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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.245 Lisboa dez. 2022  Epub 31-Dez-2022

https://doi.org/10.31447/as00032573.2022245.06 

Dossiê

Bem-estar social de mercado: a política dos seguros privados e o governo das desigualdades no Brasil contemporâneo.

Market welfare: private insurance policy and the government of inequalities in contemporary Brazil.

1 Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Cidade Universitária Zeferino Vaz, Rua Cora Coralina, 100 - CEP 13083-896, Barão Geraldo Campinas, São Paulo, Brasil. deborahrfromm@gmail.com


Resumo

Este artigo analisa o projeto do setor segurador privado para assumir um papel de maior protagonismo na garantia de proteção social e reflete sobre as suas consequências na administração das desigualdades. No Brasil, assim como noutros países, políticas de austeridade têm sido implementadas ocasionando impactos significativos na redução de seguros e benefícios sociais. Baseado em pesquisa etnográfica multisituada (2017-2019), desenvolvida com agentes do mercado segurador, o presente artigo analisa os processos de financeirização da proteção social e de popularização dos seguros privados no Brasil contemporâneo.

Palavras-chave: seguro; proteção social; desigualdade; Brasil

Abstract

This paper analyses the project of the private insurance sector to assume the role of protagonist in guaranteeing social protection and investigates its consequences for the management of inequalities. In Brazil, as in other countries, austerity policies have been implemented causing significant impacts on social insurance and benefits reduction. Based on multisite ethnographic research (2017-2019), developed with insurance market agents, this article analyses the processes of financialisation of social protection and popularisation of private insurance in contemporary Brazil.

Keywords: insurance; social protection; inequality; Brazil

Introdução: bem-estar social e a racionalidade do seguro

Este artigo parte do contexto brasileiro para tratar o projeto político-económico da indústria de seguros, a qual pretende assumir um papel de maior protagonismo no que tange à garantia de proteção social no país.1 Apesar da sua relevância e magnitude, o setor comercial de seguros no Brasil ainda não atraiu significativa atenção dos antropólogos sociais interessados nos avanços dos seguros privados sobre os sistemas de segurança social e os seus efeitos na financeirização da vida quotidiana. A partir de uma abordagem qualitativa de caráter etnográfico, este artigo insere-se no incipiente campo da antropologia das finanças e considera que o estudo das relações entre Estado e mercado segurador é um tema fulcral para a compreensão das dinâmicas de negociação entre elites económicas e poder público, assim como dos processos de financeirização e dos seus impactos nas desigualdades sociais. Argumenta que tais relações são centrais para compreender os processos de mercadorização da segurança, intimamente interligados ao financiamento da dívida pública e à abertura de novos nichos de mercado para as seguradoras. Após a crise de 2008, os mercados financeiros passaram a merecer maior atenção por parte dos antropólogos, de modo que instituições e práticas associadas a esses mercados se consolidaram como objeto de análise de uma série de estudos etnográficos (Ho, 2009; Riles, 2011; Preda, 2017). No entanto, pouca atenção ainda foi dada ao papel de grandes companhias seguradoras na defesa de políticas de austeridade e de reestruturação dos sistemas de bem-estar social, em especial na América Latina, assim como às disputas em torno do uso do seguro para fins privados de acumulação ou para fins redistributivos e de alívio da pobreza.

A centralidade do seguro na estruturação da racionalidade moderna de proteção social já vem sendo assinalada desde os anos 1980 (Ewald, 1986) e a literatura anglófona recente, sobretudo nos Estados Unidos (Zelizer, 2017; Horan, 2021), no Canadá (Ericson, Doyle e Barry, 2003), no Reino Unido (O’Malley, 2009; McFall, 2014) e na Finlândia (Lehtonen e Liukko, 2011; Lehtonen e Hoyweghen, 2014; Lehtonen, 2017) tem destacado a importância de pesquisas sobre o setor para a compreensão dos processos de privatização dos sistemas de segurança e seus efeitos na solidariedade social e na administração das desigualdades socioeconómicas em diferentes contextos nacionais.

Tão candentes no Brasil contemporâneo, os embates entre as companhias privadas de seguros e setores públicos quanto à nacionalização ou privatização de diversos tipos de seguros (saúde, previdência, invalidez, acidentes de trabalho, entre outros) constituem um tema relevante que perpassa diferentes contextos nacionais e períodos históricos. Os conflitos e, por vezes, os alinhamentos entre Estados nacionais e seguradoras privadas, analisados neste artigo a partir do caso brasileiro, não são uma completa novidade, mas permeiam, ao menos desde o século XIX, os debates em torno de distintos sistemas de bem estar social (Ewald, 1991; Defert, 1991).

Caley Horan (2021), ao analisar a expansão dos seguros privados nos Estados Unidos chama a atenção para o papel da indústria de seguros em moldar a vida quotidiana e as perceções dos norte-americanos sobre risco, responsabilidade e administração das incertezas. Segundo a autora, durante o século XIX, os seguros privados já eram um negócio lucrativo, porém, os produtos das seguradoras estavam disponíveis apenas para as elites norte-americanas. Nas duas primeiras décadas do século XX, ocorreu um processo de popularização dos seguros de grupo que misturavam planos para aposentadoria, doença, invalidez e acidentes de trabalho, voltados para os trabalhadores industriais. As décadas de 30 e 40 foram marcadas pelos efeitos da crise económica no país e por batalhas das seguradoras contra novos programas de seguros sociais. Para combater a nacionalização dos sistemas de proteção social, saúde e aposentadoria, as companhias articularam-se setorialmente e desenvolveram estratégias de investimentos, propaganda e lobby, além de ações sociais. Ao longo das décadas subsequentes, as propagandas da indústria de seguros americana passaram a confrontar diretamente o Estado e a minimizar a importância das políticas sociais e de socialização dos riscos. A autora argumenta que a organização setorial e política dos agentes do mercado de seguros foi fundamental para a derrocada do estado de bem-estar americano e para a posterior instauração de uma “Era do Seguro”, através da disseminação de ideais de segurança self-made e de repúdio à ordem instaurada pelo New Deal e pelo keynesianismo.2 Em contraposição a uma responsabilização coletiva, os líderes da indústria americana enfatizaram o seguro como autonomia e responsabilidade individual.

O setor de seguros conforma uma indústria global, cujas estratégias de expansão, modelos de negócio, conhecimentos técnicos e produtos circulam internacionalmente. O mercado norte-americano é o principal referencial para o mercado brasileiro, cujos agentes muitas das vezes trabalharam ou estudaram nos Estados Unidos. Não à toa, há algumas ressonâncias entre o passado americano e o contexto brasileiro contemporâneo analisado neste artigo. No entanto, é preciso compreender algumas especificidades locais no âmbito da economia política. Uma breve contextualização histórica sobre o desenvolvimento do mercado de seguros brasileiro é importante para entendermos, por exemplo, a grande diferença entre os discursos da indústria americana ao longo do século XX e da indústria brasileira na contemporaneidade, uns e outros voltados para a expansão dos seguros privados em detrimento dos sistemas de segurança social. Enquanto as campanhas analisadas por Carley Horan (2021) se focavam no empoderamento individual, na autossuficiência frente ao Estado e no empreendedorismo, no Brasil o foco dos argumentos das seguradoras para a redução de políticas sociais e da participação estatal na economia está na suposta ineficiência estatal para a gestão de recursos manifesta, sobretudo, na debilidade das finanças públicas.

As últimas quatro décadas foram de intensas mudanças sociais e económicas no Brasil. As décadas de 80 e 90 marcaram o acirramento do processo de financeirização, através de maior abertura económica, consolidação do mercado de capitais, privatizações e abertura de capital de empresas. Nos anos 2000, por sua vez, houve um maior aprofundamento do processo de bancarização e da consolidação de políticas estatais de expansão do acesso ao crédito. Convém ressaltar que o Estado brasileiro sempre exerceu um papel ativo no processo de financeirização da economia, o qual se consolidou, sobretudo, a partir da venda de títulos públicos e do financiamento da dívida pública ( Carvalho, Miranda e Gambi, 2019; Bruno e Caffe, 2017). Carvalho, Miranda e Gambi (2019, p. 16) argumentam que a dinâmica da financeirização no Brasil difere da dos países desenvolvidos e tem levado a uma fragilidade das finanças públicas. Isto devido ao facto de que o endividamento público é o principal vetor do processo de financeirização brasileiro, o qual, por sua vez, também se tornou o principal eixo de acumulação das elites rentistas e proprietárias. Em suma, os autores defendem que há um aprisionamento das finanças do setor público aos interesses de acumulação do setor rentista, os quais pautam as políticas monetárias e fiscais.

Com isso, os autores mostram que há um deslocamento da receita do governo para os detentores da dívida pública (Carvalho, Miranda e Gambi, 2019, p. 13). Entre 2008 e 2014, período analisado pelos autores, o maior gasto do governo foi com despesas financeiras referentes ao pagamento de juros e amortizações. Vale ressaltar que os principais detentores da dívida pública são investidores institucionais, a saber, seguradoras, instituições financeiras, fundos de investimento e fundos de previdência. Essa é uma informação importante para se compreender o papel da indústria de seguros enquanto credora da dívida pública, ponto que será explorado a seguir. Somado a tal processo de acumulação rentista-patrimonial através da dívida pública interna, alimentada por altas taxas de juros, há uma baixa participação das famílias no acesso a ativos financeiros e aos mercados de capitais (Carvalho, Miranda e Gambi, 2019). A financeirização da economia brasileira não ocorreu de uma maneira atrelada à consolidação de um processo de “democratização das finanças”, tal como uma série de autores vem analisando, sobretudo, no Norte Global ( Langley, 2008).

Este artigo considera que a chamada “financeirização da vida quotidiana” (Langley, 2008; Van der Zwan, 2014) vem ocorrendo de maneira ainda incipiente, porém crescente, na vida do brasileiro médio. Em consonância com essa literatura específica, este artigo apreende as finanças, a partir dos seguros, enquanto uma forma de governo e de poder descentralizado, ou seja, em termos foucaultianos, enquanto uma governamentalidade (Van der Zwan, 2014). Neste sentido, considero a financeirização como “o processo no qual os mercados financeiros e os produtos financeiros se tornam de maneira crescente centrais para uma economia, significando que eles se tornam integrados na vida quotidiana” (Bähre, 2020, p. 5). Tal processo tem ocorrido de maneira integrada, mas às vezes conflictiva, através do empenho de atores privados e setores públicos. E a indústria de seguros é um ator-chave nos esforços para aumentar a penetração dos produtos financeiros, sobretudo seguros privados, na vida das classes médias e baixas da população brasileira, além de criar uma cultura voltada para as finanças e para os investimentos em um país, cuja trajetória é marcada por altas taxas de inflação e crises económicas frequentes.

Metodologia e estrutura do artigo

Diversos autores, que pesquisam diferentes contextos nacionais, têm vindo a indicar a capacidade da indústria global de seguros em se capilarizar e, por vezes, colonizar a vida quotidiana, exercendo forte poder político e económico (Ericson, Doyle e Barry, 2003; Cevolini, 2019; Bähre, 2020; Horan, 2021). Para os teóricos do risco, por sua vez, o seguro é considerado uma instituição central que manifesta “o arquétipo da governança modernista do futuro” (O’Malley, 2004, p. 275). Tendo isso em vista e baseando-se em pesquisa etnográfica com agentes do mercado segurador, o presente artigo traz um olhar sobre o projeto do setor segurador privado para assumir um papel de maior protagonismo na garantia de proteção social, o qual está associado a processos de financeirização e de popularização dos seguros privados no Brasil contemporâneo.

Conformando uma etnografia móvel,3 a observação participante foi desenvolvida através de visitas mensais, entre os anos de 2017 e 2019, a diferentes situações e espacialidades: grandes eventos do mercado segurador, almoços restritos em clubes privativos de corretores de seguros, sindicatos patronais, diretorias e diferentes setores de grandes companhias seguradoras. A maior parte da pesquisa foi realizada com atores e em eventos do mercado paulista, mas também acompanhei eventos em Brasília e no Rio de Janeiro, outras duas importantes cidades na conformação do mercado nacional. O fio condutor da pesquisa tem sido mapear os atores e seguir os seus discursos em torno da mercadorização da segurança. Conforme pontua George Marcus (2001, p. 112), “a estratégia de seguir literalmente as conexões, associações e relações imputáveis se encontra no centro mesmo do desenho da investigação etnográfica multilocal”. Assim, como no caso da presente pesquisa, “esta classe de investigação define para si um objeto de estudo que não pode ser abordado etnograficamente se permanece centrado em uma só localidade intensamente investigada” (Marcus, 2001, p. 111).

Neste artigo, são analisados tanto dados primários quanto secundários. Mais especificamente, serão relacionados quatro tipos de materiais coletados ou produzidos durante a pesquisa de campo: i) conversas pessoais e informais com interlocutores-chave da indústria de seguros no Brasil; ii) discursos de representantes do mercado segurador durante a realização de dois grandes eventos nacionais organizados por entidades do setor; iii) intervenções de atores do mercado publicadas em média dos sindicatos de corretores e de seguradoras; iv) materiais e documentos produzidos pelo setor e, mais especificamente, livretos educacionais sobre seguros e uma carta direcionada aos candidatos à Presidência da República nas eleições de 2018. Com isso, busco compor um quadro de análise que dê conta dos discursos, ações e perceções dos atores representativos do setor de seguros quanto ao papel das seguradoras e do Estado na oferta de proteção social aos cidadãos brasileiros.

O artigo divide-se em três partes, seguidas de uma conclusão. A primeira é dedicada a uma breve contextualização política e económica do mercado segurador brasileiro. Na segunda, será apresentada a perspetiva do setor sobre a necessidade de reformas estruturais que reduzam a presença estatal e contribuam para uma maior expansão da iniciativa privada, sobretudo, mas não apenas, no campo da proteção social. Na terceira parte, é analisada a alternativa apresentada pelo setor, que diz respeito a uma inclusão não pelo viés da cidadania ou dos direitos, mas pela expansão do mercado de seguros privados através da oferta de produtos mais baratos, assim como de projetos de educação financeira e de disseminação da cultura do seguro.

A política do mercado de seguros brasileiro

As tensões e disputas entre companhias seguradoras e governos perpassam a história dos seguros no país, a qual oscila entre períodos de maior e menor intervenção estatal nos negócios das seguradoras. A atividade seguradora, no Brasil, teve início ainda no começo do século XIX. Com a abertura dos portos ao comércio internacional,4 em 1808, houve a criação da primeira sociedade de seguros, a Companhia de Seguros Boa-Fé, direcionada para operar seguros marítimos. Neste período, o setor ainda era regulado por leis portuguesas. Apenas após a Independência do Brasil (em 1822), a atividade começa a expandir-se e novas seguradoras são criadas. Durante a segunda metade do século XIX, inúmeras seguradoras estrangeiras passaram a operar no país. Um significativo mercado de seguros de vida também se desenvolveu neste período. No último quarto deste século, atrelados ao auge da exportação do café, houve uma considerável expansão do mercado de seguros e a proliferação de companhias seguradoras inglesas (Alberti et al., 1998). Desde então, leis e medidas estatais foram tomadas para tentar evitar a evasão de divisas e fazer com que essas empresas aplicassem os recursos acumulados com o pagamento de prémios no próprio país.

Durante o início do século XX, mecanismos regulatórios e medidas protecionistas começaram a ser criados para impor limites à atuação das empresas estrangeiras. Com o nacional-desenvolvimentismo, a partir da década de 30, marcado por uma interferência mais acentuada do Estado na condução da política económica, houve uma gradativa reconfiguração do setor de seguros, assim como das instituições financeiras como um todo, com políticas nacionalizadoras voltadas para esses segmentos da economia (Sarmento, 1998). A criação do Instituto de Resseguro Brasileiro (IRB), em 1939, é a maior expressão deste processo. Esta empresa estatal manteve o monopólio do mercado ressegurador brasileiro por quase 70 anos, tendo sido privatizada apenas em 2013.

Um caso significativo, por exemplo, é o do seguro de acidentes de trabalho, o qual era operado por companhias privadas, sobretudo, nacionais. Até que, na década de 40, período também de criação das Leis Trabalhistas, se iniciou o processo de estatização, o que feria diretamente os interesses das companhias nacionais que tinham nesse ramo os seus maiores rendimentos.5 Foi um processo longo, de mais de duas décadas, até a estatização de facto, durante o Regime Militar, em 1967. Em contrapartida, o governo lançou o seguro obrigatório de responsabilidade civil para proprietários de automóvel. Com a estatização do seguro de acidentes de trabalho no final da década de 60, as seguradoras precisaram de recorrer a outros ramos para manter a arrecadação. Nos anos 70, começa a expandir-se o mercado de automóvel no país e, no final dos anos 80, esta carteira torna-se rentável para o mercado segurador.

O crescimento do mercado de seguro para carros é paralelo à expansão da indústria automobilística e o ramo de automóveis foi, durante décadas, o líder de arrecadação de prémios para as seguradoras. Isso começou a mudar apenas a partir de 2016, quando os ramos de pessoas e de saúde passaram a ter crescimentos exponenciais de quase 10% por ano, muito relacionados com as reformas no sistema previdenciário e a degradação do serviço público de saúde. Em 2019, tiveram, respetivamente, R$ 46,4 biliões / EUR 7,47 biliões e R$ 45,8 biliões / EUR 7,37 biliões de faturação, montantes que, se somados, representam mais do que 60% da faturação total da indústria de seguros neste mesmo ano (R$ 154,4 biliões / EUR 24,86 biliões).6 As cinco principais seguradoras detêm quase 60% do mercado e a Bradesco Seguros, braço do Banco Bradesco, possui a liderança e é a responsável por mais de 20% das arrecadações. Dessas cinco companhias-líder, convém ressaltar que apenas uma é uma seguradora independente e quatro são ligadas a bancos. Essa é uma característica importante para entender o mercado de seguros brasileiro. É importante notar que a inserção do setor bancário no mercado de seguros é apontada por alguns autores como fator agravante de risco sistémico para a economia (Soares e Campani, 2020; Köhler, 2015). A presença dos bancos é ainda mais forte na previdência.

Compondo um setor que, atualmente, equivale a 6,5% do Produto Interno Bruto (PIB)7 nacional e que possui grandes expectativas de expansão, esses são atores importantes que usam as suas redes de relacionamento para organizar e mediar as interdependências entre política, economia e legislatura. O setor de seguros brasileiro tem feito um amplo esforço para desempenhar um papel ativo no aparato estatal e negociar medidas formais e legítimas com o objetivo de influenciar a tomada de decisões, fomentar reformas e promover os interesses mútuos da indústria entre parceiros políticos, financeiros e estratégicos.

Em dezembro de 2018, estive no escritório pessoal de Antônio Paulo,8 CEO aposentado de uma companhia seguradora europeia, situado em Alphaville. Trata-se de um famoso bairro nobre, construído de maneira planeada na grande São Paulo, ainda nos anos 1970. Conhecido pelos luxuosos condomínios residenciais e edifícios comerciais de alta classe, foi para lá que significativa parcela da elite financeira e corporativa da cidade migrou. Convém ressaltar que a cidade de São Paulo é considerada o maior centro financeiro e corporativo da América do Sul. Antônio Paulo mantém o seu escritório pessoal no décimo andar de um edifício comercial. A arquitetura sofisticada do escritório é dividida em três espaços diferentes por divisórias de vidro. Fui conduzida pela sua secretária a uma sala maior, decorada com quadros e móveis de madeira sofisticados. Antônio Paulo, sempre muito educado, convidou-me para me sentar no sofá da sala ao fundo e a sua secretária trouxe um copo de água e um café para cada um de nós.

Em seguida, Antônio Paulo pede-me para explicar sobre a pesquisa. Após eu contar que o intuito do meu doutorado era compreender a relevância social da indústria nacional de seguros, ele questiona-me se eu sabia que podemos analisar se um país é mais ou menos capitalista pela penetração do mercado de seguros, sobretudo, pelo desenvolvimento do segmento de liability.9 Citou os Estados Unidos e o Japão como exemplos. Os rankings mundiais corroboram para tal argumento, sendo os Estados Unidos de longe o principal mercado em prémios acumulados. Trata-se de uma afirmação relevante, pois o meu interlocutor compartilha de uma perspetiva comum entre agentes do setor segurador brasileiro que, como ficará claro a seguir, postula o Estado social como um concorrente para o setor de seguros privados.

Dois meses antes da minha visita ao escritório de Antônio Paulo, em outubro de 2018, tinham ocorrido as eleições presidenciais que deram a vitória a Jair Bolsonaro, candidato da extrema-direita, com bases sólidas nos setores militares, policiais e religiosos, sobretudo nas igrejas evangélicas. No princípio, as elites financeiras não estavam com ele. No período das eleições, Antônio Paulo encontrou-se pessoalmente com todos os presidenciáveis para apresentar as propostas do setor de seguros. Na sua avaliação, apesar de a equipa de Bolsonaro ter sido acolhedora às propostas, era a equipa do candidato de centro-direita Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), a mais preparada para assumir o governo. No entanto, as pesquisas eleitorais apontavam para a iminência da derrota do candidato paulista, que realmente recebeu apenas 5% dos votos, não indo para o segundo turno das eleições. Nesse cenário, Antônio Paulo e os seus pares optaram por apoiar a eleição do candidato de extrema-direita. Na reta final do pleito, por isso, Bolsonaro também foi amplamente apoiado pelas elites financeiras.

O governo de Jair Bolsonaro, eleito em 2018, recebeu grande suporte e foi fonte de otimismo para parte significativa do setor de seguros, sobretudo devido à política económica e às reformas postas em prática pela equipa do ministro da Economia, Paulo Guedes. Formados no berço do liberalismo económico, a Universidade de Chicago, foram apelidados de Chicago Boys 10 ou Chicago Oldies brasileiros. Paulo Guedes, inclusive, chegou a ser chamado de herói nacional em círculos das elites financeiras do país. Da sua perspetiva, o Brasil, nos últimos 30 anos sempre foi uma aliança centro-esquerda em torno de um programa “social-democrata”. No início do governo Bolsonaro, antes do advento da pandemia de COVID-19, afirmava que seria tempo de “liberal-democracia” com cortes em gastos públicos, simplificação de impostos, privatizações e abertura da economia.

O setor de seguros, na sua interface com o campo da proteção social, é nodal para a compreensão desse processo de mudança das elites hegemónicas no Brasil, que tem relação com a passagem de uma elite intelectual influenciada pelos modelos de bem-estar social europeus para uma elite de capital financeiro global. Esse contexto, no início do governo, foi lido com significativo otimismo por grande parte daqueles inscritos no setor de seguros privados, cuja perceção pareceu ser confirmada pelos números mensais de alto crescimento da arrecadação de prémios pelo setor ao longo do primeiro ano de governo (2019). Em reunião com representantes da indústria de seguros em agosto de 2019, Paulo Guedes afirmou que “o governo deve devolver o protagonismo econômico para a iniciativa privada”.11

“Uma nova jornada civilizatória”: reformar para reduzir

Pesquisa de opinião realizada por iniciativa de uma importante seguradora em parceria com a Universidade de Oxford revelou que 75% dos entrevistados no Brasil consideram que o Estado deva ser o responsável pelo bem-estar social dos indivíduos, embora todos saibam ser essa tarefa inviável . […] Na verdade, a maioria desconhece a existência de outras formas de proteção social e não supõe que possa haver alternativa à proteção que espera receber do Estado (e que provavelmente nunca virá em face da própria debilidade das finanças públicas. [Carta aos Presidenciáveis. 2018, p. 37; grifos meus]12

Conforme enfatizado no trecho acima, retirado da carta da indústria de seguros direcionada aos presidenciáveis de 2018, haveria uma expectativa da maior parte da população brasileira de receber serviços estatais e o acesso a direitos (tal como saúde, educação, segurança, seguros sociais, aposentadoria) que proporcionassem uma maior qualidade de vida. Dessa perspetiva, a proteção social deveria ser garantida pelo Estado. Por sua vez, por parte dos agentes do mercado de seguros há uma descrença, partilhada e expressa por vários dos interlocutores desta pesquisa, na capacidade do Estado brasileiro em cumprir com o seu papel de garantidor do bem-estar social dos seus cidadãos. O principal argumento destacado é a debilidade das finanças públicas. Os meus interlocutores apostam na expansão do mercado de seguros privados e do acesso aos seus produtos como uma alternativa viável ao gasto público e à participação estatal. O setor defende que teria “muito a contribuir com a oferta e manutenção de produtos que aliviam a necessidade da presença do Estado no dia a dia do cidadão” (Carta aos Presidenciáveis 2018, p. 4; grifos meus). Mais do que isso, é argumentado que o mercado segurador desonera o orçamento público com os seus serviços:

O mercado segurador desonera o orçamento do Estado pela oferta e manutenção de produtos com coberturas assistenciais complementares, como os planos de saúde privados e os planos de previdência privada, com forte potencial de amparo à agenda nacional de reformas estruturais, em especial a da previdência, para a estabilização da dívida pública. [Carta aos Presidenciáveis, 2018, p. 7]

A Carta aos Presidenciáveis, documento muito divulgado nos média do setor (canais de Youtube e jornais especializados), possui 60 páginas e apresenta 22 propostas, sendo que a primeira diz respeito à forma pela qual o governo pode promover a inclusão social, sobretudo eliminando barreiras normativas que impedem a expansão dos chamados seguros inclusivos (os quais serão abordados na próxima parte deste artigo). As propostas subsequentes englobam a regulamentação de novos produtos, a regulação dos agentes de seguros e de novos canais de distribuição, a fiscalização do “mercado paralelo de seguros”13 e a Reforma da Previdência. O documento dirigido aos presidenciáveis não é apenas uma carta aberta. Apresenta-se como um relatório composto por uma série de dados quantitativos (tabelas, gráficos, estatísticas e previsões) amparados por uma argumentação dirigida a municiar as assessorias dos candidatos e a posicionar o setor enquanto interlocutor sério e dotado de capacidade técnica. Há uma forte mobilização da categoria frente a regulações e leis que impactam o setor nos seus diferentes ramos, ora corretores e seguradoras atuam em conjunto ora disputam entre si pelos seus distintos interesses. Essa mobilização tem pouco destaque no debate público, uma vez que costuma estar direcionada a temas muito específicos do setor segurador e mercados parceiros ou concorrentes. Nesses casos, o setor tem um papel ativo na produção de dados, de argumentos e na formação dos políticos sobre os temas em discussão.

Com essa postura e baseados na produção de dados próprios, o setor de seguros brasileiro tem assumido, mais recentemente, posições públicas sobre temas mais polémicos no debate público. Enquanto investidores institucionais e credores da dívida pública, têm defendido políticas de austeridade fiscal e apoiado enfaticamente reformas para a redução da presença estatal em diversos setores, sobretudo nos quais seus produtos têm capacidades para se expandir e substituir a atuação estatal:

[…] Atualmente, passado um longo período cunhado da monumental presença estatal, na maioria dos países há consenso de que o modelo do Estado provedor deve dar lugar à retomada da presença da iniciativa privada. […] Esta conferência de seguros, colegas, tem o propósito exatamente de debater e mostrar para a sociedade e para os poderes públicos as contribuições dos seguros, da previdência privada aberta e dos títulos de capitalização para essa nova jornada, eu me permito a ousadia, mas é essa nova jornada civilizatória que é preciso empreender no Brasil. Ao lado das reformas de todas as dimensões que acontecem e certamente ainda acontecerão […], trata-se de incluir o sistema de seguros privados também como protagonista das políticas macro e micro econômicas do Executivo ” [Manoel da Costa, Evento de Seguros, 2019].

A intervenção acima foi gravada por mim durante a mesa de abertura de um relevante evento anual do setor segurador, no qual foram discutidas temáticas referentes a: regulação e liberdade económica; atuária e infraestrutura; educação financeira e previdência; seguros inclusivos e proteção do consumidor, entre outras. Essa mesa era composta por dez lideranças (nove homens e uma mulher), cujas trajetórias, na sua maioria, perpassam tanto a presidência de entidades representativas do setor quanto cargos do governo. Compunha a mesa, um deputado federal que se autoproclama representante do setor, um ex-deputado federal e a superintendente da agência estatal reguladora, a saber, a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP).14 A mesa de abertura foi realizada após a execução do hino nacional e seguida por duas longas palestras sobre o contexto político-económico brasileiro, sendo uma intervenção da superintendente e outra de um dos juízes do Supremo Tribunal Federal (STF) que advogava para o setor no início de sua carreira. O público presente era maioritariamente composto por funcionários e executivos de corretoras e companhias de seguro, sendo que o preço da inscrição variava entre 60% e 150% do salário mínimo nacional.

Manoel da Costa, por sua vez, possui uma longa trajetória no mercado de seguros tendo ocupado cargos importantes, como a presidência de um grande banco nacional e da SUSEP. Com formação em economia numa das mais tradicionais faculdades privadas do Brasil, ele é, desde a década de 90, muito atuante na política setorial e defende uma maior participação do setor de seguros na elaboração de políticas públicas. Nesse ritual, governo e iniciativa privada atualizavam conjuntamente a relevância do setor de seguros para a “sociedade brasileira”. A perspetiva apresentada pela intervenção acima e significativamente partilhada entre agentes do setor, remete-nos para o que afirmam Ericson, Doyle e Barry (2003): nos regimes de risco liberais contemporâneos há um forte movimento de governança para além do Estado. Nesse contexto, seguros sociais estatais e garantias de bem-estar são substancialmente reduzidos em favor de alternativas do setor privado.

A Reforma da Previdência foi a principal reforma recente defendida e amplamente apoiada pelo setor segurador. O atual modelo de proteção social no Brasil foi instituído pela Constituição de 1988 que criou o Sistema de Seguridade Social, cuja responsabilidade é garantir a atuação do Estado nas áreas de saúde, assistência social e previdência social. O Regime Geral da Previdência Social é o responsável pelo pagamento de aposentadorias, salário-maternidade, pensão por morte, auxílio-doença, auxílio-acidente, auxílio-reclusão, entre outros benefícios. A previdência privada, operada por instituições financeiras, sobretudo companhias seguradoras, era, até há pouco tempo, complementar ao sistema social. A Reforma da Previdência, recentemente aprovada e com amplo suporte do setor segurador, reestrutura o sistema vigente e abre fronteiras de expansão para a iniciativa privada, reduzindo as garantias e os benefícios sociais antes ofertados. Além de aumentar o tempo de contribuição para 20 anos e elevar a idade mínima para 65 anos para homens e 62 anos para mulheres, também é criada, novamente, a possibilidade da venda de seguros privados de acidentes de trabalho, acabando com o monopólio estatal. O novo modelo abre a rede de proteção social ao interesse privado. A defesa da reforma pela indústria de seguros pautou a insustentabilidade do sistema de previdência social15 e a debilidade das finanças públicas como motivos para redução de garantias. Além disso, defenderam a mudança do atual modelo de repartição para o de capitalização, muito similar à reforma realizada no Chile. Para a indústria de seguros, a reforma representaria dois benefícios diretos: estabilização da dívida pública para não comprometer os retornos esperados pelos credores e a criação de uma maior procura por seguros privados.

Desde antes da aprovação, representantes do setor de seguros já viam com muito otimismo a possibilidade da reforma, cuja iminência já estava, pelo menos desde 2017, a ter um impacto positivo sobre as vendas de seguros para pessoas (sobretudo, vida e previdência privada), ramo que recentemente passou a ter mais destaque no mercado do que o tradicional ramo de automóveis. Para o presidente de um dos Sindicatos dos Corretores de Seguros: “crescemos achando que a Previdência Social jamais faltaria. Mas, nos esquecemos que cada um tem de fazer por si. A reforma tem de começar pela mudança de comportamento e atitude do povo brasileiro” (grifos meus). Segundo o presidente de uma grande companhia que atua no ramo:

A principal consequência positiva para o nosso negócio da Reforma da Previdência é o processo de educação financeira, mostrando para os brasileiros que o Estado não vai poder cumprir com aquilo tudo que as pessoas imaginaram que ele pudesse cumprir. O grande objetivo é dar transparência para o sistema, diminuir os custos da empregabilidade no Brasil, o que levará a um aumento dos negócios de seguros de vida e previdência.16 (grifos meus)

Segundo dados da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (FenaPrevi), as novas contribuições em previdência privada em agosto de 2019 somaram um montante 23,4% maior do que o valor do mesmo período em 2018.17 A captação líquida, por sua vez, subiu 66,3%. Porém, o número de participantes ativos aumentou apenas 2,2%, baixo crescimento perante as expectativas de expansão do setor. A renda média das famílias em níveis ainda baixos, resultado da crise político-económica que o país tem enfrentado desde 2014, tem sido apontada como um fator de entrave para a expansão da previdência privada.18 Essa adesão ainda tímida também tem feito as seguradoras atentarem para o facto de que os produtos de previdência privada são tradicionalmente direcionados para as classes altas. Por isso, têm-se empenhado em desenvolver produtos mais baratos que sejam viáveis para os trabalhadores com renda mais baixa. Produtos mais baratos e mudanças culturais associadas à educação financeira estão na pauta para a expansão dos seguros privados como alternativa ao bem-estar social insuficientemente garantido pelo Estado brasileiro.

Incluir pelo mercado

Democratizar o acesso

Após defender reformas estruturais no setor público e a importância do setor de seguros para o desenvolvimento económico, Manoel da Costa prosseguiu com a sua intervenção com uma reflexão sobre a renda como um empecilho para a expansão dos seguros privados no Brasil:

Tampouco, senhores, é possível desconhecer a realidade socioeconômica do nosso país. No Brasil, com quase 70% dos seus trabalhadores recebendo renda inferior a R$2000,19 há que ampliar o acesso da população ao mercado de seguros, viabilizando benefícios voltados especificamente para ela, difundindo a cultura e a confiança no seguro [Manoel da Costa, Evento de Seguros, 2019].

Com uma renda tão baixa, fica difícil aumentar a penetração dos seguros privados na vida das famílias, as quais acabam por priorizar gastos mais urgentes. Torna-se imprescindível para as seguradoras a oferta de produtos mais baratos que contemplem a maior parte da população e criem novas rotas de expansão do mercado de seguros. O setor de seguros tem-se dedicado a construir alternativas que democratizem, tal como enunciam os meus interlocutores, o acesso a seus serviços. Nesta direção, os chamados microsseguros, seguros populares ou seguros inclusivos, inserem-se nas estratégias das microfinanças, as quais consistem em oferecer serviços financeiros para populações de baixa renda (sobretudo, microcrédito, micropoupança e microsseguros). Ananya Roy (2010) afirma que a ideia fundacional que estava por trás da microfinança, assim concebida por Muhammad Yunus na década de 80, era a noção de que o crédito, mas também outros serviços financeiros, é um direito humano e que ele é capaz de melhorar a vida dos mais pobres. Concebida enquanto uma ferramenta para aliviar a pobreza, a microfinança poderia ser considerada um exemplo de democratização do capital: “ele procura transformar sistemas financeiros até então excludentes em sistemas que incluem os pobres” (Roy, 2010, p. 3; tradução livre). No entanto, nas palavras de Roy (2010), apesar de Yunus enquadrar a sua visão sobre microfinanças na linguagem dos direitos humanos, é preciso ter em mente que as suas ideias estão engajadas com o empreendedorismo e não com a redistribuição de recursos, e também com a garantia de oportunidades mais do que com igualdade - “sua forte ênfase na autoconfiança cria um modelo de alívio da pobreza que é simultaneamente centrado nos pobres e anti-welfare” (Roy, 2010, p. 24; tradução livre).

Yunus percebe as falhas do mercado e persegue uma alternativa para o desenvolvimento. Por sua vez, uma corrente conhecida como “capitalismo criativo” liderada por Bill Gates - e muito relevante entre os meus interlocutores de pesquisa - contrapõe-se enfaticamente a essa perspetiva e confia na capacidade do mercado em melhorar o bem-estar dos pobres. Bill Gates (2008) chama a atenção para a existência de mercados pelo mundo fora que são ainda inexplorados e foram esquecidos pelo mundo dos negócios. E argumenta, ainda, que os pobres constituem um mercado particularmente importante e lucrativo (Gates, 2008, p. 27; Roy, 2010, p. 26). O “capitalismo criativo” requer um tipo de microfinança mais comprometido com retornos financeiros do que com retornos sociais (Roy, 2010). Nesta perspetiva, o desenvolvimento de uma indústria de microfinanças global lucrativa é condição para transformar a vida do bilião de pessoas que vive na base da pirâmide social.

No seu trabalho de campo com elites filantrópicas no Brasil e no Reino Unido, a antropóloga Jéssica Sklair também nos ensina que, da perspetiva dos seus interlocutores, a busca pelo lucro não está em oposição à busca pelo bem-estar social. Pelo contrário, as práticas de filantropia corporativa e de negócios de sucesso (ou seja, lucrativos) são percebidas enquanto atividades complementares. Tendo isso em vista e em consonância com o discurso de Bill Gates, também conhecido pelas suas práticas de filantropia, a autora argumenta que “a maior parte da elite filantrópica está ideologicamente comprometida com a reprodução do projeto capitalista global, e […] as suas estratégias estão baseadas no pressuposto de que a forma mais efetiva de erradicar a pobreza se dá pelo engajamento ainda maior nesse projeto - e enraizando de maneira mais profunda o pobre dentro dele” (Sklair, 2017, p. 2; tradução livre).

Assim também o microsseguro, simultaneamente, “pode ser visto como uma forma de estender proteção social para pessoas carentes ou como um novo segmento de mercado para as seguradoras” (Matos, 2008). A proteção social passa a figurar, simultaneamente, num novo campo de “democratização das finanças” e de expansão de mercados e de lucros. As seguradoras argumentam que: “a equidade social é também fomentada pelo setor, que oferece alguns produtos com baixo custo médio, facilitando o acesso à proteção às camadas de baixa renda da sociedade” (Carta aos Presidenciáveis 2018, p. 11). No entanto, para vender proteção não basta apenas reduzir os preços, é preciso também moldar comportamentos e perceções para disseminar uma nova cultura.

Disseminar a cultura do seguro

Não basta apenas reduzir os preços ou criar produtos direcionados para o público com menor renda. Os meus interlocutores defendem que é preciso também disseminar a cultura do seguro, o que implica, de um lado, a divulgação de produtos e informações sobre o funcionamento dos diferentes tipos de seguros e das suas proteções associadas. Bem informados, os consumidores de seguros estariam mais conscientes para realizar as suas próprias escolhas e para se relacionar de maneira mais direta com a indústria, sem tanta mediação e regulação estatal. E, de outro lado, é preciso induzir um olhar direcionado para o futuro, para a previdência, para a precaução. Há um esforço ativo que tem vindo a ser empreendido pelo setor de seguros brasileiro direcionado a mudar a perceção da população sobre os riscos e sobre as incertezas do futuro. Seria também parte do papel do mercado conscientizar os brasileiros sobre os desafios futuros para que desenvolvam habilidades que, na perspetiva de agentes do setor, estariam atrofiadas, a saber, o pensar a longo prazo, a antecipação e a poupança.

A disseminação de uma cultura do seguro está associada a mudanças de comportamento, perceções e prioridades financeiras, mas também a imaginários (individuais e coletivos) de futuro. A iminência do risco é parte constitutiva da racionalidade do seguro e da sua forma de governo, a qual está ancorada numa imaginação antecipativa sobre ameaças, perigos, acidentes convertidos em prejuízos económicos. Em suma, como Zelizer (1979) sugere, o negócio das seguradoras implica a venda de futuros pessimistas. Nesta perspetiva, é preciso incentivar que a incerteza deve ser gerida a partir de decisões “conscientes” dos indivíduos e encorajar que as pessoas signifiquem as suas preocupações com o futuro em termos de preocupações financeiras (Cevolini, 2019). Em suma, “em um duplo movimento, os atores do setor financeiro vendem uma visão de mundo que enfatiza a incerteza do futuro enquanto, simultaneamente, afirmam que são eles que fornecem as ferramentas para gerenciar essa incerteza” (Lehtonen e Van Hoyweghen, 2014, p. 3). Tais estratégias produzem horizontes de expetativas e preocupações com vista à produção de decisões de consumo pautadas na responsabilização individual.

Fruto deste esforço, o “Programa Educação em Seguros” foi criado pela CNSeg e as suas quatro federações associadas (FenaPrevi, Fenaseg, Fenseg e Fenasaúde) em 2016. O programa faz parte da Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF),20 a qual alinha atores públicos e privados no empenho de educar a população sobre finanças, e engloba um canal do Youtube, uma emissora de rádio, a realização de workshops e a publicação de livretos, guias e cartilhas informativas sobre seguros. O programa define o seu objetivo como sendo “disseminar a cultura do seguro”. Para tanto, a CNSeg “entende que a melhor maneira é fortalecer a capacidade de decisão consciente do consumidor, informando e orientando por meio de uma linguagem explicativa e objetiva” (frase de abertura dos 13 livretos temáticos publicados pela confederação). A SUSEP é integrante do Fórum Brasileiro de Educação Financeira (FBEF), juntamente com outros sete órgãos e entidades de governo.21 Órgão regulador do setor de seguros, a SUSEP é também a responsável pelas estratégias de educação financeira da política nacional relacionadas aos seguros privados. Para tanto, a autarquia mantém o canal on-line “Meu futuro seguro” com informações e conteúdos pedagógicos sobre seguros. Além disso, no âmbito municipal, através de parcerias entre os sindicatos das seguradoras e dos corretores de seguros, o setor tem procurado estabelecer parcerias com as prefeituras para incluir nas escolas públicas projetos que divulguem os seguros como forma de proteção financeira.

Considerações finais

Este artigo trouxe uma reflexão sobre o papel desempenhado pela indústria de seguros enquanto ator-chave no processo de mercadorização da segurança e na oferta de alternativas privadas de proteção social no contexto brasileiro. Em conjunto com outras instituições financeiras e investidores institucionais, as seguradoras alegam que o Estado brasileiro não tem condições para garantir as promessas quanto ao bem-estar social da população, devido, sobretudo, à debilidade das finanças públicas. O endividamento público mais do que duplicou entre 2009 e 2019, sendo ainda mais agravado com a pandemia de COVID-19.22 Como se sabe, através da dívida pública, o Estado pede dinheiro emprestado aos investidores para honrar compromissos financeiros. Por sua vez, deve comprometer-se a devolver os recursos após alguns anos, incluindo alguma correção. Os gastos públicos com políticas sociais passam a ser alvo da pressão dos credores da dívida pública e das elites financeiras, a qual é realizada não só por atividades de lobby, mas também através da ocupação de cargos políticos por representantes de seus interesses e defensores de políticas de austeridade.23

Por um lado, conforme abordado na introdução deste artigo, a tecnologia do seguro possibilita a redistribuição de recursos e, através da partilha do risco, implica o deslocamento da responsabilidade individual em direção à solidariedade social (Ewald, 1991; Lehtonen e Liukko, 2011). Por isso, o seguro está na base da criação dos sistemas de segurança social modernos, nos quais os mecanismos de proteção social foram, idealmente, criados para controlar os níveis de desigualdade. Por outro lado, o modelo de seguros privados maximiza o ganho de capital e contribui para a acumulação de recursos de algumas grandes empresas, associadas a elites financeiras globais. O campo da proteção social é pensado em outros termos. Há a criação de produtos que substituem o que, noutra racionalidade, seriam os direitos, antes em tese garantidos a todos.

Se é preciso incrementar a economia e os lucros, e também oferecer proteção social via mercado, sendo que a população é maioritariamente pobre e não pode pagar muito, torna-se necessário popularizar o acesso aos seguros. A oferta de produtos mais baratos possibilitaria a expansão das fronteiras de investimento e a acumulação de capital, em direção às parcelas mais pobres da população. A concretização do projeto dos meus interlocutores de incluir os mais pobres no mercado implica a redução da presença estatal e dos seus serviços, os quais deixam de figurar na gramática dos direitos e ganham espaço nas estratégias de marketing, empreendedorismo social e filantropia. A democratização das finanças atrelada à venda de proteção não é, para os meus interlocutores, oposta ao lucro ou à acumulação. Democratizar, na aceção que utilizam, não implica redistribuir recursos. Ao contrário, democratizar significa expandir o mercado, criar novos nichos para a penetração dos seguros, incluir grupos vulneráreis nas carteiras das seguradoras. Democratização e acumulação estão associadas. Mais do que isso, os casos abordados aqui, sobretudo a retoma da iniciativa privada nas áreas da previdência e dos acidentes de trabalho, demonstram uma significativa capacidade da dinâmica capitalista em recuperar zonas de acumulação que, através de processos políticos anteriores, já tinha sido excluída.

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1 Esta pesquisa foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), n.º do processo: 2017/24649-7. Agradeço imensamente às professoras Emília Margarida Marques e Patrícia Matos, assim como aos pareceristas anónimos, que leram as primeiras versões deste artigo e fizeram contribuições valiosas e gentis para o seu aprimoramento. Uma primeira versão desse artigo foi apresentada e contou também com os comentários dos participantes do GT Antropologia da Economia, parte da programação da 32.ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada em 2020.

2 Com a crise de 1929, a década de 1930 nos Estados Unidos foi marcada por uma grande depressão econmica. Com as altas taxas de desemprego e aumento da pobreza, ideais protecionistas e de maior intervenção do Estado na economia disseminaram-se. Neste contexto, e com influência das ideias do economista britânico John Maynard Keynes, Franklin Roosevelt foi eleito em 1933 e implementou o chamado New Deal, ou seja, um conjunto de programas sociais e económicos que instituíram o Estado de Bem-Estar Americano, a partir da criação de instituições que visavam a garantia de segurança universal para a população. Tais instituições foram hegemónicas até meados da década de 1970, quando as ideias keynesianas começaram a sofrer forte declínio e críticas do economista neoliberal Milton Friedman.

3 Tradicionalmente, nos estudos antropológicos, o método etnográfico é associado a pesquisas fixas geográfica e culturalmente, centradas em longos períodos de campo com um mesmo grupo ou comunidade (Malinowski, 2018 [1922]). Entretanto, sobretudo, a partir do início dos anos 2000, ganharam destaque estudos que conectam o olhar etnográfico com a problemática da mobilidade e propõem que o(a) antropólogo(a) circule e siga pessoas, objetos, discursos, ideias (Marcus, 2001; Sheller e Urry, 2006).

4 A Abertura dos Portos (1808) foi um tratado económico assinado entre Portugal e Inglaterra que criou a possibilidade das colónias portuguesas, na América, estabelecerem relações comerciais com outras nações europeias. Este tratado pôs fim à exclusividade portuguesa de ser a única nação europeia a manter relações comerciais com os Estados do Brasil e Maranhão.

5 “O maciço investimento governamental na consolidação da seguridade social a partir de 1930 fizera com que as rendas do seguro social ultrapassassem, em muito, as da seguridade privada, definindo assim a prioridade de garantia do bem-estar dos trabalhadores através do Estado […]. Essa perspectiva, pautada em princípios básicos que conjugavam o Welfare State com o Estado corporativo, também impregnava alguns setores do seguro privado que defendiam certo caráter previdenciário para suas atividades” (Sarmento, 1998, p. 173).

6 Dados produzidos pelo Sindicato dos Corretores de Seguros - SP e publicados anualmente no chamado “Ranking das Seguradoras”. Todas as conversões presentes neste artigo, foram feitas com base na taxa de câmbio do Banco Central do Brasil (https://www.bcb.gov.br/conversao), acedido em 8 de setembro de 2021.

7 Dado de 2019. Além disso, segundo dados da CNSeg, o setor soma R$ 1 trilião e 300 biliões em garantias financeiras. Essas garantias são ativos que garantem os riscos assumidos pelas seguradoras, pela previdência privada e capitalização e formam uma “poupança interna” significativa no país. Facto que torna as seguradoras em conjunto um dos maiores investidores institucionais no Brasil. Esses ativos equivalem a perto de 25%, ou seja, um quarto de toda a dívida pública consolidada brasileira.

8 Com o intuito de preservar a identidade dos interlocutores dessa pesquisa, todos os nomes são fictícios.

9 Seguro de liability ou seguro de responsabilidade civil refere-se à cobertura de danos causados a terceiros. Ou seja, a seguradora cobre danos que o segurado possa ter gerado a outras pessoas, as quais podem reclamar reparação. Assim, o património do segurado fica protegido frente a eventuais prejuízos causados pela reclamação de ressarcimento efetuada por um terceiro que foi prejudicado pela conduta do segurado ou de seus dependentes civis.

10Chicago Boys faz referência ao apelido dado ao grupo de economistas, formados na Universidade de Chicago, que assessorou o governo do ditador Augusto Pinochet no Chile, durante o final da década de 1970. Estes aplicaram um modelo económico liberal com privatizações, reformas, câmbio flexível, abertura comercial, entre outras medidas. São considerados os primeiros a ter aplicado os conceitos da política monetarista do Nobel de Economia, Milton Friedman. Paulo Guedes, inclusive, passou um período a viver no Chile durante a década de 1980 para acompanhar as reformas que estavam a ser feitas.

11 Ver “Mercado de seguros faz audiência com o Ministro Paulo Guedes”, Revista Apólice, 12-08-2019, disponível em: https://www.revistaapolice.com.br/2019/08/mercado-se-seguros-faz-audiencia-com-o-ministro-paulo-guedes/, acedido em maio de 2022.

12 Publicação da Confederação Nacional de Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNSeg/Brasil) entregue presencialmente por representantes da entidade a cada um dos candidatos à presidência nas eleições brasileiras de 2018. Disponível para download em http://cnseg.org.br/publicacoes/propostas-do-setor-segurador-brasileiro-aos-presidenciaveis-2018.html, acedido em setembro de 2021.

13 Sobre as disputas entre companhias seguradoras e associações informais na regulação da venda de seguros para carros, ver Fromm (2019).

14 A SUSEP é um órgão governamental vinculado ao Ministério da Economia, cuja responsabilidade é controlar e fiscalizar corretoras de seguros, assim como companhias seguradoras e resseguradoras.

15 Para uma argumentação de que o sistema público de previdência social não é deficitário, ver Nulle e Moreira (2019) e Gentil et al. (2019).

16 Ver: “Reforma da previdência e o impacto no mercado de seguros”, Sincor, 17-04-2019, disponível em: https://www.sincor.org.br/reforma-da-previdencia-e-o-impacto-no-mercado-de-seguros/.

17 Ver: “Reforma da aposentadoria eleva contribuições para a previdência privada”, 28-10-2019, disponível em: https://exame.abril.com.br/seu-dinheiro/reforma-da-aposentadoria-eleva-contribuicoes-para-a-previdencia-privada/.

18 Ver: “Renda baixa limita avanço da previdência privada após reforma”, Folha de SP, 03-11-2019, disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/11/renda-baixa-limita-av anco-da-previdencia-privada-apos-reforma.shtml.

19 Equivalente a aproximadamente EUR 323, menos que dois salários mínimos no Brasil.

20 “A Estratégia Nacional de Educação Financeira - ENEF - é uma mobilização em torno da promoção de ações de educação financeira, securitária, previdenciária e fiscal no Brasil. O objetivo da ENEF, criada através do Decreto Federal 7.397/2010, e renovada pelo Decreto Federal n.º 10.393, de 9 de junho de 2020, é contribuir para o fortalecimento da cidadania ao fornecer e apoiar ações que ajudem a população a tomar decisões financeiras mais autônomas e conscientes. A nova ENEF reúne representantes de 8 órgãos e entidades governamentais, que juntos integram o Fórum Brasileiro de Educação Financeira - FBEF”, disponível em: https://www.vidaedinheiro.gov.br/quemsomos/, acedido em Julho 2021.

21 Compõem o FBEF, juntamente com a SUSEP: o Banco Central, a Comissão de Valores Mobiliários, a Secretaria do Tesouro Nacional da Secretaria Especial de Fazenda do Ministério da Economia, a Secretaria de Previdência da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, a Superintendência Nacional de Previdência Complementar, a Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública e o Ministério da Educação.

22 Segundo dados do Tesouro, em 2009, o stock da dívida estava em R$ 1,497 triliões / EUR 241,12 biliões e, 2019, R$ 4,248 triliões / EUR 684,24 biliões, pulando para quase R$ 5,4 triliões / EUR 869,8 biliões em 2021.

23 Ver Lima (2018) para uma abordagem sobre as consequências corporais e subjetivas das políticas de austeridade em Portugal. A autora demonstra como as privações económicas impactam a vida quotidiana das pessoas, as suas expectativas de futuro e, inclusive, as suas noções de pessoa.

Recebido: 02 de Julho de 2020; Aceito: 09 de Novembro de 2022

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