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Finisterra - Revista Portuguesa de Geografia

Print version ISSN 0430-5027

Finisterra  no.91 Lisboa June 2011

 

NOTA


 

Notas sobre a industrialização no estado de São Paulo, Brasil

 

Notes about the industrialization in the state of São Paulo, Brazil

 

Notes sur l’industrialisation dans l’etat de São Paulo, au Bresil

 

 

Paulo Fernando Jurado da Silva1

1 Bolsista de doutorado da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e pesquisador do GAsPERR (Grupo de Pesquisa Produção do Espaço e Redefinições Regionais), FCT/UNESP, Presidente Prudente, São Paulo, Brasil. E-mail: pfjurado@uol.com.br

 

 

RESUMO

Esta nota tem como objetivo discutir a questão industrial no contexto paulista. Aborda, nesse sentido, pela perspectiva histórica e geográfica a visão da industrialização, em suas diferentes leituras. Para tanto, procura periodizar o entendimento da dimensão industrial à luz de seus distintos momentos, relacionando, quando possível, as variáveis concernentes às transformações na dinâmica territorial paulista tanto pretéritas quanto recentes.

Palavras‑chave: Industrialização, urbanização, dinâmica territorial, estado de São Paulo.

 

ABSTRACT

This note aims to discuss the industrialisation in the context of the state of São Paulo. The topic of industrialisation will be approached from the historical and geographical perspectives. Thus, we will try to understand the industrial dimension taking into account its different moments, relating, when possible, the variables concerning the transformation in territorial dynamics in São Paulo state both in the past and in the present.

Key words: industrialization, urbanization, territorial dynamics, São Paulo state.

 

RÉSUMÉ

Cette note de recherche a pour objectif d’argumenter la question industrielle dans le contexte de São Paulo. Elle aborde, en ce sens, par la perspective historique et géographique, la vision de l’industrialisation, dans ses différentes interprétations. Ainsi, elle cherche à diviser en périodes la compréhension de la dimension industrielle à la lumière de ses moments spécifiques, en rapportant, lorsque cela est possible, les variables concernant les transformations de la dynamique territoriale de São Paulo, aussi bien anciennes que récentes.

Mots clés: industrialisation, urbanisation, dynamique territoriale, État de São Paulo.

 

 

I. INTRODUÇÃO

Este texto tem como assunto central o quadro geográfico da indústria no Brasil, tendo como preocupação principal a análise do estado de São Paulo (fig. 1), buscando relacionar analiticamente alguns dos processos econômicos que se fizeram presentes no final do século XIX e que se estendem até o início do século XXI.

 

 

A princípio a proposta parece audaciosa, uma vez que, tem sido objeto de estudo de vários pesquisadores em distintos contextos e momentos. No entanto, a argumentação da nota pautar-se-á na análise do fenômeno por meio de uma abordagem geográfica sintética, já que o tema é bastante amplo e complexo. Com isso, a reflexão é orientada a partir da perspectiva geográfica e, dessa maneira, o processo de industrialização é compreendido como importante aspecto para a leitura territorial do Brasil, para a ampliação da urbanização e para a modernização técnica do campo.

A partir destas palavras iniciais, cumpre assinalar que a questão industrial tem sido interpretada à luz de diferentes leituras, fundamentadas pela análise de distintas ciências e pelo exame de variados objetivos e tratamentos conceituais. Além disso, as regiões que compõem a configuração espacial de um país são marcadas pela desigualdade e heterogeneidade, conformando uma teia de relações face ao “desenvolvimento desigual e combinado” (Trotsky, 1967), impondo mudanças e contrapondo espaços de pobreza aos de riqueza.

Assim, ao longo do território (que não é neutro e muito menos inerte) desencadeiam-se disputas e confrontos econômicos, geram-se rivalidades e instaura-se a “guerra” entre os lugares na disputa por maiores investimentos entre cidades e regiões. Na interpretação de Santos e Silveira (2001) são engendrados, por conseguinte, a contradição e a disparidade social que se relacionam com produção de espaços de luz (espaços com forte densidade técnica e riqueza econômica) e espaços opacos (espaços com menor densidade técnica e com maior grau de pobreza econômica). No território paulista, tal idéia também comparece e a desigualdade se traduz no arranjo de valorização de determinados espaços (capital e adjacências) em detrimento da marginalização de outros (oeste paulista, por exemplo).

Durante grande parte do século XX, a indústria brasileira esteve concentrada na capital paulista, mas, as transformações processadas em escala nacional com a implantação de leis de incentivo fiscal e o investimento em infra-estrutura conduziram o país rumo a alterações marcantes que acabaram por engendrar um novo quadro industrial nacional, caracterizado pelo processo de desconcentração industrial da capital paulista, embora ainda se reconheça a importância do estado de São Paulo como o maior produtor industrial no país na atualidade (quadro I) possuindo, no ano de 2009, 96 972 estabelecimentos industriais e 2 713 465 vínculos empregatícios ocupados no setor, o que confirma sua relevância no contexto nacional.

 

 

Com base nesse pressuposto, procurar-se-á desenvolver a apresentação das idéias em dois recortes temporais principais da realidade analítica, ou seja: a) um período que se inicia em 1880 e segue até 1950 com a instauração da indústria, impulsionada pelo complexo cafeeiro (principal produto de exportação brasileira e motor da economia nacional nesse momento), bem como pelas políticas adotadas pelo presidente brasileiro Getúlio Vargas (1930-1945) que focou suas ações no processo de fortalecimento do mercado consumidor interno, criação de institutos de apoio à produção agrícola e implantação de estabelecimentos industriais (como será melhor detalhado adiante); e b) a partir da década de 1960 e que se estende até aos dias atuais, momento que compreende a consolidação do capital monopolista e da urbanização.

 

II. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICO-GEOGRÁFICA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA (1880 -1950)

No período de expansão cafeeira (final do século XIX e início do XX), o Brasil rompe economicamente o limite territorial nacional (em termos de maior comercialização de mercadorias e dinamização das atividades econômicas desempenhadas) e se une ao circuito econômico mundial de maneira a propiciar as condições essenciais para a sua inserção como país agrário-exportador, na divisão territorial do trabalho.

Antes disso, o país era constituído por lógicas espaciais distintas e a economia interna não se encontrava totalmente integrada no sentido das trocas comerciais e das interações espaciais. Santos (1993: 17) a respeito do assunto, forneceu os elementos de interpretação teórica para a análise do período, visto que, “no começo a ‘cidade’ era bem mais uma emanação do poder longínquo, uma vontade de marcar presença num país distante”. A urbanização como fato marcante do território nacional só foi ocorrer com maior ênfase a partir da metade do século XX, tendo São Paulo como grande centro econômico do país.

Desse modo, com o advento do complexo cafeeiro, o Brasil começa a dar seus primeiros passos rumo ao processo de industrialização com origens nas décadas de 1880 e 1890. Assim, grande parte da burguesia industrial nascente estava ligada aos imigrantes europeus do século XIX, que chegaram ao Brasil e passaram a investir na construção de novos estabelecimentos e atividades econômicas diversas.

Nesse momento, grandes fábricas de tecidos e outros estabelecimentos ligados ao ramo metal-mecânico e ao de bebidas são instalados no território paulista. Entretanto, o assunto da industrialização no Brasil não se deve reduzir à interpretação do papel do café na economia, visto que há outras variáveis que mereceriam destaque como: a importância do imigrante na instalação de novas unidades industriais; a ação do governo com incentivos fiscais; infra-estruturas; o cenário internacional de crises econômicas e conflitos geopolíticos (o que culminaria na necessidade de substituição das importações), entre outras.

Assim, há diferentes teorias que versam sobre a origem da indústria brasileira e para Suzigan (2000: 23) elas poderiam ser resumidas em quatro principais, ou seja: “1) a teoria dos ‘choques adversos’; 2) a ótica da industrialização liderada pela expansão das exportações; 3) a interpretação baseada no desenvolvimento do capitalismo no Brasil (ou o ‘capitalismo tardio’); 4) a ótica da industrialização intencionalmente promovida por política do governo.”

A teoria dos choques adversos centra suas preocupações nas crises e conflitos internacionais, bem como nas guerras mundiais e na grande depressão de 1930, além de ressaltar seus respectivos efeitos. Nessa concepção, o país teria se industrializado pela necessidade de substituição das importações e, por conta da escassez de determinados produtos houve necessidade de fabricá-los em território nacional.

A segunda ótica da industrialização, liderada pela expansão das exportações, advém da interpretação baseada nos dados estatísticos internacionais de valorização/desvalorização de determinados produtos, o que traria o aumento da lucratividade ou crise e, por conseqüência, daria (ou não) o “combustível” para a industrialização, isto é, para a ampliação do capital e das forças produtivas.

A abordagem do capitalismo tardio discute que a industrialização ocorreria como parte do desenvolvimento capitalista e, portanto, a economia cafeeira teria subsidiado a industrialização (no primeiro momento), e em períodos de crise imposto o grau de limitação ao setor.

Já a quarta e última tese da industrialização (Suzigan, 2000) estaria fundamentada na ótica das políticas públicas do estado que ocorreram junto ao processo de industrialização brasileira, criando mecanismos de proteção aduaneira e subsídios aos estabelecimentos industriais recém -instalados.

Outro pesquisador, dentre os preocupados com a questão, que merece menção do ponto de vista da pertinência de sua contribuição teórica foi José de souza Martins (1976, 1979). Conforme se verifica na sua discussão, os grupos econômicos que se tornaram grandes no século XX não são originados diretamente das sucessivas crises da economia cafeeira. Estes representaram no século XIX a substituição da produção artesanal e doméstica pela industrial, em pequena escala, e ocorreram em muitos municípios paulistas, ou seja, “nasceram, portanto, para substituírem a pequena produção intersticial e não para substituírem importações.” (Martins, 1979: 116).

Martins (1979) ao interpretar a biografia do conde Francesco Matarazzo2 (1854-1937), constatou que o processo de industrialização não deve ser entendido exclusivamente pela descrição das relações produzidas no comércio colonial e, assim, “[...] a gênese da indústria brasileira não deve ser buscada nas oscilações da economia do café, na alternância de períodos de crise e falta de crise. Na verdade, o aparecimento da indústria está vinculado a um complexo de relações e produtos que não pode ser reduzido ao binômio café-indústria.” (Martins, 1979: 106).

Este autor considerou que antes mesmo da vinda dos imigrantes a produção artesanal já se fazia presente em vários municípios e não somente vinculada à capital paulista. O nexo da questão industrial só ganha significado, portanto, pela análise de múltiplos fatores que acompanharam a economia cafeeira e não tão somente pelo viés da substituição das importações.

A industrialização no período que compreende 1929-1933 e 1933-1955 figura, consequentemente, como um processo de industrialização “restringida”, onde a indústria brasileira não produzia, em geral, bens de capital e intermediários, necessários para viabilização da reprodução e autonomia da industrialização nacional.

Sob a égide do presidente Getúlio Vargas3 (1930-1945), o Brasil se integra economicamente (no sentido da formação de um mercado consumidor nacional) e, paulatinamente, são dadas as condições para que a indústria de base fosse criada e se dinamizasse com o investimento em diversas áreas da economia, fomentando-se uma indústria que atendesse aos interesses do chamado desenvolvimento nacional.

No governo do presidente Juscelino Kubitschek4 (1956-1961) foi implantado o programa Plano de Metas, que tinha como objetivo ampliar e fortalecer o crescimento econômico do país, especialmente, nos setores de energia, transporte, educação, alimentação e indústria de base, com a construção de grandes projetos nacionais como a criação da capital político-administrativa federal no planalto central brasileiro, isto é Brasília (Distrito federal – DF). Tal plano, apesar de ter trazido grandes benefícios em termos de infra-estrutura ao país, aumentou, por outro lado, a dívida externa. Porém, foi a partir da liberalização econômica que o parque industrial nacional se diversificou e São Paulo mais uma vez foi beneficiada com a construção de indústrias de bens duráveis, como as pertencentes ao segmento automobilístico.

Na década de 1950, foi instalada a Companhia siderúrgica Paulista (COSIPA) em Cubatão (município localizado na chamada Baixada santista Paulista e em proximidade a capital São Paulo). Tal companhia siderúrgica foi importante porque possibilitou o atendimento das necessidades de segmentos estratégicos da indústria paulista como o automobilístico, mecânico, entre outros. Se no primeiro recenseamento brasileiro, datado por volta de 1870, São Paulo contava com pouco mais de 31 mil habitantes, a partir de 1960 atinge aproximadamente 3,3 milhões de habitantes. Os resultados desses múltiplos processos foram a concentração industrial, econômica e populacional na capital paulista.

Nesse contexto, há uma diversificação da produção industrial brasileira, onde o governo federal cria a Petrobras além do BNDE (Banco nacional de Desenvolvimento econômico) e passa a investir pesadamente em infra-estrutura, com a participação do capital externo em busca da consolidação do setor de bens duráveis. Como considerou Negri (1996: 101), no período, há uma nítida concentração industrial em São Paulo, visto que: “a primeira fase da industrialização pesada (1955/1967) consolidou a expansão industrial brasileira e sua concentração em São Paulo, aí instalando grande parte da nova capacidade produtiva metal-mecânica. É em São Paulo, também, em função da maior diversificação de sua estrutura industrial, que se vêem, com maior clareza, os efeitos de encadeamento dos investimentos do Plano de Metas, a exemplo da montagem do setor de autopeças em relação à automobilística [...]”.

Face ao quadro de transformações na dinâmica territorial, São Paulo irá se firmar na gestão econômica do país. Nesse momento, Brasília surge pela iniciativa de Juscelino Kubitschek e aos poucos o poderio econômico e político do rio de Janeiro (antiga capital do Brasil) são colocados num segundo patamar. Ademais, tanto São Paulo quanto Brasília acabaram por se configurar como os novos centros de gestão econômica e política do território nacional. Dessa forma, o Brasil passa a se inserir no mundo capitalista como um país industrial e urbano, diferentemente da conotação que o país assumia no passado, quando a sua vinculação era agrária e exportadora, embora haja permanências, complementaridades e contradições nesse processo de desenvolvimento desigual e combinado.

Como ponto estratégico de incorporação capitalista do território nacional, a partir da construção de Brasília dão-se as condições para a criação de diversas rodovias. O processo de ocupação e expansão demográfica é acentuado, face especialmente ao avanço da urbanização no centro-oeste e norte brasileiro, consolidando-se os marcos para o estabelecimento de novas fronteiras agrícolas no país. Aos poucos o território é dinamizado e assegura-se a estratégia geopolítica de defesa das áreas de fronteira, centrada na política de ocupação e dotação de infra-estrutura do país.

Como a descrição desse processo não é tão simples e exige uma maior compreensão, o próximo tópico procurará melhor discutir esse quadro de mudanças espaciais, industriais e econômicas. O mesmo buscará oferecer subsídios para a interpretação da ampliação do grau de urbanização nacional e do processo de concentração/desconcentração industrial no território paulista, mesmo que de maneira resumida, dado o grau de profundidade que envolve o assunto.

 

III. INDUSTRIALIZAÇÃO “CONCENTRADA”, URBANIZAÇÃO “ACELERADA”

Com o processo de industrialização, o Brasil se fortaleceu em termos de expansão de novos negócios e São Paulo se firmou como o grande centro econômico, financeiro e industrial do país. a capital do café, isto é, São Paulo, em meados do século XX teve um surto de expansão econômica e aos poucos os produtos vão sendo transformados e o território se dinamizando. Contudo, esse processo foi acompanhado somente por crescimento e não por desenvolvimento e discuti-lo, portanto, é reportar a uma ampla gama de condicionantes.

A industrialização não ocorreu de maneira homogênea e demonstra sua força onde as condições econômicas eram propícias ao seu surgimento. Desse modo, a industrialização paulista, em momento inicial, ocorreu de maneira concentrada e desigual, e num segundo momento pelo processo denominado de desconcentração industrial, mas limitado (em termos de magnitude) a pontos próximos da capital.

A industrialização paulista provocou um processo de concentração industrial em decorrência do próprio processo de dinamização e expansão das indústrias, o que possibilitou ao Brasil a ampliação da produção industrial, relegando as indústrias cariocas e nordestinas aos desígnios da política capitalista paulista.

Na década de 1970, São Paulo começa a desenhar seus traços marcantes, acumulando problemas como grandes congestionamentos no trânsito, expansão populacional, insegurança urbana, aumento dos índices de poluição e degradação ambiental. Com isso, houve ampliação do custo de vida e ascensão de movimentos sindicais (especialmente nos segmentos da indústria metalúrgica e automobilística).

Foi nesse momento que o governo federal atuou no território nacional, visando incentivar a instalação de indústrias em outras localidades da federação, fundamentando-se na teoria dos Pólos de Desenvolvimento (baseada nas idéias de François Perroux). a partir da década de 1970 a Zona franca de Manaus (pólo comercial localizado na região norte do país que se destaca especialmente no segmento de produção de eletrônicos) é criada, a rodovia transamazônica (rodovia implantada na região norte do país, na floresta Amazônica) se posiciona no cenário nacional, assim como o pólo petroquímico de Camaçari na Bahia (estado localizado no nordeste do país), uma vez que: “Desde os anos 60 o processo de integração nacional vinha se desenvolvendo. Foi porém, a partir dos anos 70, que ganhou maior impulso. Nesse sentido, o esforço do governo federal dirigiu-se a dar incentivos fiscais (principalmente para as regiões norte e nordeste), abertura de estradas, criação de pólos industriais etc. que atraíram capitais para estas regiões. Nesse período, o governo priorizou os setores de bens intermediários e de capital [...]” (Araújo Junior, 2003: 6).

Com isso, o chamado processo de “desconcentração” industrial não desestruturou, em grande parte, as indústrias instaladas no estado de São Paulo e, ainda hoje, a capital paulista se destaca nacionalmente pela sua importante produção industrial, centralizando também processos decisórios de âmbito nacional e internacional, ligados ao capital industrial, financeiro e comercial. O investimento em centros de tecnologia, educação, transportes e o incentivo à instalação de indústrias mesmo que no interior é presente.

No governo paulista de Abreu Sodré (1967-1971) a questão da desconcentração industrial se tornou um imperativo. Os debates se intensificaram com a criação do Grupo de análise territorial (GAT) e do Grupo de Descentralização industrial (GDI). Juntamente, tentaram articular propostas relacionadas à redução das desigualdades regionais, com vista à desconcentração industrial e o conseqüente incentivo à instalação de empresas no interior, com a criação de distritos industriais, implantação de políticas de fortalecimento dos núcleos mais dinâmicos como são José do rio Preto e ribeirão Preto.

Já no governo paulista de Paulo Egydio Martins (1975-1979) foram criados vários programas que tentavam dar “harmonia” ao território e que integrassem a rede urbana pau-lista de maneira “equilibrada” com a criação da “Política de Desenvolvimento Urbano e regional do estado de São Paulo”. Nas gestões posteriores o enfoque de desconcentração industrial foi ganhando novas características. No governo de franco de Montoro (1983-1987) a discussão econômica foi dada no sentido de melhorar e ampliar a infra-estrutura dos transportes. Os recursos tiveram de ser angariados junto ao Banco Mundial e BnDes (Banco nacional de Desenvolvimento econômico e social). Nesse período, também são criados os escritórios regionais de Governo e as regiões de Governo.

O governo paulista sob a égide de Orestes Quércia (1987-1991) agiu radicalmente no sentido de completar e dar as condições propícias para a desconcentração industrial. Novamente, são ampliadas e melhoradas importantes rodovias e outras foram criadas. Quércia deu autonomia às prefeituras que não passaram a legislar somente sobre o uso do solo para a instalação de indústrias, mas agora passaram a ser agentes de investimento na política de “industrialização”, com a doação de terrenos e outros incentivos, embora a maioria dos municípios não tivesse os recursos necessários para a atração das mesmas.

Para Lencioni (1999) não se pode cometer o equívoco de exemplificar esse processo por meio de uma “descentralização”, uma vez que, as empresas mantêm algumas de suas sedes e escritórios jurídicos e administrativos na cidade de São Paulo. Isto torna ainda mais forte o argumento de que a metrópole paulista se estrutura como cidade mundial e organiza em seu território a conjunção de redes materiais e imateriais de serviços e informações. Lencioni (1999) preferiu utilizar a expressão desconcentração para elucidar esse processo, pois, “utilizamos o adjetivo desconcentrada para nos referir a esse processo de expansão da indústria para o interior, porque esse é sobretudo, orquestrado pela atenção das empresas oligopolistas e dos grupos econômicos que através de fusões, absorções e associações de empresas têm cada vez mais, centralizado o capital social.” (Lencioni, 1999: 121).

Nessa concepção, o processo de descentralização não teria ocorrido de maneira enfática, mas haveria, sobretudo, um fenômeno de desconcentração como considerou Lencioni (1994: 59), pois “a metrópole São Paulo se desconcentra como negação dos mecanismos de concentração e afirma a sua centralidade [...]”. Pode-se afirmar que a expansão da mancha urbana metropolitana de São Paulo foi acompanhada pela desconcentração da indústria rumo ao interior, assim como nos empregos, onde este ganha cada vez mais importância.

De acordo com Lencioni (1999) houve também um aumento expressivo no que diz respeito ao setor terciário em São Paulo que cresceu cerca de 53,9% no período de 1977 a 1987, com a expansão crescente de empregos ligados à propaganda, ao marketing, à consultoria, ao planejamento, à gerência, finanças, escritórios de direito e designer, dentre outros; concentrando cerca 1/3 das agências bancárias do estado5.

O fenômeno da desconcentração industrial está vinculado a uma escala maior de relações econômicas e políticas, ligadas tanto ao poder público quanto aos grandes capitais oligopolistas, sendo estes, os principais agentes e os sujeitos econômicos referentes ao novo processo de reorganização sócio-espacial. Junto à metrópole, concentra-se uma rede de investimentos em dimensões amplas, abarcando pistas e auto-pistas para descargas de matérias-primas e outros produtos. Acrescente-se a este fato, a consolidação de terminais de fibra ótica que garantem a dinamização e a rapidez na transmissão de dados e informações. Faz-se interessante ressaltar também que é na capital que se concentra parcela expressiva de trabalhadores qualificados e especializados e, portanto, as indústrias que tendem a se instalar na região metropolitana estão interessadas nestas e em outras vantagens.

O processo de transformação da metrópole é grande e subordinado a diversas escalas, como ocorre com o fenômeno da especulação imobiliária que incorpora determinadas áreas da cidade e as deixa ociosas em busca de ganhos futuros, o que dificulta a aquisição de terrenos pelas empresas. O resultado mais evidente desse processo é a compra de terrenos no interior, que possui valores mais baixos e mão-de-obra barata. Essa expansão industrial rumo ao interior caminha a passos largos, mas pontualmente. Nesse cenário, é interessante denotar que o território paulista já possuía uma grande ligação por ferrovias, favorecida pelo advento da cafeicultura e que se ampliou em função da instalação de grandes eixos rodoviários, além de propiciar o crescimento de determinados núcleos urbanos, localizadas em contigüidade à metrópole paulista.

A partir do centro da cidade de São Paulo, destaca-se um eixo que dista aproximadamente pouco mais de duzentos e cinqüenta quilômetros por onde se expandiu a concentração de indústrias ao longo das principais rodovias como a anhanguera e Bandeirantes. Já no interior, a dinâmica industrial tende a se concentrar nas cidades de porte médio e em algumas cidades pequenas que ofereçam doação de terrenos, distritos industriais, mão-de-obra qualificada, isenção fiscal, etc.

Na realidade, parte do interior tem processado o desenvolvimento de uma agricultura moderna e versátil, ligada principalmente ao ramo da laranja e da cana-de-açúcar. Para Lencioni (1999: 123-124): “a expansão da indústria para o interior pode ser situada no final da década de 70, tendo encontrado maior impulso na década seguinte. a região metropolitana sofrendo com mais força os efeitos da crise, tendeu para uma desconcentração industrial e conheceu profundas mudanças no setor terciário. Com isso, na década de 80 o emprego industrial diminuiu na região metropolitana, enquanto que o interior viu crescer em 11% esse índice.”

A instalação de estabelecimentos industriais distantes dos grandes centros e capitais nacionais tem causado uma desconcentração (embora de leve alcance) econômica no país, e isto é fato, pois, levando-se em conta a análise do PIB (Produto interno Bruto) como demonstra o quadro II, observar-se-á cada vez mais cidades distantes dos grandes centros a aumentar seu poderio econômico em decorrência da instalação de indústrias e de grandes obras públicas, como é o caso de citar, dentre os principais exemplos, o papel da indústria automobilística em Betim (município localizado em um dos maiores estados brasileiros, ou seja, Minas Gerais) com PiB de 18 731 824 reais (preços correntes).

 

 

Nesse caso, há uma nova configuração econômica e espacial sendo engendrada no país, uma vez que houve melhoria na arrecadação municipal e aumento do nível de emprego industrial, com a instalação de estabelecimentos industriais em novos centros. Ademais, novas cidades emergem no cenário de importância econômica nacional, como Duque de Caxias (localizada na Baixada fluminense no estado do rio de Janeiro e conhecida por sua produção industrial nos segmentos químico, petroquímico, metalúrgico etc.), bem como há o fortalecimento de determinadas corporações nacionais instaladas nesses pontos estratégicos do território.

A concentração espacial de estabelecimentos industriais (fig. 1) se dá a partir de São Paulo em direção à região do Vale do Paraíba (região localizada em proximidade ao litoral paulista e servida pela rodovia Presidente Dutra que liga São Paulo ao rio de Janeiro) e, em outro sentido, abarcando a região de Campinas (região com parque industrial diversificado e grande importância econômica estadual e nacional), além de são Carlos, Araraquara e Ribeirão Preto conhecidas nacionalmente pela agroindústria do etanol e da laranja. Todavia, são de destacar ainda determinados centros importantes na gestão do território e do capital industrial, como é o caso dos municípios são José do rio Preto e Marília onde predominam os gêneros alimentícios.

A região sul de São Paulo (conhecida como Vale do ribeira), ainda permanece frágil economicamente, possuindo o menor produto interno bruto, baixa presença de estabelecimentos no setor secundário, além de reduzida geração de empregos. Dessa maneira, as regiões mais próximas à capital têm beneficiado, com a instalação de novas empresas e com dotação de infra-estrutura necessária para a ampliação dos fluxos econômicos entre diversas cidades importantes diferenciando esta parcela do território em relação às porções oeste, centro oeste e noroeste do estado.

Com isso, gera-se a chamada “guerra” entre os lugares na luta por atração de maiores investimentos e instalação industrial. Em outras palavras, as cidades do interior paulista e de outros estados passam a implementar políticas públicas relacionadas a incentivos fiscais, capacitação de mão-de-obra, ampliação da infra-estrutura na busca do crescimento econômico.

Desse modo, se pode falar de uma capital que se (re)define – a todo o momento – como gestora do território nacional e de um interior paulista (com suas particularidades e complexidades) que ultimamente tornou-se área para a absorção industrial, apesar do processo se circunscrever a uma porção limitada espacialmente (fig. 1).

Em face dessa conjuntura, o Brasil se moderniza e demarca nos últimos anos um processo de transformações territoriais e produtivas significativas, o que acabou por interferir direta e indiretamente no papel que o mesmo assumiu no continente e globalmente como um país emergente, de industrialização tardia e desigual socialmente.

 

IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O movimento de transformação no território brasileiro e paulista é bastante acentuado. Assim, as mudanças que se processam no contexto econômico, se desdobram nas relações organizadas no mundo do trabalho, na produção de mercadorias, no escoamento da produção, na comercialização, na gestão de negócios etc.

Nesse sentido, a análise geográfica desse fenômeno revela que a indústria passou por diferentes processos de estruturação e configuração, demonstrando que a realidade é mutável e que o processo ainda encontra-se em continuidade, sendo movido por diferentes particularidades e especificidades. A construção do território se dá de maneira heterogênea e a reflexão em torno da temática da industrialização requer cuidado, uma vez que o assunto é amplo e envolve diversas variáveis.

Portanto, espera-se, nesse texto, ter oferecido os subsídios necessários para a reflexão sobre o assunto. O debate não se esgota nessas considerações finais, mas prossegue em seus diferentes sentidos, com o avanço das discussões e novas investigações sobre a realidade industrial em São Paulo, no contexto brasileiro, quer seja no âmbito da Geografia que de outras ciências que se preocupam com a análise da temática.

 

AGRADECIMENTOS

Esta nota de pesquisa é resultante de investigação apoiada pela fundação de amparo à Pesquisa do estado de São Paulo (FAPESP), durante o período de 2006-2009, vinculada ao projeto temático denominado: O mapa da indústria no início do século XXI. Diferentes paradigmas para a leitura territorial da dinâmica econômica no Estado de São Paulo, sob a coordenação do Prof. Dr Eliseu Savério Sposito.

O autor agradece a avaliação precisa, comprometida e responsável na leitura do seu texto e no auxílio de torná-lo mais leve e coerente.

 

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Recebido: Março 2010. Aceite: Outubro 2010.

 

 

NOTAS

2Empresário de origem italiana de expressiva importância para explicar o fenômeno de industrialização do país e que veio residir no Brasil onde construiu grandes estabelecimentos industriais (nos mais variados segmentos como o têxtil e o alimentício) e outras atividades econômicas que dinamizaram economicamente a capital paulista. Sua biografia é relevante para a compreensão do fato industrial por se tratar de um dos empresários mais bem sucedidos do período e que auxiliou no processo de modernização do país.

3No período de 1930 a 1934 Getúlio Vargas governou o país como Chefe do Governo Provisório que tinha colocado fim à república Velha (momento marcado pela alternância de poder político entre Minas Gerais e São Paulo), por meio da revolução de 1930. De 1934-1937 Getúlio foi o presidente da república eleito pela Assembléia Nacional Constituinte. Depois disso, aplicou um Golpe de estado e fundou o estado novo no período de 1937-1945 e, mais tarde, foi eleito democraticamente, governando o país de 1951-1954. Interrompeu seu mandato ao suicidar-se, no contexto das dificuldades e pressões políticas em termos de sustentação governamental.

4O grande slogan do Plano de Metas de Juscelino ficou conhecido como “Cinqüenta anos em Cinco”, demarcando a estratégia presidencial de aumentar o ritmo de crescimento do país em curto espaço de tempo.

5Gonçalves (1994) elucidou a questão da nova configuração urbana que o estado de São Paulo está assumindo no território nacional, nos últimos anos, em que a metrópole paulista é vista cada vez mais como a grande capital dos serviços no país e o interior paulista se dinamiza com o aperfeiçoamento de uma densa rede urbana.

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