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Finisterra - Revista Portuguesa de Geografia

versão impressa ISSN 0430-5027

Finisterra  n.88 Lisboa  2009

 

Dinâmicas regionais de inovação em Portugal uma análise baseada na utilização de patentes

 

Manuel Mira Godinho[i]

[i] Professor Catedrático do ISEG/UTL e Investigador da Unidade de Estudos em Complexidade e Economia. E-mail: mgodinho@iseg.utl.pt

 

RESUMO – O presente artigo propõe uma análise da distribuição regional da propensão a inovar em Portugal, utilizando para o efeito informação recentemente disponibilizada acerca de patentes requeridas por residentes em território nacional. Para o período que vai de 1980 a 2008, a região da Grande Lisboa assume uma liderança destacada no recurso a patentes. Nos anos mais recentes, porém, um conjunto de regiões contíguas da orla Litoral Norte têm aumentado o seu peso relativo. Esta alteração verifica-se num contexto de aceleração da procura de patentes a partir de 2000, depois de uma prolongada estagnação nas duas décadas precedentes. Constatou-se que as alterações registadas são tributárias da iniciativa de instituições académicas ou similares, face a um menor dinamismo do sector empresarial. O desempenho das empresas é considerado preocupante, tendo em conta a distância face aos países que lideram os rankings internacionais de patentes.

Palavras-chave: Inovação, patentes, propriedade industrial, regiões, Portugal.

 

Regional innovation Propensity in Portugal: an analysis based on Patent data

ABSTRACT – This paper analyses the regional distribution of patents in Portugal in the period 1980-2008 using information that was recently made available. Lisbon leads the national ranking by far. However, towards the end of the period under analysis, a few regions around Oporto have increased their share in the total number of patents. This has taken place alongside an increase in the total number of patent applications from 2000 onwards, after two decades in which that number remained basically stagnant in Portugal. The main protagonists of this recent increase have been universities and other academic institutions. The paper concludes by stressing that the lack of growth in patent applications by the business sector is a cause for concern, given the gap that still separates Portugal from the countries that top the international patent rankings.

Key words: Innovation, patents, industrial property, regions, Portugal.

 

Analyse des dynamiques régionales d’innovation, basée sur le dépôt des Patentes

RESUME – On analyse la répartition régionale des patentes déposées au Portugal pendant la période 1980-2008. La région métropolitaine de Lisbonne est nettement en tête. Cependant quelques régions de la périphérie de Porto ont vu récemment croître leur part. Le rythme de dépôt des patentes s’accélère depuis le début du siècle, alors qu’il était resté stagnant pendant deux décennies. Ce sont surtout les Universités et institutions similaires qui sont responsables de l’accroissement récent, alors que le secteur des affaires reste moins dynamique. Le fait que les entreprises n’augmentent guère leur application des patentes, est préoccupant dans la mesure où le Portugal reste à la traîne par rapport aux pays situés en tête du ranking des patentes.

Mots-clés: Innovation, patentes, propriété industrielle, régions, Portugal.

 

I. INTRODUÇÃO

O presente artigo propõe uma análise da distribuição regional da propensão a inovar em Portugal. Para o efeito é utilizada informação sobre patentes requeridas por entidades residentes em território português. Essa informação foi fornecida pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), a entidade responsável pela gestão do sistema português de propriedade industrial.

O recurso à análise de patentes para caracterizar as dinâmicas de inovação, apesar de comum em estudos internacionais ou em trabalhos centrados em algumas das economias mais desenvolvidas, não tem sido frequente em Portugal. Esta lacuna não é aceitável, dado as patentes constituírem um elemento central da competitividade das empresas em sectores de maior intensidade cognitiva, na direcção dos quais a especialização internacional da economia portuguesa deveria desejavelmente progredir. Ao propor pela primeira vez uma análise de indicadores de patentes com referência ao caso português, o estudo de Godinho et al. (2004) constitui uma excepção no panorama da investigação sobre inovação em Portugal.

Apesar de há várias décadas ser frequente a utilização de patentes como indicador em estudos de inovação, essa utilização não tem sido feita sem contestações. Por esta razão, a secção que se segue é dedicada à discussão da adequação da análise de patentes para efeitos de observação de padrões de inovação na economia, designadamente tendo em conta regiões como as portuguesas que constituem objecto do presente estudo. Na secção seguinte, apresenta-se sumariamente a base de dados fornecida pelo INPI para o período de 1980 a 2008 e explicam-se as adaptações que tiveram de ser feitas. A penúltima secção concentra-se na análise da distribuição regional de pedidos de patentes ao nível NUTS III, bem como na discussão de outros aspectos relevantes relacionados com o uso de patentes em Portugal. Por fim, a última secção apresenta as conclusões do estudo. A percepção que temos é que os resultados gerados por este tipo de análise poderão suscitar alguma perplexidade, mas cremos também que a eventual dissonância decorrente poderá impulsionar uma desejável mudança de percepções.

 

II. A ADEQUAÇÃO DE INDICADORES DE PATENTES PARA ANALISAR DINÂMICAS DE INOVAÇÃO

Desde o esforço pioneiro de Joseph Schumpeter (1934) que os estudos de inovação têm procurado estabelecer uma definição consistente de “inovação”. O conceito de inovação tem progredido ao longo dos anos, encontrando-se actualmente várias definições concorrentes. A abrangência e o enfoque dessas definições dependem, em parte, da perspectiva disciplinar em que os autores se colocam. Uma definição que, não sendo consensual, encontra elevada aceitação, é que a inovação se verifica quando uma dada invenção é utilizada pela primeira vez para fins económicos e sociais. Empregando uma linguagem mais mercantil, alguns autores adaptam esta ideia, afirmando que a inovação ocorre quando a invenção chega pela primeira vez ao mercado.

Existem dois aspectos comuns às definições apresentadas no parágrafo precedente. Em primeiro lugar, ambas estabelecem uma distinção conceptual entre invenção e inovação, indicando que a segunda ocorre na sequência da primeira. Em segundo lugar, ambas as definições referenciam que se verifica inovação quando uma dada invenção é empregue pela “primeira vez”. Esta perspectiva comum destaca, portanto, a singularidade do acto inovador, impedindo que se fale de inovação relativamente a adopções posteriores, mesmo que estas se verifiquem em contextos geográficos, sectoriais ou empresariais muito distintos.

Neste sentido, as definições precedentes concordam com o critério de “novidade” que preside à atribuição de uma patente. Quando um inventor apresenta a um instituto de patentes (como é o caso do INPI em Portugal) um pedido de patente, os técnicos responsáveis pela sua avaliação comparam o respectivo conteúdo com as patentes vigentes à escala mundial, só decidindo pela atribuição quando constatam existir um contributo líquido para o avanço do estado-de-arte tecnológico. Uma tecnologia já patenteada noutro país fica, assim, impossibilitada de obtenção de novas patentes, sempre que o pedido de protecção não venha pela mão do respectivo inventor. As patentes, medidas pelo número de pedidos ou pelo número de patentes efectivamente atribuídas, constituem, por conseguinte, uma “medida absoluta” de inovação à escala mundial.

Esta perspectiva “absoluta” difere de uma visão mais “relativista” de inovação que se desenvolveu durante a década de 1990 e que, em grande medida, decorre das propostas apresentadas no Manual de Oslo (OECD, 1992). As sugestões contidas neste Manual foram materializadas nos designados Inquéritos Europeus à Inovação, organizados pelo EUROSTAT (Smith, 2005). Estes inquéritos, que abrangem dezenas de milhar de empresas europeias, contabilizam como inovação todas as adopções, por parte das empresas inquiridas, de produtos ou processos substancialmente distintos dos que eram produzidos ou empregues no passado recente. Nesta perspectiva, uma mesma inovação que esteja protegida por uma única patente, pode ser contabilizada como inovação um número indiscriminado de vezes, tendo em conta a sua sucessiva adopção por diferentes empresas.

A opção por uma destas duas perspectivas, de inovação “absoluta” ou “relativa”, depende, em grande medida, do quadro conceptual e do propósito do estudo a efectuar. Se a intenção é observar como um determinado espaço ou entidade se posicionam face aos líderes tecnológicos à escala mundial, o primeiro critério será mais pertinente. Se a intenção é observar os esforços de ajustamento das empresas às dinâmicas de mudança tecnológica, o segundo critério será certamente preferível. Não querendo discutir os méritos relativos de cada uma destas abordagens, parece-nos contudo que a adopção da abordagem “relativa” pode conduzir a falsas comparações, pois uma dada entidade ou região podem, seguindo esse critério, revelar uma grande dinâmica “inovadora”, mas esta basear-se em inovações que noutros pontos do mundo já foram vulgarizadas há bastantes anos. Em contrapartida, a adopção do critério “absoluto”, embora podendo deixar de fora muitos esforços inovadores localizados, permite identificar como o sujeito estudado se posiciona face à fronteira tecnológica num dado momento.

No presente estudo segue-se a perspectiva “absoluta” de inovação, recorrendo à análise de pedidos de patentes no contexto geográfico das regiões portuguesas a um nível de agregação correspondente a NUTS III. Esta opção não decorre de se considerar esta perspectiva como sendo inequivocamente melhor, mas (i) do facto de existirem dados novos que nos foram disponibilizados, (ii) de este tipo de dados nunca terem sido ventilados para as regiões portugueses e, ainda, (iii) de não existirem dados disponíveis para indicadores alternativos ao nível de desagregação regional que desejamos estudar.

Na análise a realizar têm-se em conta as vantagens e desvantagens de utilização de patentes enquanto indicadores de inovação. Reconhece-se que a patente constitui um indicador intermédio do processo inovativo, constituindo essencialmente um ponto possível de passagem entre o desenvolvimento da inovação e a sua exploração económica. A literatura existente sobre a utilização de patentes tem referenciado essas vantagens e desvantagens de forma sistemática (Griliches, 1981, 1984 e 1990; Pavitt, 1985 e 1988; Griliches et al., 1991; Kleinknecht et al., 2002).

Na identificação das vantagens destaca-se que as bases de dados de patentes fornecem séries temporais muito longas, sendo a informação nelas contida temporalmente consistente, com excepção de situações em que se verificam alterações significativas na legislação, ou nas práticas dos tribunais que intervêm nestas matérias. Estas bases de dados são também, em geral, públicas e com tratamento facilitado através de meios informáticos. A informação nelas contida pode ser analisada em termos tecnológicos muito especializados, por via das nomenclaturas de classificação muito desagregadas empregues. A análise do conteúdo das patentes também proporciona, por via da contagem de citações, informação importante sobre a influência de invenções-chave e permite identificar inventores sistemáticos (serial-inventors). Os dados disponíveis tornam possível ainda estudar as organizações com maior propensão a patentear e realizar estudos comparativos a nível internacional ou regional.

A maior debilidade que se identifica nos indicadores de patentes, enquanto possível medida de inovação, tem a ver com o facto de um grande número de importantes inovações não serem patenteadas. Tal deve-se, logo à partida, ao facto de uma parte substancial das inovações não ter natureza tecnológica. Por outro lado, um grande número de sectores, mais concentrados em certas tecnologias e tipos de mercado, dá prioridade a outros mecanismos de protecção, associados ao segredo industrial, à reputação e marketing, ou à liderança sistemática face aos rivais. Estes mecanismos alternativos foram primeiramente identificados no estudo pioneiro de Levin et al., (1987) e confirmados pelo estudo de Cohen et al., (2000). Um outro problema referenciado prende-se com o facto de parte substancial das invenções patenteadas não chegarem à efectiva aplicação, agravando-se esta circunstância pelo facto dessa proporção variar bastante entre áreas tecnológicas ou empresas de diferentes dimensões.

Tem-se igualmente argumentado que muitas das patentes em vigor não se destinam a proteger a inovação. Um maior recurso a patentes com pouco valor tecnológico, ou com pouco potencial de aplicação prática, verificado nos últimos anos, decorre de tácticas premeditadas que visam estabelecer vastos portfolios de activos intangíveis. Este tipo de estratégia destina-se a suscitar efeitos de reputação e valorização em bolsa, a criar muros protectores em torno de áreas tecnológicas vitais para a empresa, a oferecer moeda de troca quando há acusações comprovadas de infracção de direitos de propriedade intelectual de terceiros ou, ainda, a constituir base de licenciamento cruzado de tecnologias complementares (Cohen et al., 2000). Todos estes motivos estão longe da intenção original da atribuição de patentes por parte dos estados nacionais que era, recorde-se, o estímulo à invenção e subsequente exploração da inovação no mercado.

Referenciando o caso americano, Jaffe e Lerner (2004) sugerem que este recurso a patentes sem relevância económica e social tem sido estimulada por práticas forenses que privilegiam excessivamente os direitos dos detentores de patentes e por uma diminuição dos limiares de exigência por parte do instituto de patentes dos Estados Unidos. A prática de estratégias agressivas e o uso excessivo de patentes estará, inclusive, a conduzir a uma situação em que o benefício económico líquido das patentes é actualmente negativo, em virtude dos custos de contencioso estarem a aumentar exponencialmente (Bessen e Meurer, 2008). O agravamento do panorama de uso de patentes é tal que se têm verificado recentemente apelos, não apenas provenientes de perspectivas radicais mas inclusive de economistas mainstream, para a abolição pura e simples do sistema de patentes (Boldrin e Levine, 2008).

Estes argumentos poderiam sugerir a total inadequação do uso de estatísticas de patentes para avaliar dinâmicas de inovação. Porém, o contexto português, e mais genericamente o contexto europeu, é diferente da situação vivida nos EUA. As práticas legais não são as mesmas nem o clima de guerrilha legal em torno de direitos de propriedade intelectual atinge ainda a mesma intensidade.

Acresce que a situação americana reveste-se de uma natureza paradoxal, dado que a par do reconhecimento de sérios problemas no sistema de patentes, verifica-se que o interesse das empresas por este tipo de intangível não tem parado de aumentar, designadamente nos sectores tecnologicamente mais dinâmicos. Num plano mais normativo, a implicação é que não fará sentido recomendar às empresas portuguesas mais inovadoras qualquer alheamento da utilização de patentes. Pelo contrário, fará sentido elas apreenderem as regras do jogo e procurarem daí extrair os correspondentes benefícios.

 

III. INFORMAÇÃO EMPREGUE

O estudo realizado empregou uma base de dados fornecida pelo INPI, cobrindo o período entre Janeiro de 1980 e Maio de 2008. Constam desta base de dados 32 165 pedidos de patentes submetidos ao INPI. Como o objectivo era apenas analisar as patentes pedidas por entidades residentes em Portugal, teve de se eliminar a larga maioria dos pedidos, provenientes de entidades residentes fora de Portugal. Acresce que os dados relativos a pedidos provenientes do estrangeiro sofrem de uma forte descontinuidade, em virtude da ratificação por Portugal da Convenção Europeia de Patentes em 1992. Com base neste tratado, grande parte dos pedidos de protecção com origem no estrangeiro que visam o mercado português, passaram a entrar, a partir dessa data, directamente através do Instituto Europeu de Patentes, sedeado em Munique. Através das “patentes europeias” os requerentes conseguem obter protecção simultânea em múltiplos países europeus. Há a referir que os residentes em território nacional passaram a dispor, também, de acesso a esta “via europeia”. Porém, o recurso a esta opção foi quantificada em estudo recente (Godinho et al., 2008), não sendo, em termos proporcionais, muito significativa. Depois da eliminação acima referida dos pedidos provenientes do estrangeiro, ficou-se com uma base de dados com 2 597 pedidos de patentes de residentes apresentados no INPI no período em referência.

Neste contexto de observação, uma questão pertinente é a do uso, na análise de contagens, de pedidos de patentes e não de contagens de patentes efectivamente concedidas. Normalmente trabalha-se com o primeiro tipo de indicador. O argumento empregue é que a proporção de rejeições de pedidos é aproximadamente constante em todas as áreas tecnológicas, pelo que a análise das tendências de pedidos fornece informação similar às concessões, com a vantagem de revelar as mesmas dinâmicas com uma antecipação de 2 a 3 anos, correspondentes ao tempo que demora a conceder uma patente.

Da base de dados fornecida constavam campos com: datas do pedido e da decisão; datas de prioridade; designação da patente; códigos das classes tecnológicas em relação às quais as patentes apresentavam reivindicações; nomes dos requerentes e respectivos endereços; nomes dos inventores e respectivos endereços.

Como uma patente pode ter múltiplos requerentes e múltiplos inventores, estes dois últimos grupos de campos desdobravam-se até aos limites máximos de requerentes ou inventores. Nos casos de patentes com múltiplos requerentes e múltiplos inventores, consideraram-se como tendo origem nacional todas aquelas cujo primeiro requerente, ou primeiro inventor, indicaram residência em território português.

A base de dados que nos foi fornecida teve de ser adaptada para efeitos de análise, tendo parte significativa deste esforço sido concentrado na codificação dos endereços de requerentes e inventores, que constava dos registos iniciais em termos de regiões NUTS III.

 

IV. ESTRUTURA E DINÂMICA DO USO DE PATENTES EM REGIÕES PORTUGUESAS

A dinâmica temporal dos pedidos de patentes por parte de requerentes residentes em Portugal está reflectida na figura 1. Nesse gráfico observa-se um declínio abrupto em 2007 e 2008, o que se explica por a informação para 2008 ir apenas até Maio e, conforme nos foi indicado, o processamento de novos casos não estar concluído para os dois anos mais recentes. Informação exterior à base de dados revela, aliás, que a tendência para o crescimento não tem abrandado nestes últimos anos. Um dos aspectos relevantes deste gráfico diz respeito à estagnação da procura de novas patentes em Portugal nas décadas de 1980 e 1990, com o número de pedidos a atingir um valor superior a 100 apenas num único ano. Outro aspecto relevante diz respeito à alteração da tendência depois de 2000, com a procura a crescer substancialmente, aproximando-se dos 200 pedidos por ano. Devido a esta alteração de tendência, a análise que se segue focaliza-se em dois períodos: um período “longo”, de 1980 a 2008; e um sub-período “curto”, de 2000 a 2008.

 

Fig. 1 – Patentes requeridas por residentes em Portugal, 1980-2008.

Fig. 1 – Patent applications submited by residents in Portugal, 1980-2008.

 

Em termos regionais verifica-se uma enorme concentração regional dos pedidos de patentes, conforme se observa no quadro I. Entre 1980 e 2008, 46% dos pedidos provêm de Grande Lisboa (PT171). A consideração da Grande Lisboa em conjunto com a Península de Setúbal (PT172), onde se destacam dois concelhos da margem sul do Tejo (Almada e Seixal), permite constatar uma concentração global em torno da capital de 53% da totalidade dos pedidos verificados neste período.

 

Quadro I – Distribuição dos pedidos de patentes por NUTS III no período em análise.

Table I – Regional distribution (at the NUTS III level) of patent applications during the period under analysis.

 

A outra região de concentração significativa é o Grande Porto (PT114), mas a uma distância substancial, com menos de 12% dos pedidos nacionais. Porém, tomando o Grande Porto e um conjunto de regiões que lhe são contíguas da orla litoral Norte (Baixo Vouga – PT161, Cávado – PT112, Ave – PT113 e Entre Douro e Vouga – PT116), verifica-se que este grupo soma um valor de 26% dos pedidos no período.

Em termos de tendência evolutiva, constata-se mesmo que esse grupo do Norte litoral (Grande Porto – PT114, Baixo Vouga – PT161, Cávado – PT112, Ave – PT113 e Entre Douro e Vouga – PT116) aumenta o seu peso nos anos mais recentes, contribuindo com 32% dos novos pedidos entre 2000 e 2008.

Este desempenho tem uma correspondência quase simétrica na evolução do grupo Grande Lisboa (PT171) e Península de Setúbal (PT172), cujo peso diminui para 47% nesse período (fig. 2).

 

Fig. 2 – Concentração regional dos pedidos de patentes, 2000-2008.

Fig. 2 – Regional concentration of patent applications, 2000-2008.

 

Constata-se, assim, uma diminuição da concentração nos dois períodos de referência, determinada pelo avanço das regiões no arco de Aveiro a Guimarães. Essa diminuição é confirmada pela redução do índice de concentração H-H de 0,24 para 0,21[ii]. Apesar desta redução, porém, o peso das 10 regiões no topo do ranking das 30 regiões NUTS III mantém-se praticamente inalterado, próximo dos 86%, indicando que a maioria das regiões portuguesas permanece pouco envolvida na procura de patentes.

O quadro II proporciona uma ventilação da informação por concelho, permitindo uma observação mais fina que a revelada pela análise ao nível NUTS III. Dos 308 concelhos existentes em Portugal, foram retidos para análise os que originam pelo menos 1% dos pedidos de patentes. Entre 1980 e 2008 existem 18 concelhos nestas condições e 22 entre 2000 e 2008. Para o período longo, um conjunto de concelhos em torno de Lisboa domina o ranking, ocupando 6 dos 11 primeiros lugares, enquanto no período mais curto esses concelhos embora permaneçam na listagem, distribuem-se até ao 18º lugar. Esta alteração deve-se, em grande medida, às subidas de concelhos de regiões limítrofes do Grande Porto (PT114), em particular Aveiro e Braga, com Aveiro quase a alcançar o Porto. Alguns concelhos destas regiões limítrofes (Guimarães e Trofa) e um do Grande Porto (Maia) que não constavam da listagem, passam também a fazê-lo no período mais recente. Fora dos dois núcleos polarizadores, em torno de Lisboa e no Norte Litoral, Portimão é excluído da listagem, mas Évora passa a integrá-la, bem como a Marinha Grande, que se junta a Leiria como concelhos mais representativos da região Pinhal Litoral (PT163).

 

Quadro II – Pedidos de patentes por concelho do requerente, em concelhos com 1% ou mais dos pedidos no período 2000-2008.

Table II – Patent applications by municipality of the applicant, in municipalities over 1%.

 

Alterando a perspectiva de análise, da localização dos pedidos para a observação das entidades requerentes, constata-se o claro domínio de entidades académicas ou similares (universidades, entidades de transferência ligadas a universidades e um laboratório do Estado). A informação constante do quadro III revela que entre 1980 e 2008 se registaram 560 pedidos provenientes de 31 requerentes que submeteram cada um 7 ou mais pedidos de patentes ao INPI, enquanto no sub-período mais recente, de 2000 a 2008, se registaram 328 pedidos provenientes de 25 requerentes que submeteram cada um 4 ou mais pedidos. Estes valores reflectem uma concentração em termos de requerentes, com as entidades que mais patentearam a aumentar o seu peso, de cerca de um quinto da totalidade dos pedidos no período longo, para cerca de um terço no período curto.

 

Quadro III – Principais requerentes de patentes.

Table III – Main Applicants.

 

Neste contexto, verifica-se que o domínio das entidades académicas ou similares surge essencialmente na fase mais recente. No período longo estas entidades contabilizaram 322 pedidos e no sub-período mais recente, a partir de 2000, contabilizam 266 pedidos. Tal significa que até 2000 elas terão originado apenas cerca de 6 dezenas de pedidos.

É este domínio, protagonizado em primeiro lugar por entidades académicas de Lisboa e Porto mas também de regiões limítrofes do Grande Porto, que permite compreender tanto a alteração relativa da geografia dos pedidos de patentes anteriormente observada, como a inflexão de tendência nos anos mais recentes, assinalada no início desta secção. Por outras palavras: se não se tivesse verificado o fenómeno do patenteamento académico nos anos 2000, o cenário de estagnação observado nas décadas de 1980 e 1990 não teria registado qualquer alteração. Este padrão evolutivo, embora sendo positivo para as universidades, indica que os pedidos de patentes com origem no sector empresarial não estão a ter qualquer evolução positiva.

A observação do quadro IV transmite-nos informação relativa aos 21 inventores cujo nome surge como “primeiro inventor” em mais de três pedidos de patentes entre 2000 e 2008. Não se dispõe de informação anterior a 2000, pois a larga maioria dos campos correspondentes na base de dados empregue encontram-se vazios para anos precedentes. No topo da lista surgem dois docentes do IST, sendo o 1º professor de Engenharia Mecânica e o 2º de Engenharia Química. Entre os dez principais inventores aparecem também dois professores da Universidade de Aveiro, respectivamente em 3º e 9º lugares. O nome que aparece em 6º lugar é de um investigador do INESC – Inovação, sedeado em Lisboa. Os inventores que surgem em 4º, 5º, 7º e 8º lugar serão todos “inventores independentes”, dado o respectivo nome coincidir com o de requerente. Estes inventores residem, respectivamente, na Madeira, no Fundão, no Seixal e em Barcelos. Apenas em 10º e 11º lugar surgem dois inventores cujos nomes estão associados a duas empresas requerentes, a Martifer e a Portela & Companhia (Bial).

 

Quadro IV – Principais inventores, 2000-2008.

Table IV – Main inventors, 2000-2008.

1

Arlindo José de Pinho Figueiredo e Silva

22

2

Armando J. L. Pombeiro

17

3

João António Labrincha Batista

11

4

Leonel Rodrigues Vieira

8

5

Fernando Nogueira Gonçalves

7

6

Mário Serafim dos Santos Nunes

7

7

Henrique Miguel Marques Droguete Costa Ferreira

6

8

Agostinho Vilaça da Cunha

5

9

José Maria da Fonte Ferreira

5

10

António Pontes

4

11

David Alexander Learmonth

4

12

Fortunato José Moreira da Costa

4

13

João Carlos Moura Bordado

4

14

José Carlos Brito Lopes

4

15

Luís Manuel Pinto Ferreira da Costa

4

16

Manuel da Silva e Sousa Lobo

4

17

Paulo Juliano Pereira da Silva Araújo

4

18

Pedro Brito Correia

4

19

Pedro Silva Girão

4

20

Richard John Benn

4

21

Rodrigo de Sousa Peres

4

 

V. CONCLUSÕES

Os dados apresentados e analisados por este artigo revelam uma faceta das dinâmicas de inovação em Portugal que não tinha sido observada por estudos académicos anteriores. A análise de dados de pedidos de patentes, para o período longo entre 1980 e 2008 e para o sub-período mais curto entre 2000 e 2008, permitiu verificar quais as regiões e concelhos onde se estão a realizar esforços inovadores mais próximos da fronteira tecnológica mundial.

A principal conclusão que se retira da análise realizada é que estas actividades se concentram de forma muito nítida num número muito diminuto de regiões. A região da Grande Lisboa, com destaque para o concelho de Lisboa, aparece numa posição dianteira em termos de procura de patentes junto do INPI. Nos anos mais recentes, contudo, observou-se que um conjunto de regiões da orla Litoral Norte tem aumentado o seu peso relativo, com um protagonismo particular das cidades do Porto, Aveiro e Braga. Esta evolução revela, por conseguinte, uma concentração tendencial da procura de patentes em torno da cidade de Lisboa e no arco que vai de Aveiro a Guimarães. A bi-polarização crescente do patenteamento põe em evidência o facto de a maioria das regiões portuguesas se encontrarem excluídas do processo de produção de conhecimento potencialmente patenteável.

Esta concentração regional verifica-se num contexto onde, a partir do ano 2000, a procura de patentes em Portugal teve um incremento significativo, depois de uma estagnação nas duas décadas precedentes.

Constatou-se que as alterações verificadas, tanto em termos de distribuição regional como do número total de pedidos, são em grande medida tributárias do desempenho de instituições académicas ou similares. Este incremento do patenteamento académico decorre de vários factores. Em primeiro lugar, as principais universidades e escolas de engenharia têm desenvolvido a função de transferência de tecnologia, criando para o efeito unidades especializadas nesta actividade. Em segundo lugar, o estabelecimento de Gabinetes de Apoio à Propriedade Industrial por parte do INPI, facilitou também a difusão de informação nas universidades sobre uso de patentes. Mais em geral, o significativo aumento de doutorados em áreas científicas e tecnológicas, verificado nas décadas mais recentes, criou as condições necessárias para que este fenómeno se verificasse.

Embora este maior envolvimento das universidades no negócio da tecnologia possa vir a revelar-se positivo no médio-longo prazo, o menor dinamismo do sector empresarial constitui factor de significativa preocupação. A consideração do contexto internacional de uso da propriedade industrial permite verificar que Portugal se encontra a enorme distância dos países que lideram os rankings de procura de patentes. Mesmo em relação a países com um nível de desenvolvimento económico relativamente próximo, existem diferenças substanciais. Tomando como exemplo a Coreia do Sul, com um PIB per capita marginalmente superior ao português (respectivamente 22,0 e 20,4 mil dólares em 2005), verifica-se que as entidades residentes naquele país revelam, em termos relativos, uma procura internacional de patentes mais de 100 vezes superior à portuguesa (com referência também a 2005, os números são 17.217 e 33 pedidos no instituto de patentes dos EUA, para, respectivamente, 47,9 e 10,5 milhões de habitantes).

Parte desta enorme desproporção decorre de diferenças nas estruturas produtivas e nos padrões de especialização tecnológica. Em termos prospectivos, porém, a manutenção dessas diferenças será desfavorável à economia portuguesa. Neste sentido, fará sentido incrementar os esforços para envolver entidades portuguesas, muito em particular as do sector empresarial, numa maior utilização dos mecanismos da propriedade industrial. Esse envolvimento deverá ter consciência dos problemas que actualmente afectam o uso da propriedade industrial a nível global, embora tenha igualmente de ter em consideração os elevados custos de permanecer alheio às regras do jogo nesta matéria.

Em termos de pesquisas futuras no domínio das dinâmicas regionais de inovação em Portugal, haverá que procurar desenvolver um quadro de análise mais abrangente, contemplando simultaneamente as dinâmicas de inovação e de difusão. O emprego de vários indicadores, a pesquisa de relações de causalidade e a determinação de padrões de comportamento homogéneo são tarefas que se afiguram prioritárias.

 

AGRADECIMENTOS

O autor agradece ao INPI a disponibilização dos dados empregues. O artigo beneficiou dos comentários de um referee e do editor.

Manuel Mira Godinho

 

BIBLIOGRAFIA

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NOTA

[ii] O índice de Hirschman-Herfindahl é empregue em economia industrial para medir a concentração de sectores produtivos. Em caso de monopólio o valor deste índice é 1, ao passo que num sector com quotas de mercado equitativas o respectivo valor tende para 0.

 

Recebido: 07/11/2008. Revisto: 13/02/2009. Aceite: 20/02/2009.

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