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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.250 Lisboa mar. 2024  Epub 31-Mar-2024

https://doi.org/10.31447/202403r 

Recensão

Elisa Curado (1858-1933), Uma Mulher de Causas. Estudo e Antologia

1 Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa, Av. Professor Aníbal de Bettencourt, 9 - 1600-189 Lisboa, Portugal. anne.cova@ics.ulisboa.pt

Lopes, Ana Costa. Elisa Curado (1858-1933), Uma Mulher de Causas. Estudo e Antologia. ,, , Lisboa: ,, UCP editora, ,, 2023. ,, 310, pp., ISBN, ISBN: 9789725409619.


Este livro vem colmatar uma lacuna historiográfica sobre a escritora jornalista Elisa Curado (1858-1933). Assim, o objetivo de Ana Costa Lopes “de recuperar e dar a conhecer escritoras, jornalistas, enfim, mulheres notáveis de um passado remoto” (p. 13) está amplamente alcançado. O volume divide-se em várias partes: depois de uma breve introdução, conta com um estudo de 75 páginas, intitulado “Elisa Curado, uma mulher de causas”, que se debruça sobre o seu percurso intelectual; uma cronologia útil, que permite perceber os vários eventos que foram importantes na sua vida; e, finalmente, uma antologia, de 208 páginas, que evidencia as diferentes etapas da sua trajetória, focando-se na segunda metade do século XIX.

Especialista da imprensa feminina oitocentista portuguesa, Ana Costa Lopes - autora de um outro livro, Imagens da Mulher na Imprensa Feminina de Oitocentos: Percursos de Modernidade (Quimera, 2005) - enquadra Elisa Curado na imprensa periódica feminina dessa época, cujas mulheres jornalistas consideravam como “o seu ‘espaço público” ’, uma permanente aliada, um local de afirmação e de intervenção a partir dos inícios do século XIX. Muitas, como Elisa Curado, desde o início de oitocentos, assumiram diversos papéis, o de diretoras, colaboradoras e proprietárias, cargos tidos também pela jornalista” (p. 14). Neste volume, encontramos vários nomes de mulheres jornalistas que a antecederam, tais como Antónia Pusich (1805-1883) ou Maria José Canuto (1821-1890), e numerosos títulos da imprensa periódica: Gazeta das Damas (1822), Cruzada (1849), A Voz Feminina (1868), O Progresso (1869) e o Almanaque das Senhoras (1871-1928).

A extensa antologia incide sobre os seguintes periódicos: Correspondência de Leiria (1875-1877); O Distrito de Leiria (1900); A Mulher. Revista Ilustrada das Famílias (1883-1886); O Mundo Elegante (1887); Novo Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiro (1875-1877), e Ribaltas e Gambiarras (1881), deixando de lado a componente literária de Elisa Curado. Esta escolha está bem fundamentada: o primeiro texto de Elisa Curado foi publicado num periódico de Leiria, Correspondência de Leiria, em 1875, quando tinha apenas 16 anos. Mais tarde, aos 25, fundou e dirigiu, em Lisboa, um periódico semanal que totalizou mais de 100 números, de título A Mulher. Revista Ilustrada das Famílias, o qual perdurou durante três anos, o que era raro. Assim, seguimos cronologicamente o percurso de Elisa Curado, que começou “na imprensa periódica leiriense e posteriormente na lisboeta […] regressando à cidade natal onde acabaria por falecer” (pp. 13 e 17), aos 75 anos.

Conforme destaca Ana Costa Lopes, “[é] notável a sua precoce formação intelectual presente na maioria dos textos da imprensa periódica, logo desde o início do seu batismo intelectual, em 1875” (p. 15), sobretudo porque não vinha de um meio que a incentivasse particularmente a seguir este percurso. Filha de mãe doméstica e de pai comerciante, que foi várias vezes vereador da Câmara Municipal de Leiria, nasceu em Leiria, em 1858. Teve dois irmãos: um, oficial da Marinha de Guerra; e outro, médico da Armada. Elisa casou-se tarde, aos 29 anos, em 1888, com um advogado que pertencia à nobreza e ao partido regenerador, Diogo Faria de Pinho e Vasconcelos Soares de Albergaria. Este foi editor durante dez anos do jornal O Distrito de Leiria (1891--1901), até ao seu falecimento, data na qual Elisa Curado assumiu provisoriamente a direção. O casamento foi uma ascensão social para Elisa Curado, o que lhe permitiu dedicar-se às causas que lhe eram caras. Contudo, o seu empenho jornalístico desde a adolescência tem de ser analisado também à luz do seu grande interesse em ler os livros e as revistas que o seu pai tinha para venda na sua loja - como refere a trisneta de Elisa Curado, Inês Thomas Almeida, numa entrevista que concedeu à autora (de notar que, mal abrimos o livro, encontramos uma fotografia de Elisa Curado proveniente do arquivo privado da família). Elisa Curado era católica praticante e foi presidente da secção de Leiria da Liga da Ação Social Cristã.

O título escolhido para o volume ilustra bem o facto de Elisa Curado ter sido uma mulher de causas que incidiram sobre vários tópicos, tais como a defesa da educação para as mulheres, a luta a favor da paz e o combate pelo divórcio, todas temáticas defendidas pelo movimento feminista. No que diz respeito à educação, Elisa Curado “[r]epete exaustivamente nos seus textos todos os benefícios da educação e do acesso à cultura pelas mulheres, bem como defende a mudança para uma sociedade igualitária” (p. 15). “[A] par de tudo o que ia acontecendo no estrangeiro” (p.72), mantinha as suas leitoras informadas através das rúbricas “Crónicas femininas” e “Variedades” d’A Mulher. Revista Ilustrada das Famílias. Nomeou, em 1883, o monárquico Jaime Vítor que tinha ligações com o Brasil, para redator dessa revista. Segundo Ana Costa Lopes, “[d]esconhecemos as ideias políticas de Elisa Curado apesar das posições progressistas face à igualdade dos sexos. No entanto, em alguns textos, como o fizemos notar, revelou outras facetas mais conservadoras. Certo é na sua publicação A Mulher ter, também, acolhido muitos monárquicos, conservadores, progressistas…” (p. 80). Encontramos, por isso, pêle-mêle nomes das mais variadas e opostas tendências.

O feminismo estava intrinsecamente relacionado com o pacifismo, motivo pelo qual Elisa Curado se juntou às feministas pacifistas, participando, por exemplo, na organização do banquete pacifista que teve lugar em Lisboa, em 1907 - iniciativa da secção portuguesa da associação francesa La paix et le désarmement par les femmes. Nessa secção portuguesa, a filha de Elisa Curado, Joana Curado Soares de Albergaria (1889-1977), que participou também no banquete, estava casada com “Luís Manuel Delahaye de Almeida (1883-1963), de origem francesa, formando-se em engenharia pela Universidade de Zurique, onde foi colega de Eiffel” (p. 20). As ligações existentes, a vários níveis, com a França, mereciam ser aprofundadas. A esse respeito, é de realçar os nomes de algumas figuras de destaque do movimento feminista francês, mencionados na revista de Elisa Curado, tais como os fundadores, em 1870, em Paris, da agremiação feminista Association pour le droit des femmes, por Léon Richer (1824--1911) e Maria Deraismes (1828-1894), ou da sufragista autoproclamada feminista, Hubertine Auclert (1848-1914). Em Portugal, Elisa Curado participou na luta a favor do divórcio, assinando a lista dos/as seus/suas apoiantes. O divórcio é legalizado a 3 de novembro de 1910, apenas algumas semanas depois da proclamação da República.

Dar visibilidade às primeiras mulheres jornalistas foi o que a historiadora Laure Adler fez para a França com a publicação de um livro pioneiro, em 1979, intitulado À l’aube du féminisme. Les premières journalistes (1830-1850). O volume de Ana Costa Lopes insere-se, ao meu ver, para Portugal, nessa mesma linha. Falta agora analisar as ligações internacionais que existiam entre essas mulheres jornalistas, e aguarda-se, com expectativa, um texto a ser publicado pela autora, baseado nomeadamente na análise das “Crónicas femininas” e “Variedades” da revista de Elisa Curado.

Referências

Cova, A. . (2024). Elisa Curado (1858-1933), Uma Mulher de Causas. Estudo e Antologia, de Ana Costa Lopes. Análise Social, 49(250), 231-233. [ Links ]

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