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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.245 Lisboa dez. 2022  Epub 31-Dez-2022

https://doi.org/10.31447/as00032573.2022245.12 

Recensão

Recensão: Party System Closure: Party Alliances, Government Alternatives and Democracy in Europe

Vinícius Silva Alves1 
http://orcid.org/0000-0002-1978-7523

1 Centro de Estudos de Partidos Políticos, Universidade Federal de São Carlos, Rod. Washington Luís, km 235 - CEP 13565-905, São Carlos, SP, Brasil. vinicius.silvalves@gmail.com

Casal bértoa, Fernando. ., Party System Closure: Party Alliances, Government Alternatives and Democracy in Europe. ,, Oxford: ,, Oxford University Press, ,, 2021. ,, 290p. pp. ISBN, ISBN: 9780198823605.


Em um momento singular de desconfiança da sociedade sobre instituições centrais para as democracias representativas, é urgente refletirmos sobre o papel dos partidos políticos na estabilidade de governos democráticos (Ignazi, 2014). O livro Party System Closure: Party Alliances, Government Alternatives and Democracy in Europe, de Fernando Casal Bértoa e Zsolt Enyedi, oferece uma valiosa contribuição para o entendimento da política partidária e dos desafios enfrentados pelas democracias representativas na Europa, mas que certamente ultrapassa as barreiras desse continente.

Publicado pela Oxford University Press, o exemplar trabalho de investigação comparada realizado por Casal Bértoa e Enyedi utiliza um extenso banco de dados longitudinal1 para operacionalizar o conceito de fechamento do sistema partidário (party system closure 2 ) e analisar as suas implicações para o funcionamento dos sistemas democráticos. Entre as principais conclusões, destaca que a previsibilidade das interações entre partidos na arena governamental é essencial para a estabilidade de países democráticos, que se ancoram em fórmulas de coalizão que emulam frequentemente alianças entre parceiros de experiências pretéritas. Salienta, ainda, que democracias mais antigas, em comparação com as mais jovens, tendem a exibir arranjos mais previsíveis entre as organizações partidárias.

Nos estudos existentes, é muito comum medir-se a estabilidade dos sistemas partidários a partir do nível de enraizamento social dos partidos ou através de indicadores como volatilidade eleitoral, que traduzem parâmetros da competição entre legendas ( Mainwaring, 1998; Sanches, 2018). O trabalho de Casal Bértoa e Enyedi inova ao ressaltar que, se a análise dos padrões de votação ao longo do tempo traduz razoavelmente a estabilidade das preferências dos eleitores ou mesmo o grau de proximidade ou distanciamento entre os partidos e a sociedade, escapa dela o entendimento dos padrões de interação entre legendas na arena governamental. A pesquisa oferece, assim, uma contribuição teórica importante ao destacar que a interação cooperativa entre os partidos políticos na arena governamental é a dimensão explicativa decisiva para compreender o funcionamento dos sistemas partidários europeus.

A discussão sobre fechamento do sistema partidário, proposta inicialmente por Peter Mair (1997), assenta sobre três dimensões fundamentais: o grau de alternância na composição dos governos; o ineditismo da articulação entre partidos que oferecem suporte aos gabinetes; e o nível de abertura para que novos partidos integrem os governos. Assim, os sistemas poderiam ser considerados fechados de duas maneiras distintas. De um lado, temos um sistema fechado quando há regular alternância a cada eleição entre dois grupos bem definidos em sistemas bipartidários ou quando não há nenhuma novidade entre os partidos que compõem os governos. Além disso, um sistema é considerado fechado quando a fórmula de composição dos governos permanece razoavelmente estável ao longo do tempo, revelando um círculo estreito de partidos que acessam o gabinete.

Sobre este ponto, os autores destacam que quando o fechamento do sistema partidário se desenvolve em um ambiente competitivo, atua como condicionante central para a melhoria dos indicadores de performance da democracia em diferentes países, algo que diferencia as experiências de países da Europa Ocidental e do Leste Europeu. Neste sentido, os desdobramentos do party system closure oferecem uma via sinuosa para pensarmos a qualidade de um sistema democrático. Assim, é possível inferir que o fechamento do sistema partidário implica maior estabilidade, cristalizando relações entre partidos que imprimem contornos de previsibilidade à formação de governos. Em sentido oposto, poderia estar associado ao engessamento do sistema, com prejuízos para a abertura de canais que incorporem novas demandas da sociedade. Desse modo, teria como possível externalidade negativa a ascensão de atores antissistêmicos ou lideranças populistas - capazes de promover a erosão de instituições e práticas democráticas.

O caso da Irlanda, destacado na obra, ilustra bem os desafios enfrentados pelos sistemas partidários quando crescem os níveis de apoio no eleitorado a atores políticos outsiders, que disseminam discursos e práticas antissistêmicas. A proficiência demonstrada no exame comparado do desenvolvimento histórico de outros casos também chama atenção para um processo não linear de estabilização de padrões de interação entre partidos. Com isso, destaca-se que o caminho rumo à estabilidade enfrenta continuamente obstáculos e, portanto, nem sempre se apresenta como um processo irreversível.

Ao destacar que um ambiente competitivo se constitui como peça incontornável para que o fechamento favoreça a sobrevivência de governos democráticos, o livro identifica nos padrões de interrelacionamento entre os partidos uma condição fundamental para a estabilidade de sistemas e a aferição da qualidade desses governos. Neste ponto, em consonância com Sartori (1976), a obra reforça a clássica definição de sistema como um conjunto de interações entre partidos e não como um agregado de legendas individualmente consideradas.

O trabalho vai adiante, entre os capítulos 6 e 9, convertendo os conselhos de Sartori em hipóteses testáveis a partir da delimitação de conceitos que captam dimensões distintas e complementares das relações entre partidos de um sistema, chamando atenção para sua dimensão cooperativa. O livro de Casal Bértoa e Enyedi avança sobretudo ao discutir a estabilidade de sistemas partidários à luz do conceito de institucionalização, até aqui frequentemente tratado de maneira imprecisa e usualmente compreendido apenas sob as lentes das interações competitivas entre legendas.

Obviamente não se trata de esvaziar a importância de conceitos e indicadores tradicionais sobre a competição entre partidos na arena eleitoral - como número efetivo de partidos, fracionalização e volatilidade, que favorecem relevantes inferências sobre o elo entre partidos e o eleitorado. No entanto, destaca que a estabilidade das democracias contemporâneas não pode ser adequadamente compreendida somente pela observação das disputas entre partidos na arena eleitoral, carecendo do dimensionamento das interações cooperativas.

O estudo ainda destaca que a discussão sobre fechamento mira padrões de longo prazo, não perceptíveis pelos indicadores que focam somente nas interações competitivas. É importante pontuar, por exemplo, que, mesmo em ambientes políticos eleitoralmente instáveis, articulações duradouras entre os principais partidos do sistema são capazes de imprimir maior previsibilidade sobre os atores que compõem os governos.

Os sistemas políticos europeus nas três primeiras décadas do século XX ilustram bem esta possibilidade, uma vez que experimentavam, ao mesmo tempo, altas taxas de volatilidade e razoável previsibilidade quanto à fórmula governamental. Na sequência, até a década de 1980, os sistemas vão-se tornando progressivamente menos voláteis e mais fechados. Após esse período, conhecido como a Era de Gelo dos sistemas partidários (Lipset e Rokkan, 1967), os países voltam a conviver com volatilidades altas enquanto se fecham as articulações para a composição dos governos.

Outro instrumental analítico de destaque oferecido pelos autores é a conceituação de blocos e polos para refletir sobre as condições subjacentes ao fechamento dos sistemas partidários. A partir dos party blocs identificam agrupamentos de partidos que tradicionalmente são aliados nas arenas eleitoral, parlamentar e executiva. Os blocos são entendidos como partidos que tendem a interagir, movidos pelo compartilhamento de identidades e atitudes políticas, algo que supõe um potencial de cooperação de longo prazo. Embora possam competir eventualmente em eleições em lados distintos, o que interessa é o compartilhamento da identidade política, não bastando apenas ter sido parte de uma coalizão de governo ou coligação eleitoral. O enquadramento se inspira em Bartolini e Mair (1990), mas substitui o foco na base social pela importância da cooperação baseada em valores políticos compartilhados por atores centrais, sugerindo uma espécie de simbiose entre legendas, viabilizada por convergências programáticas entre elites.

Por sua vez, o conceito de polo contempla a possibilidade de aferir o peso e a influência que os partidos de cada bloco exercem no sistema, além de oferecer uma baliza para identificarmos diferentes configurações dos sistemas partidários (bipolar, multipolar etc.). Dessa forma, os polos são vistos como partidos ou grupos de partidos com o potencial de constituir e simbolizar um novo governo, apresentando-se como uma das alternativas ideológicas em processos eleitorais.

Em suma, os achados do livro matizam a demanda por um forte enraizamento dos partidos na sociedade como pré-condição para a estabilidade de sistemas e deslocam o enfoque analítico da intensidade dos laços partidários com a sociedade para a inteligibilidade das articulações entre organizações partidárias. Portanto, destaca que a continuidade de governos democráticos se sustenta mais na regularidade do inter-relacionamento entre legendas de um sistema partidário do que em função das características dos elementos que o integram.

Ainda que não se posicione abertamente sobre o alcance do enquadramento teórico proposto, o livro tem implicações importantes para o estudo comparado dos sistemas partidários em países onde os partidos não se alinham em clivagens razoavelmente bem estabelecidas, como nas democracias mais jovens, que historicamente apresentam laços mais frágeis entre eleitores e organizações partidárias. Ao priorizar o exame dos padrões de cooperação entre legendas, o trabalho fornece insumos para o esclarecimento das condições de estabilidade de sistemas partidários em outras regiões do globo, como, por exemplo, nos sistemas presidencialistas multipartidários da América Latina, que se alicerçam em governos de coalizão.

Embora seja recheado de inovações metodológicas que certamente contribuirão para o avanço da literatura científica, apresenta uma linguagem acessível a uma ampla comunidade de curiosos pelo tema. Além de leitura prazerosa, é mandatório a todos interessados nos próximos passos do debate sobre institucionalização de sistemas e sustentação das democracias contemporâneas.

Referências bibliográficas

BARTOLINI, S., MAIR, P. (1990), Identity, Competition, and Electoral Availability: the Stabilization of European Electorates, 1885-1985, Cambridge, Cambridge University Press. [ Links ]

IGNAZI, P. (2014), “Power and the (il)legitimacy of political parties: an unavoidable paradox of contemporary democracy?”. Party Politics, 20 (2), pp. 160-169. [ Links ]

LIPSET, S. M.; ROKKAN, S. (1967), “Cleavage structures, party systems and voter alignments: an introduction”. In S. M. Lipset, S. Rokkan (eds.), Party Systems and Voter Alignments, Nova Iorque, The Free Press, pp. 1-64. [ Links ]

MAINWARING, S. (1998), “Party systems in the third wave”. Journal of Democracy, 9 (3), pp. 67-81. [ Links ]

MAIR, P. (1997), Party System Change. Approaches and Interpretations, Oxford, Clarendon Press. [ Links ]

SANCHES, E. R. (2018), Party Systems in Young Democracies: Varieties of Institutionalization in Sub-Saharan Africa, Londres, Routledge. [ Links ]

SARTORI, G. (1976), Parties and Party Systems: A Framework for Analysis, Volume I, Cambridge, Cambridge University Press . [ Links ]

1 Os dados viabilizam a comparação de 65 sistemas partidários e cobrem um recorte temporal de mais de 170 anos. Para mais informações, ver: https://whogoverns.eu/.

2 Ambos os conceitos serão usados de forma intermutável.

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