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Finisterra - Revista Portuguesa de Geografia

versão impressa ISSN 0430-5027

Finisterra  no.93 Lisboa jun. 2012

 

ARTIGO ORIGINAL


 

Reconstrução do clima no Nordeste Brasileiro. Secas e enchentes do século XIX

 

Climate reconstruction in Northeastern Brazil. Floods and droughts in the 19th century

 

Reconstruction du climat dans le Nord-Est du Brésil. Sécheresses et inondations au XIXème siècle

 

 

Osvaldo Girão1

1Professor de Geografia da Universidade Federal Rural de Pernambuco – Brasil. E-mail: osgirao@gmail.com

 

 

RESUMO

A evolução temporal da dinâmica do ambiente e suas conseqüências para as sociedades, passaram a ser estudadas no âmbito da Climatologia histórica a partir da Escola dos Annales. Neste artigo, é feito o reconhecimento da evolução de tais estudos, no que diz respeito tanto a séries instrumentais brasileiras, como à avaliação de eventos climáticos extremos (secas e enchentes), e seus conseqüentes reflexos na dinâmica socioeconômica no Nordeste brasileiro do século XIX.

Palavras-chave: História ambiental, climatologia histórica, Nordeste Brasileiro.

 

ABSTRACT

The temporal evolution of the natural environment dynamics, and its consequences for societies affected by natural phenomena, has been included in the syllabus of Historical Climatology since the Annales School. This article assesses the evolution of such studies concerning the Brazilian instrumental series and the evaluation of extreme weather events (droughts and floods), as well as their impact on the socio-economic dynamics of the nineteenth century northeastern Brazil.

Keywords: Environmental history, historical climatology, Northeastern Brazil.

 

RÉSUMÉ

L’évolution temporelle de la dynamique de l’environnement Et ses conséquences sur les sociétés affectées par des phénomènes naturels ont commencé à être étudiées à partir de l’École des Annales, dans le cadre de la climatologie historique. On considère, dans cet article, l’évolution de ces études, notamment celles qui se réfèrent aux séries instrumentales brésiliennes, à l’évaluation des événements climatiques extrêmes (sécheresses et inondations), ainsi qu’aux impacts de ces événements sur la dynamique socioéconomique du nord-est du Brésil au XIXème siècle.

Mots-clés: Histoire de l’environnement, climatologie historique, nord-est du Brésil.

 

 

I. INTRODUÇÃO

No contexto das mudanças de paradigmas da História impetradas a partir da Escola dos Annales, a avaliação de fatos históricos, correlacionando processos socioeconômicos a dinâmicas espaciais,passou a oferecer mais um viés de oportunidade para o desenvolvimento de pesquisas históricas. Assim, com os Annales tem-se uma “ponte” criada a partir de meados do século passado para inter-relacionar os estudos históricos com os de outras ciências, dentre os quais os de cunho geográfico, demonstrando que as características geográficas possuem a sua “história”, tendo a componente climática, por exemplo, um papel relevante nas inúmeras formas de influenciar os sistemas sociais e econômicos.

Ademais, o reconhecimento de eventos meteorológicos de cunho catastrófico, e suas repercussões sobre as sociedades afetadas, auxiliam na avaliação dos riscos potenciais a que estão sujeitas as populações que ocupam áreas susceptíveis a tais eventos.

Neste artigo avaliam-se os pressupostos teóricos que embasam os estudos climáticos históricos e resgata-se o desenvolvimento da climatologia no Brasil a partir das percepções de observadores e de dados de elementos climáticos compilados para fins de estudos e gestão administrativa no Nordeste brasileiro; investiga-se igualmente a relevância que determinados eventos climáticos extremos possuíram como agentes modificadores de dinâmicas espaciais.

 

II. EVOLUÇÃO DOS ESTUDOS CLIMÁTICOS HISTÓRICOS

Há inúmeras referências estatísticas e análises perceptivas acerca de eventos climáticos e seus efeitos sobre determinados fatos históricos em variados locais do planeta. Conforme atesta Durschmied (2004), desde a antiguidade até episódios recentes da história mundial, existem evidências da influência de eventos decorrentes de extremos climáticos no desencadear de determinados fatos históricos.

Rudolf K. Balandin, (URSS) em 1974, “esteve entre os primeiros a usar a expressão climatologia histórica em sua compilação das catástrofes naturais a partir de crônicas russas” (Balandin, 1975, utilização da tradução alemã de 1988, apud Brázdil et al., 2005).

Para Fairbridge (1987) os estudos de climatologia histórica abarcam a totalidade da época holocênica (os últimos 15 a 12 mil anos), caracterizando-se como o estudo do clima através do intervalo de tempo “civilizado” do Homo sapiens (em que há desenvolvimento das artes, da escrita, a construção de habitações permanentes e outras estruturas relacionadas com a sua sobrevivência).

Adopta-se aqui a definição de um dos historiadores do clima que mais tem contribuído, nos últimos anos, para o desenvolvimento desta ciência, Christian Pfister: “A climatologia histórica é definida como um tipo de pesquisa situa- do no interface da climatologia e da história (ambiental), usando sobretudo dados documentais e utilizando métodos da história e da Climatologia” (Pfister, 2001).

Os quadros I e II, adaptados de Brázdil et al. (2010), sintetizam os tipos de fontes disponíveis para a reconstrução de climas passados, levando-se em consideração fontes individuais e fontes institucionais.

 

 

 

 

Durante a década de 1990, a investigação climática foi estimulada pela discussão acerca das alterações climáticas e do impacto das atividades humanas no clima, o que originou um incremento dos estudos em Climatologia Histórica na Europa, intensificado pela cooperação internacional, e um aumento expressivo dos estudos publicados, do número de especialistas e de equipes desenvolvendo investigações neste domínio (Taborda, 2006). Para Brázdil et al. (2005): “Um exemplo da relevância que os estudos de climatologia histórica exerceram sobre pesquisadores europeus, foi a adesão de 50 estudiosos, entre geógrafos, historiadores ambientais, palaeoecologistas, físicos e meteorologistas originários de 15 países europeus que foram envolvidos no estudo do Mínimo Maunderi período de 1675 a 1715 (Frenzel et al., 1994; Wanner et al., 1994 e 1995); posteriormente, este período passou a ser um foco para novas análises climatológicas desenvolvidas a partir de estudos de Pedersen (1996), Barriendos, (1997), Alcoforado et al., (2000), Luterbacher, (2001), Luterbacher et al., (2001), dentre outros”.

Recentemente, há um crescente interesse na história cultural da percepção climática e nas maneiras de lidar com anomalias climáticas e as conseqüentes catástrofes naturais que, eventualmente, levaram a colapsos de civilizações (Huang et al., 2003; Liang et al., 2006).

Um exemplo relativo a análise de eventos catastróficos derivados de elementos climáticos foi realizado por Pfister e Brändli (1999), que avaliaram as inundações ocorridas em meados do século XIX em território suíço, e que conduziram a ações de planejamento e gestão benéficas para a legislação contra a exploração madeireira nas montanhas dos Alpes, embora a lei tivesse como base a falsa premissa de que essa exploração era responsável pelas freqüentes inundações no país (Brázdil et al., 2005). O estudo desenvolvido pelos suíços pode servir como uma relevante analogia para discursos públicos contemporâneos sobre as potencias catástrofes naturais, decorrentes de influências humanas sobre a dinâmica climática.

 

III. REFERÊNCIAS À HISTÓRIA DA CLIMATOLOGIA BRASILEIRA ATÉ O SÉCULO XIX

O material escrito relacionado com os tipos de climas do Brasil no período inicial da ocupação das terras d’além mar consistiu na produção de um conhecimento descritivo das condições climáticas brasileiras, elencadas em relatos ou narrativas pelos jesuítas e cronistas, a partir de registros pessoais e informes governamentais de fenômenos naturais como estiagens, enchentes, inundações, deslizamentos de terra, entre outros.

Ademais, esses registros climatológicos pioneiros relatavam acerca das características sazonais,

“(...) a duração dos dias e das noites, a demarcação dos períodos secos e chuvosos, além da direção predominante dos ventos, dados que eram de suma importância para a navegação marítima e para motivação da vinda de povoadores portugueses para as terras de além mar, pois era certificada a possibilidade de cultivo e de habitação das mesmas.” (Ely, 2006: 66-67)

Dentre os primeiros cronistas que chegaram ao Brasil, o Jesuíta Fernão Cardim, que acompanhou a viagem para o Brasil e a visita a Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Vicente do primeiro governador do Brasil, Tomé de Souza, foi um dos primeiros a relatar aspectos pertinentes do clima das localidades por onde passou, descrevendo as suas percepções relativas aos fatos observados. Cardim descreve os climas como:

“geralmente temperados de bons, delicados e salutíferos ares, (...) geralmente não tem frios, nem calmas, ainda que o Rio de Janeiro até São Vicente há frios, e calmas, mas não muito grandes; (...). O inverno começa em março e acaba em agosto, o verão começa em setembro e acaba em fevereiro, as noites e os dias são quase todo o anno eguaes” (Cardim, 1980: 25).

No início do século XIX, com a chegada da Corte Portuguesa ao Rio de Janeiro em 1808, a observação meteorológica na Europa Ocidental “colhe os seus primeiros frutos”, a partir, por exemplo, de ações como a do naturalista Lamarck, que se dedicou, entre 1800 e 1817, à junção e ordenação sistemática dos dados meteorológicos já existentes e dispersos naquela porção continental. Ainda neste princípio de século Alexander Von Humboldt traça as primeiras “isotermas” na Cordilheira Andina e, em 1815, são iniciadas as primeiras observações em Lisboa por Marino Miguel Franzini (Alcoforado et al., 1997).

O conhecimento do meio físico brasileiro, ao longo do século XIX, beneficia-se dos viajantes naturalistas europeus que deixam um importante acervo de informações. A despeito das limitações de observação peculiar ao comportamento atmosférico, é valioso o acervo de informações que os naturalistas forneceram sobre a realidade climática das regiões por eles atravessadas (Monteiro, 1998).

Além de registros escritos ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII, em que a percepção progressiva se foi acumulando na memória social, abre-se ao estudioso do clima brasileiro a investigação histórica, a ser colhida nos registros das atas das câmaras municipais, nos relatos dos viajantes, e até mesmo na literatura (romances e crônicas) e sobretudo nos arquivos de jornais e publicações periódicas (Monteiro, 1998).

Do ponto de vista quantitativo, uma das primeiras coletâneas relativas a observações meteorológicas efetivas no Brasil foi realizada pelo astrônomo português Bento Sanches Dorta. Apesar de sua chegada ao Rio de Janeiro, em 1781, ter como objetivo a demarcação dos limites da Região Sul do Brasil, Sanches Dorta realizou observações de caráter astronômico e magnético, além registros meteorológicos, estes voltados para as temperaturas diárias diurnas para a cidade do Rio de Janeiro no período de 1781 a 1788. Quando de sua ida para São Paulo, em 1788, Sanches Dorta iniciou as observações meteorológicas voltadas para fins climatológicos em São Paulo, que foram apresentados nos relatórios “Observações Astronômicas e Meteorológicas feitas para a cidade de São Paulo, América Meridional, no período de 1788 a 1789, e o Diário Physico-Meteorológico de outubro, novembro e dezembro de 1788 da cidade de São Paulo”, que se constituíram nos primeiros registros oficiais acerca das condições meteorológicas de São Paulo (Santos, 2005; Vaquero e Trigo, 2005 e 2006; Alcoforado et al., 2012).

As primeiras observações meteorológicas quantitativas de elementos climáticos brasileiros foram armazenadas nos arquivos do Observatório Astronômico do Rio de Janeiro a partir de 1844, prenunciando o avanço desta área do conhecimento no meio científico da capital do Império (Sant´Anna Neto, 2003).

Foi a partir dos dados meteorológicos coletados pelo Observatório Astronômico do Rio de Janeiro, que o geógrafo alemão Wappaus, realizou uma das primeiras análises climáticas, ainda que parcial, relativa ao Rio de Janeiro em 1875, quando publica “Geographia do Império do Brasil” (Sant´Anna Neto, 2003).

As observações e coletas de dados pontuais distribuídas pelo território brasileiro, além daquelas do Observatório do Rio de Janeiro, constituíram a base para elaboração do primeiro estudo sobre os climas do Brasil, publicado em 1889 pelo climatólogo Henrique Morize, com o título de “Esboço da Climatologia do Brazil”. Além do pioneirismo, tal esboço contribuiu para divulgar as séries temporais realizadas no país até então, além de analisar o regime e variabilidade climática presente no Brasil, sem, contudo, dar maior atenção aos grandes mecanismos de circulação atmosférica.

Como atesta Sant´Anna Neto (2003) sete anos depois da publicação de Morize, em 1896, o engenheiro alemão Frederico Draenert, que residiu no Brasil, publicou “O clima do Brazil”, uma versão ampliada da obra de Morize que, com uma análise de conjunto sobre nossas características climáticas, deve ser considerado nosso primeiro climatólogo.

Porém, antes que estas duas publicações viessem a público, vários trabalhos baseados em séries temporais já haviam sido produzidas e divulgadas, de forma a fornecer subsídios sobre o clima e suas relações com a saúde pública, a adaptação e assimilação da população aos tipos climáticos regionais, além de análises das séries temporais, (quadro III, Sant´Anna Neto, 2003).

 

 

O grupo de pesquisadores do Observatório Imperial do Rio de Janeiro, que a partir de 1889, com a proclamação da república, passou a ser denominado Observatório Nacional, assim como Morize e Draenert, oriundos de escolas politécnicas, direcionou seus estudos para uma climatologia estatística.

Ao fim do século XIX praticamente todos os estados brasileiros haviam organizado seus respectivos serviços de meteorologia e climatologia em estações e postos já instalados, que propiciaram muitas séries temporais. Contudo, saliente-se que a maior parte destes pontos de coleta de dados se encontrava em órgãos governamentais estranhos às ciências atmosféricas, pertencentes a departamentos de obras públicas ou repartições voltadas para o setor agrícola, o que provocava, além de observações díspares, o uso de instrumentos e normas distintas o que, não raras vezes, ocasionava problemas de ajustes dos dados (Sant’Anna Neto, 2003).

Ao final do século XIX as condições iniciais para o desenvolvimento da climatologia no Brasil já estavam solidificadas, pois haviam sido criadas as primeiras instituições compostas por um grupo de pesquisadores competentes embasados em informações e metodologias provenientes dos centros de estudos climáticos da época, destacando-se os europeus, sobressaindo-se as contribuições do geógrafo brasileiro radicado em Paris, Delgado de Carvalho (1929), este já no início do século XX.

Dentro da perspectiva de relatos, percepções e dados,apresentam-se seguidamente os efeitos de estiagens prolongadas e enchentes episódicas no interior e litoral do Nordeste brasileiro, com ênfase para a segunda metade do século XIX, bem como as conseqüências sócio-ambientaisde tais fenômenos.

 

IV. SECAS E ENCHENTES DO SÉCULO XIX NO NORDESTE BRASILEIRO

O Nordeste brasileiro encontra-se entre entre 1 e 18 graus de latitude sul, o que poderia ser um fator de forte influência para uma boa distribuição e volume de chuvas. Todavia, as precipitações médias do interior regional variam entre 500 a 800 mm/ano, valores que poderiam ser considerados ainda elevados se considerarmos as precipitações médias para países europeus como a França e a Alemanha; no entanto, o balanço hídrico é aqui altamente deficitário devido às elevadas taxas de evaporação, reflexo dos altos índices de insolação que excedem de 3.200 horas/ano nessa porção regional do território brasileiro (Nimer, 1989).

Ademais, as extremas flutuações climáticas, evidenciadas pelas recorrentes irregularidades das chuvas com períodos de estiagem que podem perdurar até três anos, quando os sistemas atmosféricos geradores das chuvas regionais não alcançam o interior, constituem-se no fator principal que dificulta uma atividade agropecuária estável no semi-árido nordestino. Apesar de se constituir em uma porção regional receptora de cinco sistemas atmosféricos geradores de chuvas em áreas distintas do semi-árido nordestino, esse espaço, mesmo em anos considerados normais do ponto de vista pluviométrico, recebe de 80% a 90% das precipitações concentradas durante a chamada estação chuvosa, que, para o sertanejo, está entre o verão e o outono austral (dezembro a junho). Entretanto, há regiões que podem passar de seis a nove meses sem chuvas, e quando do retorno das precipitações, estas são insuficientes para as demandas socioeconômicas.

As recorrências dos fenômenos de estiagens, bem como os prejuízos socioeconômicos causados pelos mesmos, levaram a busca por causas de tais eventos, verificando-se que os períodos de exceção pluvial no Nordeste do Brasil estão relacionados ao fenômeno El Niño, que resulta de uma interação entre os oceanos tropicais e a atmosfera, provocando flutuações e anomalias climáticas na América do Sul; estas são manifestadas por episódio quente em sua fase ativa que leva ao aquecimento das águas na superfície do oceano Pacífico, habitualmente frias junto à costa oeste da América do Sul. Em anos de El Niño ocorre alteração no regime de chuva em grande parte da região equatorial, que no Nordeste do Brasil, responde por uma forte redução da precipitação.

O aparecimento de um episódio de El Niño ocorre quando a célula de alta pressão sobre o atlântico tropical intensifica-se , o que impede o deslocamento para Sul das altas pressões associadas à Convergência Intertropical: é esta a causa das secas no NE do Brasil (Caviedes, 2001). Explicações mais aprofundadas sobre este fenômeno encontram-se em Grimm (2003).

Quando os períodos de estiagem ocorrem durante apenas um verão, são consideradas simplesmente como secas resultantes de uma atuação incipientes, e/ou concomitantemente tardia, dos sistemas atmosféricos atuantes na estação, sendo resultante de um fenômeno El Niño considerado fraco. Contudo, quando os baixos índices pluviais se propagam desde o verão anterior ao próximo, a estiagem prolongada (superior a um ano, podendo chegar a mais de três anos) é creditada as influências do fenômeno El Niño de atuação moderada a forte (Caviedes, 2001).

Para Caviedes (2001) e Grimm (2003), a ocorrência de eventos El Niño está diretamente relacionada com eventos de estiagens no Nordeste do Brasil, sendo a intensidade das secas, geralmente, relacionada com seu prolongamento, conforme o quadro IV.

 

 

Com relação às repercussões das secas na região Nordeste do Brasil, foi o jesuíta Fernão Cardim, já referido, ao chegar a Pernambuco em 1583, um dos primeiros a presenciar os rigores deste fenômeno daquele ano, relatando que:

“…o ano de 83 houve tão grande secca e esterilidade nesta província (cousa rara e desacostumada, porque é terra de contínuas chuvas) que os engenhos de d’agua não moeram muito tempo. As fazendas canaviaes e mandiocas muito se secaram, por onde houve grande fome, principalmente no sertão de Pernambuco, pelo que desceram do Sertão apertados pela fome socorrendo-se aos brancos quatro ou cinco mil índios…” (Cardim, 1980: 162).

Nesse período inicial de ocupação do Brasil, a partir do Nordeste, ficava evidente que não interessava aos portugueses ocupar uma região árida que não produzia, e essa situação perpetuou-se até fins do século XVIII, quando tem início o avanço da colonização para o interior regional impulsionado pela atividade pecuária.

Todavia, as populações indígenas do interior nordestino já estavam habituadas a travar uma verdadeira luta contra as secas prolongadas, pois os primeiros colonizadores lusos testemunharam adventícios litorâneos, e dos Kariris, indígenas sertanejos, esses últimos acossados pelos efeitos do flagelo, famintos e errantes (Villa, 2000).

Foi no decorrer do século XIX que a descrição acerca dos períodos de estiagem prolongada sobre o Nordeste do Brasil foi mais intensa em relatos detalhados. Nomes como os dos naturalistas alemães Spix e Martius, os ingleses Henry Koster, Mawe, Henderson, o escocês George Gardner, e dos franceses Tollenare e Ferdinand Dinis, destacam-se como viajantes que percorreram os desertões nordestinos relatando em suas expedições as impressões que observavam a respeito das condições físicas, sociais e econômicas dos espaços percorridos (Alves, 1982).

Em sua obra Viagens ao Nordeste do Brasil, publicada em Londres no ano de 1816, Koster (2003) relata suas observações acerca da sociedade, economia e o cotidiano dos nordestinos, intercalando percepções sobre o meio físico da cidade do Recife (capital da outrora Província de Pernambuco), onde residiu, e sobre as províncias de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande e Ceará, que percorreu durante uma viagem de reconhecimento regional,realizada entre Recife-Fortaleza-Recife durante quase quatro meses, no período de 19/10/1810 a 15/02/1811.

Em suas observações relativas à escassez de água em várias localidades por ele visitadas em fins de 1810, evidenciada por leitos de rios secos e baixa produtividade agrícola, pode-se inferir acerca da ocorrência de um período de El Niño, e conseqüente estiagem ao longo dos litorais oriental e setentrional nordestinos, que perdurou ao longo de 1810, e perceptível durante sua viagem de Pernambuco ao Ceará.

Conforme afirma Koster (2003), com relação a sua viagem pelo atual território do Estado da Paraíba em novembro de 1810, “Avançamos, no dia seguinte, de Dois Rios, para os canaviais do Espírito Santo, situados às margens do rio Paraíba, seco pela estiagem de verão.” (p. 106), e ratifica a situação de estiagem, agora na Capitania do Rio Grande (do Norte), ao afirmar: “Este ano a safra de algodão foi reduzida pela falta de chuvas. O Coronel de Cunhaú que primeiramente havia plantado num terreno, esperando colher cerca de 10.000 arrobas, só conseguiu umas cem!” (p. 112).

A partir dos cronistas, percebe-se que eventos climáticos extremos iguais às secas ocorridas nos Sertões do Brasil passavam despercebidos pelo poder imperial, porque essa área não fazia parte das ambições da Coroa portuguesa. Os documentos oficiais só passam a referir as secas depois que a população branca penetra aos Sertões, e as fazendas de criação de gado começam a dar prejuízo (Andrade, 2003).

Todavia, a enriquecedora contribuição desses desbravadores da dinâmica sócio-econômica e ambiental do Nordeste brasileiro propiciou um valioso material informativo derivado de seus diários de viagens e seus estudos sobre as regiões por eles visitadas, possibilitando o reconhecimento de dados interpretativos de fatos históricos como, por exemplo, eventos climáticos extremos, como os longos e penosos períodos de estiagem, e suas conseqüências para as populações afetadas.

No referente aos períodos de estiagem prolongada ocorridos no Nordeste brasileiro, devemos destacar cinco secas de fortes repercussões na região na segunda metade do século XIX: 1877-79, 1888-89, 1891, 1893 e 1900.

Dentre as conseqüências advindas dos períodos de estiagens prolongadas, destaca-se o retardamento das possibilidades de crescimento econômico no interior regional em decorrência da crise motivada pelas estiagens sobre a já incipiente produção agrícola e de criação de animais (Alves, 1982; Villa, 2000).

Tais repercussões sobre a produção econômica teve reflexos sobre a dinâmica populacional, levando a recorrentes surtos dispersantes da população sertaneja rumo às cidades de médio e grande porte regionais, com destaque para capitais provinciais de Fortaleza, no Ceará, e Recife, em Pernambuco.

A ocorrência de cinco eventos de estiagens no período de menos de 25 anos, justamente no último quartel do século XIX (1877-1900) constituiu fator preponderante na formulação de inúmeras propostas/recomendações derivadas de um posicionamento do Estado perante a questão da seca na região.

Desses períodos de grande infortúnio sócio-econômico surgem as primeiras discussões, instigadas pelo Instituto Politécnico do Rio de Janeiro, que atribuíram às estiagens prolongadas no semi-árido nordestino uma questão de interesse nacional.

Os primeiros relatos de intervenções do governo imperial sobre áreas afetadas por secas no interior nordestino remontam à criação da Comissão Científica de Exploração em 1858, respondendo aos anseios populares resultantes de três biênios secos na primeira metade do século XIX: 1819-20, 1824-25 e 1845-46.

Constituída por especialistas em astronomia, botânica, geologia, zoologia, topografia e etnografia, a Comissão Científica de Exploração tinha como objetivo principal procedimentos voltados para a perfuração de poços. Contudo, as ações da comissão, que estruturam o I Plano de Ação Contra as Secas, se limitaram ao fornecimento de alimentos básicos para a população flagelada, a redistribuição dessa população, bem como seu recenseamento e o fornecimento de trabalho para as vítimas desse infortúnio climático (Alves, 1986).

Depois de 1858, foram inúmeras as propostas técnicas individuais lançadas por órgãos públicos e políticos, todas voltadas para amenizar os efeitos das secas. Além dessas propostas, foram lançados pelo governo imperial mais três Planos de Ação Contra as Secas, todos datados de 1877, ano inicial do pior evento de estiagem verificado no século XIX no Nordeste, não só por seu alcance regional e temporal (de 1877 a 1879), mas principalmente por suas conseqüências sociais (Alves, 1986).

Em “História da seca do Ceará (1877 a 1880)”, Theophilo (1883) faz uma análise mensal dos aspectos sócio-econômicos derivados da grande seca de 1877-1879 no estado do Ceará, inclusive apresentando os dias com chuvas e as médias anuais de precipitações anteriores e posteriores ao evento, demonstrando como a drástica redução dos índices pluviométricos, verificados para a cidade de fortaleza, capital atual do Estado do Ceará, repercutiu em outras regiões do estado (Quadro V).

 

 

Constatamos que, na década de 1861-1870, a média anual de dias com chuvas foi de 111,7, e a da precipitação anual de 1347,6 mm. Para a década de 1871-1880, estando inclusos os três anos da Grande Seca (1877-1879), a média anual de dias com chuvas foi de 101,3 e a precipitação média anual de 1306,8 mm.

Apesar das pequenas diferenças verificadas entre os dois períodos, refira-se que nos três anos da Grande Seca, a média de dias com chuvas foi de 58,34, enquanto a precipitação média anual foi de 549,67 mm em Fortaleza-CE, representando uma redução de, aproximadamente, 42% na média anual dos dias com chuvas e de 58% na precipitação média anual, em relação aos valores médios da década em questão.

O Estado de Pernambuco foi acometido por vários períodos de secas que afetaram de forma silenciosa a sociedade sertaneja, expondo ao flagelo milhares de pernambucanos que, embora acabem sendo esquecidos pelos discursos dos dirigentes detentores do poder, permanecem na memória coletiva das populações que foram atingidas por tais fenômenos.

A princípio, as secas que afetaram diretamente as áreas do Sertão, mais especificamente do interior distante do litoral, não causariam danos nas capitais provinciais. No entanto, tais fenômenos climáticos adversos repercutiram indiretamente no cotidiano da sociedade recifense da segunda metade do século XIX, com ênfase no triênio de 1877-1879, considerado como um dos mais rigorosos e com período de retorno de 200 ou até mesmo de 500 anos (Davis, 2002).

No triênio em questão, a cidade do recife passou por várias mudanças estruturais e ideológicas. Na capital da província pairava um clima de conturbações políticas, de constantes inquietações. A província insurreta procurava inserir-se nos ares de modernização e civilização. Discursos e ações incipientes, ainda, eram definidos e aprimorados, por exemplo, as voltadas para as reformas urbanas e de higienização.

Quanto aos atingidos pelas estiagens prolongadas no interior de Pernambuco, a capital da província constituía a principal alternativa a migração ante esse fenômeno. Daí a cidade mostrar-se como uma opção atraente para o refúgio dos flagelados.

Arraes (2002) salienta que, no final da primeira metade do século XIX, o Recife, se inseria no conjunto das cidades do Império, e já era considerado um centro urbano expansivo; na verdade, era a terceira cidade em ocupação e, portanto, com amplas oportunidades para um crescimento econômico e, por conseguinte, populacional.

Apesar das estiagens ocorridas durante a segunda metade do século XIX, as secas não pareciam um dos temas principais nos discursos urbanos de modernização e expansão.

Todavia, os episódios de estiagens prolongadas tiveram uma grande relevância na dinâmica ocupacional da província pernambucana, pois interferiram diretamente no processo de redistribuição populacional, no sentido interior-litoral. Apesar disso, para Arraes (2002), não havia a disposição por parte das elites da capital da província em partilhar do ar e do solo com as levas de flagelados que iam se cercando da área urbanizada naqueles anos de secas e epidemias.

Rezende (2004) salienta o perímetro urbano como de extrema importância para as modificações sociais e políticas do momento, pois os espaços urbanos ganha- vam importância, e os costumes sociais exigiam novos comportamentos da burguesia local.

Mas não só o Sertão nordestino foi alvo de observações climáticas ao longo dos primeiros séculos de ocupação, pois este também se constituiu no período fértil para observações relativas à dinâmica climática da borda litorânea do Nordeste.

Ao descrever características climáticas do Nordeste brasileiro, desta feita a borda litorânea oriental da região, foi Gabriel Soares de Sousa, que integrou a expedição de Francisco Barreto que tinha a África como destino, mas que optou por permanecer no Brasil depois de uma escala feita na Bahia, onde trata o clima dessa província em algumas de suas observações sobre o inverno:

“começa-se o inverno desta província no mês de abril, e acaba-se por todo julho, em um qual tempo não mais frio que obrigue aos homens se chegarem ao fogo, se não aos gentios porque andam despidos”(Sousa, 2000: 89).

Além de uma relativa diminuição das temperaturas, durante o período de outono-inverno (março-setembro) tem-se o estabelecimento da estação chuvosa no litoral oriental nordestino, quando intensas e recorrentes chuvas afetam essa porção regional. Em ofício enviando pela Câmara de Salvador ao Rei, datado de 14 de agosto de 1671, são solicitados recursos para obras de prevenção contra as fortes chuvas desencadeadoras de deslizamentos em encostas de Salvador, conforme relato abaixo:

“Senhor. – Em abril d`este ano forão as invernadas, e inundação das águas tantas, que levarão do monte em que está fundada esta cidade, quantidade de terra, com o que se arruinou meia praia d`esta cidade, arrazando muitas casas de custo, e não foi este damno, sendo muito, tanto de sentir, como a morte de mais de trinta pessoas, que perecerão sem confissão, que como foi de noite se lhes não pode acudir, e estava a parochial da mesma praia ida, e só pilo milagre do Santíssimo Sacramento, e da Virgem da Conceição escapou, e são já três vezes este as d`este sucesso; mas em nenhum fez tanto estrago. (...) (Farah, 2003).”

Tal como relatado para a cidade de Salvador no século XVII, os eventos pluviais extremos de outono-inverno acarretavam inúmeros problemas para a população que habita nas proximidades do litoral oriental do Nordeste. Em Pernambuco, a “vertente” litorânea do estado era afetada recorrentemente, tal como hoje, causando inúmeros transtornos, dentre prejuízos materiais e mesmo mortes aos moradores de outrora.

Ao analisarmos o histórico de enchentes na cidade do Recife, percebemos que desde a época da ocupação holandesa (1630-1654) tal fenômeno já ocorria em grandes proporções, sendo objeto de atuação na gestão do Conde Maurício de Nassau, que ordenou a construção de um dique onde hoje se localiza a Rua Imperial, para conter o avanço das águas, o que demonstra que, desde o século XVII, a topografia rebaixada do sítio da cidade (variando entre 5 a 15 metros de altitude) constituía-se em preocupação para seus gestores (Santana, 2003).

As enchentes na cidade do Recife, consideradas eventos climáticos dependentes, pois são reflexos de disritmias pluviais caracterizadas pela intensidade e recorrência, inundavam bairros inteiros, danificavam o patrimônio e transformavam ruas em atoleiros intransponíveis. Mas o caos causado pelas enchentes não ficava restrito ao alagamento de ruas e bairros. Ocorria simultaneamente a isso o colapso dos sistemas de comunicação, transporte, energia e abastecimento de água.

Na obra “O Diário de Pernambuco e a História Social do Nordeste” (Mello, 1975), referindo-se a edições do Diário de Pernambuco de 1840 a 1889, há alusões relativas a um forte evento pluvial ocorrido em 22 de junho de 1854, mas publicadas na edição de 27 de julho do mesmo ano, que causou inúmeros problemas na cidade do Recife, conforme citação abaixo:

“(...). No dia 22 de junho próximo passado esta pela bela cidade do Recife foi ameaçada por uma inundação como nunca se havia visto; parte dos bairros de Santo Antônio e Boa Vista esteve coberta de água por espaço de algumas horas e o mal teria sido irremediável se a Providência Divina se não tivesse condoído da sorte desta imensa população, fazendo baixar a enchente e desassombrando o povo espavorido e quase desesperado” (p. 801).

No mesmo artigo, inserido na seção de Comunicados, de 27 de julho de 1854, são feitas considerações acerca dos dias de chuvas e suas conseqüências:

“Três dias de chuvas continuada em quase toda a Província causaram um verdadeiro dilúvio, mas ainda nos faltam dados para falarmos das diversas comarcas onde a aluvião foi medonha; por hora ocupar-nos-emos desta capital e seus arrabaldes. O certo é que um espaço de mais de quatro léguas quadradas oferecia a vista de um mar mediterrâneo; em muitos lugares cresceram as águas mais de 50 palmos, e por um cálculo tanto mais exato,quanto é o conhecimento que temos de todo esse terreno, a altura média das águas em todo este longo espaço não foi menor de 25 palmos”.

A enchente de junho de 1854 foi considerada a maior do século XIX para os recifenses, perdurando as precipitações por três dias, e seus efeitos atingindo todos os bairros da cidade. Dentre seus reflexos constata-se a queda de uma muralha que guarnecia a Rua da Aurora, parte do cais da Casa de Detenção, assim como a ausência de comunicação com o interior da província por conta dos alagamentos.

A dicotomia secas e enchentes, além de pontuais eventos de deslizamentos de terras, como fenômenos climáticos dependentes e recorrentes no Nordeste brasileiro, com alusões que remontam ao início do processo de ocupação territorial no século XVI, se constitui em aspecto de amplo reconhecimento da população regional. São eventos que, invariavelmente, acarretam prejuízos materiais e imateriais, com conseqüências para determinados segmentos econômicos e sociais, ao proporcionar desabastecimento, processos migratórios forçados e mesmo mortes.

Conforme os exemplos citados, a ocorrência de eventos meteorológicos e climáticos de intensidades moderada a forte, constitui-se em objetos de estudos de grande relevância e aplicabilidade social para historiadores e geógrafos, que através da análise temporal e espacial de tais acontecimentos, poderão contribuir para minimizar eventos futuros e fornecer subsídios para políticas públicas de planejamento e gestão para espaços susceptíveis a tais fenômenos.

 

V. CONCLUSÕES

Nas últimas décadas tem-se observado, no âmbito do debate sobre as mudanças climáticas, com ênfase para o aquecimento global, um gradativo aumento do interesse da comunidade científica e dos planejadores e gestores territoriais pelo estudo da freqüência e intensidade dos fenômenos meteorológicos extremos, e seus conseqüentes fenômenos dependentes.

A demanda crescente por um melhor entendimento dos mecanismos que regulam o comportamento da atmosfera e as projeções acerca dos prováveis tipos de mudanças climáticas projectadas para o futuro, torna necessário o aprofundamento dos conhecimentos relativos às dinâmicas climáticas, quer em relação aos componentes naturais da variabilidade climática, quer das variações dos climas no passado, mesmo que recente.

Acreditamos que o conhecimento acerca de eventos climáticos catastróficos, como estiagens prolongadas ou inundações ocorridas no passado no Nordeste do Brasil, bem como suas repercussões sobre as sociedades afetadas, podem auxiliar na avaliação dos riscos em potencial a nível regional ou mesmo local, facilitando a avaliação das ligações existentes entre a dinâmica climática mundial e seus reflexos a nível regional e, por conseguinte, na identificação de perigosidade meteorológica e climática causadora de riscos a populações expostas.

O reconhecimento, inventariação e caracterização de eventos meteorológicos ocorridos nos últimos séculos, e mesmo ao longo do século XX, se revela, pois, de particular importância no contexto da atual discussão em torno do papel do homem na alteração e funcionamento do sistema climático global.

Contudo, não podemos desconsiderar os eventos catastróficos ocorridos no passado e que são regidos por uma dinâmica de sistemas ambientais naturais, que, de forma recorrente, afetam grupos sociais, demandando uma constante atenção por parte dos planejadores e gestores territoriais.

Pesquisas voltadas para estes fenômenos, propiciam a possibilidade, além do reconhecimento de suas características e impactos sobre as populações afetadas, de avaliação das ações impetradas quando de suas respectivas ocorrências, bem como a eficácia, ou não, das ações voltadas para o planejamento e gestão dos territórios afetados.

Assim, o resgate de observações e registros de fenômenos atmosféricos, bem como de fenômenos naturais dependentes do tempo, como secas prolongadas, inundações e deslizamentos, considerados eventos de grande repercussão ao longo de séculos no Nordeste brasileiro, é fator essencial para embasar linhas de investigação voltadas para: 1º identificação de dinâmicas climáticas a partir de séries temporais e observações/percepções; 2º reconhecimento das consequências de eventos meteorológicos e climáticos extremos e 3º avaliação de políticas públicas voltadas para minimizar eventos climáticos impactantes. Em todos os casos busca-se reconhecer como a dinâmica climática regional pode influenciar sobre a dinâmica populacional e socioeconômica, e mesmo de outros elementos naturais que compõem o quadro físico regional.

A gradativa construção de uma Climatologia Histórica do Nordeste brasileiro, resultante do reconhecimento da dinâmica de eventos catastróficos,e seus reflexos sobre sociedades afetadas,é de grande relevância para alcançar formas de planejamento que poderão embasar ações potenciais de gestores territoriais que tenham como objetivo minimizar os impactos de tais eventos para as localidades recorrentemente afetadas.

 

AGRADECIMENTOS

Nossos sinceros agradecimentos aos revisores, que contribuíram, com um firme rigor acadêmico, para ampliar e aprofundar a temática ora ofertada.

 

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Recebido: Outubro 2010. Aceite: Março 2012.

 

 

NOTAS

iO mínimo de Maunder é o nome dado ao período de 1645 a 1715, quando as manchas solares quase desapareceram da superficie do Sol, tal como observaram astrónomos da época. O nome do mínimo em questão é uma referência ao astrónomo solar E.W. Maunder, que descobriu a escassez de manchas solares durante esse período estudando os arquivos desses anos.

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