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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.247 Lisboa jun. 2023  Epub 30-Jun-2023

https://doi.org/10.31447/as00032573.2023247.01 

Artigos

A construção do género na sociologia portuguesa contemporânea: problemas comuns e propostas práticas.

The construction of gender in contemporary portuguese sociology: common problems and practical proposals.

1. Department of Sociology, University of Warwick, Social Sciences Building, University of Warwick, Coventry - CV4 7AL, United Kingdom, M.D.M.Pereira@warwick.ac.uk.


Resumo

Algumas convenções concetuais e linguísticas da Sociologia portuguesa assentam em exclusões e estereótipos de género que podem enviesar conhecimentos e reforçar desigualdades. Neste artigo, problematizo essas convenções, analiso os seus efeitos científicos e demonstro os seus potenciais impactos em participantes e na sociedade. Argumentando que é urgente refletir consciente e criticamente sobre a construção do género na Sociologia em Portugal, recorro a contributos das críticas feministas para propor estratégias que podem ser aplicadas por sociólogxs de todas as áreas temáticas para pensar e escrever sobre género de forma mais reflexiva, rigorosa e responsável.

Palavras-chave: género; feminismo; teorias sociológicas; métodos sociológicos

Abstract

Several conceptual and linguistic conventions in Portuguese Sociology are grounded on gendered exclusions and stereotypes which can skew knowledge and reinforce inequalities. In this article, I problematise some of those conventions, analysing their scientific effects and demonstrating their potential impacts on participants and society. Arguing that it is urgent to reflect consciously and critically on the construction of gender within Sociology in Portugal, I draw on insights from feminist critiques to propose strategies that can be applied by sociologists across all areas of expertise to think and write about gender in a more reflexive, rigorous and responsible way.

Keywords: gender; feminism; sociological theories; sociological methods

Unless one is aware that one cannot avoid taking a stand, unwitting stands get taken.

Gayatri Spivak (1987)

O conceito de género aparece no título deste artigo - mas este não é um texto destinado principalmente a especialistas em género. Em Portugal, o número de cientistas sociais que atualmente investigam género é alto e continua a crescer a olhos vistos, à medida que aumentam cursos, conferências e comunidades nesta área.1 No entanto, é ainda maior o número de cientistas sociais que, no seio de estudos sobre outras temáticas, fazem observações, calculam proporções ou formulam conclusões sobre género, mesmo sem formação especializada nesse domínio (pois ela não é componente obrigatória na maioria dos cursos de ciências sociais em Portugal). Sendo o género um dos principais eixos organizadores da vida social, é lógico e desejável que figure em estudos sobre os objetos mais diversos, conduzidos com os mais variados métodos e teorias (Schouten, 2011). Como tal, a vulgarização da atenção ao género nas ciências sociais em Portugal é, em muitos aspetos, uma conquista a celebrar.

No entanto, ela comporta, também, alguns riscos. Segundo várixs autorxs,2 o aumento do uso do conceito de género nas ciências sociais em Portugal, e a sua adoção por investigadorxs não familiarizadxs com debates teóricos feministas, tem resultado por vezes numa tendência de “desproblematização do conceito” (Amâncio, 2003, p. 700; ver também Ferreira, 2001; Joaquim, 2004; Neves, 2015). De acordo com Hawkesworth, “as research on gender proliferates, so does the tendency to assume that the meaning of gender is unproblematic” (1997, p. 650). Quanto mais se reconhecia e usava - a partir dos anos 90 - o conceito de género nas ciências sociais em Portugal, mais o género parecia um conceito simples e evidente, um objeto passível de ser analisado sem estudar, ou citar, teorias feministas (Amâncio, 2003; Ferreira, 2019; Neves, 2015; Pereira, 2012a, 2017; Pereira e Santos, 2014; Ramalho, 2001). Mas enquanto se vulgarizava esta versão simplificada do género em muitas áreas das ciências sociais, a concetualização do género tornava-se cada vez mais complexa no seio dos Estudos sobre as Mulheres, de Género e Feministas (EMGF), dos ativismos feministas e queer e até da legislação nacional. Nestas áreas, tem havido uma crescente problematização e complexificação não só do conceito científico de género, mas também das categorias quotidianas de género com base nas quais pessoas, instituições e movimentos descrevem identidades e reclamam direitos (Aboim, 2022; Merlini, 2020; Oliveira, 2018; Saleiro, 2013; Saleiro et al., 2022; Santos, 2022; Santos, 2013; Teixeira e Carneiro, 2018).

Neste contexto científico, político e social, muitxs autorxs feministas - dentro e fora da academia - não conseguem (nem querem) oferecer uma definição simples e consensual do conceito de género, uma descrição breve da relação entre sexo e género, ou uma classificação fácil das categorias de género. No entanto, muita investigação em ciências sociais em Portugal continua a representar género como um construto simples, evidente e binário. Podemos, portanto, dizer que o pensamento nas ciências sociais sobre género vive “a dois tempos” e “em dois mundos separados”, para citar uma das pessoas especialistas em EMGF que entrevistei em 2016 no âmbito da uma etnografia da academia portuguesa (Pereira, 2017).

Parece-me fundamental estabelecer mais ligações entre esses “dois mundos”, e é esse o objetivo deste artigo. Atualmente trabalhamos num contexto de “ciência acelerada” (Pereira, 2018a; Santos Pereira, 2020) em que temos de publicar muito, mas raramente temos tempo suficiente para ler as publicações dxs outrxs (Bebiano, 2020; Pereira, 2017). Por isso, não é realista esperar que colegas que trabalham noutros temas se familiarizem a fundo com debates recentes nas teorias feministas e queer cada vez que querem comentar en passant um efeito de género, ou inserir uma pergunta sobre género num inquérito. No entanto, é razoável e importante encorajar todxs xs cientistas sociais a pensar mais reflexivamente sobre os estereótipos de género que estão na base do seu pensamento e escrita, e sobre os efeitos que a sua investigação pode ter na reprodução (ou desconstrução) desses estereótipos.

Neste artigo, procuro lançar perguntas para animar e aprofundar essa autorreflexão crítica, que deve ser individual e coletiva. As questões que discuto são transversais a todas as ciências sociais, mas analiso especificamente a forma como se manifestam na Sociologia portuguesa, disciplina onde o termo género é regularmente usado mas a crítica feminista tem tido reconhecimento limitado (Barroso et al., 2011; Ferreira et al., 2020; Maciel, 2010; Pereira, 2012b, 2017). Concordo com Machado que “é indispensável que a Sociologia e os sociólogos (sic) apliquem a si próprios os instrumentos de que dispõem para analisarem o mundo social, mundo do qual são parte integrante” (2020, p. 9). Para contribuir para esse esforço, aplico aqui à Sociologia um questionamento sociológico crítico das suas práticas e convenções por relação ao género, recorrendo não só a literatura sociológica mas também a contributos de outras ciências sociais. Começo por discutir, de forma muito breve, o estatuto do género na Sociologia em Portugal. Nas secções seguintes, uso essa discussão para analisar enviesamentos na concetualização do género na Sociologia portuguesa e identificar estratégias práticas que permitem problematizar e minimizar esses enviesamentos.

Antes de avançar, importa fazer uma nota terminológica. Neste artigo analiso como se pensa e escreve sobre género na investigação sociológica que não é explícita e estruturalmente construída com base em princípios de crítica feminista (teóricos, epistemológicos e/ou metodológicos). É extremamente difícil encontrar uma designação para esse corpo de investigação, principalmente por duas razões. Em primeiro lugar, porque é diverso e heterogéneo, cobrindo muitas temáticas e abordagens; por exemplo, poderíamos incluir nele tanto sociologias de “racionalismo científico” (Machado, 2009, p. 328), como sociologias “críticas” (Machado, 2009, p. 328) mas não estruturadas por abordagens feministas. Em segundo lugar, porque - como demonstro em Pereira (2017) - as relações entre género, feminismo e Sociologia são extremamente complexas: existem sociólogxs feministas que recusam o conceito de género, especialistas em sociologia de género que não usam abordagens feministas (preferindo, por exemplo, abordagens sociológicas mais canónicas) e sociólogxs que adotam certas elementos das críticas feministas mas não outros. É, por isso, impossível estabelecer fronteiras claras ou estáveis entre Sociologia que é, ou não, feminista.

No entanto, para efeitos desta análise necessito de termos que me permitam designar a maioria do trabalho sociológico, que pensa e escreve sobre género de modo mais convencional (isto é, seguindo convenções linguísticas do português e/ou convenções científicas da Sociologia), e diferenciá-lo do trabalho sociológico que problematiza e rejeita essas convenções de forma ativa e explícita. Tendo experimentado diferentes designações, escolhi o termo Sociologia geral para me referir ao primeiro grupo. A minha utilização da palavra geral invoca diferentes dimensões do seu significado, tal como é descrito no Dicionário Priberam. Uso-a para designar formas de fazer Sociologia que são “comu[ns] ou se aplica[m] (…) a um grande número de pessoas ou coisas”, “não [são] específic[as]; [são] superficiais” na sua teorização do género (isto é, não incluem reflexão específica e aprofundada sobre teorias do género e/ou perspetivas feministas) e costumam ser “hierarquicamente superior[es]” (isto é, mais amplamente reconhecidas na investigação e ensino, como demonstro adiante). Esta designação tem muitas limitações e por vezes confunde mais do que esclarece; é um instrumento pragmático e impressionista, mais do que um conceito rigoroso. Mas espero que a discussão que aqui se constrói com este termo - e outros - possa contribuir para um exercício reflexivo importante: repensar convenções sociológicas sobre género numa altura em que várias convenções sociais sobre género estão também elas a ser repensadas.

O estatuto do género na sociologia portuguesa

A história da institucionalização do estudo do género na Sociologia em Portugal é uma história de avanços mas também de bloqueios. Análises quantitativas da evolução da produção sociológica sobre género - medida pelo número de publicações (Ferreira et al., 2020), doutoramentos (Barroso et al., 2011), comunicações em congressos (Barroso et al., 2011), ou pessoas a estudar/trabalhar na área (Maciel, 2010) - contam uma história de sucesso. É uma área da Sociologia que desde os anos 90 cresceu substancialmente, ganhando considerável espaço e visibilidade nas revistas, em congressos, nos currículos de cursos e cadeiras, nos centros de investigação, ou nos programas de financiamento (Torres, 2018). No entanto, análises qualitativas dessa institucionalização apresentam uma panorama muito mais complexo. Essas análises demonstram que as conquistas visíveis têm sido desde sempre acompanhadas por fenómenos menos visíveis de resistência e exclusão, tanto em contextos formais como informais, que limita(ra)m o desenvolvimento da Sociologia do género em Portugal.

Como observam várixs autorxs (Amâncio, 2003; Ferreira, 2019; Ferreira, 2001; Joaquim, 2004; Pereira, 2017; Torres, 2018), a investigação de género e feminista foi rejeitada e menorizada, de forma muitas vezes pública e agressiva, nas décadas iniciais de institucionalização das ciências sociais - e da Sociologia - em Portugal. A partir do início do século XXI, essa rejeição pública dissipou-se. Como demonstro num estudo etnográfico da academia portuguesa3 (Pereira, 2015, 2017, 2018c), o clima epistémico mudou na sequência de transformações profundas no sistema científico e universitário em Portugal (Pereira, 2013) e atualmente encontramos em muitas disciplinas e instituições um clima público de aceitação e reconhecimento da importância do género como objeto de estudo e área de especialidade (Pereira, 2017). Mas isto não significa que a investigação de género e feminista tenha atingido o pleno reconhecimento epistémico na academia portuguesa. A ideia de que essa investigação não é suficientemente rigorosa ou científica continua presente sob a forma de “conversa de corredor”, no sentido de Downey et al.: ela é algo “unsaid, but frequently said anyway (though not to everyone)” (1997, p. 245). Na conversa informal e em espaços de sociabilidade e decisão, há ainda regularmente uma menorização e até ridicularização da investigação de género e feminista (e também da investigação queer e sobre sexualidade), às vezes no formato de galhofa “inocente” formulada em termos sexistas e homofóbicos (Pereira, 2015, 2017, 2018c), (ver também Irvine, 2015; Marchbank e Letherby, 2006). Isso significa que mesmo quando a investigação de género e feminista parece estar oficialmente institucionalizada na academia portuguesa, os seus contributos podem ser sistematicamente tratados como inferiores ou irrelevantes.

De facto, e ao contrário do que acontece em vários outros países, o género e as teorias, epistemologias e metodologias feministas não são tratadas, na maioria das universidades em Portugal, como componente obrigatória da formação em Sociologia. Como tal, é relativamente reduzido o número de cadeiras nesta área, e limitada a integração de abordagens feministas no ensino de outros temas (Machado, 2009, 2020; Pereira, 2017; Vieira, 2007). Quando essas abordagens são integradas, a sua representação nem sempre é positiva ou sequer neutra. Nas minhas entrevistas com alunxs de Sociologia em diferentes ciclos e universidades (Pereira, 2017), muitxs disseram que era comum ouvir as abordagens feministas ser descritas em cadeiras não-feministas como “exemplos pedagógicos negativos, exemplos daquilo que vocês [alunxs] não devem fazer” (aluno de licenciatura em Lisboa), servindo para “mostrar um certo tipo de visão que o professor quer criticar” (aluna de mestrado em Coimbra). Este tipo de representação da crítica feminista surgiu também com frequência nas aulas e congressos que observei, e nas entrevistas que realizei com sociólogxs não--feministas, como analiso detalhadamente em Pereira (2012b, 2017, 2018c).

Isto cria uma forma paradoxal de integração das abordagens feministas na Sociologia geral em Portugal - são citadas, mas muitas vezes parcial ou totalmente descartadas como simplistas, exageradas, ultrapassadas, desnecessárias. Nestes discursos, a investigação de género e feminista aparece como área que produz contributos científicos úteis, mas às vezes resvala para fora das fronteiras do conhecimento científico, não podendo por isso ser sempre considerada ciência a sério. Gera-se assim um clima a que chamei dismissive recognition, ou reconhecimento rejeitante (Pereira, 2012b, 2017). Este clima possibilita a cisão epistémica da investigação de género e feminista (Pereira, 2012b, 2017), isto é, permite separar certos contributos concretos (por exemplo, o conceito de género) das críticas feministas (de caráter epistemológico, teórico e político) que geraram esses contributos e são indissociáveis deles, com a justificação de que essas críticas feministas vão longe demais, tornam--se menos científicas e são, portanto, descartáveis. Como explica Joaquim, o género é uma “[c]ategoria analítica que se tornou um contributo teórico importante, mas que não é reconhecido na sua fonte, que é ‘cortada’ da área dos estudos sobre as mulheres, das teorias feministas, havendo neste caso a despolitização (…) do conceito” (2004, p. 89). Neves reforça esta ideia, argumentando que o estudo do género “tem sido alvo de um processo de descaracterização, sendo o género empregue recorrentemente como variável de análise, alegadamente neutra e despojada do seu sentido político” (2015, p. 41).

Este corte é, às vezes, tão completo que parece possível e aceitável na Sociologia geral escrever sobre género sem ler ou citar autorxs feministas. Várixs sociólogxs que entrevistei e observei afirmam que xs autorxs feministas nem sempre são suficientemente científicxs (Pereira, 2012b, 2017). Argumentam, como tal, que é melhor estudar género usando teorias sociológicas gerais de autores não-feministas como Pierre Bourdieu (1999), ele próprio muito criticado por “ignorar os contributos anteriores da sociologia feminista, tanto francesa como americana” (Amâncio, 2003, p. 708; ver também Ferreira, 2001; Ramalho, 2001). Este clima de falta de ensino, limitada citação, reconhecimento rejeitante e cisão epistémica tem, claro, efeitos diretos nas experiências dxs sociólogxs que fazem investigação de género e feminista (e outras áreas próximas, como a investigação queer e sobre sexualidade). Mas esse clima tem efeitos negativos também em toda a disciplina, porque afeta a forma como circula a crítica feminista na Sociologia e, consequentemente, a forma como se concetualiza género na Sociologia geral (Cunha, 2008; Neves, 2015; Torres, 2018). É por causa desse clima que é comum na Sociologia geral falar de género sem refletir criticamente sobre as desigualdades de género na investigação sociológica (Barroso et al., 2011; Machado, 2020), ou estudar género sem questionar os enviesamentos de género dos paradigmas sociológicos dominantes (Amâncio, 2003; Pereira e Santos, 2014).

Esta tendência de discussão do género sem crítica de género pode ser problematizada e substituída por formas de trabalho mais reflexivas. Como argumentam Alvesson e Sköldberg,

We cannot expect research which is not primarily concerned with the clarification of gender topics, to achieve any great sophistication in its gender-related thinking but […] the bottom line could be that non-feminist (…) research should not (unconsciously) operate as a conservative force in gender relations, reproducing taken-for-granted ideas and gender-biased institutions. [2018, p. 302-3]

Segundo estxs autorxs, para cumprir esse requisito mínimo - não reproduzir inconsciente e acriticamente estereótipos e desigualdades de género na investigação - não é suficiente que xs sociólogxs se esforcem por “manter a mente aberta ou evitar o preconceito” (2018, p. 304). Alvesson e Sköldberg explicam que xs investigadorxs tendem a sobre-estimar a sua capacidade de libertar o seu próprio pensamento de preconceitos de género dominantes e, portanto “[a]n atheoretical reliance on intuition - often guided by common sense and personal ‘theories’ - will often not do”; “a certain amount of work on gender theory and learning of gender-sensitive categories is called for” (2018, p. 304). Por outras palavras, boas intenções e intuições não são suficientes; é necessário fazer um trabalho individual e coletivo de (auto-)reflexividade, guiado por uma maior atenção às críticas feministas do conhecimento sociológico e científico. Nas secções que se seguem, contribuo para esse trabalho, convidando à reflexão sobre quatro dimensões da Sociologia geral: a forma como se pensa sobre género, a linguagem usada para nomear género, as perguntas que se colocam sobre género, e o modo como se pode intervir na construção do género na sociedade.

Pensar sobre género: dualismos, essencialismos e determinismos

Quando é discutido na Sociologia geral, o género surge, na esmagadora maioria das vezes, apenas como variável, e uma variável que é binária. Geralmente, a análise de género é entendida e praticada nessa literatura como uma divisão da população estudada em dois grupos com base no sexo, e a comparação desses grupos quanto a práticas, atitudes, traços ou desempenhos. É frequente, nessas análises, o uso de expressões como “as atitudes dos dois géneros”, “a imagem que cada género tem do género oposto”, ou “a percentagem de jovens que afirmam (…), segundo o género”. Em todas estas expressões, o género é representado como par de opostos que divide as pessoas em duas categorias estáveis e mutuamente exclusivas; funciona, assim, como substituto - com aparência mais “sociológica” - do sexo. Dá-se, portanto, uma “colagem do género ao sexo” (Amâncio, 2003, p. 690). Com esta colagem, o enfoque central, ou exclusivo, da análise de género torna-se a identificação de diferenças entre sexos (Amâncio, 2003; Nogueira, 2001). Isto significa que mulheres e homens são posicionadxs logo à partida como dois grupos separados, e que a diferença entre elxs é a lente a partir da qual se interpela e interpreta a realidade, aquilo que se vai procurar nos inquéritos, entrevistas ou observações e, consequentemente, aquilo que se vai ver, porque como salienta Wolcott, “[we] do not describe what [we] see, [we] see what [we] know how to describe” (1999, p. 101).

Esta abordagem não parece, à primeira vista, particularmente problemática - essas diferenças de género às vezes estão presentes nos fenómenos ou grupos que estudamos e, como tal, devem ser inventariadas. Mas são apenas uma parte de um fenómeno que é significativamente mais complexo e menos fixo do que este tipo de abordagens permite reconhecer. Por isso, o enfoque desproporcional e acrítico nestas diferenças como ponto de partida e objet(iv)o principal de uma análise de género pode criar vários enviesamentos com efeitos diretos nos dados recolhidos e conclusões formuladas. Em Pereira (2012a), demonstro estes enviesamentos em detalhe e na prática,4 utilizando como exemplo discussões sobre género na pesquisa sociológica não-feminista sobre educação e juventude. Nos parágrafos que se seguem, elenco esses enviesamentos de forma mais geral e superficial.

Tratar a análise de género como mera identificação de diferenças entre mulheres e homens leva-nos, previsivelmente, a não considerar adequadamente as semelhanças. Como escreve Connell, “[d]ichotomous gender symbolism is very strong in Western culture […], so it is not surprising that when researchers (and others) think about sex and gender, what they «see» is difference. Within our usual mindset and our usual research design, gender similarity is not a positive state; it is merely the absence of proven difference” (2002, p. 42). Além de sobre-valorizar as diferenças e invisibilizar as semelhanças entre mulheres e homens, essa abordagem tende a exagerar a homogeneidade interna de cada categoria. Como tal, negligencia as diferenças entre pessoas da mesma categoria - não só as diferenças associadas ao género (como a descrição de um homem como mais “masculino” do que outro) mas também as diferenças relacionadas com as interseções entre género e outros eixos de desigualdade, como a raça, origem étnica, classe, sexualidade ou deficiência (Connell, 2002; Crenshaw, 1991). Além disso, esta abordagem trata o género como um traço dos indivíduos, e não como um processo ou estrutura social (Pereira, 2012a; Torres, 2018). Assim, foca-se a análise em diferenças entre indivíduos (que são descritas como factos mais ou menos estáveis) e não nas estruturas de desigualdade ou nos processos contínuos, interativos e contingentes de (des)construção do género. Como assume a existência de uma masculinidade ou feminilidade de e nos indivíduos, a investigação reifica as diferenças que estuda. Produz-se, deste modo, uma visão relativamente essencialista e estática da masculinidade, feminilidade e suas diferenças. Em resumo, ao associar o estudo do género à identificação de diferenças entre mulheres e homens, a Sociologia geral tende a ver no género aquilo que as matrizes de pensamento dominantes tornam particularmente visível - dualismos, oposições, determinações, estabilidade e reprodução. De facto, e como explica Becker, “[i]t takes a tremendous effort of will and imagination to stop seeing the things that are conventionally ‘there’ to be seen” (1971, p. 10, citado em Delamont, 2002, p. 47).

Há autorxs que consideram que concetualizar o género desta forma é uma consequência em larga medida inevitável do facto de o género ser habitualmente vivido e pensado, nas sociedades ocidentais contemporâneas, em termos binários, estáveis e deterministas. Segundo elxs, se a construção social do género é dualista, certos dualismos estarão necessariamente refletidos na linguagem e análise sociológica, e portanto é irrealista apelar à sua superação na Sociologia. É esta a posição de Bourdieu, por exemplo:

A verificação da constância histórica da relação de dominação masculina (…) obriga-nos a apercebermo-nos da vacuidade dos apelos ostentatórios dos filósofos ‘pós-modernos’ à ‘superação dos dualismos’; estes últimos, profundamente enraízados nas coisas (as estruturas) e nos corpos, não nasceram de um simples efeito de nomeação verbal e não podem ser abolidos por um acto de magia performativa. [1999, p. 89, itálicos no original]

Mas será que estes dualismos estão, de facto, totalmente “enraízados” nas coisas e nos corpos?

Já em 1999 seria possível contestar esta afirmação de Bourdieu porque décadas de investigação médica e biológica demonstram que o sexo não é binário, mas sim um espectro (Kreukels et al., 2014), e que as categorias “corpo feminino” e “corpo masculino” não são mutuamente exclusivas ou coletivamente exaustivas, facto aliás amplamente reconhecido em muitas culturas por todo o mundo (Nanda, 2014). Sempre nasceram e existiram muitos corpos que em termos de morfologia, cromossomas ou hormonas, por exemplo, não correspondem completamente às duas categorias de sexo que reconhecemos nas sociedades ocidentais (Kreukels et al., 2014), e que são impostas sobre corpos naturalmente diversos por meio de intervenções cirúrgicas e médicas na infância (Santos, 2013), práticas que passaram a ser proibidas em Portugal com a Lei n.º 38/2018 de 7 de Agosto.5 Vinte anos depois de Bourdieu ter escrito aquelas palavras, é ainda mais difícil sustentar a afirmação de que o binarismo de género é constante e enraízado. Nestas duas décadas, houve transformações profundas nas categorias, discursos e legislação de género em Portugal e no estrangeiro, e é hoje significativo o número de pessoas que assumem identidades e corpos trans* e não-binários (Merlini, 2020; Saleiro, 2013; Saleiro et al., 2022; Santos, 2018; Santos, 2013).6 Os dualismos não foram abolidos, claro, mas estão a ser transformados, em parte por atos performativos que podem não ser “mágicos”, mas conseguem mudar profundamente “as coisas (as estruturas) e os corpos”, como está amplamente demonstrado pela investigação feminista e queer (Aboim, 2022; Butler, 2017 [1990]; Nogueira, 2001; Oliveira, 2015; Pereira, 2012a; Santos, 2012). A este nível, a sociedade portuguesa está a mudar mais rápido do que a Sociologia portuguesa. Portanto, os termos usados para pensar género na Sociologia geral, cada vez mais desadequados e desatualizados, têm de mudar também para acompanhar essas transformações.

Evitar dualismos de género é importante não só porque há algumas pessoas que não encaixam neles, mas também porque esses dualismos enviesam a análise que fazemos de todas as pessoas. Estas questões não são, e não podem ser vistas como, preocupações de “nicho”; elas são relevantes para toda a investigação sociológica e em relação a todxs xs participantes. Os dualismos são centrais na construção social do género mas, como muita investigação empírica demonstra (Pereira, 2012a), não estão presentes sempre, nem aparecem sempre da mesma forma ou de modo igualmente estruturante. Como tal, estudar todos os (con)textos empíricos a partir do pressuposto de que estes dualismos estão sempre “profundamente enraízados nas coisas” é reificar esses dualismos e dar-lhes uma aparência de inevitabilidade e normalidade, aparência essa que reforça o seu peso e legitimidade social (Nogueira, 2001). Devemos reconhecer e nomear dualismos, mas não podemos tomar esses dualismos como pressuposto da análise, como a priori a partir do qual estudamos objetos e grupos. Como escreve Thorne, “[t]o move our research wagons out of the dualistic rut, we [must] try to start with a sense of the whole rather than with an assumption of gender as separation and difference. If we begin by assuming (…) contrastive differences, we will also end with a sharp sense of dichotomy rather than attending to multiple differences and sources of commonality” (1993, p. 108).

Para mudar esta maneira de ver o género, “[é] necessário sair das categorias habituais que organizam o conhecimento (…) e desafiar a linguagem de aparência fixa (…), para se mover «para além» da diferença” (Nogueira, 2001, p. 200). Esta não é uma tarefa fácil; antes pelo contrário. A linguagem e categorias à nossa disposição e as matrizes dominantes de perceção do real tornam muito difícil pensar completamente “para além da diferença” e dualismo. Qualquer investigação, especializada ou não, que aborde género (incluindo a minha!) tende a envolver dualismos. Mas como demonstro na prática em Pereira (2012a), é possível trabalhar os dualismos de forma mais reflexiva e produtiva se aplicarmos algumas estratégias: reconhecer a diversidade de masculinidades, feminilidades e identidades não-binárias; não pressupor que existe sempre e só uma oposição entre masculino e feminino (há, por exemplo, muitas feminilidades construídas por oposição a outras feminilidades e não apenas ao masculino); evitar associações imediatas entre homens e masculino e entre mulheres e feminino (o que poderá envolver, por exemplo, reconhecer como a categoria de “feminino” é usada para produzir hierarquias entre homens), e não focar a análise só nas diferenças entre mulheres e homens, considerando também semelhanças entre elxs, diferenças dentro de cada categoria, e a existência de outras categorias.

Transformar a abordagem ao género na Sociologia geral exige reconhecer de forma mais explícita e responsável que a Sociologia não se limita a descrever um binarismo de género que existe “lá fora”, na sociedade. Como argumenta Silva, xs “cientistas compartilham com demais actores sociais pressupostos e operadores ideológicos que podem tornar-se eventualmente obstáculos epistemológicos” (1986, p. 31). De facto, ao pressupor a existência do binarismo de género e interpretar a realidade com base nele, xs sociólogxs participam na (re)produção social desse binarismo. Essa participação não é apenas um problema “epistemológico” (para usar as palavras de Silva); é também um problema social e político, porque segundo Nogueira,

os debates [académicos] acerca do género (…) têm consequências evidentes e importantes. O que “fazemos” do género e a forma como definimos homem e mulher têm influência no modo como as pessoas se percepcionam a si próprias e ao mundo (…) [e] têm também influência no comportamento, nas instituições sociais e sua organização. (2001, p. 196)

Se “o que ‘fazemos’ do género” na Sociologia afeta a forma como se faz género na sociedade, então o que podemos fazer para garantir que esse nosso impacto é refletido, construtivo e emancipatório? O que podemos fazer, na prática, para evitar que a Sociologia geral funcione “(inconscientemente) como uma força conservadora nas relações de género, reproduzindo ideias feitas[,] instituições desiguais” e exclusões injustas (Alvesson e Sköldberg, 2018, p. 303)? Na próxima secção, faço algumas propostas concretas, focadas especificamente na linguagem.

Escrever sobre género: os problemas da linguagem convencional e os desafios da linguagem inclusiva

Segundo Gato e Leal (2022), para produzir ciência aberta e responsável é necessário cumprir alguns princípios em termos de linguagem: não “usar linguagem preconceituosa ou que perpetue assunções enviesadas”; reconhecer que a “linguagem muda ao longo do tempo” e que é “importante utilizar os termos que as pessoas e/ou as comunidades usam para se descreverem a si próprias”; e consultar as populações com quem trabalhamos (em especial as populações vulnerabilizadas) quando produzimos materiais de investigação. Como o português é uma língua profundamente genderizada, é necessário estar atentx ao modo como a linguagem da investigação sociológica reproduz, a nível morfológico e sintático, ideias sobre género.

O binarismo de género, por exemplo, é explícito e rígido no português (Abranches, 2009; Keating, 2005). Somos obrigadxs muitas vezes a nomear o género das pessoas - individuais e coletivas - às quais nos referimos, e no português convencional não temos alternativas de nomeação de género para além do feminino ou masculino, ao contrário de línguas que contêm pronomes neutros ou não-binários, em circulação há muito tempo ou inventados recentemente - como they em inglês ou hen em sueco. Para evitar o masculino genérico ou o falso neutro (Barreno, 1985) e produzir linguagem inclusiva, é cada vez mais frequente em Portugal usar formulações que visibilizam simultaneamente a forma feminina e masculina - por exemplo, sociólogas/os, sociólogas(os) ou sociólog@s. É isso que recomenda a legislação (por exemplo, a Resolução do Conselho de Ministros (sic) n.º 90-B/2015) e os documentos oficiais (Abranches, 2009; Conselho da União Europeia, 2018). Apesar disso, a grande maioria dos textos da Sociologia geral em Portugal continua, infelizmente, a usar o masculino neutro. Para ilustrar esta tendência, no Outono de 2022 consultei o último número das principais revistas de Sociologia em Portugal e analisei todos os resumos em português em cada uma delas. Quase todos usam o masculino neutro para designar populações heterogéneas em termos de género - falam “dos adolescentes”, de “professores (…) [e] dos estudantes”, “os enfermeiros”, “os residentes”, “os utilizadores” ou “os diplomados”. Não se regista nestes artigos - e na maioria dos textos da Sociologia geral - uma preocupação visível em questionar e evitar exclusões na linguagem, recorrendo ao uso de formulações mais inclusivas.

Esta é outra dimensão em que a Sociologia está atrasada em relação a outras instituições sociais. Urge, portanto, sensibilizar xs colegas para a necessidade de problematizar e adaptar a linguagem. Mas este não é um problema de soluções simples, visto que as estratégias mais populares de escrita inclusiva (em termos de género) em português têm sido bastante criticadas nos últimos anos em diversos países lusófonos. Considera-se que elas podem causar problemas porque cumprem o objetivo de dar mais visibilidade às mulheres, mas reproduzem a ideia de que só existem - ou só é necessário incluir explicitamente - mulheres e homens. Veja-se, por exemplo, a Resolução do Conselho de Ministros (sic) n.º 161/2008, na qual o Conselho resolve “7. Desenvolver práticas não discriminatórias da linguagem, tais como: a) a referência explícita aos dois sexos”.

Construir formas alternativas de expressão em português que sejam inclusivas não só de homens e mulheres, mas também de pessoas com identidades de género não-binárias, é uma tarefa complexa. Mas nos últimos anos muitxs especialistas e organizações têm trabalhado estas questões, especialmente no Brasil, e existem já várias propostas diferentes de sistemas de linguagem inclusiva neutra (ou não-binária) (Cassiano, 2019; Conselho da Língua Neutra, 2022; Lobo e Gaigaia, 2014; Valente, 2020). Já temos também estudos na Sociologia portuguesa que tentam aplicar na prática algumas destas propostas, como o livro Género e Transgressão de Sara Merlini (2020) que usa o sistema “Ile”. Neste texto, optei pela utilização do “X” para tornar neutros os termos que são explicitamente genderizados, porque essa é uma estratégia relativamente simples que não requer alteração da gramática e garante a legibilidade do texto para públicos que não estão familiarizados com sistemas de linguagem inclusiva neutra mais complexos. No entanto, ela não é, de todo, uma solução sem problemas - tem sido criticada, por exemplo, por não ser pronunciável na linguagem oral e não ser acessível a pessoas com dislexia ou pessoas com deficiências visuais que utilizam programas de leitura através do som (Juno, 2014; Valente, 2020).

Sendo esta uma área em processo de rápida mudança, com intenso debate e novas inovações a emergir constantemente, não faz sentido que eu proponha aqui uma solução final de linguagem inclusiva não-binária a ser adotada em toda a Sociologia portuguesa. O que me parece fundamental fazer neste momento é intervir a dois níveis. Em primeiro lugar, há que intervir ao nível mais individual das reflexões e práticas que cada sociólogx desenvolve sobre a sua linguagem. A este nível, há que continuar a sensibilizar xs sociólogxs para a necessidade de evitar o masculino neutro, chamar a atenção para as limitações das estratégias tradicionais de escrita inclusiva, e divulgar os novos debates e propostas sobre linguagem inclusiva.

Em segundo lugar, devemos intervir ao nível coletivo dos instrumentos de divulgação do conhecimento sociológico, particularmente revistas científicas, editoras e congressos. Estas plataformas devem tomar a liderança no esforço de atualizar a linguagem sociológica para garantir que esta acompanha tanto as mudanças sociais, como os desenvolvimentos científicos, não só quanto ao género mas também à raça (confrontando as questões levantadas por movimentos como Black Lives Matter) e outras desigualdades. Para isso, congressos, editoras e revistas têm de usar linguagem inclusiva e também definir normas explícitas sobre linguagem inclusiva a ser consideradas por todxs xs que aí apresentam o seu trabalho. Neste momento, muitas revistas em Portugal não só não funcionam como modelo a este nível, como até dificultam ou impossibilitam, de forma mais ou menos intencional, o uso de linguagem inclusiva. Foi essa a experiência que tive recentemente com duas revistas portuguesas para as quais submeti artigos escritos originalmente - como este texto - com recurso ao “X”. Numa das revistas, todas as palavras com “x” foram, por lapso, substituídas pelo revisor da revista pelo mesmo termo no masculino; o texto que daí resultou excluía não só as pessoas não-binárias, mas também as mulheres. Como não fui consultada quanto a esta revisão, o lapso só foi detetado depois de impresso o artigo. Felizmente, a revista re-publicou uma versão correta no número seguinte. Na outra revista, foi-me dito no processo de revisão que “não podemos aceitar a formulação «xs», mesmo com nota explicativa”, e que por isso deveria usar “«os/as», que é a forma utilizada nos textos publicados na revista (quando os autores (sic) optam por usar escrita inclusiva)”. Propus, então, utilizar também “as/os”, alternando essa formulação com os “os/as” que a revista preferia. A equipa da revista estava inicialmente receosa que esta opção de “alternar a escrita inclusiva [pudesse] dificulta[r] a leitura ou compreensão do texto”, mas aceitou publicar o texto nesse formato - sem “X” e com “os/as” em ordem alternada. A versão em circulação do meu artigo parece inclusiva, mas é ainda binária, e não reflete a forma como concetualizo género ou como me posiciono face aos debates sobre linguagem. Transformar estas orientações e práticas editoriais é um ato relativamente simples, já implementado por várias revistas em Portugal e no estrangeiro. As normas da revista portuguesa ex aequo, por exemplo, indicam que “os textos [submetidos] podem ser redigidos em português, espanhol, francês ou inglês, devendo adotar uma linguagem não discriminatória, inclusiva e promotora da igualdade”. O jornal international Sociology explicita que “[l]anguage that might be deemed sexist or racist must not be used”. O Politécnico do Porto publicou um guia de linguagem inclusiva (Serrão et al., 2020, p. 7), afirmando que as instituições académicas devem “encetar esforços com vista a tornar a comunicação mais inclusiva e mais consentânea com os princípios [de igualdade] que defende[m]”. Generalizar este tipo de norma nas revistas, editoras, conferências e instituições de Sociologia em Portugal será um passo importante na criação de uma Sociologia mais atual, flexível, consciente e inclusiva.

Perguntar o género: estereótipos e enviesamentos em guiões de entrevista e inquérito

Durante a observação e recolha de dados, xs sociólogxs e os seus métodos também fazem género. O modo como nos apresentamos e falamos com participantes transmite mensagens implícitas sobre género e pode (re)produzir diferenciações e desigualdades no terreno (Thorne, 1993). Estes são processos inconscientes sobre os quais é importante refletir antes, durante e depois do trabalho de campo. Mas eles não acontecem apenas em estudos que envolvem interação face-a-face ou duradoura com participantes. As perguntas que colocamos em inquéritos e entrevistas são, também elas, veículos de mensagens sobre género. Aliás, um guião é um texto que - como qualquer outro texto - pode ser analisado para identificar os pressupostos sobre género que o estruturam.

É produtivo analisar as perguntas que formulamos e aquilo que consideramos serem respostas possíveis. Um exemplo muito óbvio é o modo como convidamos participantes a caracterizar a sua identidade de género. Muitos estudos fazem apenas uma pergunta - à qual dão a designação de Sexo ou Género - e dão apenas duas respostas - Masculino e Feminino. Não se reconhece que pode haver participantes cuja identidade não corresponde a essas duas categorias. Mais tarde, na interpretação dos dados, assume-se que todas as pessoas que selecionaram, por exemplo, “masculino”, são pessoas que nasceram com corpos ditos masculinos e sempre viveram, e foram reconhecidos pela sociedade, como homens. Por outras palavras, assume-se que todxs xs participantes são cisgénero, isto é, pessoas que sentem que a sua identidade de género corresponde ao corpo que têm e à forma como a sociedade as categorizou à nascença. Desta forma, invisibiliza-se inadvertidamente a existência (cada vez mais expressiva) das pessoas trans*, intersexo e não-binárias, e perdemos importantes oportunidades de perceber o real panorama de género no país e no nosso objeto de estudo (Merlini, 2020; Saleiro, 2013; Saleiro et al., 2022; Santos, 2013). É cada vez mais importante, por isso, integrar o género em guiões de forma menos binária e simplista, formulando perguntas e propondo possibilidades de resposta que captam melhor a sua diversidade e complexidade. O estudo de Nogueira et al. (2010), as diretivas do Australian Bureau of Statistics (2021) e as propostas de Gato e Leal (2022) e de d’Avelar et al. (2021) oferecem modelos possíveis, mas esta é outra área em profunda inovação. Há estudos e debates em curso em vários países (por exemplo English, 2022) com o objetivo de identificar formas de classificação em inquéritos que permitam representar mais inclusivamente a diversidade de sexo, género e sexualidade, garantindo ao mesmo tempo a robustez dos dados e da análise estatística.7

Quando pensamos sobre estereótipos de género em inquéritos sociológicos, não basta examinar as perguntas sobre a identidade dxs participantes; podemos também problematizar as perguntas que aparecem no “miolo” do inquérito. Para ilustrar isto, analisarei aqui dois exemplos de perguntas sobre atitudes face à atividade profissional das mulheres e conciliação entre essa atividade e a vida familiar. É um tipo de pergunta que aparece com frequência na Sociologia portuguesa, especializada ou não especializada, como forma de aferir quão igualitárias são as atitudes e valores dxs inquiridxs. Os excertos são ambos reais, reproduzidos verbatim de estudos amplamente reconhecidos e citados. Eles não são formulações idiossincráticas dxs autorxs dos estudos mas sim manifestações genéricas de um tipo recorrente; como tal, não indico as fontes dos exemplos porque não pretendo focar a atenção ou crítica especificamente nestxs autorxs. Consideremos o primeiro exemplo:

Escolha de entre as três opiniões seguintes uma que se aproxime mais do seu ponto de vista:

  • Na família, o ideal é que tanto o homem como a mulher tenham uma atividade profissional e que ambos cuidem dos filhos e partilhem as tarefas domésticas.

  • Na família, o ideal é que a mulher tenha uma atividade profissional menos absorvente do que a do homem de modo a poder assegurar uma grande parte dos cuidados com os filhos e o essencial das tarefas domésticas.

  • Na família, o ideal é que só o homem exerça atividade profissional e a mulher se ocupe da casa e dos filhos.

Neste exemplo, tal como na maioria das versões deste tipo de pergunta, “família” significa uma família heterossexual, com dois adultos (e filhxs), e a atividade profissional masculina (a tempo inteiro, presume-se) é um dado adquirido e óbvio. Numa família “ideal”, há um homem e uma mulher, e a atividade profissional do homem não é objeto da questão; é inquestionável. A atividade da mulher, pelo contrário, é variável e opcional; é ela, e só ela, que é objeto de questão. Reconhece-se aqui a existência de diferentes modelos de feminilidade, mas a masculinidade e heterossexualidade (e a “duoparentalidade”) são normalizadas, reificadas e tratadas como invariáveis: são a ordem habitual das coisas, tão evidente e universal que cobre todas as respostas (e atitudes e experiências) possíveis. Esta abordagem é problemática não só porque reproduz estereótipos e normatividades de género e sexualidade, mas também porque não reconhece a profunda diversidade e a significativa transformação de dinâmicas laborais, estruturas familiares e modelos de paternidade em Portugal nas últimas décadas (Casaca, 2013; Santos, 2018; Schouten, 2011; Wall et al., 2010; Wall e Amâncio, 2007). Além disso, a linguagem não é inclusiva. Inadvertidamente, o próprio guião “faz” género - isto é, reproduz invisibilidades e posiciona como norma(i)s formas particulares de entender o género.

O segundo exemplo repete alguns destes problemas. Trata-se de uma pergunta que é concebida e usada para medir a adesão dxs inquiridxs a “padrões mais modernistas (igualitários) de diferenciação de género”:

Das seguintes afirmações escolha aquela que está mais de acordo com a sua opinião:

  1. Quando uma mulher tem filhos, ela deve preocupar-se mais com eles do que com a sua própria carreira profissional.

  2. Uma mulher não deve sacrificar a sua realização profissional por causa dos filhos.

O enunciado da pergunta não fala de homens, portanto a formulação é menos heteronormativa e a relação das mulheres com o trabalho e filhxs é analisada nos seus próprios termos. No entanto, o inquérito não contém uma pergunta equivalente sobre os homens, dando novamente a impressão de que a relação dos homens com o trabalho é um dado óbvio e adquirido. Reproduz-se, assim, a ideia de que a questão da conciliação entre carreira e vida familiar é formulável apenas por relação às mulheres e que só para as mulheres é que a chegada de filhxs obriga a optar entre dois modos de vida opostos. Isto é problemático não só porque constitui uma reprodução acrítica de estereótipos (Alvesson e Sköldberg, 2018), mas também porque põe em causa o rigor e precisão dos dados e conclusões do estudo.

De facto, há no exemplo acima um problema técnico grave que faz com que a pergunta não possa medir aquilo que foi concebida para medir. Segundo xs autorxs, escolher a resposta B é sinal de que X inquiridx tem representações de género mais igualitárias - ou seja, de que não há uma assimetria tão grande entre as normas que considera adequadas para mulheres e homens. Mas se não se pergunta qual é a norma para os homens (provavelmente porque se assume que essa norma é evidente e consensual), como podemos saber se há assimetria? Pressupõe-se que todxs xs inquiridxs selecionariam a opção B se a pergunta fosse sobre homens, mas com base nos dados do estudo, não é possível ter a certeza que seria, de facto, assim. Pode haver inquiridxs que consideram que a família é o mais importante e portanto qualquer pessoa, independentemente do género, se deve preocupar mais com xs filhxs do que com a carreira. A probabilidade de haver inquiridxs com essa posição é, aliás, muito alta, já que diversos estudos concluem que em Portugal tanto mulheres como homens dão mais importância à família do que ao trabalho (Torres et al., 2008; Wall e Amâncio, 2007). Este exemplo ilustra bem como a falta de reflexividade no pensamento sobre género pode enviesar a análise sociológica e levar-nos a fazer perguntas desadequadas e formular conclusões erróneas, que não podem ser extraídas dos dados de que dispomos.

Importa, portanto, fazer perguntas mais abertas, que não reproduzam tão mecanicamente as matrizes de pensamento dominantes sobre género. Esta abordagem tem dois benefícios. Por um lado, impede que a Sociologia contribua inadvertidamente para reproduzir os estereótipos que deve ser sua função problematizar. Por outro lado, cria mais espaço a respostas que não encaixam nessas matrizes, permitindo-nos reconhecer melhor a complexidade e diversidade de atitudes e experiências que já existe na população e identificar mais rápida e rigorosamente as tendências de mudança futura. Para ilustrar a importância disto, vou recorrer ao exemplo de outra pergunta comum em estudos que abordam estereótipos de género através de inquéritos ou entrevistas. É comum nestes estudos perguntar a participantes quais são as diferenças entre mulheres e homens. A natureza binária e essencialista desta formulação é clara e, como argumentei acima, problemática, pois exclui várias pessoas e identidades. Mas ela tem outro problema adicional: pergunta-se quais são as diferenças mas raramente se pergunta quais são as semelhanças. A ausência desta questão gera mais dois problemas. Por um lado, confirma e legitima, junto dxs participantes e leitorxs, a ideia de que a relação entre mulheres e homens se formula, fundamentalmente, em termos de diferença. Por outro lado, enviesa e exagera a centralidade da diferença no pensamento sobre género. Se perguntamos apenas sobre as diferenças, e xs participantes respondem elencando várias diferenças, não podemos aferir se as diferenças que identificaram são, para elxs, a regra ou a exceção no género, isto é, se acham que mulheres e homens são principalmente diferentes, principalmente semelhantes, uma mistura dos dois, ou outra coisa qualquer. Como salientam Almeida e Pinto (1995), as respostas que obtemos dependem das perguntas que colocamos - e quando as nossas perguntas são explícita e exclusivamente sobre diferenças (formuladas em termos binários), o que nos vai ser dado a conhecer, tendencialmente, são só diferenças (e binarismos) e não semelhanças (e pluralidades), por mais centrais que estas sejam no pensamento dxs entrevistadxs.

Para evitar este enviesamento, no meu estudo da negociação do género entre jovens na escola (Pereira, 2012a) incluí no guião duas perguntas: “que diferenças é que achas que existem entre mulheres e homens?”8 e “que semelhanças é que achas que existem?”. A rapidez e facilidade com que cada entrevistadx identificou um rol de diferenças na primeira pergunta podia ter-me levado a concluir, sem mais nada, que concebiam mulheres e homens como grupos distintos e opostos. No entanto, quando coloquei a segunda pergunta xs jovens identificaram muitas semelhanças, mencionando dimensões que não teriam sido referidas de outra forma, e que relativizam - e para muitxs entrevistadxs até anulam - a centralidade da diferença no género (Pereira, 2012a, capítulo 9). Juntando as respostas às duas perguntas, verifiquei que cada jovem atribui um peso distinto à diferença e semelhança mas todxs acham que ambas são elementos importantes do género. Não era consensual ou sequer maioritária a crença de que homens e mulheres se definem principalmente pela diferença, e o género era descrito como relação complexa, e não como diferença dualista ou oposicional, ao contrário do que concluíram outros estudos que só colocaram a primeira questão (Pereira, 2012a).

Mas colocar perguntas abertas não é suficiente; é também necessário analisar de forma aberta as respostas a essas perguntas. Há alguns anos, colaborei com colegas na redação de um guião de entrevista para um projeto sobre género e sugeri, pelas razões acima, a inclusão de uma pergunta sobre semelhanças. Depois do pré-teste do guião, a equipa decidiu retirar essa pergunta do guião final porque xs entrevistadxs respondiam sistematicamente através da “mobilização de categorias que nada ou pouco têm a ver o género (…), macro-categorias culturais. (…) Ou seja, nada de relevante…” (excerto de email). Como escreve Connell, “[w]ithin our usual mindset and our usual research design, gender similarity is not a positive state; it is merely the absence of proven difference” (2002, p. 42). Por outras palavas, só achamos que encontrámos qualquer coisa nos dados quando encontramos uma diferença; se o que está nos dados é semelhança, achamos que não encontrámos “nada de relevante”. Concluindo não há ali nada para analisar, retiramos essas perguntas dos guiões ou não incluímos esses dados na análise. Desta forma, reproduzimos uma análise parcial e enviesada, e reforçamos a associação entre género e aquilo que procuramos mais frequentemente e vemos mais facilmente: dualismo, diferença e estereótipos.

Transformar o género: o impacto da sociologia na sociedade

A Sociologia pode contribuir para a reprodução ou desconstrução de desigualdades de género não só através da linguagem usada, perguntas colocadas ou análise desenvolvida; mas também da forma como apresentamos a investigação a participantes e à sociedade em geral. Nem todos os estudos oferecem oportunidades para fazer sensibilização com participantes, colaboração com organizações ou divulgação nos média, mas é importante criar oportunidades destas quando elas são pertinentes, e abordá-las com a mesma postura reflexiva e crítica que descrevi acima. Isto é especialmente valioso agora que há mais abertura à discussão sobre desigualdades de género e sexualidade na esfera pública em Portugal, mas também mais backlash (Faludi, 1993), ou reação sexista e homofóbica, a estes temas, tanto da parte de indivíduos como da parte de grupos e partidos (Pereira, 2018b; Santos, 2022).

Neste contexto, xs sociólogxs - especializadxs em género ou não - podem “assumir um papel ativo e interventivo” (Abrantes et al., 2014, p. 2) e fazer um importante trabalho público de educação e consciencialização (Santos, 2012). Isto exige não só levar os resultados da análise às pessoas, mas também trazê-las para dentro do processo de análise, envolvendo-as na produção de conhecimento. Essas práticas de envolvimento dxs participantes podem assumir formas muito variadas (Abrantes et al., 2014) e produzem benefícios tanto para participantes (criando oportunidades de reflexão e expressão) como para a Sociologia e sociedade, pois geram análises de maior riqueza, precisão e utilidade social.

Na minha experiência de aplicação destas práticas em pesquisa com jovens (Pereira, 2012a), verifiquei que envolver participantes na análise dos dados pode ajudar a transformar dinâmicas aparentemente “enraízadas” (Bourdieu, 1999) de desigualdade de género, alterando identidades e interações, promovendo comunicação mais aberta e inclusiva, e diminuindo a frequência ou intensidade de fenómenos de exclusão ou bullying (Pereira, 2012a). Uma década depois do meu trabalho de campo original em 2006 com 23 alunxs de 8º ano de uma escola em Lisboa, re-entrevistei em 2016-2018 18 dos participantes, nessa altura jovens de vinte e muitos anos, em plena transição para a vida adulta e independente, ocupadxs a construir carreiras, famílias e outros projetos em Portugal e no estrangeiro. Nessas entrevistas, verifiquei que quase todxs tinham apenas memórias ténues do período da etnografia e achavam difícil recordar com precisão os resultados do estudo ou temas discutidos nas sessões de debate que dinamizei no final (Pereira, 2012b). Mas apesar de já não se lembrarem dos factos do estudo ou do conteúdo dos debates, metade delxs lembrava-se ainda muito bem de como se sentiu quando leu o estudo ou participou nessas discussões. Aquilo que ficou com elxs até hoje - de forma às vezes muito marcante - foi uma certa sensibilidade crítica de género, a consciência de que o género é construído e portanto pode ser desconstruído, a consciência de que elxs podem ser - intencionalmente ou não - agentes dessa (des)construção. Como me explicou Liliana - uma participante - quando a re-entrevistei em 2016, quando se participa num estudo sociológico

cria-se um caminho, abre-se uma porta, começa-se a falar de uma coisa que nunca pensaste antes. (…) [A]ntes daquele estudo, eu nunca tinha pensado na (…) diferença entre os géneros porque é uma coisa que nós tomamos como garantida (…). E tu entraste e fizeste pensar.

Se participar num estudo sociológico “faz pensar”, refletir criticamente sobre como se constrói o género na Sociologia pode ajudar a garantir que estamos a “fazer pensar” de forma reflexiva e inclusiva.

Conclusão

Neste artigo procurei demonstrar que a forma como habitualmente se pensa e escreve género na Sociologia geral portuguesa assenta em alguns dualismos, exclusões e estereótipos. Estes podem ter efeitos problemáticos - no conhecimento e na sociedade - e portanto devem ser problematizados reflexivamente por todxs nós. Nos últimos anos, a investigação feminista e queer (em Portugal e no estrangeiro) tem desenvolvido os recursos necessários para essa reflexão crítica sobre a reprodução sociológica de visões do género binárias, sexistas e heteronormativas. No entanto, a falta de conhecimento e reconhecimento dessa investigação na Sociologia faz com que muita da produção sociológica geral sobre género continue atrasada, não acompanhando a literatura especializada, ou a evidente mudança de categorias, políticas, práticas e normas de género na sociedade portuguesa.

Enquanto sociólogxs, “we must (…) understand what is possible and also what is exclusionary in our way of thinking and our intellectual practices (…) [and] take responsibility for our own entanglements in power relations” (Ramazanoğlu e Holland, 2000, pp. 216-217), sejam elas relações de poder de género, ou de raça, etnicidade, sexualidade, classe ou deficiência. Assumir esta postura reflexiva não nos permitirá romper completa e automaticamente com todos os estereótipos. No entanto, é uma condição sine qua non para produzir uma Sociologia mais consciente, flexível e responsável, que acompanha atentamente os debates e mobilizações sociais sobre relações de poder ( Santos, 2012). Porque ela própria está entangled, ou enredada, nestas relações de poder, a Sociologia tem de ser encarada - e responsabilizada - como agente da construção social do género, e tem de ser sujeita ao mesmo questionamento e crítica que dirige aos outros agentes e processos de construção de género que estuda (Machado, 2020). É agora óbvio para todxs xs sociólogxs que o género é uma dimensão central da vida social… mas temos de estar atentxs e abertxs - à leitura, aprendizagem, debate e reflexão - para garantir que o caráter mais “óbvio” do género não leva a Sociologia a esquecer-se da sua complexidade.

Agradecimentos

A escrita deste texto foi inspirada por discussões com Teresa Sousa Fernandes, Lígia Amâncio, Ana Caetano e Liliana Azevedo, e pelos comentários da equipa editorial e peer reviewers da Análise Social, a quem deixo os meus sentidos agradecimentos. Desejo agradecer também a Ana Cristina Santos, Sara Merlini, Maria Madalena d’Avelar, Jorge Gato e Rui Vieira Lopes pela partilha de dados e referências, e a Marta Castelo Branco pelo paciente e dedicado apoio editorial. A escrita do texto foi financiada pelo Leverhulme Trust (Philip Leverhulme Prize, PLP-2017-169), por uma Warwick Academic Returners Fellowship (2019/20) e pelo Warwick Covid Career Support Scheme (2021).

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Notas

1Para discussões recentes da institucionalização do estudo do género na academia portuguesa, ver Ferreira (2019), Ferreira et al. (2020) e Pereira (2017, 2018c). Para análises focadas especificamente na Sociologia, ver Barroso et al. (2011), Cunha (2008) e Maciel (2010).

2Uso o “X” quando escrevo palavras genderizadas para adotar uma linguagem mais inclusiva em termos de género. Para uma discussão desta opção (uma entre muitas possíveis), ver secção “Escrever sobre Género”.

3Este estudo analisou etnograficamente a negociação do estatuto epistémico dos Estudos sobre as Mulheres, de Género e Feministas (EMGF) em Portugal. Fiz trabalho de campo durante 10 meses em 2008/09, incluindo observação de mais de 50 eventos nas ciências sociais e humanidades (ex. congressos, conferências, aulas, lançamentos de publicações, reuniões ou defesas de teses), entrevistas a 36 pessoas (incluindo académicxs dentro e fora dos EMGF, estudantes e representantes de entidades académicas várias), visitas a instituições, e pesquisa em arquivos. Em 2015-2016 re-entrevistei 12 dxs participantes originais. Para mais informação ver Pereira (2012b, 2013, 2015, 2017).

4Ver Nogueira (2001) para uma discussão semelhante aplicada à Psicologia.

5A Lei n.º 38/2018 estabelece o “direito à autodeterminação de género e expressão de género e à proteção das características sexuais de casa pessoa”.

6É impossível apresentar dados para quantificar uma população que inclui grupos muito diversos (Merlini, 2020). Sabemos que entre Março de 2011 e Março de 2021, 1227 pessoas afirmaram-se nos registos civis como transexuais (Cordeiro, 2021), e que os números de pessoas que se identificam como transgénero, intersexo e/ou não-binárias têm vindo a crescer significativamente nos últimos anos em Portugal e noutros países (Aboim, 2022; Merlini, 2020; Santos, 2018, 2022), mas não existem contagens ou estimativas destas populações.

7Num debate sobre este tema na lista de e-mail da Secção Temática de Género da Associação Britânica de Sociologia (junho de 2022), Em O’Sullivan propôs uma solução promissora para um dilema comum - o que fazer quando construímos um inquérito com uma diversidade de categorias de género, mas os números de participantes com classificações não-binárias são demasiado pequenos para fazer análises estatísticas significativas. O’Sullivan propõe que se pergunte no inquérito a participantes não-binárixs como preferem que os seus dados sejam tratados nessas situações: agregados à categoria das mulheres, à categoria dos homens ou não analisados. 8 Eu própria não ponderei incluir identidades não-binárias na formulação deste guião (até porque elas não tinham ainda, na altura, a dimensão estatística e visibilidade pública que têm hoje). Os binarismos de género pregam partidas e causam enviesamentos no pensamento de todxs nós, incluindo especialistas em género.

Recebido: 16 de Novembro de 2020; Aceito: 14 de Outubro de 2022

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