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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.248 Lisboa set. 2023  Epub 30-Jul-2023

https://doi.org/10.31447/as00032573.2023248.11 

Recensão

Recensão A teoria da política unipolar”

1. Centro de Estudos Internacionais do Iscte - Instituto Universitário de Lisboa Av. das Forças Armadas - 1649-026 Lisboa, Portugal. pedrochenriques@outlook.com

Monteiro, N. ., Teoria da Política Unipolar. ,, , Coimbra: ,, Edições 70, ,, 2023. ,, 318 ppp. ., ISBN 9789724426266,


Preenchendo um evidente vazio teórico nas relações internacionais a respeito da unipolaridade, com esta obra o autor debruça-se fundamentalmente sobre a durabilidade e a propensão ao conflito de uma estrutura internacional unipolar. Distanciando-se de visões determinísticas, o autor atribui um papel central ao ator preponderante deste sistema: o unipolo.

Um dos grandes focos deste livro é precisamente compreender qual será a melhor grande estratégia a adotar pelo unipolo, de forma a retirar o máximo de benefícios e o mínimo de custos da estrutura internacional. Baseando-se nos princípios realistas estruturais das relações internacionais, a respeito da anarquia e do poder no sistema internacional, Nuno Monteiro teoriza a respeito da unipolaridade que caracteriza o mundo pós-guerra fria. Abordando as fontes de conflito que lhe estão associadas, e o papel das armas nucleares na sua estrutura, a obra acaba precisamente a focar-se na Guerra do Golfo, nos bombardeamentos à Jugoslávia, na Guerra do Iraque, e nas reações que estes conflitos causaram em outro Estados, nomeadamente no Irão e na República Popular Democrática da Coreia.

O mundo unipolar, como definido pelo autor, para além de não ser um mundo hegemónico ou imperial - onde o princípio de relações seria hierárquico, e não anárquico como na unipolaridade, não deixando de afirmar que: “não significa que a unipolaridade seja desprovida de relações hierárquicas” (p. 59), é um mundo em que só existe uma única grande potência, que se destaca em domínios fundamentais: território, população, recursos, robustez económica, força militar, estabilidade política e competência. Esta grande potência deve possuir capacidades de defesa plausíveis de evitar a derrota (não assegurar a vitória, dado o fator nuclear), e ter capacidade de projeção militar que a possibilite de, sem auxílio, realizar operações político-militares em qualquer região do globo além da sua, a um nível semelhante do Estado mais poderoso. Não obstante a unipolaridade, existem também no sistema internacional médias e pequenas potências. As médias, que possuem capacidade militar suficiente para evitar uma derrota frente ao unipolo, e lhe infligir custos pesados (i. e. possuir um arsenal nuclear robusto), e as pequenas, que não possuem capacidade dissuasora suficiente.

Outro dos contributos relevantes prestados pela obra é a respeito de uma temática cada vez mais presente na discussão a respeito da unipolaridade nos tempos correntes: o poder económico. Vários académicos, nomeadamente os partidários do declínio irreversível da unipolaridade norte-americana ante a ascensão de outras potências (Krauthammer, 1990) onde geralmente se inclui a República Popular da China, tendem a olhar para o significativo ascenso económico destes Estados como uma antecâmara de um mundo bipolar ou multipolar, uma lógica tradicional do equilíbrio de poder. Nuno Monteiro é incisivo a este respeito: “se as características definidoras de um mundo unipolar durarem enquanto um Estado tem capacidades militares proeminentes, é impossível compreender as dinâmicas que podem levar ao fim da unipolaridade olhando para o poder económico” (p. 66). Isto é, o poder económico não se traduz necessariamente em poderio militar convencional que possa assegurar a referida projeção militar no globo, sendo isto uma escolha deliberada dos Estados. O que o autor procura teorizar é em que circunstâncias é que tal escolha para as médias potências se torna racional, dada a sua sobrevivência já estar assegurada pelas armas nucleares, e tendo em conta que esse alocar de recursos para a componente bélica é desviado do investimento para o crescimento económico: o garante de sobrevivência a longo prazo. Por isto, considera que o mundo unipolar é consistente com qualquer distribuição do poder económico latente, desde que o unipolo ocupe um lugar de destaque nesta distribuição.

A respeito da durabilidade desta configuração unipolar, o autor atribui um papel central às armas nucleares. Tendo em conta que um arsenal nuclear robusto é capaz de assegurar a sobrevivência dos Estados, a probabilidade das médias potências se armarem para além deste ponto e de desenvolverem um poder militar convencional capaz de resultar num equilíbrio sistémico de poder (é relevante não confundir equilíbrio sistémico com busca de equilíbrio) vai depender de se estas médias potências são condicionadas pelo unipolo. Conforme o autor afirma, “é muito improvável que uma potência económica emergente desafie militarmente o unipolo” (p. 96), dados os custos associados a um conflito entre potências nucleares e o facto de a sua sobrevivência já estar assegurada, mas irá depender sempre da grande estratégia adotada pelo unipolo. O autor vai mais longe, afirmando que o fator nuclear é claramente propenso a manter a durabilidade da unipolaridade. Para Nuno Monteiro, a solução é uma grande estratégia de tolerância defensiva, que não provoque sentimentos de insegurança a outras médias potências, proveniente de um condicionamento económico que ponha em causa a sua sobrevivência a longo prazo, mas que seja capaz de manter o statu quo existente. No entanto, conforme também é referido pelo autor, esta estratégia irá envolver conflitos frequentes entre o unipolo e pequenas potências recalcitrantes.

Novamente contrariando a teoria convencional sobre a paz na unipolaridade, onde se destaca a obra de Wohlforth (1999), o autor afirma que “a experiência dos Estados Unidos como potência unipolar tem-se mostrado claramente propensa à guerra” (p. 163). Embora reconheça um avanço significativo nos conflitos da unipolaridade, que é a ausência de guerra entre grandes potências do sistema graças aos armamentos nucleares, o sistema unipolar é especialmente desafiante para pequenas potências recalcitrantes. A unipolaridade envolve uma extensa rede de alianças e de tratados de segurança do unipolo com pequenas e médias potências em todo o globo, e as restantes médias potências não incluídas nesse sistema não possuem grande interesse em contestá-lo. Isto coloca as pequenas potências que, sem armamento nuclear, não conseguem assegurar a sua sobrevivência, ao mesmo tempo que não conseguem procurar equilíbrio associando-se a outra média potência, numa situação de enorme fragilidade: a autoajuda extrema. Esta dinâmica de ausência de garantias de sobrevivência pela pequena potência recalcitrante, em conjunto com a liberdade de ação do unipolo, irá levar a tendências de proliferação nuclear por parte destes pequenos Estados, que implica uma procura de equilíbrio que não serve os interesses do unipolo - uma contradição geradora de conflitos. Qualquer estratégia militar de domínio, quer defensivo quer ofensivo, levará a conflitos frequentes entre o unipolo e pequenas potências recalcitrantes: “em termos dos incentivos que cria para as pequenas potências recalcitrantes, o domínio ofensivo não é muito diferente da sua variante defensiva” (p. 179). Mesmo uma estratégia de descomprometimento, segundo o autor, levaria a um estado de competição nas diversas regiões, criando sistemas específicos em cada parte do globo, que eles próprios - na ausência de algum estado para gerir o statu quo - produziriam conflitos frequentes.

Ao invés de focar a análise no prestígio e nos benefícios da ordem internacional liberal, nas instituições internacionais, na ascensão ameaçadora de outros Estados, ou em outra variável - não obstante reconhecer estes fatores -, o que irá determinar, sobretudo, a durabilidade deste mundo e o seu caráter pacífico é a grande estratégia do unipolo: “a grande estratégia do unipolo é essencial para determinar a probabilidade de sustentação da sua preponderância do poder militar e o tipo (ou até o nível) de conflito a que um mundo unipolar assistirá. […] a grande estratégia desta [da potência preponderante] é a variável mais importante, que condiciona tanto as perspetivas de paz como a durabilidade de um sistema unipolar” (pp. 79-81).

A grande estratégia é, de acordo com o autor, uma combinação da postura militar e da postura económica em relação aos outros estados. No plano militar, pode ser de domínio ofensivo - uma postura que vise alterar o statu quo a seu favor, seja via alteração de fronteiras, alinhamento internacional, ou outros. Pode ser de domínio defensivo, isto é, que vise preservar o statu quo, e pode ser de descomprometimento, abstendo-se de interferências e retirar-se do globo. No plano económico o unipolo pode optar tanto pela contenção económica - colocando entraves ao desenvolvimento económico de outras potências - como pela tolerância económica, não colocando esse entrave, podendo ir no sentido da inclusão desses Estados na ordem económica internacional. A escolha a optar em ambos os planos determinará a grande estratégia do unipolo, que implicará ou custos de competição com outras potências, ou custos de conflito - a soma dos custos das guerras. As escolhas que o unipolo tomará dependerão sempre dos benefícios do seu estatuto de preponderância e dos custos que essa preponderância implica.

É uma obra de valor fundamental. No entanto, todos quanto não se revejam inteiramente no ceticismo realista - independentemente de ramificações - das relações internacionais, poderão entrar em desacordo com fundações da teoria. A ausência de uma perspetiva a respeito dos motivos que levam a estas relações e a estes conflitos, para além da teoria Hobbesiana e Maquiavélica, é parte integrante da escola teórica em que o autor se insere, que pode deter alguma falta de componente explicativa. Qual a influência das indústrias militares nos Estados, especialmente nas grandes potências? Qual o papel dos blocos político-militares no agravamento de tensões? Não haverá, dentro das economias nacionais, incentivos à contínua exploração de recursos - mesmo que provenientes de terras distantes - que justificam relações de dominação e conflito que se refletem nas relações internacionais? São sem dúvidas variáveis desafiantes, que merecem menção quando abordamos as relações internacionais.

Referências bibliográficas

MONTEIRO, N. (2023), Teoria da Política Unipolar, Coimbra, Edições 70. [ Links ]

KRAUTHAMMER, C. (1990), “The unipolar moment”.Foreign Affairs, 70 (1), pp. 23-33. https://doi.org/10.2307/20044692. [ Links ]

WOHLFORTH, W. C. (1999), “The stability of a unipolar world”. International Security, 24 (1), pp. 5-41. http://www.jstor.org/stable/2539346. [ Links ]

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