SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número249A contribuição da Sociologia Económica e das Organizações para a compreensão das desigualdades remuneratórias entre homens e mulheres“The Times, They Are a-Changing”, Entrevista com João Pina Cabral, por Maria Concetta Lo Bosco índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

Links relacionados

  • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

Compartir


Análise Social

versión impresa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.249 Lisboa dic. 2023  Epub 31-Dic-2023

https://doi.org/10.31447/as00032573.2023249.11 

Entrevista

Memória social, nacionalismos, desigualdades, Entrevista com José Manuel Sobral, por Vasco Ramos

1. Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa » Av. Prof. Aníbal de Bettencourt, 9 - 1600-189 Lisboa, Portugal ». vasco.ramos@ics.ulisboa.pt; jose.sobral@ics.ulisboa.pt


Durante vários anos, trabalhei num gabinete junto ao de José Manuel Sobral. Em ocasiões conviviais conversámos sobre assuntos e sobre interesses mútuos, seja em torno de hábitos alimentares ou da história da alimentação, seja acerca de desigualdades e classes sociais ou ainda sobre etnografias do mundo rural. Em geral, dado o contexto, as interações eram breves. Mas a vastidão dos conhecimentos do José Sobral, assim como a sua afabilidade e extraordinária memória, faziam com que, pela minha parte, as conversas ficassem sempre a pedir mais. A propósito da sua jubilação académica, em janeiro de 2022, surgiu a ideia de realizar uma entrevista acerca da sua trajetória e experiência enquanto cientista social. Não se tratava de fazer balanços de carreira - até porque continua a trabalhar, não tendo sido fácil agendar uma conversa mais prolongada -, mas antes de desenvolver um olhar tanto prospetivo, como retrospetivo, sobre temas e sobre problemas que o têm ocupado, do nacionalismo à desigualdade, passando pelas questões da memória social. A ideia foi sugerida à Análise Social e aceite pelo conselho editorial, que sugeriu que constasse de um volume especial comemorativo dos 60 anos da revista com entrevistas a antigos diretores. Logo, o que aqui se publica são excertos de uma conversa mais longa tida a 24 de Abril de 2022, em que se falou do percurso académico de José Manuel Sobral, do seu tempo enquanto diretor da Análise Social e dos seus interesses de pesquisa.

VASCO RAMOS Foi diretor da Análise Social entre 2015 e 2020. Que balanço faz desse período?

JOSÉ MANUEL SOBRAL__É-me difícil dizer em poucas palavras. Foi um tempo estimulante. Nunca tinha estado à frente de uma revista e não era um lugar a que aspirasse. Aconteceu, pediram para me candidatar e fui eleito em conselho científico. Desde que tomei posse, a primeira coisa que procurei assegurar foi alguns princípios. Uns vinham de atrás, outros nem tanto. Procurei que o conselho editorial fosse equilibrado em termos de género. E procurei que continuasse a ser essencialmente uma revista ligada ao ICS, na pessoa do diretor e de outro elemento, a Mónica Truninger. Mas quis que a redação fosse predominantemente composta por pessoas de fora do ICS. Era importante para transformá-la verdadeiramente numa revista de ciências sociais geral e não um órgão de expressão do ICS. Mas também para manter um peer review que fosse o mais rigoroso possível, independente do próprio Instituto e de qualquer outra escola ou instituição. Esse foi um princípio já vigente antes e que nos norteou. Também queríamos evitar atrasos entre a submissão dos artigos, a sua aceitação final e ida para a tipografia. Aí, devo dizer que o diagnóstico é muito desigual, na medida em que não era algo que dependesse exclusivamente da redação e da assistente editorial da revista.

Depois, queríamos, com os membros do conselho de redação, desenvolver uma secção de recensões, sobre a qual penso que se fez alguma coisa e onde a assistente editorial teve um papel muito importante. Ainda hoje creio que é uma secção que não tem o destaque que deveria ter, muitas vezes por falta de propostas e de voluntários para efetuar esse trabalho. Procurámos também que a revista se internacionalizasse. Chegou a haver o projeto de a publicar em inglês e houve apoio para isso. Mas chegou-se à conclusão de que a revista ficaria não só muito dispendiosa, como isso, por si só, não aumentava a sua receção, na medida em que impor-se no mercado internacional seria um processo moroso que dependeria de agências de classificação internacionais e não só do que se fizesse aqui. Em geral, procurei que a revista se prestigiasse cientificamente. Um ponto de honra, e que foi estritamente adotado, é que não havia nenhuma ligação entre o diretor, a sua redação e o que saísse na revista - uma medida porventura excessiva. A revista não publicava artigos do diretor nem dos codiretores.

VASCO RAMOS Foi notório que as recensões de livro aumentaram no tempo em que dirigiu a AS. Isso reflete uma relação que o JMS tem com os livros. Foi uma iniciativa deliberada de valorização do livro e da recensão do livro?

JOSÉ MANUEL SOBRAL Claro! E eu tenho essa relação com os livros. Já ouvi dizer algo como “os livros são os meus maiores amigos”, não me lembro a quem. Eu não diria que o são ou que substituem os amigos, mas é muito difícil dizer o que os livros são para mim, como para outras pessoas. São uma companhia indispensável. Comecei a ler livros muito novo. Livros que eu ainda hoje leria, li-os com 13 anos. Antes de livros, lia revistas. E, antes disso, li jornais. Era desde miúdo um leitor compulsivo. Diria que foram sempre uma companhia permanente.

VASCO RAMOS No caso da direção da revista, isso também refletiu uma tentativa de contrariar uma tendência para o trabalho que se publica apenas pela via do artigo ou capítulo? Essa valorização das recensões na própria revista era para compensar um pendor que se vem a instalar?

JOSÉ MANUEL SOBRAL Não sei se existiu tal, mas, a ter existido, não foi algo de voluntário. É verdade que eu valorizo imenso o livro como veículo de expressão. O que marca a tradição na disciplina em que me formei primeiro, a História, são os livros, não os artigos. E na tradição da História dos Annales, um livro não é meramente um somatório dos artigos reunidos. Há ali uma construção não muito distante da construção da novela e do romance. Tem que ver certamente com a formação humanista e literária de boa parte desses historiadores, pessoas como Marc Bloch, Georges Duby ou Emannuel Le Roy Ladurie. E em historiadores britânicos da mesma geração, como o Eric Hobsbawm, que li durante muito tempo, também perpassava essa ideia. O artigo destinava-se a revistas, mas não havia um formato definido em muitas das mais prestigiadas, como a Past and Present, onde se publicavam artigos enormes.

VASCO RAMOS Algo que aconteceu com muita expressão na época em dirigiu a revista foi uma preponderância de autores dos países de língua oficial portuguesa, sobretudo do Brasil, da Antropologia, da História e da Sociologia. São muitos os autores que procuram a Análise Social vindos do Hemisfério Sul. Como vê a ligação da revista a estes públicos?

JOSÉ MANUEL SOBRAL Vejo com muito agrado. Vejo a revista não como uma revista portuguesa, embora deva ter um referente concreto no contexto económico, social, cultural e político português, na medida em que está sediada aqui e tem a sua história. Mas vejo-a como uma revista mais global das ciências sociais em língua portuguesa. Acho que vê muito bem: tem vindo muita produção do Brasil. E é natural porque o Brasil é o país com mais cientistas sociais de língua portuguesa. Também tem que ver com o facto de o ICS, como outras instituições, ser procurado por estudantes e por académicos do Brasil. Virem novos artigos está relacionado com isso. Também se relaciona com a boa classificação da revista na plataforma da CAPES/Sucupira, que é algo com que me congratulo. Isso faz com seja procurada porque as pessoas sabem que terão maior impacto profissional. E ninguém se pode dar ao luxo de pensar que isso é secundário para a sua vida, porque não é. Também sabem que serão lidas por outras pessoas para além do meio universitário. E as obras ficam disponibilizadas no meio digital para qualquer pessoa que faça uma pesquisa por palavras e desse modo aumenta o seu impacto. Eu vejo isso com imenso agrado, venham do Brasil, de Angola, de Moçambique, de onde quer que seja.

VASCO RAMOS E que novos aportes é que estes autores estão a trazer? Notou que estejam a dar destaque a assuntos novos ou temas que não fossem tratados até aqui?

JOSÉ MANUEL SOBRAL Não lhe posso dizer tematicamente, teria de olhar para eles e não tenho memória específica disso. Tenho um pouco a ideia, embora também tenha acontecido aqui, que as questões de género se tornaram da maior importância. Mas é uma tendência universal do universo de matriz anglo-euro-americana, que é a nossa. Mas também em França esse impacto é grande.

VASCO RAMOS Na sua trajetória como investigador, deu-se essa transformação: os da sua geração em Portugal eram maioritariamente francófonos. Mas, no seu caso, a influência é mais poliglota, digamos assim. Mobilizou sempre muitos autores de língua inglesa e francesa.

JOSÉ MANUEL SOBRAL É verdade. Na língua inglesa comecei pelos historiadores. Eu lia muito autores franceses, a propósito da história. Alguns estavam ainda vivos, o Duby e outros, já mortos, como o Marc Bloch, que tanto admiro em todos os aspetos. Alguns modernistas também foram muito importantes, como o caso do Braudel. Comecei a ensinar História Contemporânea de Portugal, depois de ter dado História Medieval Geral, que queria dizer verdadeiramente História Medieval Europeia, pois não abrangia outras sociedades. Há uma matriz convencional relativa ao início da história contemporânea, que é a Revolução Francesa, no caso das ideias políticas. E o outro grande acontecimento inicial, nessa visão convencional e eurocêntrica, é a Revolução Industrial britânica. E com a industrialização ocorre o desenvolvimento do operariado, o desenvolvimento das cidades, a diminuição do papel do campo e dos camponeses. O campesinato começa a desaparecer na Inglaterra, os trabalhadores rurais diminuem.

[…] Portanto, com a industrialização começo a ler autores mais ligados ao tema. Surge-me o E. P. Thompson, o Eric Hobsbawm, surgem as pessoas ligadas à Past and Present. A certa altura, assinava os Annales e a Past and Present. Antes de me doutorar, quase ficava arruinado com essas assinaturas… Com essas revistas vinham os autores ligados às mesmas. O The Making of the English Working Class é um clássico. Mas aquilo que mais me marcou do E. P. Thompson foram dois artigos. Um é o Luta de Classes sem Classes e o outro é a Economia Moral da Multidão. No primeiro, fala da ideia de luta de classes mesmo nas classes delineadas antes da industrialização. A Economia Moral da Multidão é um artigo extraordinário por diversas razões. Uma delas é a ideia de que as pessoas quando lutavam contra a fome, pelo preço do pão, lutavam por algo mais do que um estômago: lutavam pela dignidade humana. Essa ideia, por mais que possa parecer não quantificável, é algo que ele viu muitíssimo bem. O que está em questão nas lutas não é gente a reagir meramente a uma subida de preços: é gente a reagir à sua condição, ao modo como são tratados, à injustiça de que se sentem objeto. Isso faz com que aquele artigo, feito a partir dos motivos das lutas pelo preço do pão numa Inglaterra ainda agrícola, ilumine profundamente muitas outras coisas que têm que ver com a dignidade. Não é só o pão, é o trabalho, o respeito que se tem pelos seres humanos que trabalham. Acho que ele compreendeu tudo isso muito bem.

Mas uma cadeira como a de História Contemporânea de Portugal levou-me evidentemente a ler um grande número de historiadores portugueses - da economia, da sociedade da cultura, da política -, alguns dos quais a publicarem os seus livros nesse tempo: Albert Silbert, Vitorino Magalhães Godinho, Armando de Castro, Borges de Macedo, Vitorino Nemésio, Oliveira Marques, Miriam Halpern Pereira, Manuel Villaverde Cabral, José Augusto França, António José Saraiva e Óscar Lopes, Barradas de Carvalho, entre os principais. E muitos mais.

VASCO RAMOS Podemos usar o pão como metáfora de outras coisas ao longo do tempo. É curioso que, se há um elemento-chave que Bourdieu usa para definir classes sociais, é a ideia de luta pelo reconhecimento social. Parece até haver um fio condutor.

JOSÉ MANUEL SOBRAL Exatamente. Há coisas muito interessantes na conceção de classe, multidimensional, não reduzida ao capital económico, de Bourdieu. Eu vinha de um mundo em que se lia o Marxismo Estrutural de finais dos anos 1960, inícios dos anos 1970. Era um mundo em que se deduzia a existência social das classes a partir simplesmente do modo de produção, das relações de produção. A ideia de que as classes são os agentes na sua própria criação, isto é, que a cultura de classes - os clubes, os montepios, as famílias, a vida quotidiana e todas essas coisas - é parte estruturante e fundamental da realidade de classe é um contributo fundamental de Thompson. Além dele, há outras pessoas, como Richard Hoggart, um dos fundadores dos estudos culturais e que tem um livro sobre a cultura das classes trabalhadoras, traduzido para português como As Utilizações da Cultura. O Hoggart, aliás, escreveu uma autobiografia interessantíssima sobre a sua infância como menino pobre e estudante bolseiro a ascender socialmente. Autores como ele, Thompson e Hobsbawm, com os livros tais como A Era do Capital, A Era dos Impérios ou A Era das Revoluções, foram da maior importância na minha descoberta da história e das ciências sociais em língua inglesa. Descobri o Bourdieu por o ver citado pelo João Ferreira de Almeida e José Madureira Pinto, e também por influência de um linguista com quem privei, que tinha estudado em Paris. Também descobri a certa altura Jack Goody. Já sabia que existia porque era um dos homens da Past and Present e vinha da entourage marxista, embora não fosse comunista como Hobsbawm. Mas o Past and Present não era exclusivamente um jornal de historiadores marxistas. Era aberto e liberal, no sentido pleno e aberto a uma pluralidade de interpretações. Jack Goody, cuja influência se acentuou no meu percurso pela ação do meu orientador de doutoramento em Antropologia, Raul Iturra, seu aluno em Cambridge, estava ligado à Past and Present, tal como Raymond Williams, também um dos fundadores dos estudos culturais na Grã-Bretanha. Este era um marxista cultural gramsciano, e que tinha escrito um livro notável já traduzido no Brasil há décadas, A Cidade e o Campo. É um livro maravilhoso. Ora, a primeira coisa que li dele foi um artigo com 40 anos talvez, o Plaisantes perspectives, na revista de Bourdieu, Actes de la Recherche en Sciences Sociales, sobre a construção daquele mundo dominado pela country house e os seus parques, da aristocracia e da gentry, enfim, de uma certa representação hegemónica e idílica do campo no Reino Unido. No fim de contas, sobre o que significava uma certa construção do campo sem trabalhadores, feito de jardins, um negócio que hoje vemos florir nas séries de televisão. Uma imagem clássica que ainda existe, assente na mais ampla concentração fundiária de toda a Europa, maior nos nossos dias do que nas zonas clássicas do latifúndio, como o sul de Portugal, de Espanha ou de Itália. E foi através dessas afinidades que as coisas foram indo. Havia um grupo a que cheguei a ligar-me, History Workshop Journal, valorizador da História Oral e animado por académicos socialistas e feministas, entre outros Raphael Samuel, estudante de Eric Hobsbawm.

VASCO RAMOS Voltando à revista, a tendência para maior publicação de autores de outros países de língua portuguesa também parece refletir alterações nos circuitos de publicação dos investigadores portugueses. Esses estão cada vez mais orientados para publicação em língua inglesa. Como olha para isso?

JOSÉ MANUEL SOBRAL Acho que é um diagnóstico correto. Em muitos aspetos, é pernicioso porque as pessoas sabem que, para terem um lugar ao Sol, ou serem promovidas, precisam de publicar em revistas anglo-americanas. O verdadeiro impacto passa a ser não o social, mas o profissional. Ou seja, estão em circuito fechado, porque vão ser avaliados aqui nos júris a que concorrem, nas bolsas internacionais a que se candidatam, pela visibilidade que têm nas revistas internacionais.

VASCO RAMOS Há um risco de desfasamento entre a investigação que se faz e a realidade em que se trabalha? E não falo da improbabilidade de virmos a ser lidos por muitas pessoas no nosso país.

JOSÉ MANUEL SOBRAL Claro, exatamente! Impacto social não é a mesma coisa que impact-factor. E investir tudo nos impact-factors, à imagem de uma ciência pouco compreensível pelo grande público, como se as ciências sociais pudessem ser as homólogas das ciências naturais, do meu ponto de vista, é algo pernicioso. E deixa muito frequentemente o comentário e a intervenção social nas mãos de gente não informada e demagógica. Isso desprestigia as ciências sociais. Estou à vontade para falar disto, até porque não me distingo nem pelo comentário público, nem pela intervenção. Parece que dar uma opinião sobre aquilo que é mais importante, como o são a guerra, a paz, a nossa vida, é algo fácil e inconsequente.

VASCO RAMOS É algo que se assiste a propósito da guerra na Ucrânia. Vemos pessoas que falam desse assunto, como de qualquer outro. Há quem pareça qualificado para responder a tudo. Os comentários e as informações que prestam têm um poder de replicação gigantesco e, por vezes, não são fundados em nenhum conhecimento.

JOSÉ MANUEL SOBRAL Nenhum e, por vezes, são até fundados no desconhecimento mais absoluto, numa ignorância que não conhece a sua própria extensão. Isso contribui para facilitar a propagação dos discursos daqueles que tentam desvalorizar as ciências sociais. E elas, do meu ponto de vista, são um saber fundamental. São um grande e um indispensável instrumento da reflexividade humana. São um dos seus maiores instrumentos - têm pouco mais de um século se formos muito rigorosos - para lidar com os problemas que enfrentamos e para lutarmos o mais possível contra a ideologia e o mundo dos poderes instalados. Isso tem de ser feito com uma reflexividade armada pelas ciências sociais, ligada a outras formas de pensamento. Mas tem de ser através delas, porque são o que de mais sólido podemos opor às manipulações e às construções interessadas. Evidentemente, também somos filhos do nosso tempo e temos os nossos vieses. Mas há construções interessadas a manipular-nos para coisas absolutamente brutais. E nada é mais brutal do que as guerras. Não quero ser dramático, mas estamos neste momento a assistir algo que parecia impensável ainda há poucas semanas. Durante estes anos, o Vasco e eu vivemos livres de uma ameaça que dava muito que pensar a pessoas como o E. P. Thompson: a possibilidade da existência de um Holocausto Nuclear. Tinha havido as bombas de Hiroxima e de Nagasaki e quase confrontos com a crise dos mísseis de Cuba, mas era como se isto estivesse entre parêntesis. Não existisse. A Rússia e os EUA têm nos seus arsenais milhares de ogivas nucleares, a França, a Grã-Bretanha, a China, a Índia, o Paquistão, a Coreia do Norte também as possuem e aquele país de que nunca se diz nada, ou quase, a este respeito, Israel, também tem um número desconhecido. De repente, estamos quase a evocar a sua utilização como se a possibilidade de um conflito envolvendo essas armas fosse algo de normal…

VASCO RAMOS Como é que vê o futuro da Análise Social? Que temas serão importantes abordar no futuro? Que silêncios permanecem?

JOSÉ MANUEL SOBRAL É difícil antever que temas serão importantes no futuro, e há uma certa dose de arbitrariedade na redução dos temas importantes a apenas alguns e, também, inclinações pessoais a pesar na escolha. Mas penso que haverá poucos, entre os cientistas sociais, que duvidarão da importância fulcral do aquecimento global, das alterações climáticas induzidas pela ação humana. E as questões ligadas à religião, as ligadas às transformações enormes da esfera geopolítica, com a expansão económica, e logo política, dos países do leste da Eurásia? Para mim, um deles será a questão das desigualdades sociais, algo absolutamente fundamental. Para encontrar alguém que fizesse uma recensão a uma obra com impacto mundial sobre esta problemática, O Capital no Século XXI, de Thomas Piketty, tive de recorrer a um colega amigo. Depois disso, Piketty publicou o Capital e Ideologia. E agora Une breve historire de l’égalité, que se lê muito melhor, porque não tem de se tirar um mês para o poder ler! O Capital e Ideologia é muito bom, porque Piketty leu muito bem a bibliografia em que se apoia, como os historiadores franceses medievais da geração de Duby e outros. Informou-se bastante bem sobre aquilo que aborda. Não sei se a solução que avança - um socialismo democrático, ecológico, participativo, federal, assente na progressividade fiscal… - terá viabilidade. Mas o seu trabalho mostra algo de substancial: o caminho para a igualdade que foi percorrido desde o século XIX interrompeu-se e inverteu-se na década de 1980. Isto é fundamental. Eu penso que a desigualdade na Europa, por exemplo, está a insuflar a extrema-direita. Porque penso, e nem é preciso ser adivinho nem ter lido muitos livros, no que foi o mundo alemão da grande crise do pós-guerra (1929) e da hiperinflação, ligada à humilhação de serem tidos como criminosos e responsáveis pela Grande Guerra (1914-1918) e depois das humilhações impostas no fim do conflito, incluindo a ocupação militar e o confisco de maquinaria industrial. Passei muito tempo em criança e jovem no Pocinho, onde passa a linha do Douro, e onde havia umas oficinas dos caminhos de ferro. Lá vi que algumas das maiores máquinas a vapor que lá estavam eram de proveniência alemã. E depois descobri que eram o fruto de indemnizações de guerra dadas a Portugal, membro do bloco vencedor. Não se pode compreender a ascensão do Hitler e do nazismo sem ter em conta a história anterior.

VASCO RAMOS O ressentimento é um motor de nacionalismos agressivos.

JOSÉ MANUEL SOBRAL Sim, é evidente. O nacionalismo também tem uma componente positiva, como diz a cientista política Yael Tamir, pois foi o nacionalismo que serviu de suporte ao desenvolvimento do Estado Social a seguir a 1945. Era preciso soldar a nação e compensar aquela gente que tinha combatido em conjunto. Não podia voltar-se ao antes e ao impacto social brutal das crises económicas do pré-guerra.

VASCO RAMOS Sim, foram vários os momentos de crise violentíssima.

JOSÉ MANUEL SOBRAL Fome, aumento da mortalidade, tudo isso. O estabelecimento do welfare state está ligado a uma imagem da nação, não é um welfare state para o mundo.

VASCO RAMOS Tinha como referente o Estado Nação.

JOSÉ MANUEL SOBRAL Sim, e não podemos separar o material do simbólico, o emotivo do económico. Portanto, é necessário dar uma ênfase maior às questões das desigualdades. Para se falar de desigualdades não é preciso sequer ler investigadores como o Piketty, vemos a desigualdade espalhada por toda a parte. Vamos a um supermercado e vemo-la, não só no que ele pode oferecer, mas no que as pessoas compram. Fui a uma salsicharia há poucos anos numa aldeia do Alentejo e pedi um paio de porco preto. A senhora disse-me, simpaticíssima, qualquer coisa como, “Ó filho, só por encomenda”. Noutro pequeno supermercado, em outra povoação vizinha, inquirindo por bife de vaca, responderam-me: “A gente daqui é pobre”. Na própria cidade de Lisboa, a oferta, às vezes da mesma cadeia de supermercados, varia consoante a localização. E nos mercados de abastecimento urbano, também. E não é apenas aqui. Lembro-me que uma vez no Reino Unido procurava bolachas ou chocolates numa zona longe de ser carenciada - Greenwich - e reparei que eram da gama mais barata - em vez de marcas britânicas conhecidas, havia desconhecidas vindas da Europa de Leste. E vi supermercados em zonas mais modestas, onde a comida fresca, a fruta, rareavam. Habitam o que se chama os food deserts. São locais situados por vezes no centro das cidades, em bairros degradados.

VASCO RAMOS Há muitos casos conhecidos, como por exemplo, vastas áreas de Detroit, nos EUA.

JOSÉ MANUEL SOBRAL Sim, a antiga capital da indústria automóvel. Aí temos uma maneira de pegar nas desigualdades. Há muita maneira de o fazer. Olhando para as desigualdades entre regiões, onde faltam bons hospitais e transportes públicos. Onde se tem de andar com um carro poluente porque não existem, como existiam quando eu ainda era adolescente, algumas carreiras de transportes coletivos com horário regular. As linhas de caminhos de ferro de via reduzida desapareceram. A malta o que vai comprar? Um carrito com 20 e tal anos. E a seguir dizem-lhes “o carro polui”. É porreiro para uma parte da classe média, é bom para nós, vir de bicicleta. Não polui. Se chegarmos 10 minutos atrasados não será grande problema. Agora alguém que entre num serviço com linha de montagem, ou outra numa ocupação que tenha de funcionar ao minuto, tem de vir numa carripana a falhar, ir buscar os miúdos à escola… e dizem-lhe que não pode ir para o centro de Lisboa por ter um veículo muito velho, poluente. Depois, olha à sua volta e vê que se anunciam apoios ao carro elétrico. Olha-se e o carro elétrico custa, no mínimo, mais 7, 8, 10 mil Euros do que os outros. Depois tem de ter uma garagem ou um carregador acessíveis. Se estaciona cá fora, como a maioria dos cidadãos, onde é que há carregadores? Confesso que me choca ver que quem mais tem é quem mais virtuoso pode aparentar ser.

O nacionalismo será outro tema importante a tratar, na minha opinião, e em articulação com as desigualdades de rendimento e de propriedade. Sem dúvida que também as desigualdades de género e as exclusões ao nível das sexualidades ou o racismo, que, aliás, se articulam com as anteriores. As mulheres, os emigrantes, etc., tendem a ganhar menos, a preencher ocupações menos bem remuneradas do que os outros, juntando-se o preconceito à desigualdade de rendimento. Mas tenho ideia que se tem falado relativamente pouco das desigualdades económicas, ao menos para o meu gosto - apesar de haver investigação em Portugal sobre elas, de que é exemplo o trabalho de Carlos Farinha Rodrigues, e de este ter eco público. A certa altura difundiu-se a ideia, ligada às observações de um cientista político importante, Ronald Inglehart, há pouco desparecido, de que havíamos chegado a uma era - após a Segunda Guerra Mundial - em que, estando asseguradas as condições de sobrevivência nos países desenvolvidos ocidentais, o que passaria a contar mais para as novas gerações seriam os valores pós-materiais, como a proteção ambiental, a igualdade de género, tolerância de gays e estrangeiros, etc. Mas isso foi antes da eclosão da crise da dívida soberana (2008) e da Grande Recessão que se lhe associou, que trouxeram, de repente, para o primeiro plano, as questões da desigualdade económica e da precariedade e os seus impactos políticos. Em sua opinião, exprimida recentemente (Inglehart, 2018), a insegurança atual, que alimenta a xenofobia, provém de uma desigualdade crescente.

As questões do emprego e do trabalho também são fundamentais. Basta atender às implicações da precarização. Acho que foi uma perda enorme, uma certa desvalorização da Sociologia e da Antropologia do Trabalho […]. Por cá, nunca houve Antropologia do Trabalho - existe na antropologia norte-americana - e a Sociologia do Trabalho não está em crescimento. O trabalho e a família são domínios absolutamente essenciais. As questões das migrações são fulcrais. As questões da globalização, mas não entendidas de forma vaga, antes assentes em diagnósticos concretos que ponderem as implicações das migrações e da ascensão atual do nacionalismo económico, bem como a da ascensão dos países asiáticos. As questões da sustentabilidade e da alimentação são uma questão riquíssima porque são um espelho, um reflexo, da sociedade e dos seus problemas.

VASCO RAMOS O trabalho que fez sobre a pandemia da gripe pneumónica tornou-se, infelizmente, demasiado atual (Sobral, 2009). Escreveu e interveio publicamente sobre isso. A história desta pandemia terá de ser feita. Estamos muito em cima e não será evidentemente agora que teremos distância para fazer uma história dos impactos sociais, económicos e políticos desta pandemia que, na nossa parte do mundo, parece estar a ficar sob controlo. Com alguma distância, que perguntas farão os historiadores sobre esta pandemia?

JOSÉ MANUEL SOBRAL Não consigo prever. Eu gostaria de saber que impacto terá na recordação coletiva e, enquanto cientista social, que impacto tem na pesquisa social. Como é que se lida com ela? Como é que se conseguem isolar certas dimensões para se proceder ao seu estudo? Ainda é um pouco cedo para percebermos o impacto que vai ter nas relações entre o Estado e a Sociedade. Aparentemente, esta pandemia teria servido para reforçar o Estado, desde logo como autoridade em matéria da sobrevivência dos seus cidadãos. Por exemplo, o Estado interveio no processo de financiamento da produção de vacinas. E foram as organizações públicas do Estado, por vezes ameaçadas, por exemplo os SNS ou serviços estatais de saúde, um pouco por toda a parte, ou mesmo onde a medicina privada ou ligada às companhias de seguros tem um papel predominante, como nos EUA (também lá houve um grande envolvimento do Estado, enquanto entidade reguladora, mas também orientadora) que intervieram. Houve claramente uma ideia de que o Estado tem de intervir desde logo na saúde. A saúde tornou-se uma questão sagrada.

VASCO RAMOS É existencial.

JOSÉ MANUEL SOBRAL Exatamente. Não se pode, aparentemente, tocar no SNS em Portugal, no Reino Unido, em Espanha… Aparentemente…

VASCO RAMOS Acha que a pandemia veio inverter ímpetos de privatização ou de desmantelamento?

JOSÉ MANUEL SOBRAL cho que a ideia de desmantelar os SNS no modelo europeu, neste momento, estará fora de questão. Depois, o Estado revelou-se importante para financiar, embora isso não tenha sido suficientemente sinalizado na discussão pública, a atividade científica e a atividade privada. Acabou por vencer uma lógica privada, mas financiada pelos Estados, de serem as grandes companhias como a Pfizer, a Moderna e outras grandes companhias a produzir as vacinas. Mas sabemos que a pesquisa, em grande parte do mundo, depende de encomendas do Estado na pesquisa fundamental, incluindo ao nível da sanidade. Penso que o papel do Estado, para já, saiu reforçado. Como saiu reforçado o papel de que tem de haver uma última instância para intervir na Economia. Agora, isso depende da conjuntura. O Estado foi necessário para intervir nas condições de subsídio de uma boa parte das empresas, no caso das hotelarias, das indústrias de hospitalidade. Mas não só, também para manter uma boa parte da população.

VASCO RAMOS Durante este período da pandemia assistimos a uma subsidiação da economia sem ser pela criação de um setor empresarial estatal.

JOSÉ MANUEL SOBRAL Exato. E, de maneira direta ou pela construção supra-estatal [da União Europeia], os Estados desenvolveram-se muito. Tal é muito anterior e não é uma consequência direta da pandemia, penso eu. Entretanto veio a guerra na Ucrânia. A guerra traz o reforço de competências que eu penso que a maioria das pessoas tinha posto entre parêntesis, que são as competências militares e de defesa dos Estados. A guerra liga-se ao reforço do nacionalismo. Esta invasão russa é propulsionada por um nacionalismo russo que tinha apoio em parte da população da área ocupada, não sabemos quantos, por separatistas que reivindicam ser russos. Putin defendeu a ideia de que não existia uma identidade nacional ucraniana separada da russa. A Ucrânia não teve um Estado próprio até ao final da I Guerra Mundial, foi sendo governada por polacos, polacos-lituanos, russos, pelo Império Austro-Húngaro. Mas existe uma identidade ucraniana ancorada na história e que se alimenta de várias fontes. Mas as identidades vivem da interação e a guerra é fundamental na sua consolidação. Ao atacar a Ucrânia e não só nas zonas onde havia mais influência russa a leste, mas ao levar a guerra até Kiev e Lviv, e ao negar a sua existência, dizendo que a Ucrânia era, no fim de contas, uma criação soviética, contribuiu para o desenvolvimento e consolidação de uma forte identidade nacional ucraniana.

VASCO RAMOS Há uma versão do nacionalismo russo que parece uma fusão de elementos paradoxais, o nacionalismo russo de cariz imperial e elementos soviéticos. Na Rússia contemporânea, marcadores do nacionalismo do tempo soviético são atuais. Uma conquista é assinalada com a bandeira do exército vermelho e com canções da Grande Guerra Patriótica.

JOSÉ MANUEL SOBRAL A Grande Guerra Patriótica. É preciso ver que o nacionalismo russo está em grande desenvolvimento devido ao ressentimento.

VASCO RAMOS O tal grande motor de nacionalismos, ao longo da história.

JOSÉ MANUEL SOBRAL Exatamente. A URSS era herdeira desse mundo russo, mas criou uma nova realidade. E o modo como foi desmantelado o socialismo de Estado na URSS e a ruína e sofrimento que isso provocou deu origem a uma nostalgia dos tempos soviéticos. Porque depois foi a miséria. Não foi só a miséria material, às vezes a miséria moral, a desonra. Ver o Ieltsin como se via, bêbedo. Ver a Rússia ser conhecida pela máfia ou pela prostituição, pelos oligarcas, um termo criado para designar os beneficiários da dissolução da propriedade pública soviética, muito bem recebidos no Ocidente até há pouco. Só agora é que andaram a caçar os supostamente fiéis ao Putin. Mas os primeiros oligarcas foram para Londres, instalaram-se lá há décadas. À medida que os confrontos com a Rússia de Putin se desenvolveram, houve até uma comemoração do desembarque aliado na Normandia em 2019, para a qual os russos não foram convidados, em consequência direta da primeira invasão russa da Ucrânia.

VASCO RAMOS Isso aconteceu há pouco tempo.

JOSÉ MANUEL SOBRAL Sim. Como me interesso pela dimensão das ofensas simbólicas, dou-lhe a importância devida. E é evidente que existe um orgulho nacional russo - não o conheço em pormenor -, mas que abrange a grandeza dos tempos imperiais e os tempos soviéticos, tudo amalgamado para fundamentar esse orgulho nacional, como outros têm as suas narrativas para fundamentar o seu orgulho nacional, britânico, americano, francês ou português. Podemos dizer que não há Estados nacionais sem a construção de uma memória pública oficial, vertida em textos, monumentos, heróis - ou vilões - rituais, comemorações, etc. Essa memória, essa narrativa, que recua, no caso russo, à reivindicação de serem os sucessores do Estado medieval Rus de Kiev/Kyiv, foi mobilizada para que esta intervenção pudesse ser aceitável aos olhos de grande parte da população russa - não sabemos quantos e vimos bem que não são todos e que há dissidentes e oposição à guerra entre os russos -, que é uma invasão e um conflito militar gravíssimo no interior da Ucrânia. Essa história antiga e o ressentimento de quem se sente humilhado pela perda de importância mundial desde o fim do Pacto de Varsóvia e o avanço da Nato, pela desvalorização do seu sacrifício na Segunda Guerra Mundial, foram mobilizados para esta guerra que acarreta um enorme sofrimento humano. Não são só as pessoas que morrem, é toda a sua vida, as suas casas, as suas relações, que são destruídas. O sofrimento que existe na Ucrânia é o mesmo que existiu no Iraque - onde não acabou - quando outros autores e protagonistas para lá foram e fizeram o que fizeram. Ou em qualquer outro local. Mas voltando à questão do Estado: é evidente que este confronto vai levar a um rearmamento da Europa.

VASCO RAMOS Não será uma maneira de contornar estas autoimpostas limitações orçamentais, uma forma de desenvolvimento industrial por via do rearmamento? A Alemanha é uma potência industrial e quem faz carros, pode fazer tanques, submarinos, aviões de guerra.

JOSÉ MANUEL SOBRAL A Alemanha teve um ato significativo que foi encomendar caças norte-americanos. A França, como foi uma vencedora de 1939-1945, apesar de inicialmente derrotada e com um regime colaboracionista, depois disso e muito notoriamente durante o Gaullismo, construiu uma força militar própria, dotando-se de indústrias de guerra autónomas, nacionais. Mas a guerra atual vai interpelar todos os países, Portugal incluído, incluindo países em que a militância pacifista foi importante desde os anos 1960 e 1970, anos da luta internacional contra a guerra do Vietname. Um movimento muito forte na Alemanha, um pacifismo que se liga aos movimentos verdes nas décadas seguintes. A guerra vai ter impacto no papel do Estado, porque uma das coisas que vai provocar é fazer crescer os orçamentos militares. Note-se que num dos principais países em que se impôs o neoliberalismo, os EUA, apesar da sua hostilidade a um Estado intervencionista, tanto com presidências republicanas como democratas, esse Estado nunca desinvestiu de um enorme orçamento militar, o maior do mundo, de longe. Os países da Europa ocidental situaram-se sempre num nível muito abaixo. Qualquer outro país nunca gastou militarmente o que os EUA gastaram, mas agora vão gastar mais do que antes. E isso é um capítulo novo, mas que sabemos que traz muito mais poder ao Estado.

Referências bibliográficas

INGLEHART, R. (2018), Cultural Evolution: People’s Motivations are Changing, and Reshaping the World. Cambridge: Cambridge University Press. [ Links ]

PIKETTY, T. (2014), Capital in the Twenty-First Century. Harvard: Harvard University Press. [ Links ]

PIKETTY, T. (2021), Capital and Ideology. Harvard: Harvard University Press . [ Links ]

PIKETTY, T. (2021), Une brève histoire de l’égalité. Paris: Éditions du Seuil. [ Links ]

SOBRAL, J. M. (ed.) (2009), A Pandemia Esquecida: Olhares Comparados sobre a Pneumónica 1918-1919. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais. [ Links ]

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons