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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.246 Lisboa mar. 2023  Epub 31-Mar-2023

https://doi.org/10.31447/as00032573.2023246.07 

Artigos

Pela tela, a entrevista como encontro dialógico na pesquisa em ciências humanas e sociais.

Through the screen, the interview as a dialogic encounter in human and social sciences research.

Liana Garcia Castro1 
http://orcid.org/0000-0003-0386-1079

Rafaela Fernandes Trugilho1 
http://orcid.org/0000-0002-1292-4273

1. Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Rua Marquês de São Vicente, 225, Gávea - CEP 22451-900 Rio de Janeiro, RJ, Brasil. lianagarciacastro@gmail.com; rafaelatrugilho@gmail.com.


Resumo

O artigo pretende refletir sobre metodologia de pesquisa em ciências humanas e sociais em tempos de pandemia da Covid-19. A opção por entrevistas remotas, por meio da plataforma de videoconferência Zoom e da ferramenta de ligação por vídeo no WhatsApp, é analisada como estratégia metodológica de duas pesquisas, uma de doutoramento e outra de mestrado, realizadas na cidade do Rio de Janeiro em contexto de isolamento social. Os desafios para a construção dialógica na pesquisa por meio dos aparatos tecnológicos são estudados, principalmente, com base no aporte teórico da filosofia de Mikhail Bakhtin e seu Círculo.

Palavras-chave: entrevista; pandemia; diálogo; pesquisa; Mikhail Bakhtin

Abstract

The article seeks to contribute with reflections on research methodology in Human and Social Sciences during the Covid-19 pandemic. The option for remote interviews through Zoom videoconference platform and video call tool in WhatsApp application is analyzed as a methodological strategy of two types of research, one for a doctorate and another for a master’s degree, carried out in the city of Rio de Janeiro in a context of social isolation. The challenges for dialogic construction in research through technological devices are studied, mainly based on the theoretical contribution of the philosophy of Mikhail Bakhtin and his Circle.

Keywords: interview; pandemic; dialogue; research; Mikhail Bakhtin

Introdução

Pesquisar em ciências humanas e sociais implica assumir o compromisso ético de estar sempre inserido no fluxo da vida social e dar uma resposta responsável ao nosso tempo e lugar. Em tempos de pandemia, como a de Covid-19, requerem-se, entre outros cuidados, respeito pela vida e pelas orientações da ciência, serenidade nas escolhas e criatividade na invenção das estratégias de pesquisa.

O presente texto busca contribuir com reflexões sobre metodologia de pesquisa em ciências humanas e sociais em contextos de isolamento social. Para tanto, são narradas as escolhas teórico-metodológicas de duas pesquisas: uma de mestrado e outra de doutoramento, cujos trabalhos de campo foram realizados nos anos de 2020 e 2021, na cidade do Rio de Janeiro. Nas duas pesquisas, a impossibilidade de realizar observação participante diante do risco de contágio de alto grau de transmissão pelo novo coronavírus lançou luz sobre outra escolha metodológica: a entrevista pela tela.

É destacado, neste artigo, o aporte encontrado na filosofia de Mikhail Bakhtin e seu Círculo1 para a realização de entrevistas por meio de plataformas de videoconferência, como o Zoom2, além da ferramenta de ligação por vídeo no WhatsApp.3 Com isso, aposta-se no encontro entre a produção bakhtiniana, que data do século XX, e os desafios enfrentados no contexto atual.

O artigo está organizado em sete partes, além desta introdução. Na primeira, é apresentada a fundamentação teórica, com base na filosofia bakhtiniana, para pensar a pesquisa em ciências humanas e sociais. Em seguida, são focalizadas as duas pesquisas em questão, nas quais se realizaram entrevistas pela tela durante a pandemia. Nas quatro partes seguintes, abordam-se as construções metodológicas de ambas as pesquisas em articulação com as contribuições de Bakhtin e seu Círculo e de outros autores que dialogam com sua perspetiva. Foram adotadas a tela como espaço de encontro, a entrevista como construção dialógica, em que se conjugam o encontro com o outro e o voltar a si, e a pesquisa pela tela com as crianças. Por fim, na última parte, é apresentada a conclusão do artigo.

Fundamentação teórica

Para Bakhtin (2011), o diálogo é a condição da linguagem. A consciência constitui-se na linguagem, tomando forma a partir dos signos mobilizados nas relações sociais: nascemos numa língua e numa cultura que impregna os seus significados em nós. É, portanto, no terreno do social que a interação se torna possível, onde a palavra alheia constitui a palavra própria.

Qualquer objeto do saber (incluindo o homem) pode ser percebido e conhecido como coisa, Mas o sujeito como tal não pode ser percebido e estudado como coisa porque, como sujeito e permanecendo sujeito, não pode tornar-se mudo; consequentemente, o conhecimento que se tem dele só pode ser dialógico [Bakhtin, 2011, p. 400, destaque no original]

As contribuições de Bakhtin para a pesquisa em ciências humanas e sociais fazem-se na dedução do que pode dizer respeito ao campo, tendo em vista que parte significativa da sua obra tratava especialmente de literatura. Algumas das suas formulações sobre a relação entre autor e herói são ilustrativas no que concerne ao percurso metodológico que pode trilhar o pesquisador, como o conceito de “excedente de visão”. Para Bakhtin (2011), o autor conhece o que pensa a sua personagem e, também, o que ela ignora. Tem, em relação a ela, um excedente de visão, pois enxerga aquilo que o seu herói não pode enxergar, em direções que lhe são inacessíveis. O herói vive, portanto, o acontecimento em aberto, que só pode ganhar acabamento por ação do autor. Este, por sua vez, com o seu olhar exotópico, não toma parte no acontecimento, mas situa-se fora do herói, cujas perceções são completadas por um outro, o autor.

Esse olhar exotópico é, no entanto, algo a ser conquistado pelo autor, pois o acontecimento estético só acontece quando há duas consciências distintas que percebem, na outra, algo que ela própria não pode ver. Deste modo, se são necessárias duas consciências que se complementam, decorre daí que a pesquisa em ciências humanas e sociais é realizada não com um objeto, mas com um sujeito, e um sujeito que fala.

Quando contemplo um homem situado fora de mim e à minha frente, nossos horizontes concretos, tais como são efetivamente vividos por nós dois, não coincidem. Por mais perto de mim que possa estar esse outro, sempre verei e saberei algo que ele próprio, na posição que ocupa, e que o situa fora de mim e à minha frente, não pode ver: as partes de seu corpo inacessíveis ao seu próprio olhar - a cabeça, o rosto, a expressão do rosto -, o mundo ao qual ele dá as costas, toda uma série de objetos e de relações que, em função da respectiva relação em que podemos situar-nos, são acessíveis a mim e inacessíveis a ele. Quando estamos nos olhando, dois mundos diferentes se refletem na pupila dos nossos olhos. [Bakhtin, 2011, p. 43]

A visão do eu em relação ao outro é sempre diversa da que ele tem de si mesmo, pois vejo-o de um lugar que só eu ocupo no mundo, e que é, necessariamente, exotópico, ou seja, um lugar fora dele. O excedente da minha visão, portanto, completa o outro, pois acrescenta um olhar que ele mesmo não pode ter de si. Decorrem desse excedente os atos de contemplação do outro, que são atos estéticos. Ao contemplar, proponho-me a perceber o mundo pelo sistema de valores do outro, e, ao voltar ao meu lugar, a completar as suas percepções com as minhas. É o ato estético que permite proporcionar acabamento ao outro, ocorre em dois momentos.

Colocar-se no lugar do outro é o primeiro movimento da atividade estética: identificando-se com ele, é preciso ver, conhecer, experimentar o que experimenta, coincidindo, fundindo-se com ele. No entanto, o ato precisamente estético só ocorre quando há o retorno a si próprio, que dá acabamento à dor alheia a partir do meu próprio horizonte, vontade, visão e sentimento. Experimentar a dor do outro pode proporcionar um ato ético de ajuda, reconforto, mas, para tanto, é preciso sempre retornar a si: viver a dor alheia sem, em seguida, voltar a si mesmo, não é um ato ético nem estético, mas patológico, pois não deve haver uma identificação com o outro que gere a perda do lugar próprio que se ocupa no mundo.

Ocorre que as formulações de Bakhtin sobre o acontecimento estético entre autor e herói podem ser apropriadas aos fazeres da pesquisa. Na exotopia, traça-se um movimento de aproximação e de retorno ao lugar, completando-o com o próprio olhar. Como afirma Amorim, “exotopia significa desdobramento de olhares a partir de um lugar exterior. Esse lugar exterior permite, segundo Bakhtin, que se veja do sujeito algo que ele próprio nunca pode ver” (2007, p. 14). Tal compreensão implica o reconhecimento da pessoa investigada e do/a pesquisador/a como sujeitos, com perspetivas de visão distintas, e da própria pesquisa como produção dialógica.

De que modo as contribuições de Bakhtin e seu Círculo podem ser apropriadas para pensar a pesquisa pela tela? Que desafios metodológicos e éticos se impõem à pesquisa em ciências humanas e sociais mediadas por aparatos tecnológicos? Quais as possibilidades de produção dialógica no contexto virtual?

No meio da pesquisa, tinha uma pandemia

A alusão ao poema de Carlos Drummond de Andrade (2013, p. 36) - “No meio do caminho, tinha uma pedra” - auxilia na descrição do impacto da pandemia nas pesquisas em curso no ano de 2020. Este artigo foca duas pesquisas situadas no campo da educação. A realização do trabalho de campo de ambas é marcada por um contexto de medos, mortes, incertezas, saudades, solidão… Momento trágico na história da humanidade, que mobiliza revisão de prioridades e instiga reflexões sobre nossos modos de viver e estar no mundo.

Os dois trabalhos integram o mesmo grupo de pesquisa, que tem suas investigações referenciadas teórica e metodologicamente nas filosofias de Walter Benjamin, Mikhail Bakhtin e Martin Buber. Tais filosofias fundamentam a construção de um olhar crítico e sensível para a cultura contemporânea e as relações humanas. Esses autores sustentam as pesquisas na linguagem, na história e na presença das pessoas, adultos e crianças, ao se constituírem na relação consigo, com o outro e com o mundo. A seguir, descrevem-se brevemente as duas pesquisas.

A primeira pesquisa (Castro, 2022), realizada entre 2018 e 2021, originou uma tese de doutoramento, que teve como objetivo analisar os sentidos construídos sobre a infância a partir das narrativas de avós, avôs, netos e netas com fortes vínculos. As questões norteadoras foram as seguintes: o que as avós e os avôs narram sobre suas infâncias? O que as crianças narram sobre suas infâncias? O que as avós e os avôs dizem sobre ser criança na contemporaneidade? O que as crianças sabem sobre as infâncias de suas avós e seus avôs? O que partilham avós/avôs e netas/os? Que memórias avós/avôs e netas/os narram sobre o tempo que passam juntos? O que fazem juntos? O que aprendem uns com os outros?

Para além de uma pesquisa sobre avós/avôs e netas/os, trata-se de uma pesquisa com pessoas. Mais do que coletar “dados”, procurou-se ficar em estado de atenção, e construir com as e os participantes da pesquisa, a partir do que elas e eles estiveram dispostas/os a dar. Com as contribuições da antropologia, em especial de Tim Ingold (2019), a metodologia consistiu, principalmente, em compartilhar presença, importar-se, deixar-se afetar e aprender.

Participaram dessa pesquisa sete avós e três avôs, entre os cinquenta e um e os setenta e um anos de idade, moradores da cidade do Rio de Janeiro e um de Niterói. Além deles, foram incluídos seis dos seus netos, entre cinco e doze anos de idade, moradores das seguintes cidades: Rio de Janeiro, Niterói, Brasília e Montevideo/Uruguai. O critério de escolha foi o da familiaridade, a partir de indicações de avós e avôs com fortes vínculos construídos com suas netas e netos de até doze anos de idade. Foram realizadas, entre maio e dezembro de 2020, entrevistas individuais com os adultos e, posteriormente, uma entrevista coletiva com as crianças por meio da plataforma Zoom.

A segunda pesquisa (Trugilho, 2022), realizada com fins de obtenção do grau de mestre, foi realizada de 2020 a 2021, a partir das memórias de infância de oito adultos que brincam ou brincaram em rua que dá acesso ao Morro do Adeus, no Complexo do Alemão, bairro onde se localiza um dos maiores conjuntos de favelas na zona norte da cidade do Rio de Janeiro. Entre os objetivos propostos pela investigação, estavam a compreensão dos motivos que levaram esses adultos a ter brincado na rua enquanto crianças, das brincadeiras realizadas por eles e os brinquedos utilizados. Foram acrescentadas suposições sobre o desaparecimento ou a manutenção de algumas brincadeiras e a compreensão da rua enquanto espaço para brincar. Além disso, foi considerada a hipótese de existir alguma especificidade em brincadeiras e a possibilidade de aprender brincando na rua.

Entre abril e junho de 2021, foram realizadas entrevistas com oito adultos: cinco mulheres e três homens. Cinco foram entrevistados através da ferramenta de chamada de vídeo no aplicativo WhatsApp, de maneira remota - três entrevistas individuais e uma coletiva, em dupla -, e três, de maneira presencial, seguindo protocolos de distanciamento.

A definição dos oito adultos, adotada pela pesquisadora, ocorreu pelo conhecimento prévio da experiência deles com o brincar na rua. Essa definição teve em conta, primeiramente, o critério de familiaridade e, posteriormente, sugestões apresentadas sobre outras pessoas que poderiam ser entrevistadas, observando a diversidade de idade, raça e género. Os oito interlocutores, que brincaram na rua e/ou “olharam”4 diferentes gerações de crianças brincarem, partilharam, pela tela, as suas memórias e compreensões sobre a rua como espaço de brincadeira.

A tela como espaço de encontro e diálogo

A denúncia de Benjamin (2012) sobre o empobrecimento da capacidade de narrar, de intercambiar experiências e de estabelecer coletividade desperta a atenção para o momento atual e suscita indagações: o que contaremos sobre o tempo de pandemia e isolamento? Que factos do passado possibilitam pensar o presente e o futuro? No âmbito das duas investigações, intensificou-se nas pesquisadoras uma postura de “escutadeira”5: o desejo de ouvir as pessoas, de escutar as suas histórias, de saber sobre os seus afetos, de conhecer as suas infâncias e as relações que deixaram marcas nas suas vidas. Escutar narrativas de crianças e adultos sobre as subtilezas das suas interações no quotidiano possibilita criar brechas na história oficial ao encontrar aquilo que se perde quando as pessoas são transformadas em objeto e as suas histórias são esquecidas.

[…] significa perceber as pessoas se reconstituindo como sujeitos, reconstituindo nesse processo sua cultura e história, escutando o que não pode ser expresso e levando em consideração o que foi deixado de fora. Histórias de vida são consideradas como memória coletiva do passado, consciência crítica do presente e premissa operativa do futuro. [Kramer, 2007, pp. 58]

Como escutar as pessoas com tantas restrições e riscos durante a pandemia? As circunstâncias exigiram rever os rumos das pesquisas. Foi necessário um tempo para assimilar a situação, adaptar-se a novas rotinas, apaziguar os medos e, consequentemente, criar novas possibilidades. Neste sentido, coube às pesquisadoras assumir o fazer criativo e artesanal da pesquisa, com flexibilidade para construir novos caminhos distintos do previsto. Encarar a pesquisa como processo de criação aproxima-se da compreensão do pesquisador ou da pesquisadora como um “artesão intelectual”, defendida por Kaufmann (2013).6 Para o autor, artesão intelectual é “aquele que sabe dominar e personalizar os instrumentos que são o método e a teoria, num projeto concreto de pesquisa” (Kaufmann, 2013, p. 33). Nesta perspetiva, o pesquisador é aquele que, sem abrir mão do rigor, ousa inventar a partir das ferramentas teórico-metodológicas e dos contextos de investigação.

Inicialmente, na pesquisa 1, a previsão era iniciar com observações em espaços, principalmente em contextos familiares, onde avós/avôs e netos/as crianças partilham experiências. Na pesquisa 2, as observações seriam realizadas na rua, onde crianças e adultos brincam. Com a necessidade de isolamento social, os planos mudaram. A observação como opção metodológica mostrou-se inviável, de modo que as entrevistas online foram escolhidas como alternativa, com apoio de aparatos técnicos como celulares e computadores para que encontros remotos acontecessem. O aprofundamento na discussão já existente no campo das ciências humanas e sociais sobre as entrevistas online (Recuero, 2009; Junior, 2013; Rodrigues, Chagas e Correa, 2015; Trejo León e Souza, 2016) foi fundamental na preparação para a entrada em campo. Além da produção anterior à pandemia, as contribuições mais recentes (Cunha, 2021; Araujo, 2021) também tiveram importante papel na construção das possibilidades metodológicas.

Nos primeiros meses de pandemia, não parecia possível ou adequado realizar pesquisa com crianças através de plataformas digitais. Entrar nas casas desses sujeitos, ainda que pela tela, afetando a rotina de adultos e crianças, pareceu delicado, como também indicava a literatura. A inserção do pesquisador no espaço privado da casa, da família, através da pesquisa online, é um ponto que suscita reflexões. Cunha (2021), em investigação que buscou conhecer o que diziam crianças de 7 a 10 anos sobre a pandemia de Covid-19, aponta a necessidade de delicadeza e sensibilidade, sobretudo no contexto investigado.

Algumas mulheres trabalhavam de casa, para além das tarefas de casa e cuidado com os filhos, e não poderiam assumir mais uma tarefa […]. A preocupação foi a de não se tornar uma intrusa em um momento tão delicado na história do mundo e das pessoas. O olhar ético foi construído no processo da pesquisa, com o viés da ética do respeito e da sensibilidade. Não insistir, não incomodar, não atrapalhar a rotina, foram algumas regras elaboradas […]. [Cunha, 2021, p. 62]

Tendo em mente essa ética da sensibilidade, nas pesquisas analisadas neste artigo foi feita a opção de iniciar o trabalho de campo realizando encontros com adultos através da plataforma de videoconferência Zoom e da ferramenta de chamada de vídeo no WhatsApp. O critério de familiaridade para a participação nas duas pesquisas, já previsto inicialmente, manteve-se e foi facilitador nesse contexto.

O clima dos encontros foi de uma conversa desarmada. A maioria das pessoas mostrou muito desejo de falar e muita satisfação em ter alguém para escutá-las. Sobre a frequente vontade de falar dos entrevistados, Kaufmann (2013) tece algumas considerações:

Felizmente, é frequente que o entrevistador não tenha que se esforçar no decorrer da entrevista: o informante tem vontade de falar por conta própria. Ele entrou em sua biografia, viaja guiado pelo entrevistador em torno de um tema; tomou gosto pela viagem. Fala de si e nós escutamos, desenvolve seus argumentos e suas opiniões têm relevância. Fala de si, e verifica sua capacidade em ser dotado de uma identidade claramente identificável e digna de interesse. [Kaufmann, 2013, p. 102]

Assim como nos trabalhos analisados neste artigo, outras autoras (Cunha, 2021; Araujo, 2021) também relatam surpresa diante do engajamento e acolhimento da pesquisa na sua modalidade online, ao refletir sobre o obstáculo que poderia representar a criação, à distância, de vínculos de confiança que favoreçam a narrativa, entre sujeitos que não se conhecem pessoalmente.

As entrevistas, nas pesquisas analisadas neste artigo, duraram entre uma hora e quatro horas e meia. Todas as conversas foram audiogravadas (no Zoom, também gravadas em vídeo) e transcritas na íntegra. A necessidade de transcrição é fundamentada em Bakhtin (2011): para o autor, a compreensão do outro depende do conhecimento do contexto de enunciação. Com base nessa perspectiva, Pena afirma:

Os lugares que as pessoas ocupam na produção do discurso interferem no significado produzido. Ou seja, o contexto é importante para entender o texto. Essa concepção de linguagem tem como decorrência metodológica a importância da totalidade do discurso, ou seja, o contexto do discurso não pode ser perdido. Daí a necessidade do texto de cada entrevista ser transcrito e analisado na íntegra, sem cortes. [Pena, 2015, pp. 49]

A variação do tempo pareceu ter relação com a situação de isolamento de cada um e de cada uma. As pessoas com menos possibilidades de interação presencial, especialmente as mais velhas, pareceram precisar falar mais. Imersas no próprio isolamento/distanciamento social, é possível que as pessoas se tenham mostrado mais suscetíveis a falar de si do que noutras condições. Durante as entrevistas, a postura adotada pelas pesquisadoras teve como propósito, muito mais do que colher informações, ouvir, criar um espaço de diálogo. Para isso, foi necessário estar aberto ao outro, ainda desconhecido. Esse outro que, assim como aquele que pesquisa, não se enquadra em modelos preestabelecidos: é inacabado, impreciso (Bakhtin, 2011).

  • Pesquisadora: Tudo bem com você?

  • Carolina: Está tudo bem. Está tudo ótimo.

  • Pesquisadora: Está um sábado lindo de sol, estava aqui olhando pela janela…

  • Carolina: Eu vi… Eu também estava do lado de uma. E está um sábado lindo mesmo. Depois daquela chuvarada toda.

  • Pesquisadora: Bem limpinho… Então, vamos começar?

O diálogo transcrito acima, da pesquisa 1, ilustra os momentos iniciais dos encontros. O dia lindo, avistado pela janela, contrastava com o clima pesado que a pandemia provocava naquele momento. O que costuma ser um jogar conversa fora - falar sobre o tempo - era mesmo interesse comum, diante da restrição para sair de casa. Muitos encontros iniciaram-se com temas relacionados com a experiência do isolamento. Era também o tempo de chegada, de se acomodar, de ficar à vontade, de se abrir para o diálogo.

Na pesquisa 2, as entrevistas foram iniciadas partindo da infância da pesquisadora, com as suas memórias de brincadeiras como convite à narrativa do outro sobre a sua própria infância, estabelecendo diálogo na troca de experiências com a rua. No trecho abaixo é feito o convite a Monique, uma das participantes da pesquisa 2, para que contasse as suas histórias.

O que eu queria te falar é que esse é um tema que me interessa. É um tema que me deixa curiosa, eu quero saber sobre brincadeira de rua, por que as crianças brincam na rua, mas não tem a ver com a minha infância. Na minha infância, o que eu fazia: brincava no quintal da minha avó, brincava no quintal da tia Leda, não sei se você conhece… Brincava muito com a minha prima, brincava muito dentro de casa. E o que eu queria saber é qual é a sua experiência de brincar na rua, esse é o primeiro ponto: se você brincava na rua, se você brincava dentro de casa, como era com você.

Durante as conversas, aconteceu, em muitos momentos, o que Buber (2001) define como encontro. Pela tela do celular ou do computador - quem poderia imaginar? -, estávamos em “recíproca presença”. Mediados pela tela, cada encontro trouxe consigo o questionamento sobre as possibilidades de interlocução que os aparatos técnicos possibilitam: como perceber o que diz o corpo? Como produzir dados com o outro através da tela? Como o encontro com o outro afeta as escolhas da pesquisa?

Entrevista como construção dialógica

Para as entrevistas foram elaborados roteiros. Na pesquisa 1, os eixos foram os seguintes: (1) apresentação de si; (2) memórias de infância; (3) relação com as/os netas/os; e (4) questões movidas pela pandemia e o isolamento social. Na pesquisa 2, o roteiro teve três eixos norteadores: (1) a infância contada; (2) a infância e as brincadeiras na rua ontem e hoje; (3) a rua, que buscaram abarcar desde as relações entre vizinhos durante a infância dos entrevistados até suas percepções sobre as interações na rua no contexto de pandemia da Covid-19, passando por temas como segurança, tecnologia e concepções de infância.

Na pesquisa 1, a primeira entrevista seria, em princípio, um teste para avaliar se a estratégia funcionaria. Foi marcada com uma pessoa conhecida da pesquisadora, Carolina.7 No dia marcado, no mês de maio de 2020, a conversa foi iniciada pelo Zoom, ainda com estranheza da entrevistadora e da entrevistada com as novidades tecnológicas. Sem dificuldades, a conversa fluiu. A partir da narrativa de Carolina, o roteiro - que não foi consultado durante o encontro - cresceu, sendo incorporadas novas questões, com base na conversa e nos estudos prévios sobre o tema. Nos encontros seguintes, outras perguntas também foram surgindo conforme o fluxo dos diálogos. A escrita e a reescrita do roteiro serviram como estudo de campo.

Na pesquisa 2, a escuta de adultos sobre as brincadeiras de suas infâncias, realizadas na rua, criou oportunidades para o surgimento de novas perguntas, como as sobre a brincadeira das crianças em dispositivos eletrônicos, aspectos físicos da rua que possibilitaram ou não as brincadeiras, os vínculos de amizade construídos na rua. Desse modo, cada entrevista apontou para diferentes focos, que contribuíram para a compreensão das questões da pesquisa.

O roteiro, nas duas pesquisas, serviu como ponto de partida dos diálogos e não como ponto de chegada fixo e fechado. As entrevistas aconteceram, em cada encontro, a partir de um roteiro orientador, mas, sobretudo, com atenção à palavra alheia, às pistas das narrativas. Com isso, cada resposta permitiu abrir espaço para uma nova pergunta.

Na perspectiva do Círculo de Bakhtin, a pesquisa é produção dialógica, feita com o outro, na linguagem: fenómeno histórico e ideológico que não se transmite, mas se inscreve em nós, na medida em que entramos no fluxo da interação verbal (Volóchinov, 2017). A palavra é sempre uma palavra para alguém, feita com o outro e dirigida ao outro: produto da interação verbal entre locutor e interlocutor, é território comum entre eles. A cada palavra apresenta-se uma contrapalavra, uma réplica a ser respondida. Essa foi a conceção que deu origem aos roteiros das entrevistas (Bakhtin, 2011).

Essa perspetiva aproxima-se de Kaufmann (2013), para quem as entrevistas não devem ser realizadas de modo impessoal, mostrando distanciamento do pesquisador ou da pesquisadora em relação ao tema. Pelo contrário, para o autor, é preciso que aquele que entrevista esteja “ativamente envolvido nas questões, para provocar o envolvimento do entrevistado” (Kaufmann, 2013, p. 40).

Os trabalhos de campo foram construídos com as e os participantes, a partir do que as pesquisadoras foram aprendendo com elas e eles. Os encontros produziram um conhecimento dialógico e alteritário, que, na perspectiva bakhtiniana, são conceitos indissociáveis: “assumir o dialogismo e a alteridade como marcas das relações estabelecidas no contexto da pesquisa significa, portanto, buscar o encontro com o outro e compartilhar experiências, conhecimentos e valores que se alteram mutuamente” (Pereira et al., 2009, p. 1023). Alteridade envolve diferenciar-se e ao mesmo tempo afetar-se pelo outro, produzindo assim, no encontro, novos significados.

Em consonância com essa compreensão, Ingold propõe ouvir as pessoas, levando-as a sério, tratando-as menos como informantes do que como professores, que devem ser procurados pelo que podem ensinar sobre o mundo. Para isso, devem abrir mão de métodos, considerados “guardiões da objetividade”, que supostamente garantem “que os resultados da pesquisa não sejam contaminados por um envolvimento muito íntimo ou afetivo dos pesquisadores com os povos que eles estudam” (2019, p. 12).

Não se trata de interpretar ou explicar o comportamento dos outros; não se trata de colocá-los em seu lugar ou consigná-los à categoria dos “já conhecidos”. Ao contrário, trata-se de compartilhar da sua presença, de aprender com as suas experiências de vida e de aplicar esse conhecimento às nossas próprias concepções de como a vida humana poderia ser, das suas condições e possibilidades futuras. [Ingold, 2019, pp. 10].

Em suma, as duas pesquisas partiram de um roteiro de entrevista dialógico, em que cada resposta permitiu abrir espaço para novas perguntas e aprendizados inesperados. Pensar o espaço virtual como campo empírico convida o/a pesquisador/a a perceber a sua distância física em relação ao outro, participante da pesquisa. No entanto, mesmo pela tela, a entrevista não perde o seu caráter de acontecimento, de encontro, de compartilhamento de presença, enquanto momento único e irrepetível no qual está em jogo a construção de sentidos, realizada dialogicamente. O alerta está na não reificação do outro, que se apresenta mediado pela tela: o pesquisador está diante não de um objeto, mas de um sujeito, e um sujeito que fala.

Ir ao outro, voltar a si

Os movimentos de ir ao outro e voltar a si são, para Bakhtin (2011), parte do acontecimento estético. Entre duas consciências distintas, o primeiro movimento é de conhecer a outra, identificar-se com ela, colocar-se em seu lugar. O segundo movimento do acontecimento estético é o retorno a si mesmo, que permite ver do outro o que ele não vê, completar o seu olhar. “Ir ao outro” e retornar a si foi o movimento feito ao longo das entrevistas, em que se oferece algo e se acolhe algo.

Nesse sentido, a pesquisa é percebida como produção dialógica, feita com o outro, na linguagem. Na entrevista está o convite para o encontro, que envolve o pesquisador e o seu interlocutor num processo alteritário de construção de conhecimento, no qual um completa o olhar do outro a partir do lugar único que ocupa no mundo. A quem faz pesquisa, cabe “captar algo do modo como ele [o outro, a outra] se vê, para dali assumir plenamente meu lugar exterior e dali configurar o que eu vejo do que ele vê” (Amorim, 2007, p. 14). Do seu ponto de vista, o/a pesquisador/a poderá revelar o que o sujeito pesquisado não vê.

Foi no contexto dessa construção conjunta, onde um olhar complementa o outro, que as narrativas se deram. Não foi imaginado previamente o quanto as/os participantes ficariam, tão rapidamente, à vontade, se emocionariam e contariam acontecimentos tão íntimos de suas vidas, como Cecília e Lygia.

Quando eu, com 12 anos, comecei a pegar corpinho, minha mãe falava “cuidado para não encostar, porque às vezes ele vai dar um beijo aqui, cuidado para não encostar o cotovelo no seu peito…”. Minha mãe é muito delicada. Então eu me lembro disso, que [meu avô] dava beijo bem pertinho. [Cecília]

Eu tinha as minhas tranças e o cabelo crespo, e a minha avó dizia que eu tinha o cabelo ruim. Tinha um racismo, e eu ficava possessa. E eu dizia que eu era africana. Ela que penteava o meu cabelo, quem fazia as minhas tranças às terças-feiras. [Lygia]

As narrativas sobre o abuso sexual e racismo, como as transcritas acima de entrevistas da pesquisa 1, ilustram o quanto as/os participantes ficaram à vontade para contar as suas histórias mesmo pela tela. Ou talvez por causa da tela? As questões que se colocam são: a não presença física e a ausência de visualização do corpo inteiro da pesquisadora favoreceram uma sensação de anonimato que possibilitou relatos tão íntimos? Em que medida a tela altera o modo de estar presente com o outro? Como é que ela afeta a natureza do diálogo?

Escrever sobre essas narrativas é, contudo, o desafio maior. Pierre Bourdieu (2008), na abertura do livro A Miséria do Mundo, trata do seu “sentimento de inquietação” (p. 9) em expor conversas, realizadas no âmbito privado, na escrita científica. Como expor narrativas, frutos de acordo de confiança? Como não enrijecer a narrativa do outro na escrita? Para o escritor Bartolomeu Campos de Queirós: “Jamais podemos nos outorgar - mesmo apoiados pelas mais avançadas teorias das ciências humanas - a capacidade de mensurar a extensão das emoções vivenciadas e o tamanho dos desejos que pulsam na carne do outro” (2012, p. 85). E ainda: “só nos é possível compreender ‘quem’ é o outro quando ele se diz. Por ser assim, é a partir da posse da complexidade de nossa interioridade que podemos suspeitar ‘quem’ é o outro” (Queirós, 2012, p. 85).

A filosofia bakhtiniana fornece elementos para pensar a pesquisa nos tempos atuais, baseada na conceção de que o conhecimento que se busca construir não se encontra no interior de cada pessoa, mas na interação dialógica entre esses sujeitos. É no encontro, através do diálogo, construído na alteridade, que se torna possível a produção do conhecimento nas ciências humanas e sociais, sempre composto por muitas vozes e caracterizado pela incompletude e provisoriedade humana - de si, do outro, do conhecimento.

O pesquisador não é neutro: só é capaz de estudar e compreender a partir do lugar (topos) que ocupa no mundo, enquanto seu interlocutor vê do seu próprio lugar. A partir desse lugar, realiza uma investigação de caráter menos explicativo, e mais compreensivo, interpretativo. A pesquisa realizada no escopo das Ciências Humanas, que são ciências do discurso, é, portanto, uma pesquisa com outro rigor, onde a objetividade não é lugar fixo, mas caminho a percorrer (Japiassu, 1981).

No seu convite à rememoração, os sujeitos entrevistados refletem também sobre presente e futuro, entrecruzando os tempos, colocando o passado em posição crítica (Benjamin, 2012). As narrativas desvelam, entre outros conceitos e questões, a natureza polifónica do diálogo (Bakhtin, 2011), no qual um mesmo objeto foi abordado de maneiras não só distintas, mas opostas pelos sujeitos entrevistados, como mostram Cristina, Flávio e Débora, participantes da pesquisa 2, ao comentar as suas distintas percepções sobre a participação de meninas nas brincadeiras na rua.

As meninas também soltavam pipa, jogavam bola. Eu cansei de jogar bola, ganhei porrada para caramba jogando bola, fui para clube. [Cristina]

Na nossa época, era mais clube da Luluzinha e Clube do Bolinha… Hoje que está mais misturado. [Flávio]

Eu estou no lugar certo. Eu vivia no meio dos meninos quando era mais nova, e agora continuo, quando mais velha, no meio da criançada. A maioria toda é menino.

[…] Aqui quase não tem menina mesmo. As meninas que brincam, só tem 4 ou 5 meninas só. É mais menino. Eu brincando, elas brincam. Agora, se eu não estiver brincando, elas ficam sentadas, mexendo no telefone. Elas não brincam. [Débora]

Contradições e ambivalências, ditos e não-ditos, corpo e entoação, são aspetos que compõem o enunciado (Bakhtin, 2011), revelando o caráter dialógico da entrevista, em que “o pesquisador deve deixar-se envolver pela narrativa, imergir nas histórias contadas e, ao mesmo tempo, permitir emergir o que é importante do ponto de vista do autor/ator principal” (Jobim e Souza, Kramer, 2008, p. 28). É no fluxo da narrativa que se encontram as tensões de classe, raça, género e idade. Partindo dessa afirmação, chega-se à indagação: como são tecidos esses fios ideológicos na vida vivida e na memória narrada pelos sujeitos?

A diferença etária, em especial, também se manifesta no modo de narrar e interagir pela tela. Crianças e adultos revelaram modos de apropriação distintos dos aparatos tecnológicos, conforme é apresentado a seguir.

A pesquisa pela tela com as crianças

Na pesquisa 1, com o passar dos primeiros meses de pandemia, uma conversa com as crianças pelo Zoom começou a ser vislumbrada como possibilidade. As interações pela tela passaram a ser as possíveis para quem se manteve em isolamento, e as crianças também se apropriaram desta nova realidade. Diante do tempo previsto para a pesquisa, a opção foi criar uma conversa coletiva com as netas e os netos, com idade entre cinco e doze anos, das avós e dos avôs entrevistados individualmente.

A opção por ouvir as crianças parte do entendimento, especialmente com base nos estudos da sociologia da infância (Sirota, 2001; Ferreira, 2004; Sarmento e Gouvea, 2008; Corsaro, 2011), segundo os quais elas são seres sociais plenos e suas culturas e relações devem ser estudadas, principalmente a partir do que elas dizem e não apenas do que os adultos dizem sobre elas. Em consonância com essa compreensão, Toren, que tem crianças como interlocutoras privilegiadas de suas pesquisas, afirma:

Descobrir que sentido as crianças estão dando ao mundo é importante para a análise etnográfica não simplesmente porque possibilita um relato mais completo e sutil de como a vida é vivida em qualquer esfera específica e como a transformação naquela mesma esfera é um aspecto de sua continuidade, mas porque nos possibilita tornar analíticas as categorias das pessoas cujas vidas estamos tentando analisar, seja em nossos próprios lares ou em outro lugar do mundo. [Toren, 2010, p. 22]

A realização do encontro coletivo pela tela com as crianças envolveu desafios. O primeiro: chegar às crianças. O convite deveria ser feito por um adulto próximo - nessa pesquisa, mãe ou pai. O contacto com os pais, contudo, precisou de ser feito através das avós e dos avôs. Então, para chegar às crianças, foi preciso passar por dois adultos antes. Para isso, foi necessário contar, primeiro, com o envolvimento das avós e dos avôs com a pesquisa e o desejo destas/es de que as/os netas/os participassem e, depois, com a autorização dos seus responsáveis, a partir do entendimento destes acerca da pesquisa, reconhecendo-a como algo relevante e interessante.

Para tanto, foi criado um convite para as crianças e, também, para os seus pais, deixando-os cientes acerca da pesquisa. Nesse convite, buscou-se uma escrita que possibilitasse que as crianças compreendessem os objetivos da pesquisa, com ilustrações de livros infantis e questões que pudessem proporcionar interesse e diálogo prévio com os adultos da família. O envio do convite, em arquivo PDF, foi feito às avós e aos avôs para que repassassem e conversassem com os pais das crianças. De acordo com o desejo e a disponibilidade das crianças e dos pais, foram combinados o dia e o horário do encontro.

Foi dada a informação às/aos avós/avôs e aos pais que as crianças não eram obrigadas a participar e que a decisão deveria ser delas. Para Pereira (2012, p. 81), “a concordância dos responsáveis e das instituições, ainda que legal e eticamente necessária, não pode substituir a concordância a ser dada pelas crianças em participar da pesquisa”. No dia combinado, em dezembro de 2020, as crianças, aos poucos, foram chegando, a maioria acompanhadas das suas mães, que permaneceram por perto, intervindo ou contribuindo com algumas respostas.

Outras pesquisas também apontam a possibilidade de que o espaço da entrevista com a criança seja partilhado com seus familiares, diante do contexto de isolamento social em família que muitos vivenciavam:

Algumas crianças tinham suas casas bastante movimentadas por familiares, avós, irmãos, tios, primos, que passavam pelo cômodo em que a crianças estava e algumas vezes eram até apresentados a mim. Isso não pareceu incomodar as crianças - pelo contrário, elas pareciam ficar mais à vontade com a presença de pessoas conhecidas. [Araujo, 2021, pp. 95]

Na pesquisa 1, participaram seis crianças. A pandemia também se impôs na composição do grupo entrevistado, uma vez que as netas de uma das avós não puderam participar porque tinham perdido um familiar, vítima de Covid-19. Outra criança entrou na chamada de Zoom no início, mas não quis permanecer. Segundo a sua mãe, ela não gostava de interações pela tela e não participou daquelas propostas pela escola.

Para ficarmos à vontade, começamos por abordar assuntos diversos: a camisa do clube de futebol, a proximidade do aniversário, onde cada um estava naquele momento. Quando todos os que confirmaram a participação estavam presentes, foi solicitado que cada um dissesse o seu nome, a sua idade e o local de morada. A pesquisadora também respondeu a essas e às outras perguntas que guiaram a conversa.

Para puxar o tema da relação com as avós e os avôs, foram utilizadas ilustrações de livros de literatura infantil, selecionadas de acordo com as experiências narradas pelas avós e pelos avôs das crianças nas conversas individuais. Ao longo da conversa com as crianças, foram mostrados rapidamente os livros de onde foram retiradas as ilustrações e, em seguida, as imagens foram compartilhadas na tela do Zoom. Cada imagem puxava os fios para desenrolar a conversa.

A participação das crianças, nessas condições, foi surpreendente. Apesar de um volume de material muito menor do que o construído nos dez encontros com as avós e os avôs, as falas das crianças, mesmo bem mais sucintas, revelam o envolvimento delas na pesquisa.

  • Luan: Descreve, tia. Você é a última.

  • Pesquisadora: Ah, eu sou a última… Minha vó fazia bolo, bolo de tudo quanto é tipo, fazia cocada. Vocês gostam de cocada?

  • Luan: Sim, eu gosto.

  • Pesquisadora: Ela fazia e tinha que esperar esfriar para poder ficar durinha. Porque a cocada, quando acaba de fazer, fica molenga, tem que esperar esfriar, mas eu não aguentava, de tanto que eu gostava. Eu ia lá e pegava quente mesmo, queimando às vezes o dedo.

  • Diego: Tia, estou com água na boca de ouvir isso.

Diferente dos adultos, que permaneceram sentados diante da tela durante as entrevistas, as crianças interagiram de modos diversos. A maioria, por participar em atividades escolares online, mostrou domínio no uso da plataforma. Uma das crianças, por exemplo, ensinou a pesquisadora e as demais crianças a virar a tela do Zoom de ponta-cabeça. E outra, de seis anos, protagoniza um canal no YouTube onde fala sobre futebol. Todas elas ativaram câmera e microfone conforme o seu desejo de participação na conversa, enquanto os alguns adultos, nas entrevistas individuais, solicitaram ajuda para realizar esses comandos.

As experimentações feitas pelas crianças durante as conversas sugerem que a comunicação feita por meio das plataformas online não se caracteriza somente como linguagem escrita ou oral, mas inaugura uma forma de comunicação de acordo com as ferramentas de cada plataforma, que alteram o contexto da interlocução (Recuero, 2009). É o caso de plataformas como o WhatsApp e o Zoom, que permitem a comunicação através de imagem, som, texto, emojis8 e mídias.

A apropriação dos sujeitos das plataformas utilizadas durante as pesquisas revelou-se como condição da sua participação. Outros fatores, como a posse de aparelho que pudesse acessar às plataformas Zoom ou WhatsApp, ou a possibilidade de acesso à conexão de alta velocidade também foram decisivos para que o grupo de sujeitos entrevistados fosse delimitado. Além disso, as falhas de conexão provocaram, em alguns momentos, interrupções não desejadas nas falas das/os entrevistadas/os. Essas pausas, no entanto, também foram consideradas no fluxo da narrativa e na análise dos discursos.

Conclusão

A pesquisa em ciências humanas e sociais, com base na perspectiva de Bakhtin e seu Círculo, é uma busca por construção dialógica entre o/a pesquisador/a e os seus interlocutores. As experiências das investigações analisadas evidenciam que a entrevista pela tela não perde o seu caráter de encontro. Ainda que haja distância geográfica, o diálogo pode acontecer, a depender dos sujeitos envolvidos. Por mais que a entrevista aconteça mediada por um aparato tecnológico, não se perde a dimensão de que há sujeitos, com intenção, interesse e abertura em mergulhar nas histórias narradas. Nessa conceção de entrevista, há duas pessoas que se encontram, que compartilham presença por uma razão comum: narrar e escutar.

Mediados pela tela, esses encontros só foram possíveis entre pessoas com acesso à internet, o que impossibilitou a participação de quem não tinha esse recurso. Além disso, a estabilidade de conexão afetou o fluxo dos diálogos, mais fluídos ou interrompidos por falhas de rede. Por outro lado, a tela revelou, também, oportunidades de criação. Nas duas investigações, adultos e crianças, evidenciaram apropriações diversas das plataformas utilizadas, abrindo diferentes possibilidades de interações. As pessoas mais velhas necessitaram de maior apoio para utilização dos aparatos tecnológicos, como microfone e câmera, enquanto as crianças se mostraram familiarizadas com o uso das plataformas, brincando com as configurações de vídeo e áudio.

Esse apoio, referente ao uso da tecnologia, fez com que a entrevista contasse com a presença de outras pessoas no mesmo cómodo, o que parece ter proporcionado confiança, em alguns casos, ou inibido falas, em outros. Especialmente no caso das crianças, essa presença dos familiares foi ainda mais marcante. Além disso, ao contrário do esperado pelas pesquisadoras, a tela não foi um empecilho para que o encontro dialógico acontecesse. De maneira oposta à expectativa inicial, as/os participantes engajaram-se no tema das investigações. Em alguns casos, o distanciamento geográfico provocado pela tela parece ter potencializado relatos de experiências íntimas e convocado o exercício de rememoração.

Em suma, a entrevista realizada pela tela no contexto pandémico, embora apresente especificidades, em linhas gerais não difere da realizada presencialmente no que diz respeito aos princípios que norteiam o/a pesquisador/a implicado em seu caráter dialógico. As análises conduzem para o reconhecimento da necessidade humana de diálogo, impossibilitado pelo isolamento (para algumas pessoas) e propiciado pelo interesse de outra pessoa em escutar. Nesse sentido, a plataforma é somente mediadora da relação, da escuta, do diálogo.

Sem perder de vista os objetivos da investigação, o/a pesquisador/a conduz o percurso imbuído/a do seu compromisso ético em dar uma resposta responsável sobre o tema. Nesse processo, os caminhos da pesquisa, pavimentados dialogicamente, são revistos. Por meio da revisão, são vislumbrados e tomados desvios. O modo como os roteiros das duas pesquisas foi construído e reconstruído ilustra a natureza do encontro pela tela entre pesquisador/a e pesquisados/as, que se afetam mutuamente.

Pesquisar, com o aporte teórico bakhtiniano, permite não reificar o outro, mediado por um aparelho eletrónico, mas reconhecer o seu caráter de sujeito. Ir ao outro requer estar aberto a aprender sobre o tema para, então, voltar a si e o completar com o seu próprio excedente de visão. A entrevista, assim, envolve o reconhecimento de que o/a entrevistado/a pode ensinar sobre o tema investigado. As reflexões apresentadas neste artigo mostram que é possível pesquisar com o outro, presencial ou remotamente, desde que o/a pesquisador/a tenha esse pressuposto em vista a cada passo da pesquisa.

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Notas

1 O Círculo de Bakhtin é composto por Valentin N. Volóchinov e Pavel N. Medvedev, que produziram, com Mikhail Bakhtin, obras cujas autorias passaram a ser questionadas a partir da década de 1970. Vítimas de prisões e expurgos políticos na União Soviética, suas obras só voltaram a ser publicadas depois das décadas de seu exílio (Faraco, 2009).

2 Zoom é uma plataforma de videoconferência que permite chamadas com vídeo e áudio, além da realização de webinars e o uso de chat. Foi criada em 2011. Disponível em https://zoom.us/ [consultado em 28-12-2021].

3 O WhatsApp é um serviço de mensagens rápidas e chamadas de áudio e vídeo, utilizado em celulares ou computadores. Oferece também a possibilidade de compartilhamento de mídias como áudio, fotos e vídeos, além de documentos. Disponível em https://www.whatsapp.com/ [consultado em 28-12-2021].

4 “Olhar”, nas palavras dos entrevistados, diz respeito a estar junto das crianças na rua, por perto, enquanto brincam. Mais do que simplesmente vê-las, é uma forma de cuidar das crianças, a partir da presença.

5 A referência para o uso da palavra escutadeira é Bosi (2015, p. 39), para quem lembrança puxa lembrança e seria preciso um escutador infinito.

6 Kaufmann (2013) trata do artesão intelectual ao elaborar sobre o que chama de entrevista compreensiva, abordagem metodológica, que se aproxima da defendida neste artigo, em que há constante abertura e construção entre os interlocutoras/es da pesquisa - entrevistador/a e entrevistadas/os - na formulação (e reformulação) de hipóteses e criação de estratégias metodológicas.

7 Todos os nomes citados nas duas pesquisas são fictícios.

8 De origem japonesa, os emojis são pictogramas comummente utilizados em mensagens de texto para expressar emoções, reações ou gostos dos interlocutores.

Recebido: 30 de Dezembro de 2021; Aceito: 24 de Outubro de 2022

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