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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.244 Lisboa set. 2022  Epub 30-Set-2022

https://doi.org/10.31447/as00032573.2022244.06 

Artigos

A questão alimentar em Portugal: (des)encontros entre políticas públicas, alternativas alimentares cidadãs e a agricultura familiar.

The food issue in Portugal: (dis)encounters between public policies, citizen food alternatives and family farming.

1 Institut de Ciència i Tecnologia Ambientals, Universitat Autònoma de Barcelona (ICTA-UAB), Edifici ICTA-ICP, Carrer de les Columnes s/n, Campus de la UAB - 08193, Cerdanyola del Vallès, Barcelona, Espanha. ritamcalvario@gmail.com

2 Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra, Colégio de S. Jerónimo, Apartado 3087 - 3000-995 Coimbra, Portugal. belacastro@ces.uc.pt


Resumo

Como tem evoluído a questão alimentar em Portugal e quais as potencialidades e desafios que se colocam à construção de sistemas alimentares mais justos, saudáveis e sustentáveis? Este artigo aborda estas questões através da análise das convergências e divergências entre (i) os discursos governativos e as políticas públicas em torno da alimentação, (ii) as redes alimentares alternativas desenvolvidas pela sociedade civil e pelo poder local e (iii) as propostas e iniciativas do setor organizado da agricultura familiar. Conclui-se que há um amplo interesse no país pela questão da transição alimentar, mas que a dimensão de justiça social e ambiental é ainda largamente omissa.

Palavras-chave: alimentação; justiça social; sustentabilidade; Portugal

Abstract

How has the food issue evolved in Portugal and what are the potentialities and challenges for the construction of fairer, healthier and more sustainable food systems? This article addresses these questions by analysing the convergences and divergences between (i) government discourses and public policies around food, (ii) the alternative food networks developed by civil society and local power, and (iii) the proposals and initiatives of the organized family farming sector. It concludes that there is broad interest in the country for the issue of food transition, but that the social and environmental justice dimension is still largely missing.

Keywords: food; social justice; sustainability; Portugal

Introdução

A última década assistiu ao emergir de uma “nova questão alimentar” ( Morgan e Sonnino, 2010), fruto de uma renovada preocupação com a insegurança alimentar e a sustentabilidade ambiental, o que trouxe a agricultura de novo para o centro da política alimentar (Pretty et al., 2010).1 O crescente foco na alimentação desde uma perspetiva sistémica e multifuncional parte do reconhecimento do valor estratégico da alimentação para responder a múltiplos desafios, desde o ambiente, ao desenvolvimento rural e aos custos com a saúde pública (Moragues-Faus, 2016). De igual forma, considera-se que a concretização deste valor é “impossível sem justiça social” (Cadieux e Slocum, 2015, p. 3). A ambição de construir sistemas agroalimentares mais justos, saudáveis e sustentáveis está no centro da Agenda 2030 da ONU para o Desenvolvimento Sustentável e do Pacto Ecológico Europeu da Comissão Europeia, na sua Estratégia do Prado ao Prato.

Em Portugal, como garantir uma alimentação adequada a toda a população é ainda uma questão premente, tendo em conta o paradoxo entre insegurança alimentar e obesidade, com a primeira a afetar 10% das famílias e a segunda 22% da população (Correia, Santos e Camolas, 2018), bem como o facto de os hábitos alimentares constituírem o segundo principal fator de risco para a morte prematura e a incapacidade (DGS-IHME, 2018). Nos últimos anos, a alimentação tem vindo a assumir uma relevância crescente a nível das políticas públicas. Refira-se a aprovação, em 2021, da Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. A ligação com a agricultura familiar tem sido também crescentemente salientada na garantia de uma alimentação mais saudável, aliada à preservação ambiental e à vitalidade das zonas rurais. Disso é exemplo o lançamento, em 2018, do Estatuto da Agricultura Familiar, caso inédito na Europa. Por sua vez, têm crescido as iniciativas cidadãs e locais que promovem modelos agroalimentares alternativos e se mobilizam pelo direito humano à alimentação adequada. O setor organizado da agricultura familiar tem igualmente assumido a alimentação como bandeira, conciliando apelos por maior justiça no setor - centrados em temas como preços justos, rendimentos dignos e melhor distribuição das ajudas agrícolas, com uma visão transformadora em torno da ideia de soberania alimentar.

Como contribuem estas dinâmicas para a construção de sistemas agroalimentares mais justos, saudáveis e sustentáveis? No presente artigo, examinamos esta questão através da análise das convergências e divergências entre a forma como três atores sociais abordam os sistemas agroalimentares: (i) os decisores políticos, (ii) as redes alimentares alternativas (RAA) desenvolvidas pela sociedade civil e o poder local e (iii) o setor organizado da agricultura familiar. Com esta análise, o nosso objetivo é duplo: primeiro, contribuir para uma melhor compreensão de como tem evoluído a questão alimentar em Portugal; segundo, ilustrar alguns dos desafios que se colocam à transição justa, saudável e sustentável dos sistemas alimentares em contextos específicos, tendo em conta as conexões entre políticas públicas, RAA e agricultura familiar, um aspeto pouco abordado nos estudos sobre sistemas alimentares e sustentabilidade.

A nossa análise inspira-se no conceito de justiça alimentar, o qual aborda aspetos de exclusão/inclusão e marginalização/equidade nas suas dimensões económicas, culturais e políticas, ou seja, considerando o trinómio de distribuição, reconhecimento e participação tipicamente associado à ideia de justiça social e ambiental (Gottlieb e Joshi, 2010). A nossa atenção centra-se no nível da produção e do abastecimento, tendo em vista o estudo e reflexão sobre o papel da agricultura na transição justa dos sistemas agroalimentares.

Atendendo ao nosso foco na agricultura, na próxima secção realizamos uma breve revisão crítica dos debates sobre os modelos de desenvolvimento agrário na sua relação com a questão alimentar, realçando-se a ausência de uma perspetiva de justiça alimentar. Apresentamos a metodologia na terceira secção, seguida da análise empírica das convergências e divergências entre as abordagens à alimentação pelos decisores políticos, as RAA e o setor organizado da agricultura familiar. Concluímos com uma reflexão sobre alguns dos desafios que se colocam a uma transformação justa dos sistemas agroalimentares no caso português e na Europa.

Do produtivismo à multifuncionalidade: o papel da agricultura na alimentação

Na Europa, a questão alimentar é indissociável do debate em torno da política agrícola e dos modelos de desenvolvimento agrário. Na origem da Política Agrícola Comum (PAC), estão preocupações com a segurança alimentar e o abastecimento às populações. O foco coloca-se, então, no aumento da produção por via de um paradigma produtivista de modernização das explorações agrícolas com apoio do Estado para maximizar outputs e ganhos de produtividade (Lowe et al., 1993). Na década de 1980, o sucesso desta política é também sinal do seu fracasso: ao excesso de produção que resulta em gastos orçamentais crescentes, juntam-se as preocupações com a degradação do ambiente, os riscos para a saúde pública e o abandono das zonas rurais (Van der Ploeg e Renting, 2000).

A partir dos anos de 1990, desenvolve-se o paradigma do pós-produtivismo que desemboca em novas regras de higiene, segurança e controlo ambiental para o setor agrícola e alimentar. Entre críticas que apontam que estas regras prejudicam a pequena agricultura ou têm uma visão mercantilista do ambiente e das zonas rurais (Marsden, 2003), juntam-se estudos empíricos que revelam que a participação dos agricultores em esquemas agroambientais, na agricultura biológica ou na produção de qualidade envolve frequentemente práticas produtivistas (Evans, Morris e Winter, 2002).

A par destes desenvolvimentos, emerge o designado por “novo modelo de desenvolvimento rural” ou paradigma da multifuncionalidade, implementado desde a “Agenda 2000” no quadro da PAC. Este paradigma associa-se à noção de agricultura sustentável, na qual os agricultores excluídos do modelo produtivista assumiriam um novo protagonismo. A multifuncionalidade destaca as muitas contribuições da agricultura fora da produção de alimentos, valorizando as diversas práticas e estratégias dos agricultores na sustentação das ecologias locais, do tecido social das zonas rurais e das ligações entre o rural e o urbano (Van der Ploeg et al., 2000; Van der Ploeg e Roep, 2003; Marsden, 2003). Dentro deste paradigma, distingue-se entre uma multifuncionalidade fraca e uma multifuncionalidade forte: a primeira procura valorizar economicamente as externalidades positivas da agricultura; a segunda visa incorporar a agricultura no desenvolvimento rural segundo abordagens territoriais (Potter e Tilzey, 2005; Wilson, 2001). Perspetivas críticas alertam, no entanto, que a multifuncionalidade frequentemente incorpora uma visão benevolente, idealizada e normativa que é acrítica (Goodman, 2004) e omite a diversidade e o hibridismo dos sistemas agrícolas existentes (Sonnino e Marsden, 2006). Por exemplo, as questões de equidade raramente são abordadas no estudo sobre a pluriatividade, os circuitos curtos ou a produção de qualidade (Goodman, 2004). De igual modo, muitos estudos tendem a assumir que as redes alimentares alternativas “locais”, “ecológicas” e “apoiadas na comunidade” são benéficas, embora uma literatura crescente no campo da justiça alimentar tenha revelado que estas podem ser problemáticas ou mesmo adversas a objetivos de inclusão, equidade e sustentabilidade (Tregear, 2011; Goodman et al., 2012).

Uma perspetiva crítica do paradigma da multifuncionalidade surge no âmbito dos debates em torno do “modelo agrícola do Sul da Europa” (Arnalte-Alegre e Ortiz-Miranda, 2013). Neste paradigma, centrado na exploração agrícola ao invés dos sistemas agrícolas, é pedido aos agricultores que sejam “superagricultores” ao terem de se desdobrar em múltiplas atividades para sobreviver (pluriatividade, agroturismo, produção de qualidade, circuitos curtos, etc.), em prejuízo da produção de alimentos em sistemas intensivos em trabalho e de alto valor ambiental, como é o caso dos sistemas agro-silvo-pastoris (López-i-Gelats, 2013). Igualmente, “a adoção de práticas tipicamente multifuncionais requer explorações agrícolas de natureza empresarial e bem--dimensionadas” (Arnalte-Alegre e Ortiz-Miranda, 2013, p. 69). Embora as agriculturas familiares da Europa do Sul sirvam de estereótipo ao paradigma da multifuncionalidade, este veio acentuar a sua marginalização e exclusão: por um lado, porque omite as desigualdades entre as várias agriculturas presentes (entre grande e pequena agricultura, entre agricultura patronal e familiar, entre agricultores profissionais e agricultores pluriactivos, etc.) na região, nas suas diferentes articulações com o ambiente e o território; por outro lado, porque celebra práticas pouco ajustadas à realidade das agriculturas familiares, sobretudo à pequena agricultura e aos sistemas agrícolas mais tradicionais, agravando exclusões e desigualdades (Moragues-Faus, 2014; 2016).

Com a renovada atenção à questão alimentar, emergem novos conceitos quanto aos modelos agrícolas e de desenvolvimento rural, mas que parecem reproduzir “velhos dualismos” (Moragues-Faus, 2016). É o caso dos conceitos de bio-economia vs. eco-economia: o primeiro assenta numa visão tecnocrática na resposta à insegurança alimentar e aos problemas ambientais, priorizando os avanços científicos para trazer aumentos de produtividade com menor consumo de recursos; o segundo assume uma visão territorial que enfatiza a mudança de comportamentos e das relações económicas locais entre produção e consumo (Horlings e Marsden, 2011; Kitchen e Marsden, 2011). Estas visões conflituantes representam quadros de análise diferenciados que permitem pouca leitura de realidades complexas e híbridas, mas também excluem uma perspetiva de justiça alimentar centrada em questões de igualdade e democracia (Moragues-Faus, 2016). É precisamente esta perspetiva que será adotada neste artigo para melhor compreender a evolução do debate sobre a alimentação em Portugal, tendo em conta as abordagens de diversos atores sociais, nas suas convergências e divergências.

Metodologia

Este artigo segue um método de pesquisa qualitativa. Na análise à forma como os decisores políticos abordam a questão alimentar, constituem fontes de dados os 22 programas dos governos desde o I Governo (1976) ao XXII Governo (2019-2023) e a legislação relevante nesta área. Excluem-se os programas e medidas de política agrícola e desenvolvimento rural, dado que o objetivo é o de compreender como a agricultura tem sido integrada na política alimentar e não o inverso. O período temporal considerado é relevante para apreender as mudanças de abordagem à política alimentar e o enquadramento do contexto atual. A análise de conteúdo dos programas de governo realizou-se com o apoio do software MAXQDA, através da criação de códigos de natureza descritiva por método indutivo após uma leitura cuidadosa dos documentos. Estes códigos foram agrupados em 8 categorias temáticas tendo por base a temática de investigação: segurança alimentar, produção, mercados de proximidade, saúde, qualidade, ambiente, território e dieta alimentar.

O rastreamento das RAA existentes, tendo em conta a sua articulação com as questões de produção e abastecimento alimentar, realizou-se através de dois procedimentos de recolha de dados pela primeira autora entre outubro de 2018 e dezembro de 2019: revisão da escassa literatura existente, incluindo artigos científicos, relatórios de projetos de investigação e teses de mestrado e doutoramento; participação em 17 eventos públicos sobre alimentação, visita a projetos locais relevantes e realização de entrevistas informais com atores-chave, incluindo representantes de ONG, investigadores, etc. (com respetivo registo em diários de campo). Na seleção das RAA, privilegiou-se as que expressam mais claramente uma ambição transformadora do sistema agroalimentar e de influência sobre as políticas públicas. Excluíram-se, assim, RAA de perfil isolacionista, empresarial ou assistencialista, a favor de RAA de perfil ativista e do tipo prático-demonstrativo, como é o caso das iniciativas enquadradas na economia solidária. A identificação das RAA não é exaustiva. O objetivo é fornecer uma leitura das principais temáticas abordadas pelas RAA sobre os sistemas agroalimentares, tendo em conta uma perspetiva de justiça alimentar.

No que respeita ao setor organizado agricultura familiar, a primeira autora efetuou 25 entrevistas semiestruturadas com agricultores e dirigentes da Confederação Nacional de Agricultura (CNA), pertencentes a 17 associações distritais afiliadas na CNA. O guião de entrevista incluiu perguntas sobre as injustiças no setor e as propostas e visão para a justiça alimentar. As entrevistas foram realizadas nas explorações agrícolas ou nas sedes das organizações distritais, incluindo a visita ao contexto regional envolvente para observar as realidades agrárias locais. Os nomes usados são fictícios para proteger o anonimato dos entrevistados. De forma a completar estes dados e a ganhar um entendimento mais profundo da política e propostas da CNA, foram consultadas as publicações da CNA disponíveis online, designadamente comunicados de imprensa, a revista Voz da Terra e as resoluções dos Congressos Nacionais.

A CNA foi selecionada por ser a principal organização representativa da pequena e média agricultura familiar a nível nacional e regional e por ser a que mais se destaca nas lutas deste setor. Esta organização emergiu em 1978, sendo composta por cerca de 40 associações afiliadas, maioritariamente organizadas a nível distrital, com autonomia organizativa e financeira, envolvendo cerca de 20 0002 agricultores, sobretudo nas regiões Norte e Centro do país. A CNA é também membro fundador do movimento agrário internacional La Vía Campesina, formado em 1996, e com forte representação na Europa. Este movimento desenvolve o conceito de soberania alimentar, definido como o direito das pessoas a decidir sobre os sistemas agroalimentares, a sua alimentação e as políticas alimentares, segundo uma perspetiva de equidade e democracia participativa, tendo por base um modelo de desenvolvimento agrário assente na agricultura familiar, na agroecologia e nos mercados de proximidade.

Convergências e divergências na abordagem à questão alimentar

A agricultura na política alimentar em portugal

Na nossa análise, destacamos dois períodos distintos na forma de integrar ou não a agricultura na política alimentar: primeiro, nos anos de 1980, no contexto de adesão à CEE/EU e à PAC, em que a agricultura perde relevância na política económica e social e a alimentação é remetida para a política de saúde; segundo, a partir de 2011/2015, com um retorno da agricultura à política alimentar e a adoção de uma perspetiva sistémica e multifuncional da alimentação. De seguida apresentamos as principais caraterísticas destes períodos.

1980-2010: Da prioridade ao abastecimento à política de saúde

Até aos anos de 1980, garantir o abastecimento alimentar a toda a população através de aumentos de produção, do apoio à agricultura familiar, da subsidiação do cabaz de alimentos e da intervenção direta do Estado na organização do sistema agroalimentar, são prioridades para os decisores políticos. É, também, neste período que se efetuam os primeiros esforços com vista a elaborar uma política nacional de alimentação e nutrição que alie as questões da produção, comercialização e preços dos alimentos com as questões do acesso, qualidade do produto e literacia alimentar, através da formação, em 1976, do Centro de Estudos de Nutrição (Graça e Gregório, 2012). Política agrícola e alimentar são indissociáveis e o acesso à alimentação é encarado como um direito social.

A partir dos anos de 1980, ocorre uma rutura com a abordagem anterior. A agricultura deixa de estar associada objetivos de abastecimento e aprovisionamento alimentar e ganha autonomia enquanto setor económico, abandonando as suas dimensões sociais, territoriais e ambientais.3 A política agrícola separa-se da política alimentar. É neste quadro, e tendo como pano de fundo a adesão à CEE/EU, que ocorre um debate importante em torno dos modelos de desenvolvimento agrícola, que se divide em duas opções: por um lado, entre uma agricultura de natureza empresarial assente em médias e grandes explorações agrícolas; e, por outro lado, uma agricultura mista que inclui um conjunto de sistemas agrícolas existentes (Rocha, Rolo e Cordovil, 2021, p. 20). A opção seguida foi a primeira, excluindo parte importante da agricultura familiar - largamente maioritária no país - da nova política agrícola da PAC (Baptista, 1995). Por sua vez, a alimentação é remetida para “uma política global de saúde” (programa do XI Governo 1983-1985) e a elaboração de uma política nacional de alimentação e nutrição passa a focar-se apenas nas questões “do acesso físico e económico a alimentos nutricionalmente adequados e seguros” e da “educação alimentar” (Graça e Gregório, 2012, pp. 89-90).

Entre os anos de 1990 e o início de 2010, a separação entre agricultura e alimentação mantém-se, mas a abordagem assume a viragem para a qualidade (pós-produtivismo) trazida pelas reformas da PAC nesse período. Na agricultura, o discurso privilegia uma perspetiva de multifuncionalidade centrada na “empresa” agrícola e nos ganhos de competitividade. Embora Dinis (2019) aponte a existência de um discurso sobre a agricultura familiar que se foca nas suas múltiplas funções e estratégias, esta não deixa de ser uma abordagem desligada do território e da diversidade dos sistemas agrícolas existentes.

Neste período também se destacam as preocupações com os riscos alimentares. Recorde-se as várias crises alimentares ligadas à agricultura industrial que despontaram na Europa e em Portugal (BSE, nitrofuranos, brucelose, etc.) nesse período. No discurso governativo privilegia-se a “sensibilização dos produtores”, a “informação aos consumidores” e a “fiscalização”, deixando de parte o debate sobre a relação entre riscos alimentares e modelos agrícolas. É neste quadro que é criada, em 2000, a Agência para a Qualidade e Segurança Alimentar, atual Autoridade de Segurança Alimentar e Económica - ASAE.

A alimentação permanece integrada na política de saúde e enfatiza o combate à obesidade: em 2005, é aprovado o Plano Nacional de Combate à Obesidade; em 2007, é lançada a Plataforma Contra a Obesidade. Estes são percussores do Programa Nacional de Promoção da Alimentação Saudável - PNPAS, aprovado em 2011, sob tutela da Direção-Geral de Saúde. O PNPAS assume uma perspetiva de prevenção mais ampla, no reconhecimento dos graves problemas de saúde pública ligados à alimentação, privilegiando a literacia alimentar e a capacitação cidadã, mas avançando também medidas de regulação da oferta. Estas incluem restrições na venda de produtos em certos estabelecimentos, de medidas fiscais que penalizam certos produtos alimentares, etc. Inclui-se ainda uma preocupação com a inclusão dos grupos vulneráveis, estabelecendo medidas para a distribuição de alimentos saudáveis a crianças (nas escolas) e à população carenciada (por via de cabazes). Existe, portanto, um reconhecimento de que o acesso à alimentação e os problemas de saúde daí resultantes são desiguais e dependem de fatores como o rendimento, a idade, o género, etc. Enquanto a literacia e a capacitação privilegiam a responsabilidade individual e a escolha do consumidor, as medidas de regulação procuram de certa forma intervir no contexto e alterar as condições de acesso. O foco nos grupos vulneráveis ou em medidas restritivas muito parcelares, porém, tem um potencial limitado em trazer mudanças mais significativas no sistema agroalimentar. A maioria das medidas do PNPAS desenvolve-se em 2016 e 2017.4

2011/2015-Atualidade: A alimentação enquanto sistema e o retorno da agricultura5

Com a crise económica de 2010-2014, ressurgem as preocupações com o abastecimento alimentar e o apoio à produção nacional. Contudo, a intenção não é retomar medidas de regulação e controlo dos mercados, nem o de substituir importações. As orientações são: aumentar o valor das exportações; promover os mercados de proximidade como solução prioritária às dificuldades da pequena agricultura; e responder às crescentes carências alimentares, sobretudo pelo estímulo ao terceiro setor e ao voluntariado. Começa a emergir uma perspetiva sistémica da alimentação, mas é a partir de 2015 que esta se consolida no discurso governativo e nas políticas públicas.

No programa do XXI Governo 2015-2019, retomam-se objetivos de abastecimento alimentar por via de uma estratégia de substituição de importações; a alimentação é considerada estratégica para o sucesso da política de saúde; o Estado tem um papel crucial em garantir o acesso à alimentação adequada, nomeadamente através da restauração coletiva; e a promoção de mercados de proximidade é perspetivada numa lógica programada de coesão territorial e de ligação urbano-rural. A agricultura retorna à política alimentar e a ação direta do Estado é perspetivada na garantia da alimentação adequada a toda a população numa lógica de coesão social e territorial.

É neste quadro que se aprova o Regime dos Mercados Locais de Produtores, em 2015, que atribui responsabilidades de planeamento às autarquias; e a Estratégia Integrada para a Promoção da Alimentação Saudável - EIPAS, em 2017, a primeira política nacional para a alimentação e nutrição (após 41 anos). A EIPAS assume as orientações do PNPAS e engloba as suas medidas. Uma novidade é estabelecer como objetivo a elaboração de estratégias locais para a promoção de uma alimentação saudável através do estabelecimento de protocolos de colaboração com municípios (Graça e Gregório, 2019). As autarquias e a escala local ganham, assim, protagonismo na transformação dos sistemas agroalimentares.

Quanto à restauração coletiva, apenas em 2019, e por iniciativa da Assembleia da República, é aprovado o Regime de Promoção de Consumo Sustentável de Produção Local nas Cantinas e Refeitórios Públicos. Este estabelece a prioridade à aquisição de produtos de origem de proximidade, sazonais e ainda certificados em agricultura biológica ou proteção integrada, sendo que este último critério poderá deixar de fora parte importante da agricultura familiar enraizada nos territórios rurais e com sistemas agrícolas de elevado valor ambiental e nutricional.

É no âmbito da CPLP que se se dão passos importantes na reintegração da agricultura na política alimentar. Em 2011, é aprovada a Estratégia de Segurança Alimentar e Nutricional (ESAN) da CPLP, a qual estabelece como prioridades: a criação de um Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSAN) a nível da CPLP e em cada Estado-Membro; a “promoção do acesso e utilização dos alimentos para melhoria dos modos de vida dos grupos mais vulneráveis”; e o “aumento da disponibilidade interna de alimentos com base nos pequenos produtores”. Tanto a elaboração da ESAN, como a formação do CONSAN, em 2011, ocorrem com base em mecanismos de representação e participação de organizações da sociedade civil, incluindo de Portugal.

É por via deste trabalho na CPLP, e ainda das celebrações do Ano Internacional da Agricultura Familiar, em 2014, e da Década da Agricultura Familiar, que a agricultura familiar ganha novo protagonismo na agenda política sobre a agricultura e a alimentação. Em 2017, o CONSAN aprova as diretrizes para o apoio e promoção da Agricultura Familiar nos Estados-Membros da CPLP, um programa ambicioso em domínios como o acesso à terra, as condições de produção e rendimento, o ambiente, a igualdade de género, os direitos sociais, etc., através de uma abordagem centrada no território. Também em 2017, Portugal cria a Comissão Interministerial para a Pequena Agricultura Familiar que vai elaborar o Estatuto para a Agricultura Familiar - EAF, aprovado em 2018. Esta era já uma reivindicação que vinha a ser feita pela CNA, pelo menos desde o seu congresso de 2014. Apesar da EAF anunciar ter objetivos redistributivos e de inclusão da agricultura familiar na política de desenvolvimento, as medidas propostas funcionam mais como medidas compensatórias às pequenas agriculturas familiares mais empobrecidas do que medidas de apoio e promoção da agricultura familiar existente e numa ótica de construção de um sistema agroalimentar que a inclua e lhe dê centralidade.

A conceção da agricultura familiar no discurso político é, conforme refere Dinis (2019), feita em antagonismo com a agricultura profissional ou empresarial. A primeira é associada a uma agricultura tradicional, próxima da natureza e enraizada no território, assumindo um caráter multifuncional; a segunda está vinculada a uma agricultura patronal de grande dimensão com fins produtivistas e não multifuncionais. Este dualismo, argumenta a autora, omite a diversidade e hibridismo da agricultura familiar existente, afetando a sua capacidade de ser incorporada na política agrícola. Além disso, a prioridade continua a ser o desenvolvimento de uma “agricultura moderna, competitiva e inserida nos mercados” (programa do XXII Governo, 2019-2023), por defeito associada à agricultura profissional (Dinis, 2019), agora sob o paradigma da bio-economia. Em suma, embora exista um crescente reconhecimento da importância da agricultura familiar a nível do discurso governativo, esta permanece secundarizada na política agrícola e na política alimentar. A esta agricultura caberia uma função essencialmente social e territorial e não de produção alimentar. Mesmo nas medidas sobre mercados de proximidade, restauração coletiva ou de provisão alimentar a grupos vulneráveis, as quais poderiam ter um papel de apoio a estas agriculturas locais, conforme, aliás, reivindica a CNA, não se realiza uma interligação explícita a estas agriculturas. Igualmente, uma abordagem multifuncional centrada na exploração agrícola e não nos sistemas agrícolas a promover corre o risco de criar mais dificuldades às agriculturas familiares mais fragilizadas e que são, paradoxalmente, as que conformam o estereótipo da multifuncionalidade europeia.

Em 2018, Portugal cria o Conselho Nacional para a Segurança Alimentar e Nutricional (CONSANP), enquanto plataforma interministerial e de participação da sociedade civil (embora não plena). Estabelece-se, assim, pela primeira vez, uma estrutura de governança multiatores em que a alimentação é vista numa perspetiva multifuncional e estratégica, desde o prado ao prato, e destaca-se o papel da representação e participação da sociedade civil na codefinição de políticas. É no âmbito do CONSANP que é aprovada, em 2021, a Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - ENSANP. A ENSANP pretende “garantir uma atuação integrada que permita uma transição para sistemas alimentares e nutricionais sustentáveis, saudáveis, inclusivos e resilientes” e assenta em quatro eixos estratégicos: integração das políticas e governança; grupos vulneráveis, saúde e nutrição; bom funcionamento da cadeia alimentar; comunicação. Embora a importância dos sistemas agroalimentares locais seja destacada, não é claro de que forma a política agrícola é integrada na ENSANP, nem qual o papel da agricultura familiar nesta transição. Igualmente, tem uma perspetiva limitada de transição justa, assente na ideia de inclusão ao invés de uma perspetiva mais ampla sobre igualdade e equidade.

Agricultura e redes alimentares alternativas

Portugal tem acompanhado a tendência global e europeia de proliferação de RAA, ainda que de forma incipiente e com reduzido impacto na agenda política (Mourato e Bussler, 2019). Nesta análise incluímos várias tipologias de RAA (ver secção “Metodologia”), desde as que têm um perfil mais ativista às que são mais performativas de ideais de transição socioecológica para a sustentabilidade (Marques Balsa et al., 2016) agroalimentar.

A nível do ativismo, destaca-se a luta contra os organismos geneticamente modificados (OGM) e pela não privatização das sementes. Em 1999, forma-se a atualmente denominada Plataforma Transgénicos Fora - PTF, juntando especialistas e organizações ambientalistas e de agricultura. O trabalho desenvolvido pela Plataforma teve forte repercussão mediática e política, levando a que as ilhas, a região do Algarve e 27 municípios se declarassem zonas livres de OGM. A Plataforma tem focado o seu trabalho mais recente também na luta contra os herbicidas e pelas sementes livres.

É em torno das sementes livres que se têm desenvolvido várias iniciativas de mobilização cidadã. Em 2006, é criada a Rede Portuguesa de Sementes Tradicionais - Colher para Semear, desenvolvendo ações de recolha, reprodução e troca de sementes e de debate, divulgação e formação, atuando sobretudo a nível local. Em 2010, o tema ganha alguma visibilidade pública com a Campanha pelas Sementes Livres, uma campanha europeia dinamizada em Portugal pela associação ecologista GAIA com o apoio de mais de 100 organizações ambientalistas e de agricultura, e da qual surge, em 2012, a Rede Círculos de Sementes. Esta última promove a criação de bancos comunitários de sementes, ações de educação em meio escolar e espaços de partilha de saberes e troca de sementes.

As lutas contra os transgénicos e pelas sementes livres são desenvolvidas enquanto crítica ao modelo agrícola industrial e às políticas neoliberais no sistema agroalimentar, aliando a luta ambiental e contra os riscos alimentares ao reconhecimento e apoio à pequena agricultura familiar e aos sistemas agrícolas de alto valor ambiental.

A PTF é um dos primeiros (e poucos) momentos de convergência entre ambientalistas e o setor da agricultura familiar em torno das questões agroalimentares. Só mais recentemente, após 2010, se regista uma aproximação destes e outros atores sociais em torno da luta pelo direito humano à alimentação e nutrição adequadas (DHANA). Em Portugal, o debate sobre o DHANA emerge inspirado pelo trabalho internacional da ONU em torno da afirmação do direito à alimentação. Em concreto, surge no âmbito do processo de envolvimento de organizações da sociedade civil, incluindo a CNA, na criação da ESAN e do CONSAN no âmbito da CPLP (ver subsecção anterior, “A agricultura na política alimentar em Portugal”).

É a partir deste processo que é constituída, em 2012, a ReAlimentar - Rede Portuguesa pela Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, agregando organizações de agricultores, pescadores, mulheres rurais, consumidores e ambientalistas. A ReAlimentar pretende ser um espaço de diálogo entre distintos atores no sistema agroalimentar e atuar enquanto sujeito político para influir as políticas públicas sobre a alimentação a nível nacional e local. A par de tomadas de posição públicas, a ReAlimentar, em conjunto com ACTUAR e FIAN Portugal (ONG com trabalho relevante na área da alimentação justa, saudável e sustentável), tem focado a sua atividade na promoção do debate e de formação junto de jovens, das autarquias e do público em geral, assim como na proposta de instrumentos de política pública assente numa perspetiva de justiça social e governança participativa. Estes incluem a proposta de criação de uma Lei de Bases que tenha força instrumental na articulação de políticas e na afirmação e garantia de direitos de forma consistente e integrada; bem como a proposta da constituição de estratégias e conselhos municipais em torno do DHANA que consigam articular políticas alimentares integradas nos seus territórios locais. Na base destas propostas, encontra-se uma perspetiva de justiça alimentar que passa por aliar objetivos sociais de luta contra a pobreza e as desigualdades sociais no acesso à alimentação adequada do ponto de vista nutricional, cultural e ambiental, com objetivos de apoio e promoção da agricultura familiar, da pesca artesanal e outros setores de pequena produção de alimentos, também vistos como grupos vulneráveis à pobreza e insegurança alimentar e afetados nas suas condições a uma vida digna. Mais do que falar de inclusão, afirma-se a importância de lidar com as desigualdades sociais e as suas causas estruturais, com vista à transformação justa do sistema alimentar desde a produção ao consumo. Nesta visão, inclui-se ainda uma dimensão de justiça participativa através da codefinição de políticas e sistemas agroalimentares pelos cidadãos e, especialmente, as pessoas de grupos vulneráveis.

É sobretudo à escala local que se têm multiplicado as RAA, seja por via da atuação das autarquias, do terceiro setor ou das redes de cidadania. A nível das autarquias e do terceiro setor, estas têm beneficiado dos (poucos) apoios do programa LEADER e da Política Regional da UE no âmbito do desenvolvimento rural e local.

As autarquias têm desenvolvido um trabalho importante na área da alimentação saudável (e. g., melhoria nutricional dos menus das cantinas escolares) e do apoio à agricultura familiar de base local (e. g., promoção de feiras e mercados locais), mas nem sempre coincidentes nos mesmos espaços (e. g., cantinas abastecidas com produtos locais saudáveis da agricultura familiar). Nos últimos anos, têm surgido as primeiras experiências de abastecimento a cantinas escolares com produtos saudáveis e locais (Torres Vedras, Évora, Fundão); de promoção de sistemas alimentares locais (Mértola); de desenvolvimento de estratégias municipais alimentares (Montemor-o-Novo, Évora) e planos integrados para a alimentação saudável (Pombal); e de criação de Bio-Regiões (Idanha-a-Nova, Comunidade Intermunicipal do Alto Tâmega, S. Pedro do Sul, Margem Esquerda do Guadiana). Estas são experiências pioneiras, mas ainda de caráter pontual e disperso no país. Além disso, são poucas as iniciativas municipais que assumem uma perspetiva sistémica sobre a alimentação e integrem uma visão de transição justa e ecológica dos sistemas agroalimentares (uma exceção será, porventura, Mértola). O poder local tem demonstrado interesse crescente pela questão alimentar, sem que exista uma visão estratégica de âmbito nacional sobre a transição dos sistemas agroalimentares.

Com o terceiro setor ganham relevo os circuitos curtos e os mercados de proximidade, designadamente do sistema de venda direta de cabazes. As primeiras experiências nascem em 2004 com o projeto RE.CI.PRO.CO - Relações de Cidadania entre Produtores e Consumidores - e desenvolvem-se a partir de 2006 com o projeto Cabaz PROVE, o qual é “disseminado, com enorme sucesso, de Norte a Sul de Portugal” (PROVE, s. d.). No setor das pescas também se têm desenvolvido projetos similares, promovidos pelas Associações de Armadores de Pesca. A rápida e ampla expansão destas iniciativas, embora assumam “ainda um caráter experimental e marginal no panorama nacional” (Baptista et al., 2013 para o caso do PROVE), revelam um crescente interesse da parte dos consumidores em aderir a modelos de consumo não centrados na agricultura industrial e na grande distribuição, cuja motivação pode ser tanto a nível da alimentação saudável, do ambiente, como do apoio à pequena agricultura familiar. No caso do PROVE existe ainda um trabalho de estudo e proposta com vista a influenciar as políticas públicas.

A nível das redes de cidadania, têm surgido várias iniciativas de cabazes, promovidas por grupos de consumidores, por produtores ou cooperativas agrícolas. Pelo seu âmbito nacional, destacamos a rede REGENERAR - Rede Portuguesa de Agroecologia Solidária - formada em 2018, a qual agrega grupos de consumo e produção designados por AMAP - Associação para a Manutenção de uma Agricultura de Proximidade. O sistema AMAP surge no final de 2015 e inclui grupos na região Norte (Famalicão, Porto, Vila Nova de Gaia, Matosinhos, Guimarães) e no Alentejo (Odemira, Montemor-o-Novo), tendo por base os princípios da “agroecologia”, da “alimentação como bem comum” e de “relações de escala humana” (AMAP, 2018). Um dos principais objetivos destes grupos é o de promover “o valor da solidariedade entre consumidor e produtor” fora de uma lógica comercial, conforme indicou um dos seus dinamizadores em conversa informal. Este valor assenta na partilha dos riscos de produção, na criação de espaços conviviais e de formatos de democracia direta com decisões tomadas em assembleias plenárias e por consenso. A REGENERAR foi formada com o objetivo de promover o trabalho em rede e de expandir este movimento no país. A sua ação foca-se na construção de novas relações entre produtores e consumidores com uma lógica mais solidária e menos de mercado e ainda no desenvolvimento de modelos participativos e deliberativos potencialmente mais democráticos. Menos atenção é prestada a questões de justiça distributiva (e às causas estruturais das desigualdades no sistema agroalimentar) bem como à inclusão de grupos vulneráveis na dinamização das iniciativas.

Por fim, é de mencionar o emergir recente do conceito de agroecologia enquanto alternativa ao modelo industrial de agricultura. Esta vai ganhando algum espaço no meio académico, embora de forma ainda marginal e muito focada nos aspetos técnico-agronómicos. A dimensão social e política da agroecologia, enquanto proposta de transformação dos sistemas agroalimentares, começa a despontar em iniciativas como a REGENERAR, a Caravana Agroecológica e a Primavera Agroecológica, embora com uma abordagem ainda pouco centrada na justiça alimentar, i. e., que trabalhe a partir das desigualdades sociais e dê atenção aos grupos vulneráveis.

Alimentação e as lutas da agricultura familiar

A viragem das políticas agrícolas na década de 1980 (ver subsecção “A agricultura na política alimentar em Portugal”) marcou profundamente a agricultura portuguesa. Entre 1986 e 2003, desapareceram mais de metade das explorações agrícolas do país, a maior taxa dos países do Sul da Europa. Dentro das explorações que desapareceram, 90% eram de pequena dimensão física e económica (INE, 2017). Estas são as que continuam ainda hoje a desaparecer (INE, 2021). Esta trajetória, no entanto, “não desembocou na consolidação do modelo de uma agricultura familiar, tecnicamente modernizada e competitiva no plano económico” (Rolo, 2017, p. 39). Pelo contrário, o quadro estrutural agrícola do país é marcado

pela dualidade entre, por um lado, uma panóplia de “agriculturas familiares” - com a de pequena dimensão (económica e física) a assumir um peso social esmagador, peso que, em observação regional, também em termos económicos e territoriais se eleva a primeiro plano - e, por outro lado, regionalmente mais acantonadas, agriculturas patronais de grande dimensão (física e económica), funcionando sobretudo em lógica de mercado ou segundo orientação prevalecente de captação de ajudas das medidas de política de suporte à agricultura. [Rolo e Reis, 2018]

É neste contexto que a CNA desenvolve a sua atividade, com o objetivo de dar “um sentimento de justiça” aos milhares de pessoas das agriculturas familiares que têm sido sistematicamente desvalorizadas pelos poderes políticos, conforme refere um dirigente da CNA na região trasmontana. Com a adesão à CEE/UE, indica este mesmo dirigente, o discurso dos decisores políticos, dos técnicos e dos especialistas era a de que “nós [na agricultura familiar] não sabíamos trabalhar nem tirar rendimento […]. O discurso era que nós não tínhamos capacidade […] e que era mais barato importar que produzir.” Desde então, continua este mesmo dirigente, “nós [o país] não estamos a conseguir manter este sistema [de agricultura familiar] que é muito ponderado, ambientalmente sustentável […]. Este modelo está ainda condenado porque o pouco que se produz tem dificuldade em ser colocado no mercado.” A par da destruição do sistema de infraestruturas públicas de apoio direto aos produtores a partir dos anos de 1980 (ver Rocha, Rolo e Cordovil, 2021), a “entrada das grandes superfícies foi o nosso fim”, comenta uma agricultora reformada e dirigente da CNA no distrito de Viseu. Nas palavras de um agricultor reformado e dirigente da CNA no distrito de Lisboa, foram “os interesses da agroindústria” que ditaram o desenho das políticas, à custa “do despovoamento das zonas rurais.” A incapacidade de escoamento dos produtos, os preços baixos e a desigual distribuição dos apoios agrícolas da PAC - apenas 5% dos apoios é destinado à pequena agricultura, sendo a maioria absorvida pelas agriculturas patronais de grande dimensão (ver Cordovil, 2021) - são apontados como sendo fatores principais de exclusão e marginalização das agriculturas familiares; são também bandeiras de luta da CNA, muito centradas nas questões económicas imediatas dos agricultores.

Na sua proposta e visão política, a CNA defende a soberania alimentar numa perspetiva do “direito de cada país produzir os seus alimentos e o direito a impedir importações daquilo que não precisa”, esclarece o mesmo dirigente do distrito de Lisboa. Esta perspetiva inclui uma visão de que “as produções devem estar repartidas” no território, fora de uma lógica industrial, por motivos sociais de emprego e vitalidade das zonas rurais, de preservação ambiental e prevenção dos incêndios florestais e de qualidade nutricional dos alimentos, referem vários dos entrevistados. Neste modelo de repartição da produção, os mercados locais e regionais são canais de escoamento a privilegiar, segundo os entrevistados. Por fim, o reforço dos serviços públicos nas zonas rurais e o (re)estabelecimento de mecanismos de intervenção pública para a regulação e controlo dos mercados de aprovisionamento e abastecimento alimentar, são ainda propostas da CNA, conforme atestam as resoluções dos seus vários congressos, o seu principal espaço de debate e deliberação. Existe, portanto, um aliar das questões do abastecimento com as do aprovisionamento alimentar, em que se conjugam os direitos dos agricultores familiares a produzir e o direito da população a uma alimentação adequada, dentro de um quadro de sustentabilidade ambiental e coesão territorial.

A CNA estabelece, assim, uma visão assente num modelo socioterritorial baseado na pequena e média agricultura familiar, dedicada à produção de alimentos para abastecimento interno, sobretudo através da relocalização do abastecimento e consumo, e protegida pelo Estado, o qual é garante de direitos sociais, em contraste com o modelo neoliberal que privilegia a produção de alimentos como matérias-primas para a agroindústria, virado para a exportação e sustentado por “empresas” agrícolas cujo critério único é o lucro (Lima, 1991).

Na procura de legitimação da defesa das agriculturas familiares e deste modelo, é argumentado, aliás à semelhança do discurso político sobre a agricultura familiar (ver Dinis, 2019), que a pequena e média agricultura familiar é a que produz alimentos saudáveis, preserva o ambiente e dinamiza o rural. Este argumento até pode corresponder à realidade de parte significativa da agricultura familiar em Portugal, mas a relação não é causal. Este estereótipo da agricultura familiar não permite ler realidades diversas e híbridas, o que pode mesmo, argumenta Dinis (2019), ser prejudicial a uma melhor redistribuição dos apoios agrícolas. Nós adicionamos outra perspetiva: a de que um reconhecimento do caráter multifuncional da agricultura familiar precisa de ser acompanhado do reconhecimento das funções de diversos sistemas agrícolas - ou seja, de quais os sistemas agrícolas que melhor conciliam a função de produção de alimentos nutritivos, preservação ambiental e de dinamização do rural -, direcionando as políticas para o apoio, promoção e expansão destas agriculturas e sistemas numa lógica eco-territorial. Dito de outro modo, esta é uma relação a construir social e politicamente, a qual permitiria não só uma política de inclusão das agriculturas que têm sistematicamente sido excluídas e marginalizadas, assim como oferecer uma visão do caminho a construir para a transição justa, saudável e sustentável do sistema alimentar.

Na sua ação prática, a CNA e as suas afiliadas centram a sua atividade no apoio técnico aos agricultores, designadamente a cumprir os normativos legais, a submeter candidaturas aos poucos apoios agrícolas a que estes agricultores conseguem aceder e a ter acesso a formação profissional (alguma obrigatória) a custo nulo ou reduzido. Estas atividades respondem a algumas das dificuldades quotidianas dos produtores, na sua maioria pessoas de baixos rendimentos e de baixa escolaridade, contribuindo, desta forma, para manter a atividade agrícola em várias regiões rurais e contrariar a tendência ao desaparecimento.

Estes serviços de apoio, no entanto, operacionalizam-se num quadro de atuação definido por políticas que são desfavoráveis às agriculturas familiares. O paradoxo é que acabam por ser as próprias organizações de agricultores que contribuem para implementar na prática esta política, dedicando parte dos seus esforços e recursos materiais e humanos ao trabalho burocrático e à prestação de serviços. O risco é dedicar menos atenção à organização, debate e reivindicação política, mas também ao desenvolver de atividades que reflitam as necessidades dos agricultores além das imposições exteriores da política e, especialmente, contribuam para definir e reivindicar o caminho a seguir na construção de uma alternativa agrícola e alimentar. Por exemplo, poucas são as atividades desenvolvidas que valorizem e apoiem o conhecimento tradicional e inovador dos próprios agricultores (e que eles integram de forma coerente nas suas decisões de gestão das explorações agrícolas) e saiam fora de uma lógica de extensão agrícola de cima para baixo (por exemplo, permitindo a mútua aprendizagem entre pares). Igualmente, o discurso e a prática da CNA continuam a centrar-se no modelo agrícola convencional e prestam, ainda, pouca atenção às questões ambientais.6

Isto levanta, pelo menos, quatro questões. Primeiro, de legitimidade social e política, já que um maior apoio às agriculturas familiares poderá ajudar a corrigir injustiças histórias no reconhecimento e distribuição dos apoios agrícolas, mas não corresponde necessariamente a objetivos de equidade social e sustentabilidade ambiental mais abrangentes. Segundo, a falta de valorização das atividades e do conhecimento dos agricultores tradicionais dificulta a dignificação destas pessoas e da sua atividade. Muitos dos entrevistados revelaram que se sentem menosprezados por parte dos poderes políticos e das instituições públicas, mas também que consideram existir “um amplo sentimento de desprezo pelos agricultores e a atividade agrícola na sociedade portuguesa”, conforme menciona um dirigente da CNA. Terceiro, limita a possibilidade de construir convergências entre agricultores familiares e outros grupos sociais, como sejam os consumidores, grupos ambientalistas, etc., num contexto em que a alimentação recebe atenção crescente por parte da população urbana e dos decisores políticos, precisamente em torno das questões da saúde pública e do ambiente. Quarto, a pouca atenção atribuída à construção desses modelos alternativos à agricultura industrial e produtivista fragiliza os posicionamentos do setor da agricultura familiar ao poder tornar-se de novo o foco de discursos sobre o “atraso” das agriculturas familiares, agora quanto às mudanças socialmente desejáveis para os sistemas agroalimentares.

Discussão e notas conclusivas

Em Portugal, a questão alimentar tem adquirido destaque na última década a nível das políticas públicas, das iniciativas cidadãs e de base local e das lutas da agricultura familiar. A nossa análise procurou destacar as convergências e divergências entre as abordagens destes intervenientes no sistema agroalimentar com o objetivo de melhor compreender que potencialidades e dificuldades existem a uma transformação justa, saudável e sustentável dos sistemas agroalimentares.

Existem três áreas de convergência relevantes. Primeiro, a afirmação de uma visão sistémica e multifuncional da alimentação, desde o prado ao prato. Segundo, a incorporação da agricultura na política alimentar, com crescente reconhecimento do papel da agricultura familiar na transição alimentar. Terceiro, a importância atribuída à escala local na ação a desenvolver para esta transição.

No entanto, as abordagens são distintas e mesmo conflituantes. A nível das políticas públicas, a visão dualista da agricultura (Dinis, 2019), ao mesmo tempo que reconhece a multifuncionalidade das agriculturas familiares, retira-lhe protagonismo na função produtiva e alimentar. Ou seja, o foco da política agrícola continua a estar direcionado para as agriculturas consideradas modernas e competitivas numa ótica de mercado e não o de garantir uma alimentação adequada a toda a população através de uma agricultura enraizada nos territórios rurais. O apoio às agriculturas familiares continua a ser entendido, essencialmente, como um apoio social; ou seja, insere-se mais dentro de uma lógica de política social (de inclusão) do que de política agrícola que adote uma perspetiva de justiça redistributiva e aponte caminhos de transição alimentar. A advocacia realizada a partir da sociedade civil pelo direito à alimentação adequada tem precisamente chamado a atenção para a necessidade de interligar a luta contra a pobreza e as desigualdades sociais com o apoio e promoção às agriculturas familiares. No setor organizado da agricultura familiar, a luta por uma maior justiça no setor também se alia a uma ideia de soberania alimentar que ambiciona uma maior democratização do sistema agroalimentar.

Nas RAA de caráter mais prático-demonstrativo, as questões da segurança alimentar estão pouco presentes, apesar da sua relevância na sociedade portuguesa e na política alimentar. Igualmente, poucas são as que trabalham a partir dos grupos vulneráveis para lidar com os efeitos práticos das desigualdades e diversas opressões. As preocupações subjacentes a estas iniciativas relacionam-se sobretudo com o ambiente, o comer saudável, o apoio ao rendimento dos agricultores e a transformação das relações entre produtores e consumidores. Ainda que a generalidade das RAA assente numa certa visão crítica aos modelos convencional e proponha alternativas, nem sempre esta visão é acompanhada de uma leitura crítica das desigualdades estruturais no sistema agroalimentar português (e europeu). Várias iniciativas funcionam mais como inovações sociais, apostadas em fazer o “novo”, com pouca ligação, por exemplo, ao combate aos fatores que têm marginalizado as agriculturas familiares. Estas apontam, no entanto, possíveis caminhos a seguir e refletem algumas das preocupações centrais dos consumidores urbanos, dos jovens, dos ambientalistas e de novos agricultores não organizados. O desafio está em conseguir ultrapassar uma ação dispersa e pouco concertada. A (ainda) pouca atenção dada pela CNA à questão ambiental, aos modelos agrícolas e a outros vetores de injustiça e opressão na agricultura, é um potencial fator de distanciamento entre o setor e as RAA.

A escala local emerge como um eixo de convergência, mas apresenta desafios se não for acompanhada de uma dimensão de justiça social e ambiental que vá para além da visão redutora da inclusão e do foco nos grupos vulneráveis, de modo a abordar de forma mais sistemática as condições estruturais de injustiça nas suas várias vertentes e nas diversas escalas espaciais que interatuam com o local.

As diferentes e provavelmente inconciliáveis abordagens à questão alimentar revelam que existe ainda um longo percurso a percorrer para construir sistemas agroalimentares mais justos em Portugal. Alargar e aprofundar o debate em torno das questões da justiça social e ambiental, ainda muito ausentes nas várias abordagens, poderá potenciar aproximações e convergências para avançar nas mudanças desejadas. O caso português ilustra algumas das dificuldades em transformar os sistemas agroalimentares na Europa se as políticas públicas continuarem a prestar pouca atenção à realidade complexa e híbrida das agriculturas existentes; à multifuncionalidade dos sistemas agrícolas, na sua relação com a nutrição, o ambiente e o território; e, sobretudo, às questões de equidade e inclusão nos sistemas agroalimentares, tendo em conta a interligação entre fatores estruturais e contextos específicos.7

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1 Agradecemos aos dois revisores pelos comentários construtivos que contribuíram para melhorar este artigo. Agradecemos ainda ao Sérgio Pedro pela leitura comentada de uma versão inicial deste artigo, bem como à Joana Vaz Sousa, ambos do CES-UC. Por fim, agradecemos a todas as pessoas entrevistadas, à CNA e a todas as pessoas envolvidas em RAA e outras envolvidas nesta temática com quem tivemos a oportunidade de conversar. Sem elas este trabalho não teria sido possível.

2 Várias fontes da CNA indicam números distintos, pelo que este número é aproximado.

3 Até à década de 1980, a interligação entre alimentação e agricultura incluía uma certa perspetiva ambiental, existindo uma preocupação com o “ordenamento do território” com vista “a melhorar o fundo de fertilidade do solo” (programa do V Governo 1979-1980) e com a salvaguarda dos “processos ecológicos vitais” para a “manutenção da produtividade agrícola” (programa do VI Governo 1980-1981). Propunha-se ainda definir um “programa de desenvolvimento agrário integrado, tendo em consideração, para o todo nacional, os recursos disponíveis e a sua renovação em face das nossas necessidades alimentares.” (programa IV Governo 1978-1979) Esta perspectiva dilui-se nos anos seguintes.

4 No setor da saúde, estabelece-se a restrição de produtos alimentares nas máquinas de venda automática (2016) e nos bares, cafetarias e bufetes (2017). Nas escolas, elaboram-se as orientações para os Bufetes Escolares (2012) e Orientações sobre Ementas e Refeitórios Escolares (2018), ambas de caráter vinculativo. Em 2018, estabelece-se o “Regime Escolar” para apoiar os municípios (que se candidatem) na distribuição gratuita de frutas, produtos hortícolas e leite às crianças nos estabelecimentos de ensino do pré-escolar (leite) e do 1.º ciclo do ensino básico (fruta, produtos hortícolas e leite). No setor social, elaboram-se as Orientações para o Fornecimento de Refeições Saudáveis pelas Entidades da Economia Social (2016), de caráter voluntário. Para a população carenciada, estabelece-se a distribuição mensal de cabazes de alimentos que incluem carne, pescado e produtos hortícolas (2017).

5 Assinalamos a existência de pelo menos três tópicos que se têm destacado nos últimos anos no campo da política pública e que este artigo não aborda por limitações de espaço: a dieta mediterrânica, o desperdício alimentar e a agricultura biológica. Embora importantes, julga-se que não são fundamentais para a leitura da evolução da questão alimentar na agenda política no período em causa.

6 No final de 2021 foi assinado um protocolo para a constituição do Centro de Competências da Agricultura Familiar e da Agroecologia por proposta da CNA, o que parece indicar uma atenção crescente à problemática ambiental e à valorização das agricuturas familiares.

7 Este trabalho foi financiado pelo FEDER - Fundo Europeu para o Desenvolvimento Regional através do COMPETE 2020 - Programa Operacional para a Competitividade e Internacionalização “POCI-01-0145-FEDER-029355” e por fundos nacionais através da FCT - Fundação para a Ciência e Tecnologia, PTDC/GES-AMB/29355/2017. A primeira autora teve ainda apoio financeiro do Programa Maria Zambrano de atração de talento internacional no sistema universitário espanhol, financiado pela União Europeia - Next Generation EU e o Ministerio de Universidades de España. Mais ainda, esta publicação contribui para o Programa “María de Maeztu” de Unidades de Excelência do ICTA-UAB, do Ministério de Ciência e Inovação (CEX2019-000940-M).

Recebido: 22 de Abril de 2021; Aceito: 13 de Maio de 2022

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