível de vendas no mercado secundário para as artistas mulheres estará abaixo do nível alcançado pelos seus pares homens.

A apreciação da realidade leiloeira portuguesa em termos de género é paradoxal. Apesar da baixa representatividade das mulheres no mundo da arte, Maria Helena Vieira da Silva e Paula Rego, são as artistas portuguesas mais consagradas e valorizadas internacionalmente (Isabel Carlos, citada em Rato, 2005; Vicente, 2012; João Ribas, citado em Nadais e Salema, 2018; Garcia, 2019).

Oliveira (2015) fala da divergência entre as estatísticas da desigualdade de género e a perceção que as mulheres artistas portuguesas tinham do mundo da arte pós-revolução. A justificação principal que encontra para a recusa da existência de discriminação, é a necessidade que as artistas tinham em se distanciar de discursos feministas mais políticos, temendo uma dupla discriminação.

Não obstante o retrato apresentado, as últimas décadas têm sido de mudança no mundo da arte nacional (Oliveira, 2015). O maior acesso das mulheres ao ensino artístico, a propagação de paradigmas internacionais na realidade portuguesa, nomeadamente, a importância dos questionamentos feministas e do papel da arte na sociedade, impôs alterações aos projetos curatoriais e às políticas de aquisição e exposição das instituições.

Mulheres e homens artistas constroem a sua reputação, suportando-a no reconhecimento, no prestígio e na atratividade que conseguem ter no mercado de arte. O sucesso das carreiras profissionais é medido pelo desempenho e participação consistentes dos artistas e das suas obras nas várias instâncias do mundo da arte. A quantificação da representação de mulheres em galerias, leilões e feiras é importante na medida em que são instrumentos do mercado com forte impacto sobre as carreiras artísticas. As galerias e os leilões servem de proxy para os mercados primário e secundário, o que permite acompanhar o desenvolvimento das trajetórias profissionais e poderá ajudar a identificar eventos ou turning points biográficos (Caetano, 2018) que impactam as carreiras deste grupo profissional.

Visibilidade das mulheres artistas - enigma empírico

“And, yes, we need to keep crunching the numbers. Counting is, after all, a feminist strategy.” (Reilly, 2015)

A produção de dados estatísticos sobre a presença de mulheres artistas nas várias estruturas artísticas (galerias, leilões, bienais, feiras, museus, …)9, possibilita perceber a situação de equilíbrio ou desequilíbrio que existe em termos de representatividade (Dimitrakaki, 2017), fornece dados secundários preciosos para a sustentação de estudos futuros (Fonseca, 2013, 2015) e mantém a atenção sobre o tema, apesar do “problema de memória do mercado de arte” (Davis, 2007).

As Guerrilla Girls têm demonstrado ao longo dos últimos 30 anos, a disparidade de visibilidade entre mulheres e homens recorrendo a dados estatísticos, o que tem contribuído para a sensibilização e discussão do tema nas várias esferas, dentro e fora do mundo da arte. É precisamente a partir desta referência operativa, que Isabel Sabino (2012) se propôs a contar os números da representação artística feminina num conjunto significante de galerias comerciais e institucionais portuguesas.

O presente estudo empírico toma por base o estudo de Sabino apresentado no artigo “E se eu fosse uma Guerrilla Girl” (2012), integrado no livro Arte e Género - Mulheres e Criação Artística. A autora recolheu e tratou os dados das mais relevantes galerias comerciais (n=23) e institucionais (n=4) nacionais, relativos à proporção de exposições individuais de mulheres artistas face ao total e à proporção de mulheres artistas de galeria10 para os anos de 2009, 2010 e 2011. Os resultados surpreenderam a autora. Sabino diz: “à medida que os resultados vão surgindo nesta pesquisa, destacam-se assimetrias inesperadas, bastante mais críticas do que aquilo que pessoas como eu, docente em instituições de ensino superior artístico hoje em dia maioritariamente frequentadas por estudantes do sexo feminino, poderíamos suspeitar” (2012, p. 197). Os dados recolhidos indicaram que as proporções médias de representatividade feminina estavam abaixo dos 30%: nas galerias comerciais, a proporção de mulheres em exposições individuais e no total dos artistas de galeria era de 26,1%. Nas galerias institucionais, essa percentagem era bem menor, situando-se nos 13,5% para as exposições individuais de mulheres artistas face ao total de exposições.

Metodologia

A pesquisa que informa este artigo dá continuidade, por via da atualização e aprofundamento, ao trabalho realizado por Sabino tentando, sempre que possível, acrescentar elementos que permitam uma avaliação mais panorâmica. Tomando por base a amostra das galerias comerciais e institucionais do estudo referido, a pesquisa estendeu-se a um conjunto de oito galerias de novíssima geração (Ramires, 2018) para auscultação das tendências no segmento demográfico de artistas mais jovens e também a mais uma galeria institucional, a Fundação EDP (especialmente vocacionada para a arte contemporânea portuguesa). Foram também avaliadas i) a participação das galerias em feiras internacionais de arte, ii) a atividade leiloeira enquanto responsável decisivo para o sucesso das trajetórias profissionais dos artistas visuais contemporâneos, iii) todas as edições dos principais Prémios de Arte Contemporânea portugueses e a representação oficial portuguesa na conceituada Bienal de Veneza, entendidos como importantes sistemas de reconhecimento (Carvalho, 2015) do mundo da arte.

A análise das galerias comerciais e institucionais e a participação em feiras internacionais recaiu sobre o período compreendido entre 2012 e 2019, enquanto os dados dos leilões foram analisados para os anos de 2018 e 2019. A análise dos prémios de arte, contemplou todas as edições desde o seu lançamento tal como a representação oficial na Bienal de Veneza que foi recolhida desde 1950.

Os dados apresentados foram, na grande maioria, acedidos a partir dos websites de cada uma das instituições em análise, entre janeiro e fevereiro de 2020. Para os casos em que a informação necessária não estava disponível, foram estabelecidos contactos diretos com a instituição.

As biografias ou currículos de artistas de galeria e presentes em leilões foram analisados para cumprir dois objetivos: um mais imediato e outro de médio prazo. Para robustecer a análise que se apresenta, interessou estratificar o conjunto de artistas em termos de idade, para perceber se existem tendências diferentes ao longo das gerações. A médio prazo, a análise documental destas biografias permitirá construir uma base de dados com um conjunto substantivo de artistas e respetivas variáveis de caracterização.

Os homens e as mulheres artistas residentes são os que estão assim indicados, nos websites das galerias à data da consulta (janeiro e fevereiro de 2020). A estratificação etária dividiu o grupo entre quem nasceu antes e após 1945 e neste último conjunto, separou quem nasceu após 1980.11 O conjunto de artistas com nascimento depois de 1980 permitirá tirar algumas conclusões sobre como evolui a representatividade das mulheres artistas mais jovens. As gerações são importantes categorias de análise no estudo das transformações sociais, dos discursos e das práticas de uma época (Mannheim, 1952). O acompanhamento da geração daqueles e daquelas que nasceram depois de 1980, a geração jovem, poderá servir como um “barómetro para as novas tendências” (Feixa e Leccardi, 2010, p. 199) no mundo da arte.

O estudo inicial contemplou uma amostra de 23 galerias concentradas nas cidades de Lisboa, Porto, Ponta Delgada e Funchal. São galerias relativamente homogéneas em termos de presença no mercado e pela tipologia de artistas que representam. Verificou-se se todas se encontravam em atividade e, de facto, três delas tinham encerrado. Para manter o número inicial, foram substituídas por outras que encaixavam no perfil e que tinham dados disponíveis online. Ainda da amostra inicial, a Galeria Zé dos Bois foi também substituída, uma vez que não tinha dados online e não respondeu ao contacto efetuado. Por ser relevante no panorama da arte, foi acrescentada mais uma galeria (Kunsthalle--Lissabon), ficando a amostra final com 24 galerias, apresentadas no Quadro 1.

Quadro 1 Exposições individuais e coletivas nas galerias comerciais (2012-2019) e mulheres artistas residentes (2020) 

Fonte: produção própria a partir de dados recolhidos nos sites das instituições.

Anualmente, foi contabilizado o número total de exposições individuais e quantas tiveram autoria de mulheres artistas. Nas exposições coletivas, foi avaliada, por ano e para cada uma, a proporção de mulheres face ao total de artistas presentes, o que, em termos agregados, permitiu conhecer a sua representatividade média.

Nas galerias institucionais, talvez pela extensão das coleções e/ou pelo sistema de catalogação, não foi possível obter de forma prática, o número total de artistas presentes na coleção desagregado pela variável género. Para as instituições em que não foi possível o acesso à informação durante o tempo previsto para esta pesquisa, a decisão foi usar os dados da pesquisa publicada no jornal Público a 25 de fevereiro de 2017 (Duarte, 2017). Dadas as dificuldades descritas, no caso das coleções, não foi possível fazer a estratificação dos e das artistas por idade.

A seleção das três leiloeiras foi feita a partir da lista de leiloeiras associadas da Associação Portuguesa de Leiloeiras de Arte. Por cada leiloeira, foram apenas escolhidos leilões presenciais e focados em Arte Contemporânea, o que correspondeu a um total de 15 leilões e de 3343 obras (lotes) a leilão. Os dados recolhidos foram analisados de duas perspetivas: por artista e por número de lotes, isto é, a proporção de artistas mulheres no total de artistas no catálogo do leilão e também a proporção de obras de artistas mulheres no total das obras de arte a leilão.

Foram recolhidos dados de oito Prémios de Arte atribuídos em Portugal e analisados quanto à proporção de mulheres vencedoras. Também foi analisada a proporção de mulheres no conjunto de artistas que representaram oficialmente Portugal na Bienal de Veneza.

Análise dos dados e discussão dos resultados

No presente estudo, contabilizaram-se para o total das 24 galerias, 988 exposições individuais realizadas entre 2012 e 2019. Destas, as que corresponderam a artistas mulheres foram 306, representando uma proporção de cerca de um terço (31%). As galerias programaram 187 exposições coletivas, que tiveram uma representação feminina média de 34%. De notar, que ao longo do período estudado - 2012 a 2019 - não se verificaram alterações materiais na representatividade quer agregada quer individual, que pudessem indicar uma tendência de melhoria (ou pioria) ou desvendar alguma decisão consciente ao nível da curadoria das galerias.

As galerias representam 557 artistas: 383 homens e 174 mulheres (Quadro 1). Fazendo a análise por estratificação etária, considerando como artistas contemporâneos quem nasceu a partir de 1945, a proporção de mulheres situa-se aproximadamente do terço (31%) para um conjunto de 521 artistas. Este valor atinge a paridade (50%) ao considerar somente quem nasceu após 1980: do total de 92 artistas, metade - 46 - são mulheres.

Em artistas com mais idade, que nasceram antes de 1945, a proporção das mulheres face ao total de artistas, atinge apenas os 19%. Pelos dados observados, existe uma tendência de melhoria da representatividade das mulheres artistas de galeria, à medida que as gerações avançam: de 19 para 50 pontos percentuais.

A partir de 2010, eclodiram galerias que trouxeram renovados ânimo e vigor ao meio artístico lisboeta. Caracterizam-se, na sua maioria, por representarem e lançarem no mercado artistas emergentes no início das trajetórias profissionais e por apostarem na internacionalização, seja pela participação em feiras e certames internacionais, seja por representarem artistas estrangeiros.

Como referido, a inclusão deste conjunto de oito galerias de novíssima geração serviu o propósito de averiguar o sentido das tendências na população de artistas mais jovens (os representados e os galeristas que os representam). Pela análise dos dados do Quadro 2 verificou-se que, entre 2012 e 2019, foram exibidas 277 exposições individuais em que somente 95 foram protagonizadas por mulheres. O que se evidencia na verdade é a proporção fixa de aproximadamente um terço de representatividade feminina (34%). A participação de mulheres em exposições coletivas é ligeiramente melhor do que no primeiro grupo de galerias, situando-se em média nos 43%.

Quadro 2 Exposições individuais e coletivas nas galerias novíssima geração (2012-2019) e mulheres artistas residentes (2020) 

Fonte: produção própria a partir de dados recolhidos nos sites das instituições.

É no elenco de artistas sob representação destas galerias que existem maiores diferenças face ao conjunto inicialmente apresentado. A primeira diferença é a quase ausência de artistas que nasceram antes de 1945, isto é, a aposta é inequívoca em artistas visuais contemporâneos (exceção feita para a única galeria do conjunto, a ApArte Galeria que de 57 artistas que representa, 11 são anteriores a 1945). A outra diferença importante para a pesquisa é que, comparativamente, existem mais mulheres no grupo de artistas de galeria (ainda que continuem a ser a minoria). Olhando para o painel de 176 artistas contemporâneos, atendendo só à estratificação etária de quem nasceu pós-1945, há 72 mulheres face a 104 homens o que corresponde a 41% de representatividade feminina. No grupo que nasceu após 1980, a posição de mulheres e homens é praticamente idêntica, 49% e 51%, respetivamente. Nestas galerias, a proporção de mulheres nascidas após 1945 no total dos artistas é superior (41%) à proporção identificada no primeiro conjunto de galerias, em que se fica pelos 31%.

Considerando a exibição como um dos mecanismos necessários para a divulgação do trabalho e desenvolvimento das carreiras da mulher e homem artista (Conde, 2001), é preocupante observar que, em ambos os conjuntos de galerias selecionadas, as mulheres não conseguem garantir uma exposição no mercado de arte semelhante à dos seus colegas homens. A evolução da trajetória profissional artística está em larga medida dependente do reconhecimento do meio (Menger, 2005; Carvalho, 2015), pelo que não é difícil prever que as mulheres artistas, que não conseguem expor o seu trabalho e assegurar posições no mercado de arte, enfrentarão dificuldades em vivenciar percursos profissionais bem-sucedidos. Entenda-se sucesso não só como o reconhecimento ou boa reputação, mas também como a garantia de autossustentabilidade (Conde, 2009; Borges, 2011, 2012).

A relação de domínio galerista-artista (Maanen, 2009; Melo, 2012; Petrides, 2017) está a ser reconfigurada por artistas que também usam proficientemente as redes sociais e meios online. Com estas competências, os homens e mulheres artistas conseguem divulgar e exibir o seu trabalho, cativar seguidores e, expetavelmente, concretizar vendas sem precisarem do apoio e comissão das galerias. Considerando que um artista representado por uma galeria não tem asseguradas nem exposições nem vendas, a internet surge como um canal que oferece maior controlo a quem cria. Atualmente, o público consumidor de arte está mais equipado para procurar e seguir artistas através da internet. Ainda assim, são muitos e muitas artistas que continuam a ver a galeria como o principal veículo difusor das suas obras e a ser representados por uma galeria de prestígio, um fator extra de reconhecimento, selo de qualidade. Daí que a subrepresentação de mulheres nestes clubes afetará também o desenvolvimento dos seus percursos profissionais. Na geração mais jovem, tendo em conta os dados recolhidos, existem alguns sinais positivos de paridade.

Nas galerias institucionais, tal como nas galerias comerciais, interessou conhecer a realidade da representatividade das mulheres artistas nas opções curatoriais das exposições individuais e coletivas e também de que forma estão presentes nas coleções das instituições. As galerias selecionadas - Fundação Calouste Gulbenkian, o Museu Coleção Berardo, a Fundação de Serralves, a Fundação EDP e a Culturgest - são a primeira água do ecossistema das instituições de arte contemporânea portuguesa. São, maioritariamente, instituições com robustez financeira vocacionadas para investir no mercado da arte, quer pela aquisição de obras, quer pela programação de grandes exposições com forte capacidade de chegar ao grande público e com responsabilidade de educar o gosto; daí, com poder de influência sobre as trajetórias dos e das artistas que expõem.

As coleções de arte das instituições analisadas incluem 3415 artistas: 2656 homens e 759 mulheres. A subrepresentação feminina é muito visível no Quadro 3: as mulheres são apenas cerca de 20% do total de artistas das coleções. Olhando individualmente para cada uma das coleções, a Fundação EDP apresenta os melhores valores, ainda assim, não chegando sequer à proporção de um terço (27%).

Quadro 3 Exposições individuais e coletivas nas galerias institucionais (2012-2019) e mulheres artistas nas coleções (2020) 

Fonte: produção própria a partir de dados recolhidos nos sites das instituições.

Continuando o estudo pelo programa de exposições, a assimetria da presença de mulheres artistas face aos seus pares homens é evidente. Do total das 277 exposições individuais, só 80 apresentaram obras de mulheres, seguindo-se a tendência da representação de cerca de 30%. Nas exposições coletivas, a presença de artistas mulheres sobe muito ligeiramente face às individuais para os 32%. Destaca-se a Fundação Gulbenkian que apresenta, ainda assim, as maiores proporções de representatividade feminina em exposições individuais e coletivas, 35% e 41%, respetivamente.

A participação das galerias em feiras internacionais é cada vez mais um imperativo num mundo de arte global. Para além de ser prestigiante para as galerias fazerem-se representar nestas feiras, são também locais onde se estabelecem contactos e onde, graças ao público que atraem, se efetivam vendas (Preece e Kerrigan, 2015; Parreira, 2018).

Da amostra de galerias usadas para esta pesquisa, muitas participam em feiras internacionais, contudo não disponibilizam informação online. Assim sendo, a análise recaiu sobre seis galerias do primeiro conjunto (6 em 24) e sobre quatro galerias do segundo conjunto (4 em 8). Não é de espantar que a proporção do segundo conjunto seja maior, uma vez que são galerias que têm na sua missão e programa uma forte componente de internacionalização e daí interessar difundir estes dados.

A participação nas feiras materializa-se em números de exposições individuais e coletivas. Para um total de 13 exposições individuais das galerias convencionais, três foram de artistas mulheres (23%); nas coletivas, a representatividade feminina média foi de 37%, para um total de 46 exposições.

Nas galerias da novíssima geração, os números melhoram nas exposições individuais para 33% de participação feminina individual e pioram nas coletivas, com uma proporção média de 31%. Esta instância do mundo da arte mantém-se alinhada com os resultados encontrados: a participação feminina está limitada à medida de um terço.

A seleção das três casas leiloeiras a integrar esta pesquisa foi feita atendendo a critérios de antiguidade e prestígio no mundo da arte português, focando os anos de 2018 e 2019. No total dos 15 leilões presenciais de arte contemporânea, estiveram no mercado 3343 obras (lotes) de 1460 artistas. Os lotes foram analisados tendo em conta a proporção de obras de mulheres e de homens artistas. Do total dos lotes que estiveram a leilão, apenas 12% eram de autoria feminina. Foi também feita a contabilização dos artistas, desagregando-os por género. Estiveram representados nos leilões 1460 artistas, dos quais 1212 eram homens e 248 eram mulheres, a que corresponde uma representatividade de 17%.

A contagem dos homens e mulheres artistas por escalão etário mostrou-se frustrante, dado que o número de artistas que nasceram depois de 1980 que estão presentes nestes leilões é residual (7 artistas). Neste sentido, não é possível avaliar se existem melhorias nas assimetrias de género de geração para geração. Por outro lado, adivinha-se algum gatekeeping à entrada de artistas com carreiras menos estabelecidas, recaindo a opção por artistas que podem alcançar valores de martelo superiores, representando um investimento com menor risco. De notar que este estudo não inclui a observação dos valores de venda das obras, desagregados por género.

A figura 1 resume os resultados apresentados relativos à representatividade feminina nas diversas instâncias do mundo da arte enquanto a figura 2 ilustra a distribuição das várias gerações de mulheres artistas de galeria.

Figura 1 Mundo das artes visuais em Portugal (2012-2019), distribuição por género (%). Fonte: produção própria a partir de dados recolhidos nos sites das instituições. 

Figura 2 Mulheres artistas de galeria (2020), distribuição por coorte etária. Fonte: produção própria a partir de dados recolhidos nos sites das instituições. 

O reconhecimento, como descrito atrás, é um fator crítico de sucesso no desenvolvimento das carreiras profissionais dos artistas, homens e mulheres. A atribuição de prémios e bolsas contribui para o processo de reconhecimento, o que, para além da dimensão simbólica, afeta também a dimensão prática da carreira: mais contactos profissionais, maior número de exposições, novas bolsas, novos prémios (Carvalho, 2015).

Neste sentido, foram analisados oito importantes prémios de arte contemporânea em Portugal desde o ano em que foram criados. Os Prémios da Fundação EDP, o de Novos Artistas e o Grande Prémio (para artistas consagrados) são lançados a cada dois e três anos respetivamente e acontecem desde o ano 2000. O Grande Prémio Fundação EDP Arte premiou até ao momento sete artistas: cinco homens e duas mulheres; o Prémio Novos Artistas Fundação EDP dos 12 artistas que galardoou, seis eram mulheres. A representatividade dos artistas é igualmente repartida entre os géneros, quando se premeiam gerações mais novas (mantendo-se a tendência de um terço nos artistas consagrados).

Os Prémios Novo Banco Revelação e Novo Banco Photo atribuíram desde 2005, 43 e 12 prémios, respetivamente. A proporção de mulheres vencedoras é idêntica em ambos os prémios, de cerca de 40%. O Prémio Arte Jovem Fundação Millennium nas suas três edições nunca premiou mulheres artistas enquanto o Prémio Paula Rego premiou duas mulheres e um homem. Das 14 pessoas vencedoras do Prémio Amadeo Souza-Cardoso, cinco foram mulheres. O Prémio da Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA/MC/MILLENNIUM BCP de Artes Visuais) premiou desde 1981, 39 artistas visuais: 32 homens e sete mulheres.

A participação na Bienal de Veneza, um dos mais antigos e importantes certames de arte contemporânea do mundo, é um marco na vida e currículo de qualquer artista contemporâneo. Desde logo, porque se trata da representação oficial de um país, processo encabeçado pelo Ministério da Cultura, o que traz um enorme capital de reputação e reconhecimento à ou ao artista. Desde 1950, Portugal teve uma participação descontínua (Vicente, 2012) que até ao momento, contou com um total de 36 artistas, dez dos quais foram mulheres.

Verificam-se, assim, assimetrias de género no reconhecimento do trabalho de mulheres artistas, aqui evidenciadas pela menor atribuição de prémios.

Reflexões finais

“O propósito ético da arte é fazer-nos ver, pensar e sentir de forma renovada. Induzir-nos a responder ao meio que habitamos - a sermos receptivos a ele, a permitirmos que ele afecte e que seja afectado”. (Armstrong e Zegher, 2006, pp. xiii-xiv)

O processo de construção histórica tem invisibilizado as mulheres artistas, perpetuando um acesso assimétrico, face aos homens, à carreira, ao universo e ao próprio cânone artístico (Vicente, 2005). As instituições e agentes do mundo da arte decidem exibir, financiar, comprar obras de artistas que pertencem ao cânone que tem vindo a ser construído e instituído numa base de exclusividade de género, raça e orientação sexual (Pollock, 2002). Este ecossistema tem dificultado e retardado o progresso das carreiras profissionais das mulheres artistas. Apesar das altas taxas de qualificação, as artistas têm sido afastadas dos centros de decisão e exposição, não conseguindo ocupar posições estatisticamente relevantes, no quadro do reconhecimento e da legitimação artísticos.

A pesquisa apresentada, procurou atualizar as estatísticas de representatividade feminina do mundo da arte contemporânea em Portugal apresentadas, em 2012, por Isabel Sabino. A partir de uma amostra significativa de instituições que integram o mercado da arte, foi possível verificar que, no total das exposições apresentadas, as obras de autoria feminina encontram-se subexibidas, nunca ultrapassando o enigmático plateau de um terço de representatividade. Os artistas homens gozam também de uma maioria confortável quando ocupam os lugares de artistas de galeria (cerca de 70%) e nas coleções institucionais (cerca de 80%).

Este último facto parece ser contrariado nas galerias comerciais, quando o estudo é delimitado por escalão etário. Ao analisar, por género, as proporções de artistas mais jovens, verifica-se que existe paridade de representação, o que aparenta ser um bom sinal de mudança e de progresso. A atribuição de prémios de arte parece também seguir a mesma tendência: naqueles que reconhecem artistas mais velhos, existem fortes assimetrias de género com subrepresentações evidentes das mulheres; nos que agraciam jovens artistas, há indícios de maior equilíbrio. No mercado secundário, existem fortes disparidades na quantidade de mulheres artistas e respetivas obras a marcar presença em leilões, se comparadas com os seus pares homens.

Pelos dados analisados, é relativamente claro perceber que persistem desigualdades de género no acesso à profissão de artista. As mulheres enfrentam obstáculos e entraves à prossecução de uma carreira profissional bem-sucedida que as parecem manter cativas das “impossibilidades do passado” (Silva e Leandro, 2013, p. 15) e é aqui que importa colocar as questões. Importa mapear o percurso biográfico destas pessoas para tentar encontrar e perceber os momentos decisivos ou pontos de viragem que contribuem para que sejam projetadas para a periferia do mundo da arte. Importa decifrar o enigma.

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1 A pesquisa faz parte do projeto de investigação no âmbito da tese de doutoramento em Sociologia no ISCTE-IUL intitulada “Centros e periferias do género: trajectórias profissionais de artistas visuais portuguesas”.

2 “Art worlds consist of all people whose activities are necessary to the production of the characteristic works which that world, and perhaps others as well, define as art.” (Becker, 1982, p. 34).

3 Os curadores são importantes gatekeepers do mundo da arte que decidem quem são as e os artistas representados e expostos por galerias comercias e institucionais. Este grupo será auscultado na fase qualitativa do trabalho empírico que se segue.

5 A literatura descreve a sistemática exclusão das mulheres do campo artístico, não só como criadoras, mas também como ocupantes de lugares de poder. A feminização das funções de direcção e de curadoria de instituições museológicas, de exibição e galerias é importante para a implementação de práticas mais inclusivas (Rechena, 2011; Vaquinhas, 2014; Cachola, 2017). A realidade mostra excepções. João Ribas dizia, em 2018, enquanto director do Museu de Arte Contemporânea de Serralves, que “a correcção de assimetrias de género ou de raça no acervo e na programação é uma das prioridades” (Nadais e Salema, 2018).Também Luís Silva e João Mourão, dirigentes e curadores da galeria Kunsthalle-Lissabon, afirmavam que “é preciso não reproduzir o sistema” o que se reflecte na programação regular de mulheres artistas (Duarte, 2017). Por outro lado, importa também referir o caso de mulheres à frente de galerias e museus que invisibilizam as artistas, cedendo a interesses comerciais ou querendo distanciar-se de rotulações feministas. Na investigação em curso, interessa analisar a composição dos lugares de gatekeeping no campo, a substância dos programas e discursos curatoriais e qual a sua influência em termos das práticas de visibilidade de género.

6 Fonte: Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência disponível em: https://www.dgeec.mec.pt/.

7 Ruth Rosengarten, artista e historiadora de arte conhecida pelo estudo da obra de Paula Rego, defende que é a interiorização de papéis de género tradicionais que impede as mulheres de alterarem a sua posição subalterna nas hierarquias de poder: “Há uma culpa nas mulheres de enfrentar a ambição de uma forma tão visceral como os homens.” (Ruth Rosengarten em Rato, 2005).

8 “Market structures characterized by the superstar effect where a few individuals absorb the majority of rewards […]” (Bocart, Gertsberg e Pownall, 2018, p. 2).

9 Ver o projecto Gallery Tally (2017) da artista Micol Hebron disponível em https://gallerytally.tumblr.com/ com atualização de contagens para importantes galerias em Nova Iorque e Los Angeles, onde encontrou 32,3% de mulheres artistas.

10 Os artistas de galeria ou artistas residentes são aqueles e aquelas que desenvolvem um vínculo mais estável com uma galeria, por vezes em regime de exclusividade. Neste caso, a galeria passa a ser quem representa o/a artista, promovendo o seu trabalho, organizando exposições individuais e colectivas dentro e fora da galeria, exibindo o trabalho em feiras internacionais e contribuindo para que mantenha um bom ritmo de vendas.

11 O ArtPrice considera, para a produção de estatísticas e relatórios do mundo da arte, como artistas contemporâneos as pessoas que nasceram a partir de 1945, daí ser esse o ano-fronteira usado na análise. Disponível em: https://www.artprice.com/.

Recebido: 15 de Junho de 2020; Aceito: 30 de Setembro de 2021

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